segunda-feira, 24 de outubro de 2016

HISTÓRIA DA VARÍOLA (BEXIGA) NO BRASIL.


HISTÓRIA DA VARÍOLA NO BRASIL 

ANTONIO SAMARONE DE SANTANA

A primeira referência a uma epidemia de varíola (bexiga) no Brasil, encontra-se numa carta de José de Anchieta a Diogo Laínez, segundo superior geral da Companhia de Jesus. São Vicente, 08 de Janeiro de 1556. Observem os assombrosos tratamentos disponíveis no século XVI.
A principal destas doenças hão sido varíolas, as quais ainda brandas e com as costumadas que não têm perigo e facilmente saram; mas ha outras que é coisa terrível: cobre-se todo o corpo dos pés á cabeça de uma lepra mortal que parece couro de cação e ocupa logo a garganta por dentro e a língua de maneira que com muita dificuldade se pode confessar e em três, quatro dias morrem; outros que vivem, mas fendendo-se todos e quebrasse-lhes a carne pedaço a pedaço com tanta podridão de matéria, que sai deles um terrível fedor, de maneira que lhe acodem as moscas como á carne morta e apodrecida sobre eles e lhe põem gusanos (bicho de mosca) que se não lhes socorressem, vivos os comeriam.
José de Anchieta revela na carta: estive acudindo a todos, sangrando dez, doze cada dia, que esta é a melhor medicina que achamos para aquela enfermidade, e era necessário correr suas casas cada dia uma ou mais vezes, a buscar deles que, ainda que passeis por suas casas, se não a revolveis toda e perguntais por cada pessoa em particular, não vos hão de dizer que estão enfermos. E o melhor é que em pago destas boas obras, alguns deles, como são de baixo e rude entendimento, diziam que as sangrias os matavam, e escondiam-se de nós outros. Os índios desconfiavam que sangrar o bexiguento (doente com varíola), não era um bom socorro.
Contudo, os índios escolhiam outra forma agressiva de tratamento: mandavam fazer umas covas longas á maneira de sepulturas, e depois de bem quentes com muito fogo, deixando-as cheias de brasas e atravessando paus por cima e muitas ervas, se estendiam ali tão cobertos de ar e tão vestidos como eles andam, e se assavam, os quais comumente depois morriam, e suas carnes, assim com aquele fogo exterior como com o interior da febre, pareciam assadas. Três destes que achei revolvendo as casas, como sempre fazia, que se começava a assar, e levantando-os por força do fogo, os sangrei e sararam pela bondade de Deus.

José de Anchieta continua descrevendo as vantagens de sua medicina: a outros que daquele pestilencial mal estavam mui mal e esfolei parte das pernas e quase todos os pés, cotando-lhes a pele corrupta com uma tesoura, ficando em carne viva, coisa lastimosa de ver, e lavando aquela corrupção com água quente, com o que pela bondade do Senhor sararam; de um em especial se me recorda que com as grandes dores não fazia senão gritar, e gastando já todo o corpo estava em ponto de morte, sem saber seus pais que lhe fazer, senão chorar-lhe, o qual, como lhe cortámos com uma tesoura toda aquela corrupção dos pés, e os deixámos esfolados, logo começou a se dar bem e cobrou a saúde.

sábado, 22 de outubro de 2016

CENTENÁRIO DE EUCLIDES PAES MENDONÇA (Parte dois).

CENTENÁRIO DE EUCLIDES PAES MENDONÇA (parte dois)

Antonio Samarone de Santana

Foi na conjuntura (apontada na parte um do texto), na transição entre o predomínio da atividade agrícola para o crescimento do comércio e do transporte, favorecidos pela chegada da estrade de rodagem, a BR-235, que Itabaiana ganhou um grande impulso de desenvolvimento. Aqueles homens treinados nos pequenos negócios nas feiras do Estado, com o corpo no campo numa produção camponesa e espírito voando para o mercantilismo. Gente simples, sempre poupando, levando vida franciscana, de pequenos gastos, poucos luxos, muito trabalho e muita avareza. O dinheiro era tudo, ganhar, investir e ganhar, o esquema clássico do capitalismo.
Euclides Paes Mendonça chegou a Itabaiana disposto a ganhar dinheiro, descobriu rápido que com o fim do Estado Novo, a política ia abrir espaços pelo voto, para quem tivesse ambição. O eleitor passou a valer alguma coisa e precisava ser conquistado, com mimos e afagos, ou com ameaças e retaliações. O chefe político não era mais o coronel da República Velha, um latifundiário com os seus vassalos e capangas, o voto precisava ser conquistado. O eleitor precisava mais que o cabresto para ser domado, além da proteção, precisava de outras regalias. O cumprimento, o aperto de mão e até do abraço, em época de eleição.
Euclides percebeu os novos tempos, bom comerciante, impetuoso, tendo prosperado na padaria, resolveu ampliar os seus negócios. Em 1944, comprou uma casa velha no Largo da Feira e construiu um grande armazém de secos e molhados, o precursor dos atuais supermercados. O estabelecimento prosperou e logo-logo se tornou o maior da cidade, em competição direta com o Armazém de Manoel Teles, mais antigo, e situado no mesmo logradouro.
Euclides Paes Mendonça, diante da necessidade de expansão dos negócios e do enriquecimento constatou que sem o contrabando, a velocidade de crescimento não seria a mesma. Não era difícil identificar que possuir força, poder, capacidade de ameaçar e do exercer a violência, era de grande utilidade, nesta fase de acumulação primitiva de um mercantilismo nascente. Era preciso controlar a exatoria (o fisco) e a polícia, e se possível, a justiça e a igreja, mas isso se veria depois. Estava clara a necessidade de envolvimento com a política.
Dos irmãos Mendonça, apenas Mamede Paes Mendonça não se envolveu diretamente com a política; Pedro Paes Mendonça foi Deputado Estadual e Prefeito de Moita Bonita. Gentil Barbosa, sobrinho de Sinhá Barbosa (esposa de Euclides), assumiu os armazéns de Euclides após a sua morte precoce (1963) e fundou o G. Barbosa, a maior rede de supermercado de Sergipe; em sociedade com o seu irmão, Noel Barbosa. Com a morte trágica de Euclides e inicio da ditadura em 1964, os irmãos Barbosa não se envolveram diretamente com a política. Albino Silva da Fonseca e Oviedo Teixeira, outro empresários de Itabaiana esse período, saíram da cidade, cresceram em Aracaju, estavam envolvidos até os cabelos com a política, cada um ao seu modo.
Em Itabaiana, só ficou Euclides Paes Mendonça, dos empresários bem sucedidos. Euclides chamou a atenção pelo o seu caráter expansivo e provocador, ousado, temperamental, sangue quente, que falava mais do que fazia, sensível às fofocas e os fuxicos da política. Euclides entrou na política visitando os eleitores de casa em casa, oferecendo vantagens para quem aderisse ao seu comando, ameaçando os resistentes, fazendo festas (leilões, micaremes e bailes), comprando votos e apoios, bagunçando a forma antiga de se fazer política em Itabaiana. Foi um furacão.
Na política, depois da atritada era dos pebas e cabaús, o Coronel Sebrão versus Itajay, da República Velha, Itabaiana passou pela ditadura do Estado Novo, com um recrudescimento da politicagem local. Sílvio Teixeira governou a cidade de 1935 a 1941 e Manoel Teles, de 1941 a 1946. Após a redemocratização de 1945, constituíram-se dois grupos fortes na política, de um lado o PSD, ligado aos proprietários rurais, liderado por Manoel Teles, Jason Correia e Toinho do Bar; e do outro a UDN, mais vinculado aos comerciantes, tendo a frente Otoniel Dórea, Esperidião Noronha e Boanerges Pinheiro.
Euclides entrou no grupo da UDN, começou quando o velho mundo pebas/cabaús tinha desmoronado, após o longo período de ditadura do Estado Novo. Quando Walter do Prado Franco, usineiro da cotinguiba, começou a organizar a UDN na redemocratização de pós 1945, teve dificuldades de encontrar uma liderança forte em Itabaiana. Euclides ocupou esse espaço. Manoel Teles, o interventor, figura entranhada no poder durante todo período ditatorial, chegando depois a ligações familiares, ficou com o PSD de Leite Neto. Manoel Teles era um homem contido, de pouca conversa, ciosos da sua condição de rico e chefe político. Não fazia gracinha para eleitor.

Os: O texto continua em outro momento...

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

CENTENÁRIO DE EUCLIDES PAES MENDONÇA (parte um)


CENTENÁRIO DE EUCLIDES PAES MENDONÇA (parte um)

Antonio Samarone de Santana.

A luta política em Itabaiana entre 1945 e 1964, tinha como pano de fundo uma guerra comercial pelo domínio do mercado Regional. A cidade voltada para a agricultura de subsistência e o pequeno comércio, com a chegada da BR-235 (1953), teve um surto de crescimento. O abastecimento das feiras municipais, sobretudo Aracaju, dependia do transporte no lombo de burros e saveiros; com a BR chega, o caminhão elevou a escala da economia. Os tropeiros viram caminhoneiros; e o pequeno feirante se fortaleceu. A base econômica de Itabaiana, Comércio e transporte, têm a sua origem com a chegada da BR-235.
Antes, camponeses e tropeiros dominavam a vida econômica do agreste sergipano. Uma particularidade, parte desses camponeses exercia algum tipo de comércio, como complemento da renda familiar. Era comum se possuir um sítio em Itabaiana e uma grade no mercado de Aracaju ou uma banca em qualquer feira de Sergipe, para se comercializar farinha, grãos, galinhas e ovos, e todo o tipo criação. Ganhamos fama de cidade celeiro, abastecendo a população de Aracaju e alhures de farinha, feijão, hortaliças e frutas.
Os tropeiros transportavam em lombo de burros as mercadorias dos sítios de Itabaiana até Roque Mendes, pequeno porto do Rio Sergipe, em Riachuelo, e através dos veleiros, chegava-se ao mercado do Aracaju. Os mesmos burros abasteciam as demais feiras de Sergipe, no retorno, trazia sal, açúcar, óleos, produtos industrializados em geral, para os armazéns locais de secos e molhados e pequenas bodegas.
Com a mudança na base econômica, a disputa política passou a ser pelo comando do comércio, dos armazéns de secos e molhados (futuros supermercados), dos centros de distribuição de mercadorias, numa cidade tida como celeiro. O poder político era decisivo para o sucesso econômico. A meta era controlar a exatoria e a polícia. Quem estava autorizado a passar o contrabando? Quem mandava prender e soltar e podia acobertar os malfeitores? Essa era a essência do poder no interior de Sergipe. Em Itabaiana, o embate político entre Manoel Francisco Teles (PSD) e Euclides Paes Mendonça (UDN) foi violento e apaixonado. A população dividiu-se de forma irreconciliável.   
Manoel Francisco Teles, nasceu a 11/11/1899, filho de José Francisco Teles e Dona Maria da Graça Bomfim, oriundo de família de baixa renda, começando a trabalhar logo cedo. Em 1937, monta sua primeira Casa Comercial, depois expandindo filial em Carira. Torna-se um pecuarista de porte médio, e com a herança pela morte do sogro, torna-se um homem rico. Casou-se com Maria Mendonça Teles (Dona Pequena), filha única do Tenente Honório Francisco de Mendonça. O casal teve apenas um filho, o Dr. Airton Mendonça Teles, nascido em 07 de outubro de 1924, formado em medicina em Salvador, em 1947. Manoel Francisco Teles foi assassinado em 31 de agosto de 1967, na porta de sua residência.
Euclides Paes Mendonça nasceu a 16 de novembro de 1916, filho de Eliziário Paes e Maria da Conceição Mendonça, no povoado Serra do Machado, à época, território de Itabaiana. Chegou à cidade por volta de 1941, aos 25 anos, maduro e já casado com Dona Sinhá, uma matriarca da importante família Barbosa, das Candeias. Encontrou uma cidade pobre, acanhada, habitações precárias, sem água e sem luz elétrica. A população residente no núcleo urbano não passava de cinco mil almas. A população, em sua ampla maioria, era rural.
Euclides teve dois irmãos famosos, Mamede Paes Mendonça (1915 – 1995), que veio com ele para Itabaiana, e montaram como sócio uma padaria, no Beco Novo, esquina com a Rua da Pedreira; e Pedro Paes Mendonça (1900 – 1978), optou por estabelecer um comércio em Ribeirópolis. Mamede depois construiu a rede de Supermercado Paes Mendonça, o maior da Bahia; e Pedro construiu a rede de Supermercado Bom Preço, a maior de Pernambuco. Convenhamos não é pouco. Nesse período onde o comércio de Itabaiana explodiu, Itabaiana deu ao Brasil Oviedo Teixeira, Gentil Barbosa, Noel Barbosa e Albino Silva da Fonseca, empresários de grande sucesso em Sergipe, e na região Nordeste. Ganhamos a fama de grandes comerciantes...  

OS: O texto continua em outro momento...