sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

O CANTO DA VERÔNICA



O Canto da Verônica. (por Antônio Samarone)

Das representações religiosas da Semana Santa, guardo nas lembranças consumidas pelas incertezas da inteligência, o canto de Santa Verônica, expondo uma réplica do seu véu, com a qual ela limpou o rosto de Cristo, durante a sua paixão.

Quem era aquela dublê Itabaianense de Santa Verônica (“vera ícone”), com voz soprano, com os seus agudos incompreensíveis, em latim, que apresentava o véu (Sudário de Verônica) aos devotos?

Depois fiquei sabendo tratar-se de Bernadete de Seu Oscar do Quebra Queixo. Itabaiana teve outras Verônicas, mas a que eu ouvi e a que o canto ficou em minha lembrança, foi o dela. Soube que ainda é viva, gostaria muito de conhecê-la.

Até hoje eu não sei ao certo se era o véu que limpou a face de Cristo (Sudário de Verônica), ou uma réplica de parte do Santo Sudário, o pano de linho que cobriu Jesus, na descida do calvário. Serei grato a quem puder esclarecer.

O Sudário de Verônica foi encontrado no ano 525, na cidade de Edessa. Foi levado a Roma e exposto na Basílica de São Pedro, para veneração dos fiéis. Desde 1638, a relíquia encontra-se na Igreja da Sagrada Face, na cidade de Manoppello.

Já o Santo Sudário apareceu em 1350, quando se alastrava uma grande Peste na Europa. Essa relíquia encontra-se na Catedral de Turim. Sobre essa relíquia existe forte polêmica: foi a mortalha de Jesus, ou uma peça criada por Leonardo da Vinci?

A cópia da relíquia Itabaianense (ainda existe?) era apresentada como a prova definitiva da passagem de Cristo pela Terra e de sua ressurreição, mesmo não existindo dúvidas para os devotos.

Foi informado que o Canto de Verônica continua sendo encenado na Matriz de Santo Antônio e Almas de Itabaiana, todas as sextas-feiras santas. Não perderei a próxima...

Antônio Samarone.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

NÃO SOU ROBÔ



Não sou robô! (por Antônio Santana)

Quando publicado em 1949, o livro de George Orwell (1984), pareceu uma ficção exagerada. Uma visão improvável. O livro foi uma advertência: “do jeito que o mundo anda, a humanidade perderá qualquer sentido, os homens se tornarão autômatos, sem alma, e sem consciência disso.”

Esse tempo chegou?

O pensamento ocidental perdeu a fé na capacidade do homem de criar um mundo de justiça e paz. Essa confiança que vem do pensamento grego e dos profetas do Velho Testamento, que pregavam a vinda do Messias, acabou.

Parece que nem teremos o milenarismo, nem Dom Sebastião voltará...

Com o iluminismo, Thomas More pensou numa cidade utópica, um reino de felicidades. A Cabana do Pai Thomaz fez grande sucesso com as suas ideias socialistas. Era a esperança na perfeição individual do homem.

Não se acredita mais nisso!

Os livros 1984, de Orwell, e o Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, são utopias negativas que começam a se realizar.

Há 400 anos, no início da Era Moderna, o homem era repleto de esperança. Hoje, caiu no desencanto.

Na utopia de Orwell, 1984, o homem perde a sua identidade através da manipulação ideológica e psicológica por parte de uma burocracia estatal totalitária. O homem perde a liberdade, vigiado pelo terror e tomado de medo. Não era uma crítica apenas ao stalinismo soviético, mas também a todo mundo industrializado e capitalista.

Há quem diga que esse tempo chegou.

A partir da hegemonia do neoliberalismo, do mercado financeiro e da globalização o mundo passou a ser comandado pelo Big Data, pelos algoritmos, pela inteligência artificial e pela automação. O homem está vigiado pelas redes sociais e perdeu o que restava da sua humanidade.

Hoje o computador já nos pede comprovação que somos humanos, e não robôs. Em certos aplicativos, a operação só continua quando marcamos um X no local solicitado pela máquina.    
 (    ) Não sou robô!

Antônio Samarone.

domingo, 22 de dezembro de 2019

O MITO DE LAMPIÃO.



O Mito de Lampião. (por Antônio Samarone)

Recebi de um amigo, conceituado historiador baiano, trechos do seu próximo livro sobre Lampião. Relatos de atrocidades, crimes, brutalidades, violências praticadas pelo Rei do Cangaço. Tudo pretensamente documentado. Para ele Lampião foi um facínora.

Não me toquei com aquilo. O Lampião que está em minha memória é outro. Onde está a contradição? Por que fatos “históricos” tão recentes perderam importância?

O Lampião que está no inconsciente coletivo do nordestino tornou-se um mito. Criado por um conjunto de lendas, estórias populares transmitidas oralmente, estórias anônimas. Cantado pelo cordel. Estórias reais ou imaginárias.

“Leitores, vou terminar/Tratando de Lampião
Muito embora que não posso/Vos dar a resolução
No inferno não ficou/No céu também não chegou
Por certo está no sertão.”
(A chegada de Lampião no Inferno, de José Pacheco)

Os heróis gestados no seio do povo: Lampião, Conselheiro, Zumbi, Padre Cícero, cada um a seu modo, são personagens da cultura popular, sobretudo dos nordestinos.

Entendo mito como uma narrativa, um discurso, uma fala. Uma forma das sociedades espelharem as suas contradições, exprimirem e os seus paradoxos, dúvidas e inquietações. Uma forma de reflexão sobre a existência, o cosmos, as situações de "estar no mundo" ou as relações sociais.

O mito é uma narrativa fabulosa, alegórica, inacreditável, sem realidade. A sua "verdade" deve ser procurada num outro nível. Na visão de numa outra lógica. Não é uma narrativa qualquer.

O mito é a história poetizada. Na visão de Jung, os mitos estão no inconsciente coletivo.

Segundo Lévi-Strauss não é possível entender um mito se nós formos lê-lo como se lê uma reportagem de jornal, um livro ou um romance. Quem quiser mais detalhes sobre os mitos, leia “Mito e Significado”, do próprio Strauss.

Talvez por isso, a história cientifica sobre Lampião do amigo baiano, me pareceu exagerada, inverossímil.

Visitei um Colégio de Freira no último São João, e as meninas estavam fantasiadas de Maria Bonita e os meninos de Lampião. Transformaram a quadrilha francesa, num bailado sertanejo. Todos dançando xaxado. Todos cantando, até as freiras, “acorda Maria Bonita, acorda vai fazer o café, o dia já vem raiando e a polícia já está de pé.”

Eita, pensei, como pode, as freiras tomaram partido do facínora narrado por uma certa história científica? Claro que não...

Lampião virou mito!

Antônio Samarone.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

A MISSA DO GALO


A Missa do Galo. (por Antônio Samarone)

Deixei de ficar ansioso quando não tenho soluções para o que me incomoda. Naturalizei a impotência. Parece que o mundo só muda quando quer, tem as suas vontades e os seus caprichos. Quando menos se espera, ele já está de outro jeito.

A noite de natal cristã foi fixada em 25 de dezembro, pelo Papa Júlio I, no século IV. De lá para cá muita coisa mudou. Hoje, os comerciantes tomaram conta. O natal virou uma estratégia para aquecer as vendas.

O paganismo comemorava o Sol, em 25 dezembro.

Onde estão os presépios? Na infância, eu visitava o devoto presépio de seu Jaconias, na Praça da Igreja, em Itabaiana. Ficava num canto da sala de visitas. A gente via da calçada, pela porta da rua que ficava aberta, protegida por uma grade de madeira, daquelas baixinhas. Lembro-me dos bois, carneiros e camelos de barro, todos bem feitos.

Ontem fui bater perna, e só vi Papais Noéis em portas de lojas, tudo triste. Na verdade, eu nunca gostei desse espantalho. Não vejo nem graça, nem sentido. Me encanto com os Reis Magos (Melchior, Gaspar e Baltazar), três malucos carregados de ouro, incenso e mirra, rodando o mundo procurando um menino.

Ainda comemoro o dia 06 de Janeiro.

Nunca soube o que era “mirra”, minha mãe achava que era prata...

Outra esquisitice são essas as arvores-de-natal, pinheirinhos de plástico cheios de bolinhas de vidro coloridas e reluzentes, cobertas com pisca-piscas. Não faço a menor ideia nem quem inventou, nem o que simbolizam. Nenhuma expressão religiosa. Me disseram que é um enfeite decorativo.

Como os presépios acabaram, a classe média bota os presentes ao lado dessas arvores-de-natal, para a distribuição no jantar da véspera, onde o peru e o panetone são consumidos sem entusiasmo. Sem contar a neurose de quem está acima do peso.

Até um presépio que a Prefeitura montava na Sementeira acabou.

Natal era um dia de festas. Todos vestiam roupas novas. A gente ficava na festinha esperando tocar meia-noite. A missa do galo era sagrada, até os crentes assistiam. Diziam que um galo cantou alto, a meia noite, no dia que Jesus nasceu.

Depois da missa, quem podia, ia nas barracas da festinha comer arroz com galinha.

Como não existem mais galos, todos morrem frangos, e mesmo que sobrem alguns, não ouvimos mais o seu canto. Acabaram com a missa do galo. No Natal tem outras missas, várias, menos a missa do galo. Parece que só o Papa ainda reza a missa do galo no Vaticano, e os saudosistas podem assistir pela televisão.

Se alguém souber de uma missa do galo na Arquidiocese de Aracaju, meia-noite, me avise.

O comércio reduziu o Natal a LED e pisca-piscas. Em protesto, não vou às compras. Por mim, as bugigangas vão sobrar nas prateleiras.

Viva o Natal Cristão.

Antônio Samarone. 

domingo, 15 de dezembro de 2019

O FUTURO PREFEITO DO ARACAJU



O futuro Prefeito do Aracaju. 
(por Antônio Samarone)

Aracaju é uma cidade governada pelo poder econômico, em particular, pela indústria da construção civil. Ruas e calçadas estreitas, pequeno número de praças e logradouros públicos, desprezo pelas questões ambientais, são consequências dessa realidade. Isso há muito tempo.

Secundariamente, as empresas concessionárias do lixo e do transporte público tem pesado nas eleições municipais de Aracaju, com interferência nas gestões. Só lembrando, nunca se conseguiu concluir um processo licitatório para o transporte coletivo.

A desprivatização da gestão municipal será pauta nas próximas eleições?

Outro ponto é a questão ambiental, a construção de uma cidade sustentável, que nunca fez parte de nenhum projeto, nem mesmo como promessas de campanha.

Aracaju, cercada de rios poluídos, de mangues, dunas, lagoas e restingas, com um saneamento básico de faz de conta, precisa encarrar essa questão.

Por enquanto, três forças políticas se apresentam com chances eleitorais:

1.       Os partidos liderados pelo Senador Alessandro Vieira, tendo como principal bandeira o combate a corrupção; e se apresentando como o novo na política. Tem como força a boa votação do Senador na última eleição, e a rejeição ao PT e a esquerda de parte do eleitorado. Esse grupo não tem candidato lançado, mas o nome da delegada Daniele Garcia é visivelmente forte.

2.       Os partidos liderados pelo Senador Rogério Carvalho, defendendo a luta por direitos sociais e contra a desigualdade; tendo como credencial a gestão de Marcelo Déda na Prefeitura de Aracaju. Tem como força o prestígio de Lula e a simpatia pela esquerda de outra parte do eleitorado em Aracaju. O PT tem o nome da vice-governadora Eliene Aquino como o mais forte. 

3.       Os partidos liderados pelo atual Prefeito Edvaldo Nogueira, defendendo a despolitização da gestão pública, a imagem de gerente, do prefeito como síndico da cidade. Tem como força o apoio do governador Belivaldo e de Jackson Barreto, de outras lideranças conservadoras, do poder econômico, e das “máquinas” da prefeitura e do Estado. Edvaldo tem ainda a seu favor a longa experiencia como prefeito.

Aracaju é uma cidade onde a polarização nacional (direita x esquerda) é bem acentuada. As escolhas do eleitorado na eleição municipal seguirá essa lógica, ou votará de forma politicamente neutra, num gerente? Isso só o tempo, o andamento das campanhas, poderá responder.

Os candidatos avulsos, ou os de pequenos partidos, Almeida Lima, Henri Clay, Gilmar Carvalho e outros, ainda não decolaram.

Os Partidos tradicionais, PMDB, PSDB e Democratas, que já governaram Sergipe, não tem conseguido se apresentarem com alternativas para a Prefeitura de Aracaju, nem aderido claramente as alternativas acima.

O envolvimento da sociedade, discutindo os projetos apresentados, propondo caminhos, desenhando a Aracaju que queremos construir, será o ponto mais importante na escolha do futuro prefeito do Aracaju.

Antônio Samarone.

sábado, 14 de dezembro de 2019

CRIME AMBIENTAL




Operação Motosserra! (por Antônio Samarone)

Aracaju possui uma baixa cobertura vegetal. Durante a sua história, somente duas ações públicas de arborização foram bem-sucedidas: a primeira, em 1920, quando foram plantados os oitizeiros do centro da cidade; e a segunda, em 1979, quando João Alves plantou centenas de algarobeiras.

No mais, só promessas, blá-blá-blá. Edvaldo Nogueira está na prefeitura há mais de dez anos, onde estão as árvores plantadas por ele? O pouco que existe foi iniciativa de voluntários.

Na verdade, para que uma planta vingue, se torne adulta, precisa no mínimo de três anos de cuidados permanentes. Se plantar e abandonar, como acontece em Aracaju, joga-se o dinheiro fora.

O que ainda salva Aracaju são os manguezais remanescentes e as restingas naturais.

Um ambientalista me perguntou, alguém já calculou o impacto do corte abrupto 300 árvores? Claro que não! A prefeitura não fez nenhum estudo, a sociedade não conhece o projeto da Hermes Fontes. Apenas que um crime ecológico está sendo praticado para se construir um corredor de ônibus.

Como será esse corredor? Quantos passageiros circularão por ele diariamente? Os passageiros descerão no canteiro central, e como será a travessia para as calçadas? Como ficará a fluidez dos demais veículos na Hermes Fontes, após a obra? Nada! Tudo no improviso.

Um dos princípios republicano é a alternância no poder. Quando se fica muito tempo num cargo, o risco da incorporação da postura imperial é muito grande.

Edvaldo quando chegou à prefeitura uma de suas prioridades era a gestão participativa. Lembram? Tinha ouvidoria, conselhos funcionando, orçamento participativo. Hoje ele toma uma decisão dessas, de imensa relevância pública, sem ouvir ninguém. Apenas comunica através das “lives” e de notas oficiais.

Um áulico da prefeitura me disse com ironia: “o povo de Aracaju não gosta de árvores, suja a cidade de folhas e quebra as calçadas”. E esse mal-assombrado já foi “meio” alternativo! Quando eu radicalizei, ele recuou, disse-me que estava brincando, era só para me provocar.

O que está ocorrendo em nossa rebelde Aracaju, me perguntou uma importante arquiteta? Por que Edvaldo ficou tão poderoso, que pode ignorar a sociedade?

Pensei, Edvaldo faz o que quer e bem entende. Governa quase sem oposição! Do PT aos Partidos de André Moura e Laércio Oliveira, todos lhe apoiam. Governa com uma imprensa amiga, com os movimentos sociais desmobilizados, com os órgãos fiscalizadores acomodados, com uma sociedade civil indiferente e com muito dinheiro em caixa

Mesmo assim, deixo registrada a minha impotente indignação!

A ação da derrubada das árvores da Hermes Fontes é uma agressão a natureza, um crime contra a qualidade de vida e um desrespeito as futuras gerações.

Antônio Samarone.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

A ARTE PELA ARTE



A arte pela arte. (por Antônio Samarone)
Nunca soube nem quem falou, nem o que significa a arte pela arte. Eu uso como chavão para criticar a arte que não gosto.
Vendo um filme antigo da Metro-Goldwyn-Mayer, percebi que na parte superior do círculo, onde aquele leão ruge sem parar, está escrito “ars gratia artis”.
Será?
Recebi um convite para o último almoço da SOMESE em 2019, com a pauta “Medicina e Arte”, tendo o poeta cordelista Pedro Amaro como protagonista e o Dr Lúcio Prado da SOBRAMES como coordenador.
Como assim, medicina é arte ou se vale da arte como recurso terapêutico?
Voltaire achava que a arte da medicina era distrair o doente enquanto a natureza cuidava da doença.
Será se o adágio de Avicena, que a medicina é ciência e arte, ainda está valendo? Logo agora, que a medicina deixou de ser um sacerdócio (ócio sagrado) e virou negócio (negação do ócio).
Vou lá, saber do que se trata...
Antônio Samarone.

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

OS FALSETES DA POLÍTICA




Os falsetes da política. (por Antônio Samarone)

Nos dois primeiros mandatos (2006 – 2012), Edvaldo Nogueira chegou à Prefeitura de Aracaju pelas mãos do PT e de Marcelo Déda. No terceiro (2017 – 2020), teve a importante ajuda da vice, Eliane Aquino (PT).

Edvaldo Nogueira e PT foram parceiros históricos: carne da mesma carne, sangue do mesmo sangue.

Ao assumir o atual mandado (janeiro de 2017), Edvaldo se aproximou de André Moura, líder de Temer, e os cofres de Brasília se abriram para a prefeitura de Aracaju. Edvaldo, como contrapartida, transformou André em seu candidato ao Senado. Aqui começaram as contradições.

O candidato do PT ao senado, Rogério Carvalho, foi tratado com indiferença. Edvaldo se afastou do PT e de Lula.

As circunstâncias fazem os homens. Edvaldo foi adotado pela decadente elite econômica de Aracaju, como um “bom gestor”. Onde a economia é frágil o poder público é um grande oásis.

Edvaldo se aproximou da direita tradicional, de políticos da bancada de Bolsonaro, e os cofres de Brasília continuaram abertos. O que era relação institucional virou relação política.

Afastar-se do PT virou uma necessidade. Edvaldo procura compulsivamente sair do Partido Comunista, mas quer manter uma sombra de esquerda. Por isso, ocupar o PDT de Brizola atende a essa necessidade.

O que parecia nebuloso começa a clarear. Novos blocos políticos mostram a cara.

O Velho Centrão sergipano articula-se sob a batuta do Prefeito de Aracaju. O PC do B ficou pequeno. A ida do Prefeito de Socorro (PC do B) para o Partido de Laécio Oliveira faz parte desse Jogo.

A disputa pelo poder político em Sergipe passa pela Prefeitura de Aracaju. O Centrão de Edvaldo saiu na frente.

Enxergo mais dois agrupamentos que podem entrar com chances nessa batalha. A esquerda tradicional, lideradas pelo PT; e uma terceira via, liderada pelo Senador Alessandro Vieira. Não vejo grandes novidades.

Em torno da esquerda petista, lideradas pelo Senador Rogério Carvalho, podem se aproximar o PSOL e o PSB, e outras legendas sem espaço no Centrão.

O bloco em torno do Senador Alessandro está quase formado, já se reúnem há muito tempo. A dúvida paira sobre o candidato a prefeito: Emerson, Emília, Milton, ou quem sabe, a delegada Daniele Garcia.

Um palpite: desses três agrupamentos políticos, dois irão para o segundo turno em Aracaju.

Antônio Samarone.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

GENTE SERGIPANA - PROFESSOR JOSÉ AUGUSTO



Gente Sergipana – Professor José Augusto (por Antônio Samarone)

José Augusto Machado (71 anos), natural de Itabaiana. Filho de José de Oliveira Machado (Zé da Manteiga) e dona Maria Maurícia Machado. Quatro irmãos: José Arnaldo (Manteiguinha), Maria do Carmo, Vera e Aparecida.

José Augusto fez o primário no Grupo Escolar Guilhermino Bezerra. Foi aluno de Maria Pereira, Helena de Branquinha, Helena Priscina, Maria do Carmo de Pedrinho e Lenita Porto.

Entrou no Ginásio Murilo Braga em 1959, após um rigoroso exame de admissão (um vestibular precoce), e concluiu em 1962.

José Augusto, como todo menino da época, Jogou bola, brincou de castanha e pião. Pegou passarinho no visgo e no alçapão. Se danou de bicicleta, pelos povoados. Tomou banhos em rios, lagoas e açudes.

Em 1963, veio para Aracaju, cursar o científico no Colégio Estadual de Sergipe, no velho Atheneu, obrigatório para quem queria continuar os estudos.

Naquele tempo, terminado o ginásio no interior de Sergipe, os meninos que podiam vinham fazer o científico em Aracaju, os que não podiam, paravam os estudos, e iam procurar do que viver.

José Augusto passou no vestibular da conceituada Escola de Química de Sergipe, sem frequentar cursos de pré-vestibular. Concluiu o Curso de Química em 13 de dezembro de 1969.

Em 1970, José Augusto já era professor no Instituto de Química da UFS.

José Augusto se casou em 1972, com Iracema Barreto Machado. É pai de três filhos: Breno, Diogo e Dênio.

Ainda estudante, José Augusto Machado se envolveu na luta para levar o curso científico para Itabaiana quase sozinho. Depois de muito vai e vem, conseguiu que a Secretária de Educação instalassem em 1969, o curso científico no Colégio Murilo Braga.

Para sanear a falta de professores, José Augusto se dispôs a lecionar três disciplinas (matemática, física e química). E o curso se viabilizou.

O científico em Itabaiana foi a salvação para muitos meninos pobres que queriam continuar os estudos e as famílias não tinham condições de sustentá-los em Aracaju. Ressaltando, que esse benefício alcançou gente de todo o agreste e de parte do sertão.

Eu fui aluno da segunda turma, em 1970.

Itabaiana anoitecia com caravanas de alunos de tudo que era lugar. Vindos de ônibus, kombi, pau-de-arara, caminhoneta, de burro, bicicleta e a pé. Chegava gente de todos cantos: Carira, Frei Paulo, Ribeirópolis, Campo do Brito, Malhador, Moita Bonita, Macambira, vinha gente até de Jeremoabo e Chorrochó.

Esse povo todo, muitos só se formaram pela chagada do científico em Itabaiana, numa escola pública. Passamos a ter esperança em melhorar de vida através da escola.

E essa luta para levar o científico para Itabaiana, pouca gente sabe, foi travada por José Augusto Machado, um anônimo estudante de química. Sem pretensões, sem interesses pessoais, apenas para beneficiar um magote de jovens pobres, condenados a encerrar os estudos no ginásio.

Antes que apareçam padrinhos, quem levou o curso científico para Itabaiana não foi político, secretário, diretor, padre ou juiz, foi um competente e discreto estudante de química da UFS.

José Augusto Machado, muito obrigado.

Antônio Samarone.

sábado, 7 de dezembro de 2019

SANEAMENTO OCULTADO



O Saneamento Ocultado (por Antônio Samarone)

O saneamento básico não é uma questão ideológica, de disputa esquerda X direita. O saneamento é uma questão ambiental e de saúde pública.

Os serviços de saneamento em Aracaju são de baixa qualidade, os nossos rios são cloacas contaminadas, em alguns lugares fedem. Como agravante, as tarifas cobradas são extorsivas.

A estatal que possui o monopólio do saneamento em Sergipe (DESO) é uma empresa agonizante, gerida sob a sombra da politicagem.

O Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), elaborado pela ditadura militar em 1970, no contexto do milagre econômico, financiado pelo BNH, foi quem criou esse modelo de monopólio estatal do saneamento.

A titularidade do saneamento é municipal, mas os prefeitos fingem que o problema não é deles. Essa é uma questão que precisa de gestores. O populismo não ajuda.

Os políticos não gostam do saneamento, as obras são enterradas e a população possui baixa consciência sanitária. O serviço precário só incomoda quando a privada entope, e a descarga não resolve. Qual o destino final dos dejetos? Pouco importa!

Saneamento nem dá e nem tira votos, é o pensamento dominante entre os políticos.

Aracaju é uma cidade dependente do saneamento, desde a sua fundação. Aracaju é um grande aterro embelezado, como dizia Luiz Antônio Barreto.

Aracaju foi construída num área ambientalmente frágil. Confluência de vários rios, manguezais, apicuns, charcos, lagoas, dunas e restingas. Não é possível se falar em qualidade de vida em Aracaju sem enfrentar a questão ambiental.

Luzes de led, asfalto e propaganda não fazem uma boa gestão.

Espero que as eleições municipais de 2020 em Aracaju, coloquem a questão ambiental e do saneamento básico em pauta, contrariando os marqueteiros políticos.

Antônio Samarone.

domingo, 1 de dezembro de 2019

GENTE SERGIPANA - MONSENHOR CARVALHO.


Gente Sergipana – Monsenhor Carvalho (93 anos). (Por Antônio Samarone)

José Carvalho de Souza Nasceu em Lagarto, em 24 de novembro de 1926. Filho de Joaquim Vieira Souza e Maria Carvalho de Souza. A mãe faleceu durante o seu parto. O padre Carvalho foi criado pela avó materna, dona Joana Rosa do Amor Divino.

O Padre Carvalho apreendeu as primeiras letras com a professora Maria de Cerqueira Teles, na Escola Nossa Senhora Auxiliadora. Concluiu o primário no Grupo Escolar Sílvio Romero.

O menino José Carvalho tentou aprender o ofício de alfaiate, com seu Miguel, não deu certo. Não aprendeu chulear. Tentou ser sapateiro, com o mestre Sabino, também não conseguiu. Só encheu as pernas de calo, batendo sola.

José Carvalho aprendeu um pouco de música, chegou a tocar trompa, na Lira Popular de Lagarto.

Como não se deu com o artesanato, a avó mandou o menino para a fazenda do tio, conhecido por seu Maroto, para tomar conta de terras e gado. Também não deu certo.

Depois de tentar vários caminhos, José Carvalho resolve ser padre. A avó não acreditava, achava que ele não gostava de estudar. Mas o destino estava traçado, em 14 de fevereiro de 1946, aos 20 anos, matriculou-se no Seminário de Aracaju. O reitor do Seminário era o Monsenhor Olívio Teixeira.

Concluído o curso de humanidades no Seminário de Aracaju, transferiu-se (em 1950) para o Seminário da Paraíba onde cursou filosofia. Em 1953, procurando uma melhor formação, foi buscar o Seminário do Rio Grande Sul para estudar teologia. Ordenou-se sacerdote em 02 de dezembro de 1956, na cidade do Lagarto.

Dado a sua competência e interesse pela educação, o novo padre José Carvalho, no ano seguinte (1957), já seria nomeado vice-reitor do Seminário Diocesano de Aracaju. E no mesmo ano, assumiu a reitoria do Seminário. Começava uma carreira de educador.

Em 1960, o padre José Carvalho fundou o Educandário Arquidiocesano Sagrado Coração, depois Colégio, que organizou, tornando-o um dos melhores colégio de Sergipe. O Padre Carvalho foi o seu diretor até 2012, quando de forma nunca esclarecida, a Arquidiocese de Aracaju pôs fim a uma brilhante jornada. A decisão da Arquidiocese foi, no mínimo, uma profunda ingratidão.

A vida do Monsenhor Carvalho foi o Colégio Arquidiocesano, 52 anos de dedicação.

Fui professor de ciências e biologia no Colégio Arquidiocesano por cinco anos. O ensino da teoria da evolução nos cursos de biologia em Sergipe é recente, data da década de 1970. O livro de biologia adotado passou a ser o “Biological Science Curriculum Study (BSCS)”, versão verde e azul, em português, onde a base teórica da biologia passava a ser a teoria da evolução e a genética.

Pensei, estou numa enrascada. Como ensinar a teoria da evolução, com a sua visão materialista da origem da vida, num Colégio Católico? Procurei o Monsenhor Carvalho, diretor do Colégio e expus o dilema. Ele foi sucinto e claro: “você ensina biologia e eu ensino o catecismo”. Uma aula de arejamento pedagógico.

Outro exemplo da grandeza do Monsenhor Carvalho se deu no episódio da expulsão de alguns alunos da Escola Pública (Atheneu) por “subversão”, durante os anos de chumbo da ditadura. Os meninos ficariam com o futuro comprometido sem acesso à escola. O Monsenhor Carvalho, um homem conservador, de imediato resolveu a pendência, aceitou a matrícula dos “subversivos” no Arquidiocesano.

O Monsenhor Carvalho engrandece a galeria dos grandes educadores de Sergipe.

Como Pastor, tenho saudade das suas missas ao final das tardes dos sábados, transmitidas pela Rádio Cultura. A sua voz arrastada, com ênfase nas sílabas finais das palavras, ecoavam nos quatro cantos de Sergipe, divulgando o evangelho.

Parabéns ao pastor e educador José Carvalho de Souza.

Antônio Samarone. 

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

EPILEPSIA - MORBUS SACER


Epilepsia - morbus sacer. (por Antônio Samarone)

Historicamente, a epilepsia já foi associada a genialidade e a aspectos sobre-humanos. Hércules sofria da doença sagrada, segundo Aristóteles. Vários heróis foram notadamente epilépticos: Alexandre, o Grande; César e Napoleão.

Sobre César, Shakespeare pôs na boca de Cássio:

“E quando o ataque lhe sobrevinha, eu marquei como ele se agitava; é verdade como esse deus se agitava. Seus covardes lábios esvaíram-se de cor, e que aquele mesmo olho, cujo brilho espantava o mundo, perdeu o seu brilho; eu o ouvi gemer.”

Outros vultos da história também padeceram de epilepsia: Pedro, o Grande; o Apóstolo Paulo; Petrarca e Maomé. Sem falar em cientistas e escritores: Buffon, Flaubert; Helmholtz; Dostoiévski e Van Gogh.

Dostoiévski escreveu que nos momentos de êxtase, antes das convulsões, tinha a sua atenção dirigida para temas transcendentais como Deus e Morte. Durante as “auras” dos epilépticos, do lobo temporal.

Maomé diz no Alcorão que viu o Paraíso e nele penetrou. E não mentiu! Viu durante uma aura epiléptica, segundo Dostoiévski.

A medicina científica identificou a epilepsia, seus sintomas, sua localização e a sua natureza. Superou antigos estigmas. Por isso pagamos um preço: não teremos mais Dostoiévskis...

Antônio Samarone.

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

O OURO DA SERRA


O Ouro da Serra. (por Antônio Samarone)

Itabaiana é uma grande feitoria. A sua riqueza provém de um comércio forte e criativo, do transporte de cargas e da sua gente trabalhadora. Itabaiana é um nicho do capitalismo mercantil e da acumulação primitiva.

Tudo começou na década de 1950 com dois grandes acontecimentos: a chegada da BR-235 e a construção do Ginásio Murilo Braga. Vou falar sobre o Ginásio.

O ensino moderno chegou tarde à Itabaiana: “O Grupo Escolar Guilhermino Bezerra (1937), foi o primeiro sinal de civilidade”, segundo o historiador Zé Almeida.

Em 1949, surgiu um grande pilar de desenvolvimento: a criação do Colégio Murilo Braga. Um ginásio público chegou à Itabaiana. A Lei nº 212, de 29 de novembro de 1949, criou o ensino secundário em Itabaiana.

Em 27 de dezembro de 1953, formou-se a primeira quarta série do curso ginasial, constituída de apenas 20 alunos. Em 1954, começou o ensino do pedagógico e em 1969, o curso científico.

A escola pública mudou a feição da cidade, facilitou a inclusão social e criou uma esperança de ascensão às camadas subalternas. Pobres, ricos e remediados vestiram a mesma farda, frequentaram as mesmas salas de aulas e tiveram os mesmos professores.

O Murilo Braga foi um berçário de cidadania.

Ainda são fortes em minhas lembranças a alegria de ter passado no exame de admissão e o primeiro dia de aula, quando subi os degraus do Ginásio com a minha farda de brim caqui e sapatos plásticos. Claro, não era o Caqui Floriano, nem os sapatos eram o vulcabrás 247, mas eu fiquei vaidoso do mesmo jeito.

Os sapatos plástico eram uma novidade tecnológica. Bem mais baratos. O incomodo eram a quentura e o chulé em estado líquido. As meias pingavam.

Frequentar o Ginásio Murilo Braga me deu um status de pertencimento: eu não era nem pior nem melhor do que ninguém. Saí do Beco Novo e da Rua do Fato para o mundo. Tomei gosto pela leitura. Virei usuário da biblioteca do Padre. Peguei livros emprestados. Entendi que só a escola me salvava.

Foi no Ginásio que tive o meu primeiro tênis conga azul com biqueira, para as aulas de educação física do professor Labodí.

Todos vestíamos a mesma farda, e isso tinha uma grande simbologia. Aos sábados pela manhã, ao final das aulas, os meninos fardados podiam entrar na Associação Atlética, mesmo que os pais não fossem sócios. Mesmo assim, eu não ia...

Estamos comemorando 70 anos dessa realização. A geração que se fez gente pela escola pública, agradece aos que contribuíram.

Agradeço a todos os professores. Guardo na memória Terezinha, Lourdes, Gabriel, Guga, Clodoaldo, Zé Costa, Arnaldo Fominha, Manteiguinha, Marli, Ofenísia, Anito, Rivas, João de Deus e Edgar.

Agradeço aos funcionários: Nilo Base, Otaviano, Lula, Enéas, Bonito, Lourdes, Creusa e Isaltina, em especial a eterna secretária Dona Lilia.

Agradeço a exemplar diretora, Dona Maria Pereira. Sempre justa, disciplinadora, competente. Dona Maria Pereira tinha a cara da disciplina. Ela não precisava falar, bastava a presença, ou a possibilidade da presença. Devo muito a Maria Pereira, agradeço até mesmo os castigos, quando era expulso das aulas. Suspensão, só tomei uma de três dias. Justíssima!

Agradeço a minha mãe que me botou na escola e exigiu a minha frequência. Ela olhava o boletim. Quando meu pai falava em me levar à roça, ela saia em defesa: ele não vai! Amanhã tem aula. E papai calava-se!

Viva a escola pública! Viva o Colégio Estadual Murilo Braga!

Antônio Samarone.

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

O TEMPO



O Tempo (por Antônio Samarone)

Comemoramos quarenta anos de formados. Envelhecemos sem perceber. Nesse tempo quase não nos encontramos, cada um seguiu o seu caminho, os seus sonhos.

O que me chamou a atenção foi que chegamos quase a um mesmo ponto. O sucesso ou insucesso de cada um durante a jornada, no final pesou pouco.

A condição humana é implacável. A velhice e a morte são universais.

Mesmo afastados, na essência, ninguém mudou muito. O caráter, a personalidade, os gestos, as falas e o humor não mudaram. Todos corresponderam a imagem que eu tinha de cada um em minha memória.

Colegas que eu não via há quarenta anos, continuam com o mesmo sorriso.

Só uma grande mudança: todos ficaram mais humildes. O tempo reforçou a fragilidade humana.

Somos a última geração de médicos humanistas, voltados aos pacientes. Pelo menos no discurso, nos fundamentos e na narrativa.

Alguns não compareceram, conforme o previsto. Se na época da formatura me fosse perguntado: quem daqui estará presente na comemoração dos quarenta anos de formado? Eu tinha acertado em noventa por cento.

Não mudamos quase nada!

A missão agora é poder participar da comemoração dos cinquenta anos de formados. Ou quem sabe, até dos sessenta...

Antônio Samarone.

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

O DESERTÃO DO RASO DA CATARINA.



O Desertão do Raso da Catarina. (por Antônio Samarone)

O Raso é uma imensidão de aridez. A Expedição Serigy visitou o Baixo do Chico. Saímos de Paulo Afonso até o Povoado Juá. Lá encontramos com o guia. Avançamos de em carros traçados (4 X 4), carro pequeno não entra, por um caatinga seca, a perder de vista, cerca de 50 km.

Nem um pé de pessoa, nem de mamíferos. Nem bode! Só répteis, roedores, cobras, aves e insetos. A vegetação de cactos e catingueiras.

Chegamos a um lindo Vale, um rio que secou a milhões de anos. Um Vale de 10 km de areia fina, entre rochas semelhantes às do Canyon de Xingó.

Na entrada do Vale paga-se um pedágio aos índios Pankararés. Achei mais para quilombola do que para Aldeia. Uma pobreza absoluta.

Foi nessa parte do Raso que Lampião se escondeu, quando veio corrido de Mossoró. E foi daí que saiu o maior número de cangaceiros, mais do que do Poço Redondo, assim me contou o guia Pavãozinho do Juá.

É lá que estão a ararinha azul e o urubu rei. Não as avistamos, já chegamos com o sol a pino.

Ninguém pode falar que conhece o Nordeste, seca, pobreza, sofrimento, sem conhecer o Raso da Catarina. Não tenho dúvidas, ao lado de Canudos de Conselheiro, Serra Talhada e Angico de Lampião, Exú de Luiz Gonzaga, Juazeiro do Padre Cícero, formam o Nordeste profundo.

Os marimbondos de fogo me reconheceram, me cercaram, zoaram em meu ouvido, me acompanharam na caminhada, mas nenhuma picada. Cheguei a ouvi um zum-zum-zum entre eles: esse é dos nossos...

Antônio Samarone.

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

GENTE SERGIPANA - JORNALISTA RAYMUNDO LUIZ.



Gente Sergipana – Jornalista Raymundo Luiz (90 anos)

Raymundo Luiz da Silva, nasceu no Aracaju, em 28 setembro de 1929. Filho Manuel Messias da Silva e Dona Eremita Moura. Uma família de três filhos.

Raymundo Luiz deu sorte, foi aluno da professora Guiomar Tavares, no Colégio Santo Antônio, onde fez o primário, e apreendeu a tratar com carinho a língua portuguesa. Raymundo Luiz dominou cedo a crestomatia. Cursou o ginásio e o científico no Salesiano.

No Salesiano, Raymundo Luiz foi o meia armador do poderoso “Auri Verde”, time de futebol do Colégio. Aqui ele encontrou o caminho para resolver as suas dificuldades com a matemática. O professor Colozio tanto ensinava matemática como era o treinador do Auri Verde. Raymundo Luiz ia bem no futebol e péssimo em matemática. Passava pela média.

Naquele tempo em Aracaju, quem terminava o segundo grau só tinha três caminhos nos estudos: os ricos iam para a Bahia fazer faculdade, os remediados ou entravam para o exército ou faziam concurso para o Banco do Brasil.  

Raymundo foi contínuo do Banco do Comercio e Industria de Sergipe, de José do Prado Franco.

Depois, passou no concurso do Banco do Brasil e foi lotado em Itabaiana. Interrompeu o curso de Filosofia, que fazia na Faculdade Católica, de Dom Luciano. Em 1952, Raymundo Luiz chegou em Itabaiana, na marinete de Jason Correia, para trabalhar no banco do Brasil.

A convivência em Itabaiana foi um importante capítulo na vida de Raymundo Luiz. Ainda hoje ele relembra com emoção. Nos primeiros dias morou na pensão de Dona Antonieta (mãe de Zé Bezerra). Logo depois, enturmado, fundou a República Cajaíba, onde passou a residir com uma turma do Banco do Brasil.

Casou-se em 1953, com Dona Maria de Lourdes Azevedo Silva e vão morar num bangalô alugado a Zeca Mesquita. Raymundo Luiz fez amizade com Antônio de Dóci, Oswaldo de Vivi, Divo (de quem é compadre). Como era bom de bola, foi logo recrutado pelo Tremendão da Serra, de quem vestiu a gloriosa camisa.

Raymundo Luiz foi professor de inglês no Colégio Murilo Braga. Foi quem primeiro ensinou a língua inglesa em Itabaiana. O Murilo Braga era dirigido na época pelo promotor da cidade, depois Ministro do STJ, Luiz Carlos Fontes de Alencar.

Em 1956, foi transferido para o Banco do Brasil em Aracaju. Mesmo sendo apaixonado pelo Cotinguíba, jogou pelo Clube Sportivo Sergipe. No Rio, Raymundo Luiz é torcedor do Vasco da Gama.

Com a criação da Radio Cultura, Raymundo Luiz coordenou a primeira equipe esportiva da emissora. Com Paulo Gomes, Alceu Monteiro, Jurandir Santos, Geraldo Oliveira, Antônio Barbosa, Carlos Magalhães e Wellington Elias. Quem ouviu essa gente, pode confirmar a qualidade das transmissões.

Raymundo sempre foi amante dos esportes, criou o Centro de Cultura Física de Sergipe, o percussor das atuais Academias.

Na Rádio Cultura, Raymundo Luiz narrava e escrevia com uma qualificada equipe, o “Nossa Opinião”, um programa de crônicas, transmitido diariamente as 13 horas. Líder de audiência.

No jornalismo, Raymundo Luiz foi diretor do Sergipe Jornal e do poderoso Diário dos Associados de Aracaju.

Raymundo Luiz é um homem de vasta cultura e profundo conhecedor da língua portuguesa. Se firmou na vida sergipana por talento e esforço, sendo um grande realizador em nossa vida cultural.

Foi Secretário de Comunicação dos dois primeiros governos de João Alves Filho, onde se destacou pela criação da TV Aperipê, um canal de cultura. No começo a TV pública tevê dificuldades de audiência.

Raymundo Luiz inovou. Colocou carros de som nas ruas informando a programação da emissora: “hoje, depois de Roque Santeiro, assistam a TV Aperipê, programa tal.” Um sucesso, a audiência chegou a 3%.

Raymundo criou outras TVs em Sergipe. Durante a Presidência de Antônio Passos, Raymundo Luiz criou a TV ALESE, no ar 24 horas; e depois criou a TV Jornal (não lembro que fim levou).

Raymundo Luiz continua lúcido, ativo, escrevendo, participando nas redes sociais. Um cidadão confortado pelo dever cumprido. Nunca ouvi um porém, uma acusação, uma crítica séria ao cidadão Raymundo Luiz.

Entrou e saiu da vida pública professando a decência. Discreto, culto, inteligente, avesso a bajulações, fez muito pela grandeza de Sergipe.

Pai de cinco filhos (Ângela, Sérgio, Dinara, Raymundo e Breno), avô de seis netos e bisavô de quatro bisneto. Mora no mesmo lugar, com Dona Maria de Lourdes, e continua escutando a beleza do canto do Curió Emoções.

Antônio Samarone.        

terça-feira, 12 de novembro de 2019

OS CAMINHOS DE SERGIPE.




Os Caminhos de Sergipe. (por Antônio Samarone)

Uma novidade, Sergipe terá um Plano Decenal de Desenvolvimento Sustentável (2020 – 2030). O último, “Problemas de Base de Sergipe”, foi elaborado pela Federação da Indústria, em 1960. Lá se vão sessenta anos.

O presidente da Assembleia Legislativa, Luciano Bispo, anunciou a contratação da Fundação Dom Cabral, uma escola de negócios mineira, para em oito meses, ouvindo a sociedade sergipana, elaborar esse recurso de planejamento.

Não se trata de planejar a gestão de um governante, as suas ações administrativas, como pensou uma autoridade municipal presente. Não! A iniciativa é bem mais ampla. É o planejamento dos destinos da economia do estado, por dez anos. Uma imitação do que faziam os países socialistas, e que ainda faz a China. A economia de Sergipe vai ter um rumo por dez anos.

Essa pretensão confronta o neoliberalismo professado pelo governo Federal. Na visão dominante, não cabe ao estado coordenar a economia, muito menos comandá-la. O progresso depende do livre mercado, da liberdade econômica, cabe ao estado não atrapalhar.

Na solenidade, um decano de economia de alma conservadora, cochichou ao meu lado: “que pretensão, onde o estado vai arrumar recursos para os investimentos”? “A economia hoje é globalizada, os investidores não tomarão nem conhecimento das pretensões sergipana,” insistiu o meu amigo neoliberal.  

Eu retruquei: de todo o jeito a iniciativa é meritória. Alguém precisa repensar Sergipe. Eu como acredito que o mercado precisa ser regulado pelo estado, com rédeas curtas, saí animado com a iniciativa.

Na última década, a economia sergipana despencou. A modelo de desenvolvimento iniciado em 1960, com a chegada da Petrobras, centrado em empresas estatais de mineração se esgotou.

Até agora ninguém apontou um caminho para a economia sergipana. É quase tudo na base do improviso! Lembram-se que durante a campanha foi anunciado um projeto que criaria cem mil empregos? Que fim levou esse projeto?

Num estado onde o poder público padece de indigência intelectual, contratar uma empresa para pensar Sergipe é um bom começo.

Vamos aguardar o Plano Decenal de Desenvolvimento para Sergipe, da Fundação Dom Cabral.

Antônio Samarone.

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

O GORDO FELIZ.

O gordo feliz. (por Antônio Samarone)

Seu Conrado da Matinha (93 anos), 1,78 cm, 105 kg. Só rolou uma conversa no velório: não se diz que a gordura mata, cadê?” Seu Conrado já nasceu gordo, e só morreu porque chegou a hora, e da hora ninguém passa.

Comecei a lembrar: em pouco tempo, a gordura passou de dádiva a maldição.

Numa sociedade onde a fome e a desnutrição dominavam, a gordura de Seu Conrado era vista como um sinal de riqueza, poderio e ascendência. Parecia um Major...

A preocupação era com quem emagrecia: viu fulano, magro e amarelo, só tem o couro e o osso, deve estar com alguma doença grave. Deus queira que não seja tuberculose.

Os gordos eram sadios e rosados. A barriga era do burguês, do chopp, da boa vida. Claro, com exceção dos muitos gordos (Tota, Cacau e Thiago).

Apesar da gula ser um pecado capital, saúde era barriga cheia. O jejum era sacrifício, ritual da semana santa.

O Seu Conrado só vivia de bom humor, uma graça, uma tirada na ponta da língua. Seu Conrado era um homem espirituoso. Cheio de chistes...

O prestígio do gordo começou a cair quando ele virou obeso. Só pelo nome, obesidade, não pode ser coisa boa. O obeso é improdutivo. Em pouco tempo a gordura virou doença e o magro virou esbelto.

Existem gordos bonitos, mas obeso eu não conheço. O obeso é o gordo triste, que não se aceita, que só pensa em dieta e bariátrica.

A química invadiu os alimentos, que passaram a ser analisados por especialistas. O que se pode e o que não se pode comer depende deles. A sorte é que eles mudam de opinião semanalmente.

Além de pesados e medidos, os obesos passaram a ser um risco, uma iminência mórbida. Em pouco tempo a obesidade virou epidêmica, um grave problema para a Saúde Pública.

Hoje se padece de uma obesidade científica, medida pela circunferência abdominal. Uma obesidade resistente a toda e qualquer dieta, onde a consciência é o que mais pesa. Uma obesidade que virou provação e martírio.

Seu Conrado foi o último gordo feliz, que nunca quis ser magro.

O obeso tornou-se objeto de denúncia, da vigilância alheia. Todos se acham no direito de admoestá-lo: se cuide, cabra veio! Muitos pensam com satisfação: pelo menos não cheguei a esse ponto.

Seu Conrado cagava e andava para essas conversas bestas. Era um gordo assumido.

Se morre um magro, todos atribuem aos caprichos da morte, que age aleatoriamente; se morre um gordo, a condenação é geral, também, queria o quê, gordo daquele jeito. Não dizem, mas muitos pensam: foi bem-empregado!

A morte de Seu Conrado, gordo e aos 93 anos, não ensejou até agora observações moralistas. Destoava. Foi quase uma festa. Cada um tinha um “causo” para contar do gordo feliz.

Antônio Samarone.


sábado, 9 de novembro de 2019

A MEMÓRIA DO POVO



A memória do povo. (por Antônio Samarone)

No início da década de 1980, nas manhãs de domingo, o professor Zé Costa reunia em sua casa um bando de jovens, para discutirmos a formação de uma Partido novo, um partido para mudar o Brasil.

Éramos estudantes, cheios de esperança. A primeira tarefa era arrumar alguém da classe operária, afinal, o Partido era dos Trabalhadores. Em Itabaiana, não era coisa fácil...

Foi uma luta. Todas as reuniões terminavam com uma promessa solene: na próxima, traremos trabalhadores. E nada... Só intelectuais e estudantes.

Finalmente, não sei quem chamou, mas estava lá, na reunião do PT de Itabaiana, Scala, um gari, um trabalhador da limpeza pública, em carne e osso. Entrava e saia calado, mas prestava a atenção.

Todos cheios de zelo, de cuidados com Scala, para que ele não desistisse. Para que ele entendesse o que era esse Partido diferente. Nunca se soube se Scala tinha ou não entendido.

As coisas não aconteceram como os nossos sonhos, mas aconteceram... Eu saí do PT e nunca mais encontrei com Scala. Quase quarenta anos.

Hoje fui a feira de Itabaiana, para as visitas que faço de tempos em tempos.

Fui abordado alegremente por um senhor, que me fez a pergunta clássica: está me reconhecendo? Eu olhei, dei um tempo, mas não reconheci.

Ele me puxou de lado e me deu um forte abraço. Cochichou no meu ouvido: “soltaram o homem!” Eu pensei, que homem? Ele insistiu, eu sou Scala, se lembra? Porra cara, Scala... Só aí entendi que o homem que soltaram foi Lula.

Professor Zé Costa, a minha dúvida acabou. Scala entendeu aquelas reuniões, e o mais importante, não esqueceu...

Antônio Samarone.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

A HUMANIZAÇÃO DO MERCADO DAS DOENÇAS.


A humanização do mercado das doenças. (por Antônio Samarone)

A medicina de mercado avança no Brasil. O desmantelamento do SUS é parte desse jogo. O setor saúde representa 9,7% do PIB, tornou-se um importante ramo da economia. É uma constatação. Não se trata de um viés ideológico.

A medicina passou do ócio sagrado (sacerdócio) à negação do ócio (negócio). Para se transformar em mercadoria, o serviço médico precisou tornar-se impessoal, padronizado, previsível e quantificável. Os investidores precisavam avaliar antecipadamente os lucros.

Mercadoria é a forma como os bens e serviços circulam nas economias capitalista.

Na medicina artesanal do século XX, os médicos cuidavam das pessoas. O cuidado era a forma dominante dos serviços médicos. A transformação desses cuidados em mercadoria enfrentou resistências. Os cuidados são subjetivos. Qual foi o caminho?

Em algumas especialidades, a resistência em produzir mercadorias é inerente a natureza desses serviços. Por exemplo: na geriatria, pediatria, cuidados paliativos, psiquiatria. Não que seja impossível, apenas encontra mais resistência.

A medicina trocou o atendimento ao doente (pessoa) para o atendimento à doença (objeto). Em seguida fragmentou o cuidado em procedimento, viabilizando a sua transformação em mercadoria. A medicina de mercado é fundada no lucro, como qualquer atividade econômica.

A preocupante desumanização da medicina foi a troca do enfoque no doente pelo enfoque na doença. Isso é fato. Qualquer iniciativa de humanização que omita esse ponto é encenação inócua.

Nesse processo acelerado de mercantilização, o papel das escolas médicas é justificar o consumo de qualquer procedimento como uma necessidade científica. A mercadoria na medicina foi enfeitada com o discurso científico, pelo menos na consciência do médicos.

O movimento de humanização liderado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) enfoca o viés comportamental. Supõe que a luta pela humanização da medicina será superada pela humanização dos médicos, como se o problema fosse a desumanização pessoal dos médicos.

Dentro dessa crença, a estratégia do CFM é realizar seminários, debates, simpósios e palestras de convencimento, para que os médicos leiam os clássicos da literatura, abram-se para a poesia, a música, as artes plásticas, o cinema e o teatro. A pretensão do CFM é humanizar os médicos.

A medicina clássica era ciência e arte, as escolas de medicina encarregou-se de suprimir a arte.

O CFM entende essa arte como sendo literatura, música, poesia. Calma gente, essa arte é a sensibilidade da relação dos médicos com os pacientes. A arte era o lado místico, pessoal, sagrado, afetivo, era a transcendência da condição humana, com as suas crenças e medos.

A arte é a busca de alívio do sofrimento humano, onde a ciência não tem alcance.

A questão central da desumanização dos serviços médicos, isto é, a sua transformação em mercadoria, a troca do doente pela doença, do cuidado pelo procedimento são solenemente ignorados pelo projeto do CFM.

A medicina é humana quando cuida das pessoa, alivia os sofrimentos, acolhe os que necessitam. A medicina humana é a voltada para os pacientes. Simples assim...

A polêmica central da luta pela humanização é se a medicina de mercado pode ou não ser humanizada? Se pode, como iniciarmos as mudanças. Qual é papel das escolas médicas nessa cruzada? Quem são os aliados e os adversários dessa humanização? A luta é pela humanização da mercadoria ou pela mercantilização dos valores humanos?

No modelo atual as escolas médicas formam para o mercado, com a aparência de uma medicina centrada nas ciências. É possível que as escolas médicas, sobretudo as públicas, formem profissionais voltados para os pacientes, para as pessoas, sem abandonar o pilar científico?

Antônio Samarone.