sexta-feira, 31 de agosto de 2018

HOSPITAL DE CIRURGIA



Hospital de Cirurgia

Finalmente, o Governo autorizou o restabelecimento das cirurgias cardíacas pelo SUS. O estado fez um adiantamento de dinheiro para o Hospital de Cirurgia e colocou uma pessoa para tomar conta da grana. O Cirurgia perdeu a credibilidade.

O estado comprou 40 cirurgias cardíacas por mês. Como a fila é grande, se as pessoas deixarem de necessitar de novas cirurgias (claro, impossível), a fila atual será atendida em 10 meses. Muitos morrerão pelo caminho.

Não tenho dúvidas: o SUS não pode continuar dependente de hospitais “filantrópicos” que não funcionam. Transformar o HUSE em hospital de urgência e construir um Hospital Geral, na grande Aracaju, para os casos eletivos, pode ser uma boa saída. Um hospital público, que também funcione como retaguarda para o HUSE. Mesmo levando em consideração que os hospitais regionais irão começar a funcionar, repassados para consórcios municipais, um Hospital Geral será bem-vindo.

Construir mais hospitais? Já sei, vão dizer que hospital público não funciona e que não existe recursos para o custeio, para mantê-lo em funcionamento. Claro, falo num hospital bem administrado, profissionalmente, sem politicagem e sem corrupção. Quanto aos recursos, é só usar a metade do que se gasta comprando serviços a filantrópicos ineficientes. No caso de Sergipe, construir um hospital geral eletivo se faz necessário.

Por último, para aliviar as filas de espera, o Estado, com o que sobrar do combate a corrupção e do desperdício na saúde (cerca de 30% do orçamento), pode incentivar os municípios que priorizarem as suas redes básicas. O Estado pode ajudar financeiramente os municípios que quiserem investir no PSF. Por último, montar uma central pública de imagens, funcionando 24 horas; e criar uma unidade de referência para ortopedia e traumas.

Claro que não se vai resolver o caos da Saúde de uma hora para outra, mas se pode melhorar bastante. Os primeiros passos são reduzir a corrupção e enxotar os políticos da gestão. Profissionalizar a gestão. A Saúde não pode ser nem comitê político, nem caixa 2 de campanhas. 
A dificuldade: quem está disposto a botar o chocalho no gato?

Antonio Samarone.

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

A PESTE DO RIO GANGES EM LARANJEIRAS (1855)



A Peste do Rio Ganges em Laranjeiras (1855).

O Dr. Pedro Autran da Matta e Albuquerque Junior (1829 – 1886), natural de Pernambuco, doutor pela Faculdade de Medicina da Bahia em 1854. Foi cirurgião do 6º Batalhão de caçadores da Guarda Nacional na Bahia e em Sergipe, onde clinicou.

Em Sergipe, exerceu ainda os cargos de Inspetor de Higiene, diretor do Internato Provincial da Estância, Inspetor Geral das Aulas na Província de Sergipe e tornou-se Deputado.

Deixou Sergipe para servir o exército brasileiro na Guerra do Paraguai. Foi eleito membro titular da Academia Nacional de Medicina em 1862, apresentando a Memória intitulada “O tétano é uma perversão dos nervos do sentimento”.

Foi testemunha presente na maior Peste ocorrida em Sergipe: a epidemia de cholera de 1855, e nos deixou um relato real e comovente do cholera em Laranjeiras:

“Em 24 de outubro de 1855, o flagelo desse monstro nascido nas águas do Ganges, e que se ergueu com a mortalha em uma mão, e empunhando na outra a foice da morte, encarando a humanidade como o seu mais encarniçado inimigo, e fazendo a sua marcha sobre montões de cadáveres – o cholera morbus escolheu a cidade de Laranjeiras para cobri-la com o sudário, e sepultá-la num tumulo. Dois meses de terror, desespero, pranto e luto passou essa risonha cidade. Tudo parecia nela aniquilar-se.”

“Imensos foram os estragos e os prejuízos causados por esse flagelo. Quem não sofreu no coração, sofreu em seus interesses. O número de vítimas sepultados no cemitério desta cidade sobe a mais de quatro mil. O cholera trouxe um cortejo de males para Laranjeiras, depois que por misericórdia divina, se apartou saciado de flagelar seus habitantes.”

Antonio Samarone.

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

AS FEBRES DO ARACAJU (DOCUMENTO)



AS FEBRES DO ARACAJU. (Antônio Samarone.)

Nos primeiros dias da instalação da capital de Sergipe em Aracaju, surgiram imensas dificuldades, entre elas, as dificuldades sanitárias. Aracaju vivia sob a ameaça da febre intermitente endêmica*, a mortalidade era elevada. (*As febres intermitentes são do grupo das febres palustres, impaludismo, sezão, maleita, malária, terçãs e quartãs.)

Em 1856, o Presidente da Província, Salvador Correia de Sá e Benevides, nomeou os drs. Guilherme Pereira Rabello e Pedro Autran da Matta Albuquerque Junior, para realizarem estudos sobre as condições higiênicas do Aracaju, visando esclarecer as causas das febres intermitentes endêmicas, a natureza das águas, e para encontrarem um local apropriado para a construção de um matadouro público.

Segue um resumo deste relatório, sobre as condições de salubridade do Aracaju, em 1856. Esse é o documento fundador da Saúde Pública em Aracaju, os seus primeiros passos.

“Localizada às margens do Rio Cotinguiba, Aracaju recebe ventos leste, leste/oeste e nordeste, os quais lançam sobre esse povoado as evaporações formadas pelas habitações, lagos e charcos. Rodeada de montanhas pelo lado poente, é o Aracaju mal arejada por aqueles lados. Só essas circunstâncias poderiam dar razão as várias moléstias que se desenvolvem por aqui.”

“Moléstias que não tem caráter epidêmicos, mas que por sua presença assídua de causas sempre as mesmas obram sem cessar. Os estupores (congestão, AVC) são frequentes no Aracaju; as moléstias catarrais; as facilidades com que as hydropesias ali se estabelecem; as frequentes supressões da transpiração cutânea, que frequentemente se convertem em febres intermitentes, porque o meio que se respira é constantemente saturado dos miasmas dos pântanos. Todos esses fatos provam eficazmente que as fortes ventilações do Aracaju não são indiferentes ao estado de saúde dos seus habitantes.”

“Muitos fatos comprovam a influência oculta de certos ventos sobre a saúde. Entre outros, lembraremos a influência do sirocco em Nápoles, que tem a propriedade de produzir nos indivíduos uma espécie de alienação mental, a ponto de ser no código penal daquela Nação uma circunstância atenuante o fato do delito ser perpetrado quando reina o sirocco.”

“A natureza do terreno do Aracaju favorece singularmente o desenvolvimento das febres intermitentes e de outras moléstias. É o Aracaju, como se sabe, assentado sobre uma planície de terreno arenoso, que apresenta muitos alagadiços e charcos, já formados pelas águas fluviais, e pelas águas salgadas por ocasião das marés grandes.”

“Este terreno embebe-se facilmente de água e mantém um estado de continua umidade, deixando perspirar através dos seus poros vapores mais ou menos malfazejos sob a impressão dos raios solares. É inútil agitar a questão sobre as causas das febres intermitentes endêmicas: hoje em dia é um fato incontroverso que estas febres reconhecem por causa os miasmas, que se depreendem das substâncias animais e vegetais em putrefação. Damo-lo, pois, como fato sem réplica.”

“Ora, em terremos baixos, arenosos e cheios de lagos como os do Aracaju, em terrenos tais em que miríades de insetos, de vermes, de peixes e de plantas, de uma vida quase efêmera se desenvolvem rapidamente, morrem e apodrecem, substituindo-se por novas gerações, que tem a mesma vida e o mesmo fim, fácil é ver que novos focos de miasmas se estabelecerão, e que o ar que se respira é constantemente saturado destes princípios maléficos, que se exalam em maior abundância, quando o calor do sol faz evaporar as águas e que subministram assim aos miasmas o seu verdadeiro condutor ou veículo.”

“A mesquinha povoação do Aracaju, que deixa a maior parte do seu terreno inculto e deserto, povoado apenas de uma vegetação selvagem, onde não se vê a mão humana. Os maus e raros abrigos que este lugar proporciona aos que vão habitar, não os protegem nem da umidade, nem das fortes ventanias. Faltam fontes limpas e asseadas, que forneçam ao povo água potável e salubre, para que estes não busquem estancar a sede com águas grossas, sujas e recosidas pelo sal, as quais são tiradas dos mais diversos buracos, ou alagadiços, chamadas de fontes.”

“Os que habitam no Aracaju atualmente, são sujeitos a muitas causas de moléstia, mormente a supressão da respiração cutânea e as febres catarrais, as quais atacando os indivíduos, que respirem constantemente um ar saturado dos miasmas dos pântanos, se convertem facilmente em febres intermitentes. Estas causas devem com mais fortes razões influir sobre aqueles que não estão afeitos a impressão das fortes ventanias, nem as umidades, nem as águas, nem a temperatura do local.”

“De tudo o que foi dito, conclui-se que as febres intermitentes endêmicas encontraram em Aracaju, elementos e disposições próprias, a seu desenvolvimento e duração. Mas este mal não será eterno, os elementos que os criam podem ser destruídos. As disposições que os favorecem podem ser convertidas em disposições em contrário.”

“Logo que Aracaju seja mais povoada, logo que abrigos saudáveis, cômodos e numerosos proporcionem segurança a população; logo que desaguem os charcos e pântanos; logo que as ruas e praças sejam calçadas com pedras; ou pelo sistema de Mac-Adam; logo que uma vegetação plantada pela mão do homem substitua essa vegetação selvagem; logo que boas fontes substituam os buracos infectos de onde se tira uma água grossa e insalubre, devemos nutrir as mais seguras e lisonjeiras esperanças que as febres intermitentes endêmicas desaparecerão, como por encanto, desse belo local em que se acha a capital da Província, que tem infelizmente encontrado nesse mal o maior estorvo ao seu progresso e engrandecimento.”

“Não desesperemos pois: o mal de que falamos não é irremediável. Se tudo não se pode fazer a um tempo afim de tornar salubre Aracaju, faça-se o que se pode, e o tempo, esse operário infatigável, que tudo vence, realizará um dia nossas tão bem fundadas esperanças. Lancemos os olhos sobre vários lugares que são hoje muito salubres tendo sido mais sujeitos do que Aracaju as febres intermitentes, e veremos quanto é bem fundado o juízo que emitimos a respeito da salubridade provável e possível do Aracaju."

“Esse trabalho seria mais completo se fosse acompanhado do resultado da análise das águas do Aracaju, mas esse exame demanda tempo e vagar que na atualidade a comissão não pode dispor. Dizemos, porém, que a qualidade das águas do Aracaju nos parece boa, e que se elas têm alguma coisa de mau provém do desasseio como são tratadas, do que de sua má qualidade. As águas do Aracaju sempre foram usadas pela população do lugar e pela da Barra dos Coqueiros, sem que se conste que dela tenha provido mal algum. As mesmas águas são usadas por lugares salubres como Porto das Redes, onde se encontram indivíduos com a idade secular.”

“Agora apresentamos, antes de indicarmos o ponto mais apropriado no Aracaju para a instalação de um matadouro público, algumas reflexões higiênicas não só sobre o local, como sobre certas condições indispensáveis para possuirmos um edifício desta ordem, que em relação as circunstâncias da Província em nada possa alterar as condições da saúde pública.”

“A importância e a utilidade para a salubridade pública de um único edifício em uma cidade, onde se matem e guardem todos os animais que servem para a sustentação alimentar de sua população, não entra mais em dúvida, e é uma dessas conquistas da higiene pública, que em quase todas as Nações da Europa tem elevado o estandarte do triunfo. Percorremos os arredores do Aracaju para encontrarmos um local adequado que preenchesse as exigências da higiene, e que fosse de fácil acesso para o gado.”

“Nessas circunstâncias, achamos que o lugar, que fica a borda do rio, além do riachão, meio quaro de légua, mais ou menos, ao Norte do Aracaju, satisfaz quase todas as exigências mais acondicionadas ao bem público. É esse o lugar que a comissão acha que de ser escolhido”. Acredito ser esse local onde é hoje a casa de festa Chica Chaves.

Esse criterioso relatório confirma a tese de Luiz Antônio Barreto de que Aracaju é um grande aterro ajardinado. Não implantamos a cidade num sítio naturalmente pronto, como Salvador e o Rio de Janeiro. Aracaju foi construída pelas mãos dos sergipanos. Palmo a palmo, aterro a aterro, as lagoas e pântanos foram sendo esvaziados pelo trabalho humano, e em seguido embelezado. Nós construímos as nossas belezas. O problema dos alagamentos é atual, a ocupação da chamada zona de expansão do Mosqueiro, passa pelas mesmas dificuldades.

Um outro aspecto da construção do Aracaju foi a permanente ameaça sanitária. O nosso espaço geográfico era benfazejo para as epidemias. As doenças epidêmicas sempre nos ameaçaram. As febres, sobretudo a malária e a tifoide, pairavam sobre o Aracaju. Sem esquecer a pestilenta epidemia de Cólera de 1855, dizimando a população. O fundador do Aracaju, Inácio Barbosa, foi vítima da malária. Hoje a preferência é pela dengue, chicungunha e zica.

A leitura do resumo não desobriga aos pesquisadores a leitura do relatório completo, que se encontra em anexo ao: “Relatório com que foi aberta a 1. sessão da undécima legislatura da Assembleia Provincial de Sergipe no dia 2 de julho de 1856 pelo excellentissimo presidente, doutor Salvador Correia de Sá e Benevides. Bahia, Typ. Carlos Poggetti, 1856.”
Antônio Samarone.

terça-feira, 28 de agosto de 2018

A Medicina do Capital (a humanização da mercadoria) Parte I



A Medicina do Capital (a humanização da mercadoria) Parte I

Antonio Samarone.

O médico no Brasil, até o século XIX, segundo Lycurgo Santos, exercia um trabalho de baixo reconhecimento social: “De condição humilde, simples homens de oficio, por todo o decorrer do século XVI e ainda no XVII, são quase todos judeus, cristãos-novos ou meio-cristãos, os que vêm a exercer a profissão médico-farmacêutica. Nômades, como costumava na Europa, perambulavam de vila em vila, de povoado em povoado. Caminham léguas e léguas, chegam aonde não exista outro, a clientela aflui, praticam e ganham algum dinheiro. Ficam até que passe o sabor da novidade – um profissional na terra! – e, quando rareiam os fregueses, partem novamente para outra povoação, outro engenho, outras regiões. Uns tantos empregam-se nos serviços dos donatários, dos capitães-generais, dos senhores de engenho. Não passam de criados, serviçais de seu oficio.


A profissão médica consolida-se no século XX, assumindo características artesanais. O trabalho médico exercido em forma de cuidados artesanal, centrado na relação médico/paciente, onde os meios de produção e o saber estavam sob o seu comando dos médicos.

A medicina artesanal, fundada na anátomo clínica e no paradigma celular, foi o resultado da explosão do conhecimento científico estimulados pelo renascimento. Na medicina, tem início com o novo enfoque da anatomia dado por Andreas Vesalius (1543), tendo o seu pico com a consolidação do paradigma celular, assentado por Rudolf Virchow (1852). A medicina incorporou a revolução biológica (Louis Pasteur e Robert Koch), resultando na eficácia ao combate as pestes; a assepsia; o nascimento da clínica; o surgimento da quimioterapia (antibióticos e hormônios); a indústria farmacêutica, no pós Segunda Guerra; o laboratório; aa descoberta dos Raios X e os avanços da propedêutica.

Em linhas gerais, são esses precedentes históricos que embasaram a chamada medicina científica, e forneceu os pressupostos da medicina artesanal, que dominou a segunda metade do século XX no mundo. A prática da medicina artesanal centrava-se na relação médico/paciente (colóquio singular); na livre escolha, na confiança, pilar de sustentação; nos honorários; no segredo médico, uma prática sigilosa (letra de médico); na autonomia de conduta, fundada na casuística e na sensibilidade (arte médica); no controle do saber, da informação e dos meios de produção (posse do prontuário).

Na medicina artesanal a propedêutica e a clínica eram as principais tecnologias diagnósticas (a clínica era soberana); predominava a liberdade de formulação terapêutica (ausência dos protocolos); a singularidade de cada caso (o centro era o doente e não a doença); o exercício liberal do oficio (profissão), a medicina previdenciária submetia-se a lógica liberal; o objeto da atenção era o doente; os serviços médicos eram ofertados na forma de cuidados; forte influência filantrópica (sacerdócio); reduzidas especialidades (obstetrícia, pediatria, cirurgia, oftalmologia, ginecologia, cardiologia, psiquiatria, tisiologia), resultante da divisão social do trabalho; no predomínio das doenças contagiosas e carências (eventos agudos).

A revolução científica, fruto dos séculos XIX e XX, permitiu grandes avanços no campo das ciências médicas. O conhecimento médico e, consequentemente, a prática profissional adquiriram feições científicas, imprimindo a racionalidade objetiva com o fundamento de um novo paradigma médico. O pensamento e o ato médicos fundiram-se numa complexa combinação de empirismo, experiência cotidiana e raciocínio clínico. A consulta, a anamnese e a análise clínica passaram a ser a conduta-padrão e um bom médico, dando-lhe poder, prestígio e crédito junto ao paciente. Esse poder assume também feições econômicas.

Sérgio Arouca, em sua tese de doutorado, resumiu as características da medicina artesanal: “Entendemos que o trabalho médico se faz sob a forma de “cuidado” que comporta em sua estrutura o conhecimento médico (conhecimento científico e saber) corporificado em um nível técnico (instrumentos e condutas) e relações sociais específicas, visando ao atendimento de necessidades humanas que podem ser definidas biológica e (ou) socialmente.” A medicina artesanal foi desmontada a partir do final do século XX, devido a inadequação com a mercantilização da medicina, e na transformação desse cuidado em mercadoria.

No final do século XX a medicina passou por profundas transformações. Na esfera dos conhecimentos científicos, sobretudo nos avanços da genética (projeto genoma humano, abril 2003), transitando do paradigma celular para o molecular, estabelecendo as bases para uma nova medicina. A medicina vem incorporando outras tecnologias, que não cabem o aprofundamento nesse ensaio. O perfil epidemiológico modifica-se. O predomínio das doenças crônicas e causas externas (violência), substitui as doenças infecciosas e carências. Sem contar as transições demográficas (envelhecimento) e alimentar (obesidade).

Na nova era, segundo Haruki Murakami: “Os seres humanos não passam de portadores – vias – para os genes. Eles avançam montados em nós até nos exaurir, como seus cavalos de corrida, de geração a geração. Os genes não pensam no que constitui o bem e o mal. Não importa se estamos felizes ou infelizes. Para eles, somos apenas meios para um fim. A única coisa em que pensam é no que é o mais eficiente para eles.” Entramos na era do paradigma molecular.

A medicina se transforma num setor da economia. O capital não podia deixar a saúde, o bem mais desejado pela humanidade nas mãos amadora dos médicos. A saúde torna-se um direito, e substitui a salvação entre as aspirações humanas. O capital assenhora-se dos serviços de saúde e introduz a sua lógica. A saúde vira mercadoria. Para incorporar as características das mercadorias (impessoalidade, padronização, produção em massa), a tradicional forma de cuidados transforma-se em procedimentos, aparecem os protocolos, e o capital financeiro assume o financiamento e o controle. O primeiro ramo da saúde a assumir a forma industrial de produção foi o medicamento.

O trabalho médico foi parcelado em 4.700 procedimentos; de modo que o processo saísse do comando de um único profissional; passando oferta e o consumo dos procedimentos para a gerencia do capital; nesse caso, legitimado com a cobertura científica dos protocolos, fluxogramas, cadeias de cuidado e acreditação; teoricamente neutros, isento do interesse econômico; mas fundado em informações obtidas por uma produção cientifica financiada e comandada, em sua maioria, pelo capital das empresas produtoras de medicamentos, equipamentos e insumos médicos. Esses modelos gerenciais geralmente aumentam a produtividade e reduzem a eficácia.

A fragmentação do processo terapêutico acelera-se, cresce o número de procedimentos ofertados e multiplica-se as profissões em saúde, o que leva ao aumento do número de trabalhadores que intervém em um mesmo caso. Transforma-se numa linha de montagem descoordenada. Todos esses elementos contribuem em maior ou menor grau para a degradação do trabalho clínico. http://www.scielo.br/pdf/csc/v12n4/04.pdf

Durante a fase artesanal as mudanças no processo de trabalho estavam centradas na força de trabalho, nas habilidades do médico; na fase capitalista, o centro da organização é condicionado pelos instrumentos de trabalho, os meios de produção, pelo trabalho morto incorporado a tecnologia. O capital assume o controle dos avanços tecnológicos. Na transição, a divisão do trabalho do médico em especialidades obedeceu a condicionantes técnicos; a atual divisão, cinco mil procedimentos, obedecem sobretudo às necessidades de acumulação de capital, a lógica da gerencia capitalista, visando otimizar o setor econômico.
Antonio Samarone. 

A Medicina do Capital (a humanização da mercadoria) Parte II



A Medicina do Capital (a humanização da mercadoria) Parte II

Antonio Samarone

A revolução tecnológica na medicina, sobretudo na eletrônica, engenharia genética, robótica, transmissão de dados, informática, física, biologia molecular, etc. condicionaram o surgimento de variadas profissões no setor saúde; reduzindo a centralidade do médico, que perdendo a posse dos instrumentos de trabalho, tendo sua autonomia reduzida; caminha velozmente para tornar-se um elo pouco relevante do processo de produção da atenção à saúde. Os prontuários eletrônicos, organizados com base nos protocolos, acelera a tendência ao autocuidado, as tele consultas, monitoramentos à distância, e ao uso doméstico da tecnologia.

A Telemedicina que permite uma conversa direta dos usuários com os médicos através de um Skype, com tanta facilidade e a um custo tão baixo, que chega a ser indigno pensar que precisamos importar médicos para atender a um paciente localizado em regiões carentes de atenção básica. Na Índia, a assistência médica a populações carentes está sendo solucionada através da banda larga rural, software de telemedicina e modernas unidades móveis de diagnósticos. Diante do comprovado aumento da produtividade, os Planos de Saúde estudam este caminho como forma de reduzir custos, e claro, com ampla aceitação dos consumidores devido as comodidades e por permitir tarifas econômicas. O desafio da assistência à saúde pública e privada na Índia passou a ser a universalização da conectividade.

O Conselho Federal de Medicina, visando garantir o mercado, “proíbe expressamente a realização de consultas médicas à distância”, não importando se a mesma seja feita por telefone fixo, por e-mail ou por qualquer outro formato digital (Resolução nº 1974/2011). Evidente, que a medicina comercial, quando achar necessário para os seus negócios, encontrará as formas legais de descumprir a citada proibição. Na verdade, o Conselho de Medicina emite resoluções fundadas numa ética da medicina artesanal, de quando o exercício liberal da medicina era a regra; contudo, essa postura, teoricamente fora de época, em nada impede ou dificulta a convivência harmônica do Conselho de Medicina com a medicina comercial; os conflitos ocorrem, em sua imensa maioria, com a fragilizada medicina pública.

O trabalho médico passará por profundas transformações com o avanço da regulação genética e o mapeamento universal do DNA; desenvolvimento das pesquisas com células troncos, impressão 3D, robótica, tecnologia da informação, com a digitalização dos dados sobre as pessoas integrando os vários bancos de dados, as pulseiras e dispositivos pessoais de monitoramento de indicadores de riscos, a telemedicina, o autoconsumo de procedimentos de diagnóstico e terapêutica. A tendência da indústria de equipamentos médicos é a produção de aparelhos menores para uso domiciliar. As novas tecnologias diagnósticas, terapêuticas e organizacionais aumentarão a autonomia dos pacientes ou, ao contrário, ampliarão a dependência do consumo de procedimentos?

O trabalho médico vai aprofundar a fragmentação do cuidado em milhares de procedimentos, intensificando o seu consumo centrado na lógica do mercado ou haverá o retorno à clínica, a uma nova clínica que una tecnologia e humanismo? Isso vai ter profundo impacto nos custos e na qualidade da atenção. É muito importante dar um peso político diferenciado às tecnologias leves, relacionais, as tecnologias de informática, que devem ser tratadas de uma perspectiva sistêmica e voltadas para o bem-estar e qualidade de vida.

A divisão do trabalho na saúde busca uma melhor produtividade (não para atender a necessidade de saúde da população, mas sim para buscar mais valia) o trabalhador de artesão passa a executar uma parte do produto produzido se especializando numa fração do produto, apenas uma pequena parte do trabalho, uma vez que a forma de produção assim o exige. O trabalho é dividido em certo número de etapas que vão depender da complexidade do produto. Revisar esse texto.

“Profissão é uma ocupação autorregulada, que exerce uma atividade especializada, fundamentada numa capacitação ou formação específica, com forte orientação para o ideal de servir à coletividade, norteada por princípios ético-profissionais definidos por ela mesma. Portanto, a noção de profissão está intrinsecamente vinculada à ideia de um a atividade humana que, mediante conhecimento especializado, atua em determinada realidade, visando interpretá-la, modificá-la, transformá-la para um determinado 'fim social'. A auto regulação e a autonomia prevalecem nesta relação, e são estes dois elementos que permitem que a profissão tenha a 'autonomia' para recriar realidades.” Maria Helena Machado. Essa pretensão é hoje apenas uma forma de resistência a subordinação da medicina a lógica da acumulação capitalista.

Nenhuma outra profissão exercita este poder na escala em que o faz a medicina, certamente porque nenhuma outra profissão se iguala a ela no grau de autonomia ou “auto regulação", afirma Machado (1996:32). A profissão médica é este estereótipo de profissão com alto grau de autonomia técnica (saber) e econômica (mercado de trabalho). Em outros termos, uma profissão autorregulada, com elevado e complexo corpo de conhecimento científico e controle sobre o processo de trabalho. Na opinião de Freidson (1978), a medicina é, por natureza, uma profissão de consulta, como poucas no mundo contemporâneo. ” Maria Helena Machado.

Assim, os médicos adquiriram, historicamente, o monopólio de praticar a medicina de forma exclusiva, colocando na ilegalidade e clandestinidade todos os praticantes empíricos e curiosos desse ofício.

Esse sonho de uma profissão autorregulada está sendo soterrado pela dinâmica da economia de mercado. No final do século XX, o objeto da medicina deixou de ser apenas o doente e passou a ser a vida, do nascimento ao óbito. A vida foi medicalizada. (noção de risco). O campo da saúde amplia-se além das enfermidades, para alcançar toda a vida social. A ação da medicina ultrapassou uma geração, com consequências na seleção natural e na evolução. A medicina interferiu na descendência, abrindo um capítulo para a bio-história. A medicina tornou-se um segmento da economia; integrando-se ao mercado, regendo- se por sua lógica. A Saúde entrou no campo da macroeconomia, e assumiu o caráter de mercadoria. No final do século XX, a Saúde se transformou em bem de consumo, subordinando-se as leis de mercado.

O mercado da saúde no Brasil representa 10,2% do PIB, 50 milhões de usuários, 6,8 mil hospitais, 450 mil leitos, 245 mil estabelecimentos, 12 milhões de empregos diretos e indiretos, 394 mil médicos, 1,6 milhões de profissionais de enfermagem, 18 mil laboratórios; 8º maior mercado de Saúde do Mundo, movimentando anualmente cerca de R$ 570 bilhões. Cresce em média 7,6%, nos últimos dez anos.
Antonio Samarone.

A Medicina do Capital (a humanização da mercadoria) Parte III


A Medicina do Capital (a humanização da mercadoria) Parte III

Antonio Samarone

CONTINUAÇÃO...


A revolução tecnológica, do final do século XX, tem provocado mudanças significativas tanto nos saberes como nas práticas da profissão médica. A autonomia técnica, o poder de decisão, a relação médico-paciente, a tradicional hegemonia médica nas equipes de saúde, o domínio e conhecimento globalizante do corpo humano, bem como o prestígio e status quo dos médicos sofreram abalos importantes, alterando não só a dinâmica interna da profissão como, e especialmente, a nova visão social que a sociedade passa a produzir sobre os médicos em geral.

A subdivisão do cuidado médico em procedimentos obedece ao modelo taylorista-fordista, o trabalho é dividido em diversas sub-especialidades, fracionando as tarefas em 4.600 procedimentos, padronizando as intervenções, reduzindo o papel intelectual do médico, aumentando a produtividade; passando o comando para o Capital. Uma linha de desmontagem do corpo humano, coordenada pelo lucro.

Preocupados com valorização do seu trabalho, os médicos brasileiros encontraram nos procedimentos a forma de divisão do trabalho ajustada ao mercado da Saúde. Se a especialização da fase anterior foi uma divisão social e técnica do trabalho médico, em parte determinada pela elevada complexidade do setor; a subdivisão em procedimentos, uma espécie de linha de montagem descoordenada, obedeceu unicamente às necessidades de faturamento do mercado.

O fim da clínica? A oferta de procedimentos diagnósticos reduziu o papel da propedêutica no trabalho médico. Os exames laboratoriais bioquímicos, hematológicos, biologia molecular, genético, microbiológico, toxicológico, os recursos diagnósticos da medicina nuclear, os exames anatomopatológicos, citopatológicos, a endoscopia, os testes eletrofisiológicos, entre outros, e de maior aceitação no mercado da saúde, os centrados nas imagens (RX, ultrassom, tomografia computadorizadas e a ressonância magnética). Com o advento do paradigma molecular, a patologia perde espaço.

As mudanças da prática médica, com a transformação do cuidado em mercadoria, do paciente em cliente, consumidor, usuário, solaparam as frágeis bases humanistas da medicina. A nova realidade assustou os remanescestes da medicina artesanal, que iniciaram um movimento, através do Conselho Federal de Medicina (CFM), ainda tímido, de introduzir no ensino médico disciplinas de humanidades, numa desesperada forma de resistência.

A medicina mercantilizada, apesar do brilho tecnológico, apresenta problemas que podem agravar o perfil epidemiológico. É mais um sistema de doenças que de saúde. A medicina comercial possui baixo impacto no perfil epidemiológico; custos elevados; desigualdade no acesso ao consumo dos procedimentos; baixa satisfação da clientela; redução do papel dos médicos, viram operadores de tecnologias;

Existem resistências a subordinação da medicina ao capital, sobretudo na perda de autonomia dos médicos. Uma das sublimações é o revestimento da prática com o véu da ciência. A escola médica está montada para transformar o médico num mascate da ciência. Uma medicina voltada para ciência é o lenitivo para a sua desumanização. A ciência, como as mercadorias, é impessoal.

Em que consiste essa busca de uma humanização perdida? Um retorno romântico para a medicina artesanal ou a criação de novas práticas para a medicina comercial? Quais são as novas utopias? O modelo artesanal produziu as narrativas de uma medicina social, coletiva, na montagem de Sistemas Nacionais de Saúde, públicos, de acesso universal e gratuito. A utopia era o SUS como está no papel.

A questão caminha para uma impossibilidade, como humanizar as mercadorias. Contudo, como a esperança não morre, ou é a última, surgem novos caminhos. As novas tecnologias, sobretudo as de informação, tanto podem ser instrumento de implementação dos lucros e de controle social; como do estabelecimento da autonomia dos pacientes. Ou evoluímos para a autonomia das pessoas, do indivíduo, cada um será o comandante do seu corpo, numa medicina personalizada e individualizada. O novo médico seria parceiro dessa mudança, perderia poderes e ganharia e ganharia importância para os pacientes. Estamos falando de uma medicina voltada para os pacientes.

Em outros tempos, os médicos cuidavam dos doentes, sua principal missão era aliviar o sofrimento humano. Estabelecia com a sua clientela uma relação fraterna e de confiança, chamada pretensiosamente de “colóquio singular”. A recompensa não era pagamento, remuneração, salário, vencimento, nada que parecesse comércio, poeticamente, os médicos recebiam honorários, aquilo que honra a quem recebe. Era comum o “Deus lhe pague”, o “abaixo de Deus, o senhor”, e todo o médico tinha um horário em sua agenda para a filantropia. Com frequência, os pacientes demonstravam sua gratidão com mimos: - “doutor, engordei esse capão para o senhor”.

A atual humanização não significa um retorno a essa medicina do século XX. Os caminhos são outros. A genética nos reduziu a individualidade biológica. O humanismo possível numa medicina mercantilizada é a luta pela autonomia dos pacientes, que eles passem a ter o comando dos seus corpos, de sua saúde e de suas doenças. Já que a sociedade nos atomizou, pelo menos cada um decida sobre a sua forma de viver e morrer. Entre uma medicina voltada para o capital, ou voltada para ciência, a utopia consiste apenas na construção de uma medicina voltada para o ser humano, personalizada, para os pacientes. Sem abrir mão das novas tecnologias.

A utopia sanitária do século XXI, compatível com a medicina de mercado, é auto melhoramento individual, autodisciplinado na procura de saúde. A ênfase na autonomia individual está ligada à desmontagem do Estado assistencialista que trata os indivíduos dependentes com desconfiança, como “parasitas sociais”. Esse é o sonho do liberalismo. E as esquerdas acham o que? Estamos pensando...

Antonio Samarone.


quinta-feira, 23 de agosto de 2018

A FEBRE DO NOVO



A febre do novo. (Por Antonio Samarone)

Li os programas e assisti ao debate entre os candidatos ao governo de Sergipe. Estou convencido: todos querem mudar tudo e passar Sergipe a limpo. As perguntas e as respostas são as mesmas, independente da coloração ideológica. Formou-se um grande consenso. As ideologias foram temporariamente sepultadas. Como dizia o Velho: “Tudo o que era sólido se desmanchou no ar”.

Jornalistas e plateia puderam perguntar aos candidatos. Quem esperava novidades quebrou a cara, o mesmo senso comum, as mesmas obviedades. A sensação é que os que nos botaram nessa enrascada não estão mais por aqui. Uma pessoa que há pouco era Secretário de Segurança se apresenta detonando a segurança pública, e vai fundo, diz que sabe como resolver.

Tem de tudo. De gente que está na política há 30 anos e que já ocupou todos os cargos, a quem nunca teve a menor experiência. O que eles têm em comum? A crença que são o novo, e que a história vai recomeçar com eles. Os diagnósticos sobre a realidade são peremptórios: estamos diante do caos, nada funciona... Alguns insistem que estão na disputa política, mas que não são políticos. Outros assume que são políticos, mas tão novos e diferenciados, quem nem parecem políticos.

Tem candidato que acredita possuir saídas técnicas para todos os problemas. Não se intimida. Está convencido que vai resolver. O desemprego, as drogas, o sarampo, a evasão escolar, estão com os dias contados. Chegou a dizer que vai criar 10 mil empregos com a reciclagem do lixo, e parecia acreditar.

O mercado das ideias está desabastecido. Qualquer que seja o problema, saúde, segurança, desemprego, as saídas são parecidas. A profunda diversidade entre os candidatos é unificada nos projetos e nas ideias. Todos enxergam a mesma saída. Nada que um defenda que o outro não possa defender. Claro, com exceção de algumas excentricidades.

Todos são novos, ninguém defende o que existe. Nem o candidato que o seu grupo está no governo há 12 anos defende o governo. O programa de Belivaldo faz duras críticas ao governo Belivaldo. É como se dissesse: me suportem até 31 de janeiro, que a partir de 2019 começa um novo mundo, cheio de mudanças e de soluções. E o mais grave, Belivaldo acredita que ele próprio será outro em janeiro. O réveillon será um rito de passagem.

Mas as eleições estão chegando e precisamos votar. Cada um faça a sua escolha. Eu já decidi: não voto em candidatos envolvidos em ladroagem, nem em quem já teve oportunidades de mudar e não mudou, nem em salvadores da pátria, nem em quem acredita que só ele é puro, nem em quem pensa que tem a solução para tudo. Tenho receio dos “não políticos”, me cheira a oportunismo ou ingenuidade.

Estou convencido, pode demorar, mas vamos sair do atoleiro.

Antonio Samarone.

domingo, 19 de agosto de 2018

ARACAJU, EM 1960...




Aracaju, em 1960... (por Antonio Samarone)

“Aracaju não é cidade
Nem também povoação
Tem casinhas de palhas
Forradinhas de melão”
(citada por José Calazans)

A população de Aracaju em 1960 era de 112.516 mil habitantes. A cidade possuía 22.541 edificações, sendo 21.171 residências, 960 comércios, 78 indústrias, 123 repartições públicas, 142 escolas e 67 destinadas a outros fins.

Chama a atenção a precariedade dessas edificações: 7.662 (31,7%) eram casas de taipas e 1.135 eram barracos (casas toscas, cobertas com palhas de coqueiros ou latas velhas). Existiam 540 vilas de quartos, perfazendo um total de 3.435 quartos (habitações coletivas de um cômodo). Os quartos de vilas eram higienicamente piores que os barracos devido ao confinamento. 18,3% das residências possuíam piso de chão batido.

A rede geral de esgoto cobria apenas 2.255 (10%) residências. Como agravante, entre as residências não cobertas pelo esgoto, 9.870 não possuíam fossa. Na prática, 10 toneladas de fezes eram jogadas nas ruas e quintais. 50% população não recebia água encanada e 33,8% não tem luz elétrica em casa, viviam à luz do candeeiro.

Em 7.817 residências não existem coleta de lixo. O balneário de Atalaia só recebe coleta de lixo no período de veraneio. Na cidade foram identificados 316 chiqueiros de porcos e 54 estábulos para bovinos. Vários matadouros para suínos, ovinos e caprinos.

Espantado com a pobreza de Aracaju em 1960, lembrei-me de um poema de Gregório de Matos:

Sergipe del Rey
Três dúzias de casebres remendados,
Seis becos, de mentrastos entupidos,
Quinze soldados, rotos e despidos,
Doze porcos na praça bem-criados.

Dois conventos, seis frades, três letrados,
Um juiz, com bigodes, sem ouvidos,
Três presos de piolhos carcomidos,
Por comer dois meirinhos esfaimados.

As damas com sapatos de baeta,
Palmilha de tamanca como frade,
Saia de chita, cinta de raqueta.

O feijão, que só faz ventosidade
Farinha de pipoca, pão que greta,
De Sergipe dEl-Rei esta é a cidade.

A fonte dos dados é um criterioso estudo do DENERu (Departamento Nacional de Endemias Rurais), apresentados pelo Dr. Alexandre Menezes.
Antonio Samarone

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

MESTRES DA MEDICINA SERGIPANA




Antônio Leite Cruz – nasceu em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, em 15 de agosto de 1940. Os pais, Teotônio Narciso da Cruz e Lourdes Leite Cruz, são sergipanos de Carmópolis. O avô, Honorino Ferreira Leite, foi Prefeito. Antônio Cruz possui três irmãs: Carmen, Sílvia e Maria Lícia.

O Pai, oficial da aeronáutica, obrigou Antônio Cruz a levar uma juventude nômade, de cidade em cidade, acompanhando as transferências do pai. Somente em 1958, com a passagem do pai para reserva, é que Antônio Cruz se estabeleceu em Sergipe. Concluiu o científico (2º e 3º ano) no Colégio Ateneu. Foi colega de turma de João Alves Filho. Chegou e se adaptou de imediato, as suas raízes estavam aqui.

Com uma boa formação escolar, Antônio Cruz foi um dos noves alunos aprovados no primeiro vestibular de medicina em Sergipe. Isso mesmo, somente nove aprovados. Os examinadores exageram nas exigências. Durante o curso, Antônio Cruz acompanhou o Dr. Fernando Sampaio, um dos pilares da cirurgia em Sergipe. Como possuía talento para cirurgia, começou a operar logo cedo.

Em um estágio em Propriá, ainda no sexto ano, o Dr. Ciro Tavares, percebendo as habilidades de Antônio Cruz, resolveu tirar férias, deixando o plantão com o estagiário. No período, Antônio Cruz realizou 9 cesáreas, fazendo também a anestesia. Todas sem complicações. No período da Faculdade, Antônio Cruz foi professor de química do Colégio Atheneu de Sergipe.

O Dr. Antonio Leite Cruz decidiu especializar-se em cirurgia pediátrica, frequentando uma residência médica de dois anos. Primeiro no Rio, com o professor José Antônio Lopes, e depois no Hospital das Clínicas em São Paulo, no serviço do professor Virgílio Carvalho Pinto. Bem formado, talentoso, retornou à Sergipe já contratado pela Faculdade de Medicina.

Foi como professor de cirurgia que teve o seu maior destaque. Didática refinada (personalizava as coisas), conteúdo atualizado e, sobretudo, uma postura ética impecável. Foi um professor que deixou lembranças. Quando se fala no professor Antonio Cruz, seus ex alunos reagem com carinho e consideração. Suas aulas sobre equilíbrio ácido/básico e reidratação eram memoráveis. Com certeza, um dos melhores professores que passaram pela medicina da UFS.

Entre 1970/711, durante o Governo de João de Andrade Garcez, o Dr. Antônio Cruz ocupou o cargo de Secretário de Estado da Saúde. Em seu primeiro Governo (1982/86), o governador João Alves Filho criou uma Fundação Hospitalar de Sergipe, visando construir um hospital público de qualidade. Para demonstrar a opinião pública ser uma iniciativa republicana, convidou o Dr. Antônio Leite Cruz para presidi-la.

A Fundação presidida pelo Dr. Antônio Cruz realizou, na mais completa lisura, o primeiro concurso público na Saúde do Estado de Sergipe. Os servidores foram contratados dentro de um Plano de Carreira, com isonomia entre médicos e enfermeiros. E um hospital equipado num padrão de excelência foi inaugurado. Nesse período, o Secretário de Estado da Saúde era o Dr. José Alves do Nascimento.

Em 07 de novembro de 1986, foi inaugurado o hospital João Alves Filho (HUSE), com 112 médicos, 30 enfermeiras, 96 auxiliares de enfermagem, e 200 funcionários de apoio. Contudo, o hospital, com 375 leitos, em 13 alas de internamentos, só começou a funcionar em 02 de fevereiro de 1987, já no Governo de Antonio Carlos Valadares.

No início do Governo Valadares o secretário da Saúde foi o Dr. Lauro Maia (o bom Lauro); e o presidente da Fundação Hospitalar Edney Freire Caetano. O primeiro diretor do Hospital João Alves, foi o médico Salvador Antônio de Souza Matos. No segundo Governo, João Alves extinguiu essa primeira Fundação da Saúde.

O Dr. Antônio Cruz, por onde passou no serviço público, deixou o exemplo de abnegação e decência. Na clínica privada, realizou mais de 11.700 cirurgias pediátricas, foi o primeiro cirurgião pediátrico de Sergipe. Só deixou de operar em 2015, sendo a sua última cirurgia em sua cadela de estimação. Black foi atropelada na rua, os veterinários queriam amputar a perna. Antônio Cruz disse não, deixe que eu opero. Durante a entrevista, a cadela saltitava em nosso meio.

Antônio Cruz é pai de 4 filhos, Mário Luiz, André Cruz (médico), Manuela Sobral e Suzana Sobral; e avô de três netos. Aos 78 anos, cabeça boa, domina os computadores, e vive dentro dos princípios com que guiou a sua vida, sem se afastar um milímetro. Antônio Leite Cruz, um dos grandes da medicina em Sergipe.

Antonio Samarone.

terça-feira, 14 de agosto de 2018

PARA ONDE VAI O DINHEIRO DA SAÚDE?



Para onde vai o dinheiro da Saúde?

O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma pesquisa de opinião pública (DATAFOLHA), sobre o que a sociedade pensa da Saúde. Uma surpresa: 26% das pessoas consideram que a primeira prioridade do SUS deveria ser o combate a corrupção na Saúde. A segunda prioridade apontada, com 18%, seria reduzir o tempo de espera para exames, cirurgias e procedimentos.

A sociedade enxerga que o que está travando a Saúde é a corrupção. As pessoas não se conformam, por exemplo, como o Estado de Sergipe gasta 1 bilhão por ano na Saúde, e não consegue oferecer um serviço descente. Isso mesmo, 1 bilhão.

Os especialistas em gestão pública estimam que 30% dos recursos da Saúde são desviados, não chegam aos pacientes. Desperdícios, mordomias, remédios vencidos, internações, exames e procedimentos desnecessários. Quanto custa um paciente 15 dias internado só esperando a realização de um procedimento?

Quanto é desviado com os sobre preços, os serviços pagos e não realizados, os contratos lesivos ao erário público? Pensou que eu ia esquecer, e os desvios acintosos com mimos e propinas. Os fundos de campanha e de enriquecimento ilícito. Quanto representa a fração dos gatunos? Os ralos da Saúde são escancarados.  

O povo em sua sabedoria não sabe os detalhes, mas desconfia do “MECANISMO”.

Sei que algum descrente pode sugerir: por que você não dar logo nomes aos bois. Uma sugestão absurda. Nem eu sei os nomes, e se soubesse, não ia ficar com o ônus da prova, sem possuir os poderes para as investigações.

Eu falo em tese. A Constituição e as leis já definiram de quem é a competência de fiscalizar, apurar e prender os larápios. Sei que não é tarefa simples. A própria lava a jato, com um forte aparato institucional de investigação, com poderes discricionários, só avançou com a delação premiada.

O certo é que o SUS não melhora com o ralo aberto. Quem vai fechar o ralo e como, vira a grande pergunta. É o que eu espero ouvir dos candidatos a governador: o que será feito para estancar a sangria?

Quem começar o futuro governo sem uma auditoria externa independente, vira cumplice e começa mal. Passar a limpo e apresentar medidas para fechar os ralos, são os primeiros passos. Sem um combate eficaz a corrupção na Saúde, o SUS não funciona.
Antonio Samarone.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

MÉDICOS HUMANISTAS EM SERGIPE



MÉDICOS HUMANISTAS EM SERGIPE.

Átalo Crispim de Souza - Itabaianense de boa cepa, filho de Zé Crispim e Dona Lourdes, nascido em 21/03/1949. Fez o primário e o ginásio em Itabaiana. O científico no Atheneu.

De família de classe média, o pai poeta, contista e alfaiate; e a mãe dona de casa; Átalo tem sete irmãos: Agda, Ada, Altéia e Amabel; Abrahão, Grampão e Atenágoras; e é pai de três filhos: Paulo Crispim, Carlos Crispim (médico) e Laura Crispim.

Formado em medicina pela Universidade Federal de Sergipe, em 1972. Fez residência em clínica médica por dois anos, no hospital das Forças Armadas, em Brasília. Depois, especializou-se em homeopatia em São Paulo, onde viveu vários anos.

Átalo é adepto da Homeopatia Unicista, capaz de estudar os sintomas do paciente e, com um único remédio, buscar estímulos para a força vital onde o corpo se autorregule e se cure de uma forma unificada e integral. A homeopatia é ontologicamente holística.

Um intelectual à moda antiga. Livre pensador. Médico de consistente formação clínica e homeopata por convicção. Digo com segurança, Átalo é uma referência na homeopatia brasileira. Um pesquisador culto e criterioso, que conhece as raízes da homeopatia. Um médico de vastas leituras.  

O Dr. Átalo leva uma vida espartana, simples, centrada nos valores espirituais. Não faz da medicina um comércio. Atualmente, exerce a clínica homeopática em Aracaju, no Centro Médico Odontológico, sala 1104, Praça Tobias Barreto.
Antonio Samarone.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

A ANESTESIOLOGIA EM SERGIPE



Cleômenes Reis de Almeida Barreto – médico, filosofo, trovador, que gosta de repetir: - “Na vida, nem sempre fiz o que gostava, mas sempre gostei do que fiz”.

Paraibano de Campina Grande, nasceu em 14/03/1945. Cleômenes formou-se em medicina pela UNB (1971), de Darcy Ribeiro. Especializou-se em anestesiologia nos Estados Unidos, 2 anos em Seattle e 2 anos na Universidade de Yale. Casou-se 1967, com Maria Rosalina (Rosa). Pai de 4 filhos.

Em 1984, mudou-se de mala e cuia para Sergipe. Aqui, construiu uma densa história profissional. Respeitado pelos colegas, inteligente, bem-humorado, sempre com uma visão criativa da vida. Cleômenes foi presidente do Sindicato dos Médicos (1996 – 1999). A sede do Sindicato foi construída em sua gestão. Foi Presidente da Cooperativa dos Anestesistas.

Cleômenes é um iconoclasta. Aos 73 anos, continua trabalhando normalmente. Prestando cuidados anestésicos qualificados.

Perguntamos ao Dr. Cleômenes que conselho ele daria para a nova geração de médicos, ele respondeu de forma inusitada: - “que tenham compaixão dos seus pacientes”. Me pegou de surpresa, a compaixão é um sentimento antigo, meio em desuso.

A análise da assistência médica como política social, somente, empobrece o lado humano. A assistência médica tornou-se impessoal, fria e distante. Pensando bem, Cleômenes tem razão, a compaixão anda desaparecida.
Antonio Samarone.

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

ARACAJU, UM INFERNO PARA OS PEDESTRES.



Aracaju, um inferno para os pedestres.

Para enfrentar a ameaça da obesidade, resolvi andar. Ir a pé, flanar. Pensei: ao invés de longas e tediosas caminhadas matinais, vou começar ir andando para os lugares mais perto. A adversidade me esperava: as estreitas calçadas do Aracaju estão ocupadas. O passeio público está cheio de obstáculos físicos, desnivelado, com piso irregular e liso. E o mais agressivo, tomado de veículos.

Lembrei-me de uma crônica de Carlos Drummond de Andrade, publicada no Jornal do Brasil em 1982: “Vamos trabalhar pela afirmação (ou reafirmação) da existência do pedestre, a mais antiga qualificação humana do mundo. Da existência e dos direitos que lhe são próprios, tão simples, tão naturais, e que se condensam num só: o direito de andar, de ir e vir, previsto em todas as constituições... o mais humilde e o mais desprezado de todos os direitos do homem. Com licença: queremos passar.”  

Em Aracaju as calçadas têm donos. Cada proprietário de imóvel pensa e age como se as calçadas lhes pertencessem. Ouvi de um velho amigo: “você queria o que? A cidade é o paraíso da especulação imobiliária, os empresários da construção civil mandam e desmandam. A cidade tem donos”.

Retruquei, não é bem assim, deixe de exageros.
   
Virar pedestre em Aracaju não é fácil, mas não desisto. Nosso índice de caminhabilidade, que permite avaliar as ruas, sob ótica do pedestre, é um dos piores. Usando uma palavra da moda, vou ser resiliente! Nada vai me impedir de ir a pé. Peço o apoio da Associação Sergipana de Peregrinos, dos ambientalistas, dos cidadãos, das pessoas de boa fé e do povo em geral.  

E do poder público, esperar o que? Sinceramente, nada, ou quase nada...

As cidades já se disseram modernas, sustentáveis, seguras, saudáveis, etc. Na propaganda oficial, Aracaju promete virar inteligente, “muy inteligente” ...
Antonio Samarone.

sábado, 4 de agosto de 2018

SILENCIO NA CATEDRAL



Silencio na Catedral.

A bela Catedral de Nossa Senhora de Guadalupe encontra-se em reforma há uma eternidade. Poucos se lembram da última missa ali celebrada. A diocese da Estância foi criada em 30 de abril de 1960 e possui vinte paróquias. Na atualidade, o bispo é o italiano Dom Giovanni Crippa. No ritmo das obras, poucos alcançarão essa igreja funcionando.

A igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, parte do patrimônio histórico tombado pelo IPHAN, foi interditada pela Defesa Civil em 15 de setembro de 2014. Continua fechada, e pela velocidade das obras, não existe previsão de funcionamento. A razão alegada é a falta de recursos. Quem pode ajudar?

Tudo bem, Estância é uma de cidade de muitos pobres, mas os poucos ricos são muito ricos. Estância foi o centro cultural de Sergipe por muitos anos. Terra de artistas e intelectuais. Entendo as dificuldades, pois até a reforma da catedral de Aracaju precisou do dinheiro público (de fiéis e infiéis), para o andamento da obra.

Acho que os barões endinheirados da Estância, poderiam ajudar na recuperação da Catedral. O capital precisa cumprir a sua função social, prevista na Constituição. Afinal, a riqueza foi gerada pelo suor de muita gente. A Catedral é uma igreja centenária, construída no século XVIII. Em 1903, teve acrescida a torre do relógio. Foi lá o primeiro túmulo de Inácio Barbosa, o governante que transferiu a Capital para Aracaju.

Mal comparando, comenta-se que a suntuosa igreja que está sendo erguida, ao lado do viaduto do DIA, em Aracaju, será um templo da Universal. Os gastos são suficientes para reformar dez Catedrais de Nossa Senhora de Guadalupe. Outros tempos, outros templos. Pelo menos economicamente, a toda poderosa igreja romana está sendo suplantada em Sergipe.
Antonio Samarone.

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

MESTRES DA MEDICINA SERGIPANA - DR. MELÍCIO MACHADO.



Mestres da medicina em Sergipe. (Dr. Melício Machado)

O Dr. Melício Resende Machado é filho de Melício de Souza Machado, o que nomeia a rodovia do Mosqueiro, e de Maria Resende (Dona Resendinha). O seu pai foi um grande empreendedor, chegou a possuir o maior coqueiral do Brasil. Melício Machado, o Pai, foi quem primeiro industrializou o leite de coco, com a marca “MEMACIA”.

Melício Resende Machado, nasceu em Aracaju, pelas mãos da parteira Amarilha, em 25 de novembro de 1939, à Rua Pacatuba. Estudou o primário com a professora Rosilda Rocha. Menino traquino, passou por vários colégios, para concluir o ginásio e o científico: foi interno em São João Del’ Rei, estudou no Atheneu, no Colégio Jackson de Figueiredo (de Benedito e Judite) e no Colégio Tobias Barreto, dirigido pelo professor Alcebíades Melo Vilas-Boas. No último ano do científico, foi estudar no famoso Colégio Paes Lemes, na Rua Augusta, em SP.

Da infância na bucólica Aracaju, Melício Machado relatou com saudade os banhos do Rio Sergipe, ali na Rua da Frente. Tem viva a memória do grande nadador Gildo Aguiar, fundador do serviço de Salva-vidas em Aracaju. Fiquei imaginando, por que ninguém se lembra que a despoluição do Rio Sergipe não é um bicho de sete cabeças?

Desde cedo, Melício Machado tomou a decisão que queria ser médico. Em 1961, entrou na primeira turma da Faculdade de Medicina de Sergipe. Foi muito amigo do Ex Prefeito Heráclito Rollemberg, e estudaram juntos para o vestibular de medicina. Heráclito foi reprovado na prova de física, por décimos. Na época, muitos acharam injusta a reprovação. A vida continuou, e Heráclito seguiu outro caminho.

Talvez por preconceito, a medicina estava começando em Sergipe, após o primeiro ano, Melício Machado consegue transferência para a Faculdade de Ciências Médicas do Rio de Janeiro, no Hospital Pedro Ernesto (atual UERJ). Não se adaptou na cidade maravilhosa, e conseguiu a transferência para a Faculdade Católica de Salvador, onde concluiu o curso de medicina, em 1969. Especializou-se em obstetrícia com o professor Jorge Resende, na enfermaria 33, no Rio de Janeiro. Isso mesmo, Jorge Resende o autor do famoso “Tratado de Obstetrícia” de Resende, que por muitos anos foi uma referência nacional.

Pouco antes da formatura, casou-se com o amor da sua vida, namorada desde os 15 anos, Dona Maria Helena. O seu pai faleceu 11 dias após a sua formatura, obrigando-o a retornar para Aracaju. Aqui ele encontra o centro de sua vida profissional: vai ser obstetra da Maternidade Francino Melo. Ao lado de Carlos Melo, Dalmo Machado, Albino Figueiredo e Aristóteles Augusto, formaram o melhor time da história da obstetrícia sergipana.

O Dr. Melício Machado exerceu com competência a obstetrícia, sempre voltado para o bom atendimento. Um grande humanista. Sempre discreto, viveu no anonimato, voltado para o trabalho. Não amealhou fortunas com a medicina.

O Dr. Melicio Machado é pai de 4 filhos e avô de 4 netos, vive modestamente a sua aposentadoria, com a alegria de quem tem a consciência tranquila. Inteligente, bem-humorado, fino no trato, ao ser perguntado que mensagem daria aos novos médicos, ele foi sucinto: “que ame os seus pacientes”.
Antonio Samarone.

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

QUEM É O DONO DO HOSPITAL DE CIRURGIA?



Quem é o dono do Hospital de Cirurgia?

A 25 de junho de 1923, numa homenagem dos médicos ao Dr. Parreiras Horta, o Dr. Augusto Leite reclamou ao governador da inexistência em Sergipe de um hospital, onde se pudesse exercer com segurança a cirurgia.

O Governador Graccho Cardoso, impressionado com o que ouviu, prometeu construir um hospital: “Não sou homem de promessas, não prometo para faltar.” E não faltou. Em 02 de maio de 1926, foi inaugurado o maior hospital de Sergipe, com três pavilhões, 70 leitos, ambulatórios, farmácia, serviço de radiologia, duas salas de cirurgia e laboratório.

O Hospital de Cirurgia foi construído e equipado com dinheiro público. Enquanto estava sob o comando de Augusto Leite, Lauro Porto, João Garcez, José Teles de Mendonça, entre outros da velha geração, o Hospital de Cirurgia foi público, sem ser estatal, prestou grandes serviços ao povo pobre de Sergipe.

Num momento infeliz, um grupo político se apropriou do Cirurgia. A obra de caridade foi privatizada. Manteve a fachada filantrópica, para facilitar os contratos sem licitação com o SUS e ao não pagamento de certos tributos. Passou a atender interesses privados. Em 2017, ficou mais dias em greve do que em funcionamento. A crise é permanente.

Em janeiro de 2018, o Estado passou a gerir o milionário contrato do Cirurgia com o SUS. O município de Aracaju, de forma sincera, declarou-se incompetente para continuar gerindo o contrato. Claro, nada mudou. O Hospital de Cirurgia continuou em crise. Os recursos repassados caem num buraco negro, e a população continua mal atendida.

Voltando a primeira pergunta, de quem é esse hospital? De meia dúzia de pessoas, que usam o hospital em benefício próprio; ou o hospital é público, do povo de Sergipe. O que pensa Ministério Público? Perguntar o que pensa o Governo do Estado, seria perda de tempo. Não pensa nada, absolutamente nada.

O Hospital de Cirurgia, onde nasceu e se consolidou a medicina moderna de Sergipe, legado de dezenas de bons médicos, caiu em mãos inadequadas. Gente sem espírito público, que se sente donos do hospital e, a cada dia, afundam a Santa Casa de Misericórdia de Sergipe. Quem padece são os pacientes do SUS, que precisam dos serviços do hospital. É urgente a desprivatização do Cirurgia.

Antonio Samarone.