(OBSERVAÇÃO DE DOIS CASOS DE AMIGDALOTOMIA COM APLICAÇÃO DE
COCAÍNA, pelo Dr. Antônio Militão de Bragança).
Lendo em um dos
números da Revista de Medicina, de Paris, a descrição de um caso de
amigdalotomia praticada pelo Dr. Millard, no hospital de Beaujon, na qual
empregou o ilustre médico a cocaína como anestésico, por minha vez lembrei-me
de, oportunamente, estudar e apreciar os efeitos surpreendentes de tão precioso
agente terapêutico. De posse desse alcalóide, proporcionando-me ultimamente a
clínica dois doentes afetados de amigdalite crônica, operei a ambos e tive
então ocasião de observar os resultados da anestesia cocaínica. O primeiro
operado foi um menino de sete anos de idade, filho do do Sr. Capitão Antônio
Luiz da Silva Tavares. A tonsila direita apresentava um volume extraordinário,
ocupando quase todo o istmo da garganta. A esquerda estava ligeiramente
hipertrofiada. Fiz, com intervalos de cinco minutos, quatro aplicações com um
pincel embebido em uma solução de Cloridrato de Cocaína a 20% em toda a
superfície de ambas as amígdalas e, seis minutos depois da última aplicação, a
anestesia era completa. Imediatamente pratiquei a secção da tonsila direita,
sendo a dor acusada pelo pequeno doente quase nula. O segundo operado foi um
rapaz de quinze anos de idade, filho do Sr. Manoel José d’ Oliveira. Ambas as
amígdalas estavam enormemente hipertrofiadas. Como no caso precedente, fiz as
aplicações da mesma solução de Cloridrato de Cocaína. Anestesiadas as
hipertrofiadas tonsilas, pratiquei sucessivamente a sua extirpação, não
acusando o paciente a menor dor. Em ambos os casos servi-me do amigdalótomo de
Loryenne. A observação do Dr Millard refere-se a uma rapariga de quinze anos de
idade, cujas amígdalas estavam hipertrofiadas a tal ponto que se tocavam de
cima a baixo, obstruindo completamente o istmo da garganta. Feitas as aplicações
da solução anestésica, procedeu o ilustre médico do hospital de Beaujom a
amigdalotomia, não demonstrando a doente o menor indício de sofrimento. Estas
observações, feitas em pessoas de sexo e idade diferentes, provam
exuberantemente as propriedades analgésicas da cocaína, deixando prever os
resultados brilhantes que pode colher a cirurgia com o emprego desse alcalóide
em muitas outras operações de garganta. Brevemente apreciarei a influência
anestesiante da cocaína em algumas operações de olhos que tenho de praticar.
_Pão de Açúcar(AL),
28 de setembro de 1885. (Publicado no jornal O TRABALHO, edição de 3 de outubro
de 1885).
_ (Republicado no Blog do pesquisador Etevaldo Amorim, em
27/11/2009).
ANTÔNIO MILITÃO DE BRAGANÇA Nasceu em 31 de julho de 1860 em
Laranjeiras/SE, filho de Dr. Francisco Alberto de Bragança e Possidônia Maria
de Santa Cruz Bragança. Formou-se pela Faculdade de Medicina da Bahia em 15 de
dezembro de 1883, defendendo a tese “Paralisias Consecutivas às Moléstias
Agudas”. Recém-formado, transferiu-se para o Rio de Janeiro por breve espaço de
tempo e voltou para Laranjeiras onde montou consultório na Rua Direita.
Informado da inexistência de médico em Pão de Açúcar/AL, transferiu-se para
esta cidade ribeirinha, onde permaneceu por sete anos. Em 1892 regressou a
Laranjeiras. É patrono da cadeira dois da Academia Sergipana de Medicina.
Faleceu em 27 de março de 1949, em Aracaju/SE, com 89 anos.
Foto: Hospital São João de Deus, em Laranjeiras.