quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

ESQUECERAM A CLOROQUINA?


 

Esqueceram a Cloroquina?
(por Antonio Samarone)

No começo da Pandemia de Covid-19, boa parte dos médicos, valendo-se do uso “off-label” dos medicamentos, prescreveram massivamente a cloroquina no tratamento precoce da Peste.

A velha quina, a casca peruana, foi usada inclusive preventivamente.

Não se tratou apenas de uma crença negacionista. O uso do cloro/quina foi chancelado pelo Ministério da Saúde, pelo Conselho Federal de Medicina, pelos sábios e doutores das Universidades. Os Serviços de Saúde dos municípios incluíram o cloro/quina em seus protocolos.

As redes sociais divulgavam vídeos de médicos, alguns famosos, confirmando a eficácia do cloro/quina. Estabeleceu-se uma polêmica, vencida pela tradição.

Não houve novidades. O medo gerado pelas pestes torna o cidadão indefeso. Ouvi muito: “eu vou tomar, se bem não fizer, mal não faz”. E a medicina cumpriu o seu papel, abandonou as veleidades científicas e atendeu a demanda assustada.

Durante a Gripe Espanhola de 1918, os médicos também recorreram a Cinchona Peruana, a velha casca, em forma de Sal de Quinino ou de Elixir de Quina. Na atual Peste, a medicina usou a cloro/quina.

A quina é usada contra a malária desde os tempos coloniais. O medicamento mais famoso da farmacopeia da Companhia de Jesus foi a “triaga basílica”, um composto à base de quina.

Em minha infância, a “Água Inglesa” era um tônico muito usado para má digestão e falta de apetite, entre outras indicações. Servia até para placenta retida.

A “água inglesa” era um composto à base de quina, carqueja e camomila.

Mamãe não dava a “Água Inglesa” aos seus filhos, com um argumento irrefutável: “Fio de pobre não tem fastio”. Verdade, não sei o que é fastio até hoje.

Voltando à cloroquina.

Depois das vacinas, os benefícios do cloro/quina para a Covid-19 foi perdendo prestígio. Os seus defensores foram silenciando. Não se fala mais nisso!

E assim, a história da medicina continua: da magia às “evidências”!

Antonio Samarone (médico sanitarista).

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

GENTE TALENTOSA

Gente Talentosa.
(por Antonio Samarone)

Um neto de Seu Benício das Caraíbas fechou a prova de matemática do ENEM - 2021, acertou todas as questões. Filipe é o nome do abençoado, um filho da escola pública.

A prova de matemática do ENEM - 2021 foram 45 questões, uma foi anulada e Filipe acertou as 44 restantes. Sem chutes, todas resolvidas. Uma glória!

Filipe Nunes Rezende nasceu, se criou e vive nas Caraíbas, Zona Rural de Itabaiana. Filipe nasceu em 29/04/2004, filho de Jorge do Nascimento Resende e Dona Luciene Pastora Nunes Resende.

Fez o primário na escola municipal do seu Povoado, com a professora Maria de Jacó, antiga mestra, que mora no Beco do Cemitério das Flechas. Minha mãe foi a primeira professora das Flechas, nos tempos de Euclides Paes Mendonça, década de 1950.

Com a conclusão do Primário, Filipe foi para o Colégio Nestor Carvalho, na Praça João Pereira, em Itabaiana. Foi lá, na escola pública, que Filipe tomou gosto pela matemática, sob a influência do professor Tito.

Viva o anônimo professor Tito!

No terceiro ano do segundo grau, Filipe também foi incentivado para a matemática, pelo professor Jaeldson, do pré-vestibular “Alternativo”, em Itabaiana.

Filipe sempre foi destaque nas olimpíadas de matemática. Recebeu medalhas nas olimpíadas de 2016, 2018 e 2021. Como se tornar um iluminado na matemática, saindo da Zona Rural de Itabaiana e frequentando a escola pública? Primeiro é o talento e a dedicação nos estudos de Filipe, segundo é o acesso a Internet, onde os conteúdos estão à disposição de todos.

O caminho do conhecimento ainda está aberto, mesmo em tempos de Pandemia.

Para não se pensar que Filipe só é bom na matemática, ele fez 920 pontos na redação, dos mil possíveis.

Felipe decidiu cursar medicina na UFS. Pode-se perguntar, se ele é tão bom em matemática, por que não vai cursar engenharia? Não! Ele quer medicina.

Há alguns anos eu perguntei a um amigo, grande matemático da UFS, professor doutor Valdenberg, qual era o futuro da matemática? Ele me respondeu de forma enigmática: a medicina!

Depois eu entendi o que ele queria dizer. A medicina precisa cada vez mais da matemática e o talento de Filipe pode ajudar.

Parabéns, Filipe Nunes Rezende, seja bem-vindo a medicina.

Parabéns pela proeza no ENEM. Você entra para a Universidade em grande estilo.

Não é gabolice, Itabaiana tem se destacado na vida intelectual de Sergipe.

Nunca perca as raízes Filipe e siga em frente. A vida está apenas começando para você.

Parabéns, Itabaiana, pela nova safra de caraibeiros!

Antonio Samarone (médico sergipano)


 

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

COISAS DO ARACAJU


 

Coisas do Aracaju.
(por Antonio Samarone)

A ousada iniciativa de Inácio Barbosa (março de 1855) em elevar o povoado de Santo Antonio do Riacho do Aracaju à categoria de cidade e transformá-la na capital da Província, teve um elevado custo sanitário.

Seis meses após a transferência da Capital, o próprio Inácio Barbosa contraiu a endêmica febre intermitente ou paludosa (malária), não resistindo, veio à falecer em 06 de outubro de 1855.

Não foi fácil encontrar quem quisesse vir morar na nova Capital.

O Presidente Salvador Correia de Sá e Benevides, que sucedeu a Barbosa, encomendou aos doutores Guilherme Pereira Rabello e Pedro Autran, um laudo sobre as condições de salubridade da nova Capital.

O relatório dos médicos é apavorante. Ele é o primeiro documento de Saúde Pública de Aracaju, datado de 29 de junho de 1856.

Para se tornar habitável, os pântanos do Aracaju deveriam ser drenados. A cidade precisava ser aterrada, arborizada e embelezada. Era urgente a construção de habitações saudáveis.

Aracaju era o paraíso dos miasmas.

As dificuldades não decorreram da falta de planejamento. Pelo contrário! A planta da nova Capital foi encomendada ao engenheiro Capitão Sebastião José Basílio Pirro. A cidade foi antes esquadrinhada no papel e o planejado, cumprido.

Ao lado de Belo Horizonte, Aracaju foi uma das primeiras cidades planejadas do Brasil. O engenheiro Pirro, por justiça, merecia nomear uma grande avenida em Aracaju. Entretanto, nomeia apenas uma pequena travessa na Terra Dura.

No inicio, circulava o boato que a Capital voltaria para São Cristóvão. Os ricos não queriam construir em Aracaju. João Gomes de Melo, o Barão de Maruim, foi uma exceção. Construiu 15 casas somente na rua da Conceição, doou lotes aos amigos e foi morar nesta.

Não teve alternativa, a Rua da Conceição virou a Rua do Barão. Homenagem ao Barão de Maruim, um Grande do Império.

Em 23 de outubro de 1857 foi inaugurada a Igreja Matriz de São Salvador, na Rua do Barão.

Em 1860, durante a visita do Imperador à Aracaju, D. Pedro II fez um pequeno passeio pela Rua do Barão.

Outro famoso que morou na esquina da Rua do Barão, onde depois funcionou o cine Pálace (inaugurado em 1956), foi o senhor José da Trindade Prado, o Barão de Propriá.

Em 1873, a Câmara Municipal para agradar à Gonçalo de Faro Rollemberg, o barão de Japaratuba, que passou a morar na rua, trocou o nome para Rua Japaratuba. O Barão de Maruim já residia no Rio de Janeiro.

Mesmo no papel tendo passado para Rua de Japaratuba, depois de 1873, o povo sempre a chamava Rua do Barão. Na verdade, a Rua dos Barões!

No século XX chegaram à Rua do Barão o Hotel Internacional, depois substituído pelo Hotel Marozzi, o Teatro Carlos Gomes, o Ponto Chique e o Café Central,

Com a revolução de 1930, como forma de sublime bajulação política, as autoridades sergipanas ignoraram as tradições e renomearam a Rua do Barão como Rua João Pessoa. Um paraibano que nunca pisou os pés em Aracaju.

A Rua do Barão (atual João Pessoa) foi a primeira rua de Aracaju calçada à paralelepípedos, em 1919, tornando-se a principal artéria da cidade, suplantando em importância a Rua Aurora, atual Rua da Frente.

A Rua do Barão foi deformada e virou o Calçadão da João Pessoa. Sem memória, sem tradição e sem passado. Quem quiser conhecer a deliciosa história da Rua do Barão, procure pelos escritos do engenheiro Fernando de Figueiredo Porto (foto).

Antonio Samarone (médico sanitarista).

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

GENTE SERGIPANA - HELVÉCIO DE ANDRADE

 

Gente Sergipana – Dr. Helvécio Ferreira de Andrade.
O primeiro Homeopata em Sergipe.
(por Antonio Samarone)

Helvécio Ferreira de Andrade nasceu em 06 de maio de 1864, no sítio Chapada do Engenho Boa Sorte, Capela/SE. Faleceu aos 76 anos, em Aracaju, em 19 de agosto de 1940.

Formou-se inicialmente em Farmácia e logo depois recebeu o grau de doutor em Medicina, pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1886. Defendeu tese sobre a tuberculose. Foi colega de turma de Theodoreto Archanjo do Nascimento, outro sergipano ilustre.

Depois de formado, exerceu a medicina em Própria, entre os anos de 1887 a 1900. Emigrou para São Paulo, como era comum entre os médicos sergipanos, indo residir na cidade de Santos. Em seu exílio, atuou como médico da Santa Casa de Misericórdia. Exerceu também os cargos de Inspetor Sanitário e de Inspetor Geral do Ensino Público, em Santos.

Em sua passagem por Santos publicou os seguintes trabalhos: “Epidemia de Febre Amarela” – Santos, 1892; “Tuberculose, estudos das causas de sua frequência” – Tipografia Brasil -Santos, 1894; Leituras Médicas: o que é Homeopatia”, Tipografia Brasil -Santos, 1899; História da Peste Bubônica em Santos.

Nesse período, Helvécio Andrade publicou o primeiro trabalho sobre a história da medicina em Sergipe: “Climatologia e Geografia Médica do Estado de Sergipe” – 1906; trabalho apresentado no 4º Congresso Médico Latino-americano.

Retornou à Sergipe. Entre 1900 e 1910 exerceu a medicina na cidade de Maruim. A partir de 1910, já experiente e com grande bagagem cultural, foi nomeado para o cargo de Delegado Fiscal do Governo Federal, junto ao Atheneu Sergipense, passando a residir em Aracaju.

Exerceu uma grande influência intelectual em Aracaju. Publicou o primeiro Jornal de Medicina em Sergipe, em 1911, e participou da fundação de uma primeira Sociedade Médica em Sergipe. Foi um polemista na imprensa, sempre em defesa da homeopatia.

Exerceu a homeopatia desde o final do século XIX.

No anúncio do “Consultório e Laboratório Homeopático” de Helvécio de Andrade, localizado à rua São Cristóvão nº 7, constava as seguintes informações:

“Dispõe de completa ambulância, para uso clínico, de medicamentos em tinturas, diluições e triturações, segundo a posologia da Terapêutica Positiva”. “Medicamentos homeopáticos absolutamente puros em tinturas, dinamizações e triturações, preparado com material recebido dos principais laboratórios do Rio de Janeiro”.

“Nossas dinamizações, sendo todas ao décimo, garantem os mais prontos resultados no tratamento das moléstias agudas”.

O Doutor Helvécio de Andrade começou a empregar o Arseno-benzol (606) no tratamento da sífilis, homeopaticamente, em injeções hipodérmicas. Fez o mesmo com o ”Tuberculinum“no tratamento da tuberculose pulmonar.

No mesmo período, o Doutor Berílio Leite anunciava o uso dos mesmos medicamentos, para as mesmas doenças, só que usando alopaticamente.

O 606 (Salvarsan) era um medicamento famoso no Mundo no tratamento da sífilis, em substituição aos tratamentos mercuriais. O Salvarsan foi descoberto pelo médico alemão Paul Ehrlich, grande precursor da quimioterapia.

Depois se provou que a eficácia do 606 era muito reduzida ou quase nula. Entretanto, apresentava a vantagem de possuir efeitos colaterais reduzidos.

A grande polêmica:

O falecimento do Jovem Everton Coelho em 12 de abril de 1918, filho de um rico comerciante, membro da loja maçônica Cotinguiba, foi um escândalo em Aracaju.

A família de Everton procurou o Doutor Helvécio de Andrade, que diagnosticou o rapaz como portador de sífilis, complicada com nefrite, onde a primeira providência seria a suspensão do medicamento à base de mercúrio que vinha recebendo.

O problema é que o medicamento tinha sido prescrito pelo famoso Dr. Augusto Leite.

O paciente morreu e a família se convenceu de que foi efeito do uso inadequado do medicamento, colocando no túmulo um verso de Camões: “Mas debaixo o veneno vem coberto, segundo foi o engano descoberto, oh! Caso grande, estranho e não cuidado”.

Dr. Augusto Leite reagiu, sentiu-se vítima de denuncia infundada, por parte de Helvécio Andrade.

Augusto Leite enviou uma carta para todos os médicos de Sergipe, com a seguinte pergunta: “Afirma você que o cianeto de mercúrio por mim administrado em 12 injeções, tenha sido a causa determinante da crise e do óbito?”

Todos responderam negativamente, mesmo assim, o Dr. Augusto deu ampla divulgação na imprensa. Só Antonio Militão de Bragança se absteve.

O Dr. Augusto Leite, não satisfeito, convocou uma Conferência Pública para o dia 14 de julho de 1919, às sete horas da noite, na Biblioteca Pública, onde ele apresentaria o caso clínico para todos os interessados, especialmente para a classe médica, que serviria de tribunal para o julgamento do caso. O Dr. Augusto cobrava a presença do facultativo acusador e da família do morto.

“Quero ser julgado pelos médicos e pelo povo desta infelicíssima Terra, onde se forjam em bronze e se perpetuam as mais feias injúrias” – Dizia Augusto Leite.

O caso foi parar na justiça. A Sociedade de Medicina e Cirurgia de Sergipe, por unanimidade, deu apoio ao Dr. Augusto Leite.

O Dr. Augusto Leite foi absolvido pelos colegas, mesmo assim, sentiu-se ofendido, e foi exercer a sua clinica em Recife, por uns tempos.

O que a medicina já sabia naquele tempo sobre o cianeto de mercúrio?

O mercúrio era empregado na medicina desde a antiguidade, mas já estava sendo substituído por outros medicamentos mais potentes e menos tóxicos.

O cianeto de mercúrio Hg (CN)2 utilizado pelo Dr. Augusto Leite no paciente que faleceu, já estava em desuso. Helvécio de Andrade acertou em orientar a suspensão.

Cianeto ou cianureto é o nome de qualquer composto químico que contém o grupo ciano C≡N, com uma ligação tríplice entre o átomo de carbono e o de nitrogênio. Por sua vez, o mercúrio, uma vez absolvido e passando ao sangue, é oxidado e forma compostos solúveis, os quais se combinam com as proteínas sais e álcalis dos tecidos.

Os mercuriais interferem no metabolismo e função celular pela sua capacidade de inativar as sulfidrilas das enzimas, deprimindo o mecanismo enzimático celular.

Isso não significa que a causa do óbito de Everton Coelho tenha sido as injeções de cianeto de mercúrio prescritas por Augusto Leite. O caso não foi investigado. Entretanto, Helvécio de Andrade não acusou Augusto Leite. Apenas aconselhou a família que suspendesse o medicamento em uso.

A inscrição no túmulo de Everton no Cemitério Santa Isabel, já foi apagada. O episódio não reduziu a importância de Augusto Leite para a consolidação da medicina em Sergipe. O Hospital de Cirurgia, obra dele, foi o berço da medicina científica.

O conselho do homeopata Helvécio de Andrade foi sensato. O salvarsan (606) existia desde 1911. Mesmo assim, Helvécio de Andrade, nunca foi perdoado pela elite médica sergipana.

Por outro lado, Helvécio de Andrade é festejado pelo seu trabalho na Educação em Sergipe.

Antonio Samarone (médico sanitarista),