domingo, 31 de agosto de 2025

NEM TUDO É AUTOESTIMA.

Nem tudo é autoestima...
(por Antonio Samarone)

Uma famosa historiadora sergipana, me perguntou: “qual são as raízes da autoestima itabaianense?” Ela queria respostas sociológicas e/ou históricas. Sei lá... Nunca tinha pensado.

A autoestima é interior, reside na alma, não precisa de razões objetivas. Talvez seja objeto da psicologia.

Pensei, a autoestima em Itabaiana é inata. Uma obviedade. Já se nasce com autoestima. É um arquétipo. Ela não se intimidou: “e como se formou esse inconsciente coletivo?” Eu não sei! Peço ajuda...

Talvez o secular isolamento do litoral. O ambiente serrano.

Itabaiana, precisou primeiro ser auto suficiente, berço da autoestima. Perguntaram ao mestre Órpilio, renomado alfaiate itabaianense, o que ele achava da guerra do Vietnã. Ele foi lacônico: “eu só me interesso com o que acontece na jurisdição de quem me encomenda ternos.”

Vladimir Carvalho chamou o seu livro clássico, sobre a história de Itabaiana, de “A República Velha em Itabaiana”, sem a saudável autoestima, seria Itabaiana na República Velha. Percebem a sutileza?

Culturalmente, pensa-se grande em Itabaiana.

Parafraseando Fernando Pessoa: o Rio Jacarecica é mais belo que o São Francisco, pois o Velho Chico não é o rio que corre pela minha Aldeia.

É essa a alma sagrada da autoestima!

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

sábado, 30 de agosto de 2025

GENTE SERGIPANA - PROFESSOR BOSCO (74 ANOS).

Gente Sergipana – Professor Bosco – 74 anos.
(por Antonio Samarone)

A escola pública já foi o principal caminho de ascensão social. O professor João Bosco Bispo dos Santos, é um bom exemplo.

Os meninos que nasceram em meados do século XX, em decorrência do tri campeonato da Seleção Brasileira (1958/62/70), sonhavam em jogar futebol. Brincar de bola era um sonho infantil.

A primeira bola de couro no Beco Novo, foi de Benjamim, filho de Seu Bebé dos passarinhos. Os irmãos mandaram de São Paulo.

A bola era uma ilusão. A salvação estava na escola.

O meu herói de hoje é João Bosco Bispo dos Santos, professor de matemática. A sua família era de jogadores de futebol, bem sucedidos. Bosco optou pela sala de aula (comer pó de giz).

Na década de 1950, desembarcou em Itabaiana, o ourives Cícero Bispo dos Santos e a esposa, Dona Joventina de Barros Lima, vindos de Porto da Folha. Com uma família numerosa:

Manoel de Jason, goleiro, dono de um velho Pau de Arara, que transportava gente para as feiras da vizinhança. Ele pegou a fama de ser o motorista mais lento da região, sempre em baixa velocidade. O seu carro era conhecido, possuía a pintura de onça-pintada na porta.

Certa feita, um passageiro abusado reclamou: “Seu Manoel, o seu carro está batendo muito!” A resposta veio na ponta da língua: “Enquanto estiver batendo está bom, ruim é quando começar a apanhar.”

Seu Cícero era o pai do maior craque do futebol sergipano (que eu vi jogar), Debinha, e mais de Evangelista, Manoel de Jason, Oswaldo, Benedito e Joãozinho Baú.

Joãozinho Baú, o pai de Bosco, era um sapateiro especializado na fabricação de chuteiras. Ainda não existiam as fábricas nacionais. Calçar uma chuteira de Seu Joãozinho era um luxo, cuidada com zelo.

As chuteiras de Joãozinho Bau, vestia grandes clubes do Nordeste. Ele também fabricava bolas de couro, apesar do mais famoso em Itabaiana em bolas, ser o Metre Dé.

Quando Dr. Pedro organizou o juvenil do Itabaiana, a nossa maior alegria foram as chuteiras, todas da lavra de Joãozinho Baú. Até quem não sabia, jogava.

De onde vem o apelido, Joãozinho Baú? Ele era torcedor do Confiança. Houve um período em que o Sergipe estabeleceu um Tabu, três anos sem perder para o Confiança. Quando quebrou o Tabu, Seu Joãozinho saiu esbravejando: “quebramos o baú, quebramos o baú”! Não deixaram por menos.

O Professor João Bosco nasceu em Itabaiana, em 15 de maio de 1951. Filho de Joãozinho Baú e Dona Senhora. Irmão de Walter, Gustinho (o craque do Itabaiana) e Miro.

Bosco escolheu a escola. Foi aluno na Zenaide Schuster e na Escola de Maria de Branquinha. Foi da primeira turma do científico do Murilo Braga (colega de Tuíca, Wilson da Moita, Zé Américo de Zé de MR, Helenilde de Heleno da Padaria e Neusa de João Leite.) Bosco também foi aluno da primeira turma de matemática da UFS.

Em 1972, o lendário Gabriel, professor de matemática do Murilo Braga, se aposentou. Gabriel dava aula cantando, sempre no tom. Bosco foi o seu substituto natural.

Bosco prestou o seu qualificado serviço, em várias escolas de Sergipe e em pré-vestibulares. Um talentoso professor.

João Bosco se casou com Delormes Lisboa dos Santos, filha de Seu Lourenço do Cortiço e Dona Celuta. Bosco é pai de dois filhos, bem sucedidos nos estudos: Ronmel, médico angiologista e Diretor do IML e Rony, engenheiro civil. O pai soube educá-los.

Ronmel é casado com Viviane, pediatra, neta de Zequinha ourives, família tradicional em Itabaiana. Rony é casado com Larissa, advogada, filha do Dr. José Carlos Pinheiro. Todos socialmente bem situados.

Mesmo seguindo o caminho da escola, esquecendo o esporte, a genética ainda tem peso: o único neto de Bosco, Bernardo Lisboa Santana, 9 anos, é tri campeão sergipano de jiu-jítsu, bi campeão de judô e hipismo. Guardem esse nome, nas próximas olimpíadas.

Professor Bosco, você conquistou a cidadania pela Escola, como outros, em nossa geração.

O nosso reconhecimento e a nossa homenagem.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

28 DE AGOSTO DE 1888.


 28 de agosto de 1888.
(por Antonio Samarone)

O que comemoramos nesta data? Não é o aniversário! Itabaiana vem de longe. O Arraial de Santo Antonio e Alma de Itabaiana surgiu por volta de 1609. Em 30 de outubro 1675, já éramos a Freguesia (paróquia) de Santo Antonio e Almas, a segunda de Sergipe. A Freguesia está completando 350 anos.

Não é emancipação, autonomia. Itabaiana já era Villa em 1697, com Câmara Municipal funcionando, ou seja, independente há 328 anos.

Em 28 de agosto, comemoramos a passagem de Villa a Cidade, uma emenda do deputado Guilhermino Bezerra, há 137 anos. Uma mudança cinco meses após o fim da escravidão (Itabaiana possuía 1.683 escravizados), e um anos antes do fim do Império.

À época, a oposição resistiu. O Cônego Domingos de Melo Resende, do Partido Liberal, minimizou, ironizou a iniciativa. Denunciou que a medida só beneficiaria a família de Guilhermino, suas irmãs, passariam ser professoras de cidade, melhorando os seus vencimentos.

Uma simplificação, repetida por alguns historiadores.

O velho Cônego, capelense de família fidalga, filho da Capitão Mor Manuel de Melo Resende, viveu em Itabaiana por 50 anos (1852 – 1902). Domingos de Melo Resende, constituiu um harém, deixando vários filhos, todos registrados.

Cidade é civilidade, cultura, cidadania, onde vivem os praciantes. Villa é habitação de vilões, de artesanato ou de bodegueiros, dominada pelos tabaréus. Dizia Sebrão, sobrinho.

O Cônego pregava poeticamente: “A Villa gosta de ser Villa.”

À época da mudança (1888), viviam na zona urbana da Villa de Itabaiana, três mil habitantes. Um casario modesto, a maioria casas de rancho, com 21 sobrados de taipa. Só existiam dois prédios públicos: a sede da Câmara, num sobrado, que depois virou o bar de Papinha, e a cadeia pública, na rua do Cotovelo.

Itabaiana ainda não possuía um mercado municipal.

Com a derrubada das matas para se plantar algodão, a Villa cresceu, surgiu o comércio, lojas de fazenda, joalherias e a feira passou a ser semanal.

As Praças da Igreja, Santo Antonio e Santa Cruz (rua das tendas dos ferreiros), as ruas do Sol, Flores, Vitória, Futuro, Canto Escuro, Cisco, Beco Novo e início da Rua Nova.

Itabaiana já possuía muitos ourives. Desconheço as razões.

A Villa de Itabaiana era pobre, isolada, sem estradas, sem água, a vida era no campo. Os homens vinham para Villa de celoura, uns calções compridos de pano rústico, camisa de algodão com a frente para dentro da celoura e a parte de trás solta, parecendo fraque.

O último Presidente da Câmara de Vereadores da Villa foi o rico caraibeiro, Cassimiro da Silva Melo, plantador de algodão, grande proprietário de terras nos povoados Chã do Jenipapo, Caraíbas, Flechas e Saco do Ribeiro. Um nome esquecido, aguardando uma homenagem.

Foi o surto do algodão a principal causa da passagem de Itabaiana de Villa a Cidade. Foi o algodão que criou a Villa de Frei Paulo (1890), a primeira a separar-se de Itabaiana, que fortaleceu as povoações de Ribeirópolis, Pedra Mole e Pinhão, que depois viram municípios autônomos.

O algodão criou riqueza para Itabaiana. O comércio estabelecido e a feira regular. O efeito adverso, reduziu o seu território.

Tornar-se cidade não produziu efeitos imediatos. A cidade permaneceu com a alma de Villa. À época, o fato teve pouca relevância. Epifânio Dorea, não cita entre as efemérides do 28 de agosto, a passagem de Itabaiana a cidade. Cita a morte de Fausto Cardoso (28 de agosto de 1906) e o nascimento do itabaianense General José de Calazans. Itabaiana foi a oitava Villa sergipana a virar cidade.

O desenvolvimento só veio meio século depois, mas aí já é outra história.

Nesse período, funcionava em Itabaiana a Filarmônica Eufrosina. Em 1879, o maestro Samuel Pereira de Almeida, transformou a Orquestra Sacra do padre Francisco da Silva Lobo, em Banda Marcial, incorporando a percussão.

Itabaiana passou a ter um médico residente, o lagartense Batista Itajay. Logo cedo, Itajay se casou com uma itabaianense e virou chefe político.

O outro chefe, José Sebrão de Carvalho (Coronel Sebrão), entra na vida pública como delegado de Polícia. Nascem aí os dois grupos políticos (Peba X Cabaús), que vão dominar a vida itabaianense, até a Revolução de 1930.

O cargo de Prefeito (Intendente) foi criado com a República. A primeira eleição para Prefeito de Itabaiana ocorreu em 1892, sendo vitorioso o Capitão José Ferreira Gomes de Melo, do grupo de Itajay.

A tradição tornou o 28 de agosto feriado em Itabaiana e, de certa forma, comemora-se o aniversário da cidade. Mesmo sem ser, continua sendo.

Esse 2025, os 137 anos serão festejados, com ampla programação cívico/religiosa. Missa de ação de graça, foguetório, girândolas e galhardetes, bandeiras hasteadas e discursos comemorativos.

Tudo acompanhados pela Filarmônica 28 de Outubro, e os seus tradicionais dobrados. No final da tarde, abertura da “Micarana”, um carnaval fora de época, que vem de longe.

Itabaiana Grande tem muito a festejar!

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.

domingo, 24 de agosto de 2025

VAMOS FAZER A LOUVAÇÃO, A QUEM DEVE SER LOUVADO.


Vamos fazer a louvação, a quem deve ser louvado.
(por Antonio Samarone)

Na solenidade de inauguração de um CRAS em Itabaiana, duas coisas me chamaram a atenção. A Banda Marcial Francisco Paes da Costa, com meninos carentes, e o nome da homenageada: Centro de Referência de Assistência Social Ana Lúcia Batista Mota.

Pensei, quem foi Ana Lúcia Batista Mota?

Sair perguntando aos presentes: quem foi essa Ana Lúcia? As pessoas se espantavam como a minha ignorância. Como você não sabe, Ana dos Idosos. Passei a simpatizar com a homenagem. Ninguém se chama Ana dos Idosos à toa.

Os critérios sociais de escolha de quem merece ou não homenagens, refletem a alma cultural de um tempo, de um momento histórico. Itabaiana chamou o seu primeiro ginásio de Murilo Braga (1949), um burocrata do Ministério de Educação; chamou de Médici o seu estádio de futebol (1971). As duas principais praças, do começo do século XX, homenageiam Fausto Cardoso e João Pessoa.

Procurei Jéssica e Melissa, filhas de Ana dos Idosos, elas me trataram pelo nome. "Samarone, o que o senhor quer saber de mamãe. Não se lembra? Ela é filha de Seu Batista da Jabá e Dona Josefina" Eita! Passei vergonha. Uma família que eu conhecia muito. Gente de primeira qualidade.

Elas acrescentaram, mamãe foi esposa de Valfrando Gomes (Nem de Abdon). Aí a minha vergonha aumentou. Nem, foi amigo de infância. Um marceneiro culto, erudito na música, colecionador de discos e amante do Rock and roll. Ele botou em um filho o nome de Wickson.

Ana dos Idosos (1963 – 2024), foi uma servidora da Ação Social, que se ligou afetivamente aos grupos de idosos, que não media esforços para atendê-los, mesmo fora da repartição.

Nas comunidades carentes de Itabaiana, Ana dos Idosos continua viva na lembrança de todos.

Bela e justa homenagem.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana. 

sábado, 23 de agosto de 2025

BANDAS, FANFARRAS E ASSISTÊNCIA SOCIAL.


Bandas, Fanfaras e Assistência Social.
(por Antonio Samarone)

No ano de 1745, uma orquestra sacra foi criada em Itabaiana, tendo como regente o vigário coimbrense Francisco da Silva Lobo.

Em 1879, o maestro Samuel Pereira de Almeida transformou a orquestra sacra em banda marcial, incorporando os instrumentos de percussão. Passou a denominar-se Filarmônica Euphrosina.

Em 1897, o maestro Francisco Alves de Carvalho Júnior a renomeou (desconheço os motivos) Filarmônica Nossa Senhora da Conceição, que continua ativa e operante. Portanto, são 280 anos em atividade ininterrupta.

Ao final do século XIX, foi criada a filarmônica Santo Antonio, do maestro Esperidião Noronha. A Filarmônica Nossa Senhora da Conceição pertencia aos Pebas, grupo político liderado em Itabaiana, pelo Coronel Sebrão e a Santo Antonio pertencia aos Cabaús, de Batista Itajay.

A Santo Antonio foi desfeita com o fim do reinado de Batista Itajay.

Hoje, Itabaiana possui duas filarmônicas, sem lado político: a Nossa Senhora da Conceição, continua, e a 28 de agosto (SOFIVA), fundada em abril de 2011. A primeira, com a sua orquestra sinfônica e a segunda com uma escola de sanfona. Cada uma em sua praia.

Cumpre às Filarmônicas, o dever de abrilhantar todas as solenidades em Itabaiana: militar, civil ou eclesiástica. Isso vem de longe.

Encontrei um relato fabuloso, por ocasião da eleição do Dr. Manoel Batista Itajahy para vice-presidente do Estado (1908):

“Aos seus primeiros arrebóis a simpática filarmônica “Santo Antonio” tocou alvorada em frente à residência do circunspecto Ex. sr. dr. Manoel Baptista Itajahy, digníssimo Vice-Presidente do Estado e Chefe deste município, saindo depois em passeata...”

Ontem, fui a solenidade de inauguração do Centro de Referência de Assistência Social - Ana Lúcia Batista Mota (depois eu conto sobre a homenageada).

Na chegada, percebi um som diferente. Quem é essa Banda, que está tocando o hino da cidade de Itabaiana? “Ergamos nossa voz, minha augusta serrana/ Gritemos o teu nome Itabaiana.”

Tive um espanto emocionado: era a Banda Marcial Francisco Paes da Costa, composta por 50 meninos carentes. Organizada pela Secretária de Ação Social. Todos sabem o poder disciplinador da música. Tira os meninos das ruas e das telinhas. Fortalece os vínculos entre eles. Palmas!

Acho que a música deveria ser obrigatória, em todos os CRAS do Brasil.

O maestro é Célio Melo, um jovem dedicado e talentoso, que está estudando música. Itabaiana tem um maestro em cada famílias. Antes era padre, hoje é maestro.

Itabaiana é uma terra de comerciantes, caminhoneiro e maestros.
Vou propor a Academia Itabaianense de Letras, que convide essa Banda para a Bienal. Provavelmente, eles ainda não toquem Bach e Beethovem, mas, certamente, tocam aos corações dos que tem fome e sede de justiça.

Vou confessar, bateu uma forte emoção.

Antonio Samarone (secretário municipal de cultura).
 

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

GENTE SERGIPANA - JOSÉ DE ALMEIDA PINHEIRO.


Gente Sergipana – José de Almeida Pinheiro (80 anos).
Por Antonio Samarone.

“Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a Terra.” – Sermão da Montanha.

José de Almeida Pinheiro é um bem-aventurado.

Chega de protagonismos a qualquer custo, de falsos heróis e de alpinistas sociais. Todos somos eleitos. José de Almeida Pinheiro é filho de Pedro de Almeida Pinheiro, (Pedro de Boanerges) e de Maria Lemos Pinheiro, (Dona de João Giba). Gente simples, ordeira e pacata.

Famílias tradicionais em Itabaiana. Seu Pedro, caminhoneiro, é filho e neto de maestros; Dona é irmã de Valdice, mãe de Zé Valde; Calazans e Lourdes de Zé Bezerra, filhos de João de Geraldo do Beco Novo, fabricante de botes de fósforos sete pancadas. João Giba também era perfumista, e dos bons.

José de Almeida Pinheiro é aposentado do Banco do Brasil. Casado com Sonia, uma das princesas de Viera Lima. Pai de três filhos: Jorge, Esdras e Zé Vieira.

Ele é irmão de Pinheiro, Boanerges, Lelé e Nandinho, itabaianense raízes. José foi lateral direito do Cantagalo. Pinheiro e Lelé, foram craques do futebol itabaianense.

Desconheço uma brutalidade de Zé de Almeida Pinheiro, um inimigo, uma desavença. Viveu em paz. Levou uma vida honrada. Sem ambições de poder, riqueza ou glória.

“Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus.”

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana. 

terça-feira, 19 de agosto de 2025

SOMOS CABOCLOS.

Somos caboclos.
(por Antonio Samarone)

Cresci ouvindo dizer que Itabaiana não tinha pretos, que a nossa descendência tinha sangue holandês, com forte influência judaica. O nosso tino para o comércio, vinha dessas raízes.

Os meus amigos de infância eram negros, ou quase negros. Me criei no Beco Novo. Não me alertava para a contradição. “Itabaiana não tinha negros. Um ou outro, mesmo assim, vieram de fora.”

Talvez, fossem poucos no Colégio Murilo Braga.

Nesse meu retorno, estou procurando averiguar. Já identifiquei cinco quilombos: Carrilho, Dendezeiro, Tabocas, Tabuleiro dos Caboclos e Barro Preto.

Ontem eu fui ao Barro Preto, conversei com Dona Júlia (80 anos), nascida e criada na localidade, e com a sua filha Nina, uma líder da comunidade. (Vejam a foto). Sair convencido: o Barro Preto foi local de refúgio dos escravizados da Zona do Cotinguiba.

A Serra de Itabaiana tem o Riacho dos Negros e o Salão dos Negros. Uma forte evidência.

Foram os pretos, com a Tribo Boymé, que fundaram o Tabuleiro dos Caboclos (atual Bairro São Cristóvão), uma comunidade de ceramistas, onde nasceu o futebol em Itabaiana.

A comunidade do Barro Preto orgulha-se de sua origem.

Ao contrário, a cultura itabaianense teve forte influência negra. A nossa castanha assada do Carrilho, que tanto nos orgulha, é uma herança negra indiscutível.

Antonio Samarone. Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

domingo, 17 de agosto de 2025

UM RESTINHO DE MEMÓRIA.

Um Restinho de Memória.
(por Antonio Samarone).

Resolvi usar a inteligência artificial (IA) para recuperar essa foto de mamãe. Pedi a um sobrinho sabido. A tecnologia só recuperou as aparências genéricas. Não captou o semblante, trocou o olhar. A foto recuperada deixou de expressar a de alma de mamãe, que eu enxergava na foto antiga.

Ainda bem que recuperou a beleza. Mamãe era a tabaroa mais bonita das Flechas.

A IA apagou a subjetividade do olhar de mamãe, captada pelo inconsciente óptico da foto antiga e ainda guardado em minha memória analógica. Com a idade, as lembranças infantis estão brotando, em seus mínimos detalhes.

Um aviso da memória: “aproveite enquanto é tempo, pois estou de malas prontas. Vou embora!” Ainda me lembro das curvas das estradas, dos erros, dos medos, dos sonhos e dos sofrimentos. Como sei que os dias da memória estão contados, vou anotar o que posso.

A consciência não é produto do cérebro, por mais que as neurociências afirmem. O cérebro é o receptor. A consciência é um fenômeno cósmico. A ciência em breve reconhecerá. Portanto, essa ameaça da memória não me assusta. O medo é outro!

Minha mãe era uma católica tridentina, temente a Deus. Ela tinha uma cópia do catecismo do Concílio de Trento, que estampava na capa: “O Cristão confia apenas na misericórdia de Deus”. O catecismo estava certo.

O medo do “fogo eterno” era uma realidade poderosa. O poder de destruição de uma guerra nuclear será esse fogo eterno.

Acho que depois do Concílio Vaticano II mamãe esfriou com o catolicismo, terminou virando evangélica. Eu já tinha voado do ninho. O que ficou em minha memória foi mamãe na Irmandade das Filhas de Maria”. E eu, neto de Maria!

A minha primeira lembrança, era a missa rezada em latim, com o padre de costa para o rebanho. Mamãe acompanhava, sem saber o latim, apenas pela sonoridade. Cantava fervorosamente, em voz alta, o “Tantum ergo sacramentum”. Eu gostava da liturgia e do cheiro do incenso na hora da eucaristia.

Eu gostava do cheiro da igreja, das luzes das velas, dos sons dos sinos, das rezas cantadas e das devoções fingidas. Tinha medo das imagens do Senhor Morto e de Nossa Senhora das Dores.

Sinto saudade do coral das devotas, ressoando em meus ouvidos: “Queremos Deus, homens ingratos/ ao Pai Supremo ao Redentor/ Zombam da fé os insensatos/ Erguem-se em vão contra o Senhor.”

O catecismo de Trento ensinava que a caridade era o caminho da salvação e a esmola era a caridade no varejo. Seja lá quanto for, todos podiam dar uma esmola. “Quem dar aos pobres empresta a Deus.”

Nessa visão medieval, acabar com a pobreza seria um despropósito. Com quem praticar a caridade?

Em Itabaiana, o pão dos pobres era uma prática sagrada dos devotos de Santo Antonio.

Aos domingos, à frente da Matriz de Santo Antonio e Almas, em Itabaiana, ficava lotada de mendigos, prontos para ajudar na salvação dos ricos e remediados.

Quando Seu Durval do Açúcar ia à missa, os mendigos tiravam a sorte grande. Ele dava cinco contos de reis a cada um. Uma cédula bonita, que levava a esfinge do Barão do Rio Branco. Seu Durval era um rico que passaria no buraco da agulha, como dizia mamãe.

O generoso Durval do Açúcar distribuía o peixe e coco para os pobres, na Semana Santa. A fila em sua porta dobrava quarteirões. Não precisava avisar, todo mundo sabia o dia. Vinha gente de longe.

Certa feita, uma senhora que tinha pose de rica entrou na fila do Peixe. Logo-logo um puxa-saco foi fuxicar: “Seu Durval, fulana está na fila e ela não precisa. Todo mundo sabe que ela é rica.” Seu Durval, no alto da sua sabedoria, repreendeu o fuxiqueiro: “Deixe de besteira, se ela está na fila é porque precisa, ninguém passa por esse vexame à toa.”

Mamãe precisava, mas nunca foi. Preferia comer pilombeta na brasa. Ela dizia, tem gente mais precisada, eu me viro. A vergonha é um mecanismo de controle social poderoso.

Deixe-me parar por aqui, na fila do peixe de Seu Durval do Açúcar.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

sábado, 16 de agosto de 2025

MEMÓRIA E CIVILIZAÇÃO.


 Memória e Civilização.
(por Antonio Samaorne)

Sem memória, os aglomerados urbanos não passam de feitorias. É a cultura que cria os significados, fundamenta a história e planeja o futuro. Itabaiana avança no fortalecimento da memória.

Pela primeira vez, a Prefeitura de Itabaiana vai desapropriar um imóvel, na Praça da Igreja, com fins culturais: preservar a memória arquitetônica e instalar o museu da cidade.

As casas da primeira metade do século XX em Itabaiana, estão sendo demolidas. Recentemente, derrubaram uma Igreja Presbiteriana, de 1936. A cidade assistiu impotente.

Na praça da Igreja, o mais antigo logradouro da cidade, restam duas casas antigas: essa da foto, que será desapropriada, onde funcionou o cartório de Serapião; e a casa que foi da família de Chico do Cantagalo.

Itabaiana vai construir no local um museu moderno, com peças reais e um suporte digital. Estão ainda nos planos da gestão de Valmir de Francisquinho, dois memoriais: futebol e caminhão.

Ao lado do futuro museu, a casa azul da foto, será a sede da Academia Itabaianense de Letras, uma concessão da Prefeitura. A sede da Academia será entregue reformada, pronta para o uso. Será mais um Ponto Cultural da cidade.

É a civilização enraizando-se em Itabaiana.

Em Itabaiana existe um pequeno museu, herdado de Seu Ferreirinha da Auto Peças, que ele chamava de “gabinete de curiosidades”. Seu Ferreira era natural das Flechas, um benemérito da cultura. Esse museu será ampliado e modernizado.

Nesse processo de recuperação da memória, a Prefeitura vai identificar todos os homenageados com denominação de ruas em Itabaiana, e disponibilizar as informações via QR code, nas placas de sinalização.

Nesse sentido, fui ontem na Rua Benjamin Constant, para me certificar com os moradores, se aquela era a antiga Rua do Ovo ou a Rua do Pinto, ou nenhuma das duas. Ninguém lembrava.

Parei numa esquina comercial, lotada de gente, motoboys, vendedores ambulantes, taxistas, desocupados, ninguém sabia. Enquanto conversava, uma senhora, vendedora num carinho de lanches, que não desconfiei que estava prestando a atenção, meteu o bedelho: “é a Rua do Pinto”.

Todos os olhares espantados dirigiram-se para ela: como a senhora sabe? Ela não escondeu: olhei no Google. A inteligência artificial já sabe mais do que os nativos. Sai convencido que as histórias locais precisam entrar nos currículos das escolas municipais.

Mandei a foto da casa que está sendo desapropriada para Ézio Déda, um intelectual da arquitetura. Ele respondeu: “É uma casa linda! O estilo arquitetônico é Art Decó – movimento que sucedeu à arquitetura rebuscada do ecletismo e antecedeu o movimento modernista.”

Itabaiana se convenceu que ser forte na economia não basta, a civilização é tributária da cultura.

Antonio Samarone – Secretário Municipal de Cultura.

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

O SONHO AMERICANO


 O Sonho Americano.
(por Antonio Samarone)

O historiador francês Alexis de Tocqueville vislumbrou, ainda no século XIX, um futuro democrático para a América (USA). O destino manifesto e o sonho americano eram crenças generalizadas.

O sonho americano é a crença de que qualquer pessoa pode alcançar sucesso e prosperidade por meio do trabalho árduo e determinação, independentemente de sua origem. Hoje, na Era Trump, esse é um sonho quase impossível.

Guardando as devidas proporções, a minha geração em Itabaiana, viveu esse sonho de ascensão social pelo trabalho, com a ajuda do talento. Sem caminhos tortos. A escola pública facilitou, mas não foi a única via. O neoliberalismo se aproveitou e inventou a ideologia do empreendedorismo. São fases distintas do capitalismo.

Um bom exemplo.

José Alves dos Santos (Pombo), nasceu 05/08/1949, no povoado Pedra Preta, vizinho a Matapoã, onde existe o Cemitério dos Negros. Filho de Augustinho Alves dos Santos e Maria da Graça de Oliveira. Pombo ficou órfão de pai, aos noves anos.

A mãe, para sobreviver, arrastando dois filhos menores (Pombo e Quinha, irmão mais novo) mudou-se para um sítio de uma tarefa, ao lado da Rua Miguel Teixeira e da casa do Tenente Baltasar, na periferia da cidade. Pombo, de imediato, foi bater barro na Olaria de Zé Massa Crua.

Pombo só estudou o primário, com a professora Dona Valdice, na Matapoã.

O que esperava da vida, esse menino, fora da escola, tralhando de aprendiz de oleiro, aos 10 anos? A vida é para os fortes.

Pombo, ainda adolescente, foi ajudante de sapateiro nas tendas de Seu Faustino, Firmino de Cândida e Nivinha. Virou mestre, em solar sapato. Aos poucos, virou dono de uma sapataria, produzindo alpargatas. Os artesões do sapato em Itabaiana, já estavam em decadência. Perderam a competição para o sapato industrializado, vindo de fora.

Como quase todo menino pobre daquele tempo, em 1970, aos 21 anos, Pombo, foi tentar a sorte em São Paulo. Passou 2 anos e voltou. São Paulo já não era uma alternativa. O que fazer? As tendas de sapatos não enfrentava as fábricas do Sul.

Pombo se meteu em uma atividade econômica arriscada, foi ser muambeiro. Eu explico. Os aparelhos eletrônicos surgiram com força no mercado de consumo. Gravador, TV, fogão elétrico e a grande novidade: os vídeos cassetes. Foi uma febre. Os vídeos cassetes tinhas tantas cabeças, cada vez mais sofisticado. Todos queriam ter o seu.

Comprar nas lojas, com nota fiscal, só para os ricos. Foi aí que se criou o mercado de muambas do Paraguai. Depois da Zona Franca de Manaus. Em Itabaiana, muita gente ganhou dinheiro com os vídeos cassetes do Paraguai. Que eu me lembro: Tonho de Xanxo, Promotor, Jua de Abiddon, Paulo de Zé de Melinha, Juracy da Serra. Quem mais?

Em Itabaiana, existiu até consorcio para se adquirir as bugigangas do Paraguai.

Passada a febre das muambas, Pombo estava capitalizado. Foi dono de caminhão, caçamba. Um pequeno comerciante do que aparecesse. Vendia e comprova de tudo.

Pombo se casou Dona Zélia, filha de Tonho de Pipiu. Da família brotaram três filhos: Hudson, Karina e Viviana, e quatro netos.

Na juventude, Pombo, flamenguista, ensaiou jogar futebol. Foi um lateral direito esforçado. A sua maior façanha futebolística, foi ter machucado em um treino, o craque do Itabaiana, Horácio, que ficou de fora do jogo contra o Maruinense, onde o Itabaiana foi derrotado.

A cidade só falava nisso, botando a culpa em Pombo.

Hoje, Pombo está com 76 anos, vive de rendas, sem preocupações financeiras. Uma vida pacífica e honrada. Os juros em Itabaiana não seguem a taxa “Selic” do Banco Central, são bem menores. Em Itabaiana, quem pratica agiotagem são os bancos.

Tivemos um sonho passageiro, em Itabaiana, durante a segunda metade do século XX. Criaram-se muitos Pombos, o pombal é grande e vivemos em revoadas. Conheço vários Pombos e Pombas, que saíram de baixo e, por esforço próprio, ganharam a cidadania e o respeito da sociedade.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.


terça-feira, 12 de agosto de 2025

O BOLACHÃO DE CANELA NA ROTA DA SEDA.



 O bolachão de canela na Rota de Seda.
(por Antonio Samarone)

O tarifaço de Trump deixou de fora 700 produtos brasileiros, entre estes, o bolachão de canela de Itabaiana. Vou esclarecer: o bolachão de canela é uma herança árabe, exportado para o Texas.

Um biscoito aparentemente rude, mas com várias virtudes: não mofa, demora a endurecer e não perde o sabor. Uma delícia sertaneja.

Além do imbatível cuscuz, do quibe, da coalhada e da esfirra, os árabes deixaram o bolachão de canela, a espeça e o pé de moleque de massa puba.

Trump que não se meta a besta. O medo é que a China descubra esse mina de ouro, e passe a produzi-lo. Fui comprar uma imagem do Padre Cícero em Juazeiro, quando olhei o rótulo: “made in China”.

A massa do bolachão leva especiarias, em especial cravo de canela e banha de porco. Imita os pães árabes e sírios. Eu sei, a classe média tem preconceito. Acostumada com brioches, acha o bolachão de canela exótico. O bolachão de João Patola ficou famoso.

A economia de Itabaiana imita a China, produz em escala, reduz o preço e elimina os concorrentes. Visitei a fábrica Santo Antonio que produz diariamente 70 mil bolachões. Isso mesmo, além de exportar, abastece Sergipe e o Sertão da Bahia. Observei também a produção daquelas bolachas, bossa nova, ou sete capa, em escala menor.

Uma produção automatizada, maquinas modernas, fornos elétricos, IA e mão de obra treinada. Gente, são 70 mil bolachões/dia, 2,1 milhões/mês.

A Fábrica Santo Antonio é uma empresa familiar, administrada por Seu Netônio e pelo seu filho, Leandro. A fábrica é um exemplo de produtividade, higiene e sustentabilidade.

Esse pessoal vem de longe. Netônio é filho de Antonio de João Queimado, antigo dono de padaria em Itabaiana. A família Queimado, filhos de Dona Zabelinha e Seu João, são de prósperos comerciantes.

Destaque para Manoel de João Queimado, casado com Dona Helena, donos da famosa Loja Eliana, no Centro de Aracaju e Sílvio Queimado, comerciante de sapatos em Itabaiana.

Fiquei impressionado com a competência empresarial de Seu Netônio. Observei os detalhes da fábrica, pus os olhos de auditor aposentado do Ministério do Trabalho. Tudo prefeito.

Em Itabaiana funcionam outras fábricas menores de bolachão de canela, inclusive a de João Patola (5 mil/dia). A produção total se aproxima dos 100 mil bolachões/dia.

De fato, o espírito empreendedor do Itabaianense é destacado.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.

sábado, 9 de agosto de 2025

GENTE SERGIPANA - JOÃO CLARO.

Gente Sergipana – João Claro.
(por Antônio Samarone)

João Claro dos Santos nasceu em 12 de agosto de 1909. Filho de Juvino José dos Santos e Hermidia Francisca Santos. Ferroviário, nascido e criado no Aribé, Aracaju. Não encontrei a data do óbito.

João Claro foi um dos fundadores do importante Centro Espírita “Irmão Fêgo”. Para os mais novos, o Irmão Fêgo, era Elfego Nazário Gomes, famoso espírita de Aracaju, acreditado curandeiro, residente na Rua de Goiás nº 18, conhecido na primeira metade do século XX, como o Santo do Aracaju. A sua casa vivia lotada de doentes em busca de um alívio. Ele não cobrava.

João Claro foi vereador de Aracaju em 1934. Foi injustamente acusado e punido pelo acidente ferroviário ocorrido em 18 de março de 1946, entre Laranjeiras e Riachuelo, com mais de 60 mortos, onde ele era o maquinista.

João Claro recebeu a condenação do preconceito. Líder operário, comunista, negro, virou o "bode expiatório" do desastre. Foi considerado o único culpado, quando, na verdade, foi o que menos teve culpa. Trem superlotado, velho, linha férrea com manutenção precária, nada foi levado em conta.

Depois a sociedade reconheceu o erro, e batizou com o nome dele uma importante via pública do Bairro Siqueira Campos (Aribé), a Rua Vereador João Claro.

João Claro, negro, operário, uma vida dedicada a libertação do seu povo.

Antonio Samarone.
 

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

AS RUAS DOS SÉCULOS

As Ruas dos Séculos.
(por Antonio Samarone)

Na Bíblia, Deus concedeu ao homem o poder de nomear os seres viventes; “As¬sim o homem deu nomes a todos os rebanhos domésticos, às aves do céu e a todos os animais selvagens.” Gênesis 2;20.

O homem queria mais. Passou a denominar tudo, o que via e o que não via. Essa nomeação reflete o seu modo e filosofia de vida. Os portugueses, no início da colonização, botavam o nome do Santo do dia, no que ia encontrando pela frente. O que escapou, ficou com os nomes indígenas.

Em Itabaiana, os nomes dos logradouros públicos, ruas, praças e avenidas, refletem épocas distintas do seu desenvolvimento, com os seus valores culturais.

A Villa de Itabaiana, até o século XIX, rural, bucólica, com o coração ligado a terra, denominava poeticamente as suas ruas. No fundo da igreja despontava a rua do Sol. Paralelas à ibérica praça da igreja, as ruas das Flores e da Vitória; ao fundo, a rua do Cisco. A Praça de Santa Cruz. A rua do Futuro, o Canto Escuro, o Beco Novo, as Ruas do Fato, Nova, Pedreira, Macambira, Becos do Cemitério e do Ouvidor.

O ancestral Tabuleiro dos Caboclos.

As ruas do baixo meretrício, no domínio da economia agrária, denominam-se: ruas do Pinto, do Ovo, e a insuspeita rua do Cacete Armado.

Com o desenvolvimento da Cidade (século XX), em sua fase mercantil, as ruas centrais de Itabaiana passaram a receber nomes de militares, políticos locais e figurões nacionais. Rua Coronel Sebrão, Barão do Rio Branco, Praça João Pessoa, General Valadão, Marechal Floriano, Marechal Deodoro, General Siqueira, Batista Itajay, Antonio Dutra, Capitão José Ferreira, General Calazans, Capitão Mendes.

Até um Grumete (soldado raso da Marinha), Alcides Cavalcante, deu nome a uma rua importante, em Itabaiana. O auge dessa fase militar, foi denominar o campo de futebol, de Estádio General Garrastazu Médici.

Entre os nomes consagrados de ruas, do século XX, a que eu não vejo o menor cabimento é a Praça João Pessoa. Que os paraibanos me perdoem, ser o nome da capital da Paraíba já era suficiente. Eu só chamo de Praça de Santa Cruz. Me lembro das festas de natal; do Guilhermino Bezerra, recém-deformado; da bomba de gasolina de João Marcelo e do obelisco da Apolo 11, construído pelo Prefeito Vicente de Belo.

No século XXI, com o crescimento populacional, desenvolvimento econômico, modernização urbana, riqueza, luzes e cultura, os nomes das ruas em Itabaiana mudaram:

Praças Villa Lobos, Oscar Niemeyer, Avenida João Paulo II, Rua Jorge Americano, Maestro Antonio Melo, professora Maria da Conceição, Sebrão Sobrinho, Quintino de Lacerda, José Mesquita da Silveira (Zeca Mesquita), Rua Augusto Cesar Leite, Avenida Luiz Gonzaga, Rua Percílio Andrade.

O naipe é outro!

Conjunto Santa Mônica (a mãe de Santo Agostinho). Denominar Loteamentos como Zilda Arns e Leonardo da Vinci dizem muita coisa. O Estádio de Futebol voltou a ser Etelvino Mendonça. Desconheço em Itabaiana uma rua José Sarney (em Aracaju exageraram, denominaram uma Praia).

Claro, isso não é regra, é tendencia de momentos históricos, valores culturais e ideológicos. Entretanto, encontrar um loteamento “le Corbusier”, em Itabaiana, não pode passar desapercebido.

Existe uma lei municipal em Itabaiana, do ex vereador Olivério, obrigando a recuperação da memória dos nomes bucólicos, da Era agrária. Obrigando a fixação dos nomes antigos, ao lado dos atuais. Não custa nada...

Sinceramente, as Ruas do Sol e das Flores, pelo menos, deveriam guardar essa doce memória. Do Beco Novo, a gente cuida. Betinho de Seu Bebé, é o nosso embaixador nos “States”, até Trump mandar ele de volta.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

terça-feira, 5 de agosto de 2025

DUBLÊ DE VAQUEIRO.


 Dublê de Vaqueiro.
(por Antonio Samarone)

Na inauguração festiva do Atakarejo, em Itabaiana, uma cena grotesca: numa sala lotada de autoridades, até o Governador, um político local, ex Prefeito de uma importante cidade, rico fazendeiro na Bahia, apresentou-se fantasiado de vaqueiro, a moda antiga: chapéu de couro surrado, gibão, botas e esporas. Faltou o laço.

Levei um susto. Primeiro, pensei ser uma promessa, uma representação teatral, um surto. Não, nada disso. Fui informado ser uma estratégia de marketing eleitoral.

Os antigos vaqueiros foram romantizados, incorporados pela cultura, criou-se uma estética do vaqueiro: os aboios viraram cânticos de artistas, as pegas de boi esporte (vaquejadas), as vestes de couro moda e as cavalgadas lazer.

Acha o político esperto, que aparecer fantasiado de vaqueiro lhe trará a simpatia geral. Tenho dúvidas, geralmente as expropriações culturais são percebidas pelo público, como demagogia.

A profissão de vaqueiro é a mais antiga do Brasil. Historicamente explorada, quase uma relação feudal. Hoje, o vaqueiro é um técnico qualificado para lidar com vacinas, reprodução, genética, GPS e inteligência artificial. O boi é uma commodity valiosa.

Não é mais preciso “botar o boi no mato”, hoje ele é confinado em bons pastos.

Me disseram que ele quer imitar João Alves, que tinha um programa chamado de Chapéu de Couro. Nada a ver! João foi o maior político de Sergipe, na segunda metade do Século XX, um estadista voltado para o desenvolvimento. Longe de papagaiadas.

Sempre tive esse vaqueiro de eleição em boa conta. Não se perca, meu amigo! Não force a barra! Apresente boas propostas, ideias novas, que a sociedade saberá discernir. O Congresso Nacional precisa de parlamentares de cara limpa, sem maquiagens.

O senhor não tem nem a alma, nem os modos de vida dos vaqueiros! É uma impostura!

A criação de gado foi a primeira atividade econômica em Itabaiana (século XVII). Depois da lenda da prata. Esse gado abastecia o Recôncavo Baiano e Olinda. Com tempo, os curraleiros se desentenderam com os agricultores, houve conflitos. Uma lei obrigou cercar as propriedades de gado. Não foi fácil. Não existia arrame farpado. As cercas eram de pedras.

No século XIX, os curraleiros (fazendeiros) migraram para o Sertão e os plantadores de cana para o Vale do Cotinguiba.

O território de Itabaiana, depois da Era do algodão (Sec. XIX), foi tomado por pequenos sitiantes, donos de malhadas. Itabaiana entrou o século XX, como grande produtor de víveres e comestíveis, tornando-se o celeiro de Sergipe.

Nesse tempo, Itabaiana criou a melhor farinha de mandioca do Brasil. Virou marca. A farinha pó dos Rios das Pedras, antecipou a Maizena. Hoje, somos um polo econômico de transporte e comércio.

A relação atávica com o gado, continua, nos hábitos alimentares. Até o hoje, o prato típico de Itabaiana é a carne frita, aos sábados, fresca, com um molho grosso, para encharcar o prato de feijão esfarinhado.

Itabaiana adora carne, em todas as refeições. Não troco a carne frita por nenhum filé. O sucesso do Espetinho do Patola, é uma vitória definitiva da carne.

Os vaqueiros e os agricultores construíram a Itabaiana rural e os caminhoneiros a urbana.

Sem fraudes históricas!

Antonio Samarone – médico sanitarista.