sábado, 20 de janeiro de 2024

A PSICÁNALISE DIGITAL


 A Psicanálise Digital.
(por Antonio Samarone)

A descoberta do inconsciente (Freud?) foi um grande passo para a compreensão do Ser Humano. O problema é que as ações inconscientes não são explicitas, nem comandadas pelo Ego.

Conhecem-se as manifestações do inconsciente, indiretamente, por atalhos. O que acreditamos ser, nunca é o que somos. A autoestima se favorece das trevas.

A medicina e a psicologia tem buscado um caminho de acesso ao inconsciente, para entender o homem em suas entranhas mais profundas, desvendar os seus desejos inconfessáveis e inconscientes.

No século XVIII, a medicina francesa estudava os semblantes (semblant), procurando o não dito, o inconsciente não revelado.

Os estudos iam bem, até o médico italiano Cesare Lombroso estender a hipótese para identificar os delinquentes. A coisa desandou para a Eugenia.

No final do XIX, o pai da neurologia, Jean-Martin Charcot, encantou-se com a hipnose, para desvendar o inconsciente nos surtos de histeria, na Europa da Belle Époque. Freud, no início, embarcou nessa visão. Depois desistiu!

Freud criou o seu método, apontando que o inconsciente poderia ser desvendados pelos sonhos. A técnica prosperou, ainda em uso.

Um discípulo de Freud, o médico francês Jacques Lacan foi mais longe: entendeu que o inconsciente poderia ser reconhecido pela linguagem, nos atos falhos.

A psicologia de mercado chega ao inconsciente através do preenchimento de questionários. Tudo rápido e prático. Um capítulo da autoajuda.

E assim anda a ciência!

A Dra. Camille Sophie de Oliveira e Silva, a terceira geração de uma família das Flechas, pós-graduada na Sorbonne Université, vai montar uma clínica de psicanálise em Itabaiana. Uma revolução!

A Dra. Sophie trouxe o mais recente método de acesso ao inconsciente. A eficácia é comprovada. Na primeira consulta o (a) paciente deixa o seu celular, com todas as senhas com a doutora. A Clínica vai contratar uma equipe local de curiosos, e um primeiro diagnóstico será traçado.

Normalmente, a análise é suspensa ali mesmo. Os pacientes se dão por satisfeitos. Em 73% dos casos chega-se a cura. Claro, existem os efeitos colaterais. Se desconhece óbitos.

Quando restam dúvidas, os dados podem ser enviados para um laboratório de algoritmos, no Vale do Silício, solicitando-se um pente fino na personalidade de cada um. Os resultados surpreendem os próprios pacientes, nem eles sabiam que possuíam aquela alma.

Essa segunda etapa, pelos custos e por descobrir coisas que os próprios pacientes passariam muito bem sem conhecê-las, pode ser abandonada pela Dra. Sophia. Essa análise laboratorial da alma, leva muitas vezes a uma baixa estima, resultado contrário ao que se espera nos tratamentos.

A Dra. Sophie não quer perder tempo com longas horas no divã, basta deixar o celular com as senhas livres, por oito dias. A Dra. Disse-me que alguns pacientes podem entregar celulares falsos, de outras pessoas, só pela curiosidade de saber a vida alheia.

Dra. Sophia, por precaução, só aceitará celulares com documento de propriedade passado em cartório.

O celular é uma extensão da alma. Em breve, a nossa personalidade poderá ser armazenada num programa e instalada numa máquina. É a imortalidade dos Nerds. A imortalidade prescinde do corpo.

A tese é que o celular já é parte do nosso Eu. Independe da nossa vontade. Em pouco tempo, o celular será adaptado como uma prótese definitiva.

Ninguém segura a parceria da ciência médica com a inteligência artificial. A nova psicanálise digital desnuda a alma.

Sucesso à nova Clínica e vida longa a Dra. Camille Sophia de Oliveira e Silva, sangue dos ferreiros da Matapoã. Itabaiana sairá na frente, dessa feita, no Brasil.

Antonio Samarone. (médico sanitarista, dos antigos, ainda analógico)

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

A FIDELIDADE É UM PRÍNCIPIO.


 A fidelidade é um princípio.
(por Antonio Samarone)

A imprensa especializada não está entendendo nada. O Prefeito Adaílton Souza, de Itabaiana, está realizando um mandato excepcional, tem direito a reeleição, mas acatou alegremente, que o candidato do Grupo à Prefeitura será Valmir de Francisquinho.

A política é uma atividade coletiva, organizada em Partidos, onde se busca o poder, mediante projetos e princípios. Os grupos políticos possuem líderes que precisam da fidelidade dos correligionários.

Fora disso, são bandos efêmeros que saqueiam a esfera pública, para repartir o butim.

A força desses grupos depende dos sufrágios recebidos. No Brasil, a competência e o carisma do líder é a variável mais importante. Os grupos políticos possuem hierarquia. Os membros delegam ao líder o arbítrio de decidir a estratégia para a conquista e manutenção do poder.

Sem a fidelidade para se aceitar as decisões, o grupo se enfraquece. O predomínio de interesses imediatos ou pessoais é nocivo ao grupo.

Vejam o exemplo do PT nacional.

Após o segundo mandato, com a aprovação de quase 80%, Lula escolheu Dilma Rousseff para lhe suceder, visando não criar sombras a sua liderança. O PT possuía políticos de expressão. Lula pensou, após um primeiro mandato, Dilma deixa o cargo e eu volto ao poder. Afinal, Dilma é uma técnica, sem ambições políticas.

O projeto do PT passava pela volta de Lula, em 2014. Não foi isso o que aconteceu.

Dilma na cadeira de Presidente, criou asas, engrossou o pescoço e concorreu à reeleição. Lula esperou em vão um gesto de fidelidade de Dilma. Não ocorreu!

Dilma venceu, mas o resultado foi desastroso para o PT, terminou em Impeachment, em 2016. Tudo o que aconteceu em seguida, foi consequência.

Lula só voltou em 2022.

Estou assistindo a um jogo de xadrez bem jogado, na política de Itabaiana. Valmir percebeu as forças que tentarão derrotá-lo na prefeitura de Itabaiana. A máquina do estado é um porta-aviões.

Valmir de Francisquinho chegou ao poder em Itabaiana há 12 anos. Impulsionou o crescimento, a violência diminuiu, a cidade passou a ser bem cuidada e a política saiu das querelas da politicagem.

Mesmo os adversários locais reconhecem a supremacia administrativa da Era Valmir. A cidade é outra: moderna, pacífica e bem cuidada.

Nas últimas eleições, o eleitorado estadual percebeu o novo em Itabaiana. Valmir se tornou um fenômeno eleitoral. Tomaram o governo de Valmir no Tapetão. Dias após o prazo de manutenção da candidatura, a Justiça absolveu Valmir. Não dava mais tempo.

Valmir sabe que farão de tudo para tomarem Itabaiana. Eles não brincam de política. Em Sergipe, prevalece o vale-tudo. É a tradição do Estado. Nada surpreende!

O líder é o que percebe longe. O candidato será Valmir!

Adaílton Souza teve a grandeza da fidelidade política. Uma coisa rara, hoje em dia, onde os políticos pulam de partido em partido, de galho em galho, movidos pelos interesses pessoais.

Adaílton Souza, um exemplo da boa política!

Antonio Samarone – Médico sanitarista.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

SERTÃO, GADO E MEDICINA.


 Sertão, gado e medicina.
(Por Antonio Samarone)

Finalmente, fui conhecer a fazenda de Pacheco no alto sertão sergipano, entre a Borda da Mata e a Serra Negra. Fomos colegas de turma, na medicina da UFS.

Aceitei o convite movido pela curiosidade cultural. Como anda a cultura sertaneja do boi, do vaqueiro, das pegas de boi, dos aboios e das toadas?

A cultura das vaquejadas, das missas de vaqueiro e das cavalgadas. A cultura do couro, dos gibões e do chapéu de couro.

Pacheco, passou discreto pela Faculdade. Sabia o que queria. Estudou o que achava necessário, para ser um bom médico no interior, naquele tempo. Aprendeu a fazer parto, encanar um braço quebrado, fazer pequenas cirurgias e passar remédio para as doenças mais frequentes.

Formou-se e partiu!

Montou a sua clínica no Sertão. Casou bem, pragmaticamente. Nunca se meteu na política local, fez amizades e angariou uma boa clientela. Em pouco tempo, Pacheco estava bem de vida. Acumulou uma pequena fortuna.

Pacheco é um bom papo! Culto, engraçado e crítico.

Quando lhe contei que queria ver uma pega de gado na caatinga, Pacheco deu uma gargalhada. Pega de gado? Samarone, se acorde! O boi é uma Commodity. Aquele boi do folclore acabou. O boi Fubá e a vaca Estrela ficaram na imaginação dos poetas.

Na fazenda de Pacheco, o vaqueiro anda de moto e capacete.

O gado, possui um chip na orelha com GPS e código de barra. Rubão, o vaqueiro gerente, fica numa sala com ar condicionado, acompanhando os bois pelo computador.

O programa informa a evolução diária do peso dos animais, o estado nutricional, a localização e o estado vacinal. Se for necessário remanejar a boiada, o comando é central. Aliás, os vaqueiros foram treinados em Barreto, São Paulo.

Todos os vaqueiros têm o segundo grau completo e leem em inglês. Pelo menos, o básico. Na mesma sala, tem uma tela da bolsa de valores com a cotação diária da arroba do boi. Outro aplicativo, informa a variação do clima, ao vivo.

Pacheco não se fez de rogado! Aproveitou e fez uma palestra sobre o folclore.

“Velho Samá, o folclore fala do passado. A Chegança lembra a guerra dos mouros com os cristãos.”

“O folclore atual do Sertão, sobre o vaqueiro e o boi, fala do passado. Pega de boi na caatinga, era em meu tempo de menino. Essas cavalgadas urbanas são organizadas por gente de classe média, querendo ser fazendeiro à moda antiga.”

“Os esportes que usam o boi (vaquejadas, rodeios, touradas), são formas disfarçadas de maus tratos, disse-me o doutor Pacheco.”

“Eu fui ao último festival de artes em Laranjeiras. Na verdade, uma festa de largo com shows musicais de qualidade duvidosa.”

Pacheco desabafou:

“Em uma das noites, um artista com uma sanfona na mão, entretinha o público jovem com lorotas. Entre uma música e outra, ele tacava falação: “hei boi, hei boi, bora meu vaqueiro! Viva a vaquejada! Quem é de cavalgada?” E eu numa mesa de bar escutando. De que boi, de que vaqueiro ele estava falando?”

Pacheco esclareceu: “aqui na fazenda, eu crio 700 cabeças, só por curiosidade tecnológica. Na bolsa, eu tenho participação acionária em 30 mil cabeças que outros criam pelo Brasil. Samarone, eu fiquei rico com a medicina.”

“Claro, com o casamento herdei alguns latifúndios improdutivos. O meu sogro era um fazendeiro antigo, que criava o gado na solta. Eu incorporei tecnologia.”

“A medicina, eu pensei em deixar para os filhos. Os dois, médicos. Os quais botei para estudar em São Paulo. Ocorre que eles não querem voltar! Um, está fazendo pós-doutorado na Inglaterra.”

“Hoje, quem ganha com o trabalho médico são os planos de saúde, a indústria farmacêutica e a de insumos. A medicina de mercado é boa para o capital.”

“A medicina humanizada, bem feita, com inteligência, nos trazia uma boa fortuna e muito prestígio social.”

Voltei do fim de semana no Sertão, mais gordo e mais sabido.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

MITOS RACIAIS


 Mitos raciais.
(por Antonio Samarone)

Cresci ouvindo três falsas verdades: Itabaiana não tem negros, um ou outro, era de fora; descendemos dos holandeses, com forte presença do sangue judaico.

O meu pai, pardo de olhos verdes, era tido como descendente de holandeses (Feltre Bezerra, desmentiu).

A lenda judaica, dava-se pela destreza dos itabaianenses nos negócios, virtude atribuída aos judeus.

Judeus, em Itabaiana, só conheci Pulga de Cós.

E sobre os negros?

Como não temos negros? Os meus amigos eram quase todos pretos, ou quase pretos. Os galegos eram poucos. O Beco Novo não tinha poucos brancos.

Entre as esquinas do Bar de João Criano e a bodega de Dona Rosita, três quarteirões, 90% eram negros. Branco no Beco Novo, só a família de Dona Branquinha, a de João de Anjinho e a de Seu Evilásio, da FSESP.

Consultei o historiador Almeida Bispo: Itabaiana tem ou não negros? Ele me apresentou os resultados do Censo de 1871: “Itabaiana possuia 3.295 pessoas escravizadas, Capela 3.171 e Laranjeiras 3.006. Para onde foi esse povo?”

O pesquisador Wanderlei Menezes me chamou a atenção: o único sergipano reconhecido, nacionalmente, na luta pela libertação dos escravos, foi o itabaianense Quintino de Lacerda.

João Mulungu, o maior herói negro de Sergipe, é de Itabaiana.
O historiador Lima Junior, o maestro Antonio Silva (foto), Bento das Flechas, o farmacêutico Moises, Jovino, e tantos outros que estou esquecendo.

Essa conversa comprida, só para contar uma novidade: em setembro de 2001, a Câmara Municipal de Itabaiana, aprovou a lei 965, reconhecendo Quintino de Lacerda, um herói negro do município, e estabeleceu o 08 de junho (o dia do seu nascimento), como o dia municipal da consciência negra.

Procurei saber, sem sucesso, de quem foi a iniciativa parlamentar.

Certo, esqueceram a lei e nunca houve a sua comemoração. Esse ano de 2024, vamos procurar cumpri-la, homenageando os negros de Itabaiana. Vou convidar o líder negro Severo D’Acelino.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

É PRECISO QUE TUDO MUDE.


 É preciso que tudo mude...
(por Antonio Samarone)

É difícil contar histórias amenas da política nesse momento, onde o azedume das paixões nos divide. A política tem lados, certo, mas não precisa chegarmos a guerra.

De todo jeito, vamos lá.

O filme italiano “O Leopardo”, inspirado na obra Il gattopardo, do escritor Giuseppe Tomasi di Lampedusa, analisa o processo de unificação da Itália e o fim da monarquia. O filme trata da ascensão dos burgueses e do ocaso da nobreza.

Os burgueses chegam ao poder, endinheirados, mas sem os modos da Coorte. A burguesia fez revoluções!

A decadente aristocracia italiana esnobava da rudeza dos novos-ricos. O filme, um clássico, trata da política, da revolução italiana, mas o que me veio à cabeça, foi o choque de etiquetas entre as classes sociais.

Guardando as proporções e as épocas, o mesmo ocorreu com a chegada da esquerda ao poder em Sergipe, no início do século XXI.

Os novos eleitos da Coorte, desconheciam os segredos dos vinhos.
Vinho, vinho mesmo, só os garrafões de cinco litros de Sangue de Boi, na Atalaia Nova.

Faltava a esquerda o “bom gosto”, dos que frequentavam os Palácios.

Claro, em Sergipe essa nobreza palaciana não era cortesã, nem de sangue. Era uma nobreza rural, descendentes dos Barões da cana-de-açúcar. Não possuíam os modos europeus. Vinham das Casas Grandes e dos Engenhos da Cotinguiba. Mas, arrotavam privilégios!

Em minha primeira aula na UFS, o professor perguntou-me: você é de que família? Não foi fácil, ele entender. Eu disse de pronto: sou um ferreiro da Matapoã! E o papo encerrou. Éramos gente nova, lutando pela cidadania.

Um dono de um restaurante famoso no Aracaju, percebeu esses novos áulicos em suas mesas, e tomou as providências cabíveis. Ele ofertou para essa gente noviça, em sigilo, um curso básico de vinhos – vinte horas, com direito a certificado.

O curso foi ministrado por Salvatore Francesco, o Sommelier mais famoso da Itália.

O programa do curso, está no verso dos certificados: história, processo de produção e estilos dos vinhos: brancos, tintos e espumantes. Sobremesa – tardio e fortificados. Técnica de degustação, serviço do vinho e conceitos básicos de harmonização.

Conheço vários diplomados, desse primeiro curso. Gente que se afinou aos novos modos, para não passar vergonha, nas ricas salas de pastos do Aracaju. Não estou criticando, apenas registrando que a história se repete.

O curso foi gratuito, ficando com o alunato apenas as despesas dos vinhos consumidos nas aulas práticas.

Depois da capacitação, o bloco no poder em Sergipe, passou a ter duas novas tendências: os iniciados em degustação dos vinhos e os não iniciados. Eu, por ser um abstêmio ortodoxo, fiquei no segundo grupo.

Um dos alunos da primeira turma, o mais interessado, aprofundou-se no tema, e passou a reproduzir localmente o mesmo curso. Centenas de militantes tiveram essa chance de ouro. Soube que o curso chegou ao interior.

É importante ressaltar que esses cursos não tinham fins lucrativos.

A esquerda mantém, onde pode, os seus princípios socialistas.

Preocupado com o pedantismo das citações, encerro com uma máxima da Revolução dos Bichos, de George Orwell. O livro trata da luta para criação de uma sociedade igualitária. No final, o artigo primeiro da nova Constituição, declara: “Todos os bichos são iguais perante a lei, mas alguns bichos são mais iguais que os outros.”

É a vida que segue!

Antonio Samarone – médico sanitarista.

sábado, 6 de janeiro de 2024

INSONIA CÔSMICA


 Insônia cósmica.
(Por Antonio Samarone)

O que mais espero da noite é que ela acabe. Tento às seis horas prescritas pela medicina, sob ameaça de ver o corpo acelerar a decomposição. Nada me consola!

Releio Álvaro de Campos:

“Não durmo, nem espero dormir. Nem na morte espero dormir. Espera-me uma insônia da largura dos astros, E um bocejo inútil do comprimento do mundo.”

“Não durmo. Não durmo. Não durmo. Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma! Que grande sono em tudo exceto no poder dormir!”

“Ó madrugada, tardas tanto... Vem... Vem, inutilmente, Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...”

“O meu cansaço entra pelo colchão dentro. Doem-me as costas de não estar deitado de lado. Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.”

“Vem, madrugada, chega! Que horas são? Não sei.”

Não é angustia, ansiedade, remorso, preocupação, sonho, nada, o córtex está em silêncio, não produz um mísero pensamento. Acho que o meu cérebro está dormindo, caladinho, fingindo-se de morto.

Só a minha alma não dorme. No máximo, cochila. Não é uma alma aflita, apenas permanece de plantão. Um plantão inútil. A minha alma não reclama, não pede, não insinua. Apenas não dorme.

Nos curtos momentos de sono, os sonhos aparecem. São sonhos bestas, nada surreal, improvável. Sonhos rasteiros. Não existem mais os antigos sonhos com vacas magras e vacas gordas, como os de José do Egito. Os Faraós não contam mais com isso.

Os sonhos na Era digital são simplórios. Pau/pau, pedra/pedra, sem metáforas. Não precisam mais de pitonisas para decifrá-los. Morfeu está morto.

Um velho frade, primo em segundo grau, defende que a minha insônia pode ser medo e desconfiança. Medo de quem? Segundo ele, a minha alma não confia mais em meu corpo. Ela acha que a qualquer momento, uma veia entope.

Será?

A minha alma sempre foi autônoma, nunca se submeteu aos meus conselhos. Nada, nada adianta! Antes se contava carneirinhos para enganar a alma, hoje, elas perceberam que é truque.

Resisto aos soníferos, talvez por vaidade.

Depois de muita insistência, pego no sono. Logo acordo! Durmo e acordo duzentas vezes por noite. Não há reza, homeopatia, medicina por evidência nem bruxaria que resolva. A insônia é um mal incurável.

Quando eu era jovem temia o sonambulismo, a histeria, o dnv e a hipnose. Hoje, o mal é a insônia.

Estou suspeitando que a morte seja uma insônia eterna, onde vagaremos pelas trevas cósmicas. Sem rumo. Pior não deve ser!

Pelo sim e pelo não, o bom é eu ir me acostumando.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

A FELICIDADE DE FINAL DE ANO.


 A Felicidade de Final de Ano.
(por Antonio Samarone)

A felicidade é uma aspiração universal, isso já se sabia. A dúvida, era se esse desejo seria possível. Freud achava que a felicidade possível era instantânea, momentos passageiros, que ficam na memória.

A assertiva freudiana de que a “Natureza não tem compromissos com a felicidade”, é difundida com ares de verdade bíblica. Até 1920, Freud defendia que a psique humana é regulada pelos princípios do prazer e do desprazer. Depois mudou de opinião. 

 
Não pretendo discutir aqui sobre as pulsões da morte, outro conceito Freudiano.

A redenção se faz pelo sofrimento. Ocorre, que o Ego busca a felicidade. Essa dualidade é aparente?

O certo é que a felicidade dos outros incômoda. A prova é simples: comece a relatar as suas vitórias (reais ou imaginárias) em um grupo de amigos, a reação de antipatia será generalizada. Mesmo que não se fale na hora, por conveniência, mas a impressão que fica é que somos mentirosos, pretensiosos e falastrões.

No geral, não se vê com simpatia a felicidade alheia. Agora inverta, conte as suas derrotas, o sorriso brotara no canto da boca dos circunstantes. Com as exceções de regra.

Com as redes sociais, o desejo universal de felicidade para todos se tornou exequível. São festas, jantares, confraternizações, muita alegria, risos, abraços. A chegada do Paraíso.

Com uma novidade histórica: a tecnologia permitiu que essas demonstrações de felicidade fossem de acesso universal, ao vivo e a cores. Só mudou a mídia. A natureza humana continua a mesma.

Os caga-raivas acham que tudo isso é falso. Uma representação teatral, ilusória, virtual e, na realidade, todos estão infelizes. A felicidade pelas redes sociais é uma fraude! Dizem os incrédulos.

Me permitam discordar.

Acho que a epidemia de felicidade de final de ano, expressa nas redes sociais, é tão verdadeira como as demais felicidades do dia-a-dia. Claro, todas são passageiras.

Para ser mais claro, o riso das “selfies”, das fotos pousadas, das demonstrações de felicidades planejadas, são tão verdadeiras como as antigas. A tecnologia digital não altera a falsidade humana. Nem aumenta, nem diminui.

A felicidade continua enigmática. A razão atrapalha. Ficar procurando explicações, motivos superiores, justificativas dificultam a felicidade.

A felicidade é um sentimento muito próximo da irrelevância. Se sente! Cada um a seu modo. Em alguns casos, submeter-se ao ridículo é necessário. Até fazer coraçãozinho com as mãos, gestos de paz e amor defronte para as câmaras, vale! Talvez seja a única forma de felicidade para muita gente.

Vou radicalizar: talvez seja a única forma de felicidade possível.

Experimente contar o seu momento de felicidade para uma banca de filósofos. Seremos humilhados.

A frase mais comum nos momentos de felicidade é: “estou sem palavras”. Verdade, sem palavras e muitas vezes sem pensamentos.

A felicidade não é filha da razão.

A minha conclusão é que a felicidade generalizada de final de ano é verdadeira, extrema, um surto contagiante. Sei que os mais intelectualizados ficarão decepcionados: “e é só isso”? É!

Os intelectuais acham que merecem outra felicidade, exclusiva, só deles.

Aquela felicidade da massa na areia da praia, defronte a um palco, vendo os fogos, fazendo sinais, gritando, pulando, mandando beijinhos e se abraçando com estranhos é a pura felicidade.

Claro, o álcool (e outras drogas) ajudam. Mas ajudam também as felicidades cultas, em jantares suntuosos.

Gente, a felicidade não é nada que os filósofos procuravam.

Um antigo candidato a Prefeito do Aracaju, chegou a prometer na campanha uma cidade feliz, uma “Feliz Cidade”. Perdemos a chance dessa experiência, ele foi derrotado por quem só propunha pintar os meios fios e apanhar o lixo.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

O BARÃO DO TUIM


 Gente Sergipana – O Barão do Tuim.
(por Antonio Samarone)

Passei na portaria do meu apartamento, e estava lá um presente: o livro de Reminiscência de um Engenheiro Agrônomo. Adorei. Bem escrito, leve, contando boa parte do cotidiano do Aracaju, das décadas de 1950/60.

Antonino Campos de Lima, agrônomo, formado na lendária escola de Cruz das Almas, na Bahia, professor emérito de botânica da centenária UFS, é descendente direto do Fidalgo Coronel João Neto, senhor de baraço e cutelo, dono das terras do distrito de Nossa Senhora da Conceição da Parida. (atual Arauá)

Da família do Coronel João Neto do Tuim, brotaram juristas, desembargadores e agrônomos. Somente em Cruz das Almas, formaram-se oito agrônomos, um filho, seis netos e um bisneto, com destaque para o intelectual Urbano Neto, tio de Antonino.

Antonino nasceu no Sítio Carro Quebrado, Aracaju, cresceu banhando-se no Rêgo do Tororó e jogando bola no Bariri. Filho do Dr. José Olino, obstetra, que deixou a medicina pela vocação de mestre.

José Olino foi professor catedrático de português do Atheneu, latinista de nome nacional, poeta, prosador e fabulista. Professor titular da disciplina filologia românica da UFS.

Antonino nasceu e se criou num sítio, no Bairro São José. Um privilégio.

Não confundir José Olino o pai de Antonino, com José Olino, irmão do mesmo, esse cirurgião plástico e proprietário da tradicional Clínica dos Acidentados, dele e do Dr. Adelino.

Antonino tem outros irmãos, eu conheço Cândido e Seu Aluíso, da Pisolar.

Antonino é primo carnal do Dr. Bernardo Lima, um amigo de longa data.

Antonino fez os primeiros estudos no Jardim de Infância Augusto Maynard, o primeiro de Sergipe. Passou pelo disciplinado colégio Jackson de Figueiredo, de Judite e Benedito, para desaguar no conceituado Atheneu.

Antonino foi o melhor aluno sergipano em Cruz das Almas, na Bahia, com grande destaque em botânica. A minha admiração pelo mestre, começou por sua sabedoria botânica.

Em sua primeira aula, em Cruz as Almas, o professor perguntou qual era o nome científico do algodão, prometendo um dez para quem acertasse. A turma fez silencio. Antonio levantou a mão e disse encabulado: o algodão é o Gossypium herbaceum, da família Malvacea.

Dez, nota dez, na primeira aula.

Em meus tempos de estudante, no Murilo Braga, o programa do curso de biologia era centrado em botânica, zoologia e corpo humano. Eu gostava de botânica. Depois a biologia do segundo grau mudou para citologia e genética. A botânica foi esquecida.

Eu ensinei biologia no Arquidiocesano, mas a biologia já renovada pela citologia e pela genética.

A passagem do Dr. Antonino por Cruz das Almas foi uma benção de Deus. Por lá ele casou como Dona Giovanina, uma descendente de italianos, jogou no time local de futebol e fez muitos amigos. Aliás, antes de retornar a Sergipe, Antonio trabalhou nas lavouras de cacau, na Bahia.

Antonino foi professor de botânica do curso de biologia da UFS. Um gentleman, atencioso, disponíveis para os alunos. Ele fez de tudo na UFS. Publicou vários livros técnicos.

Eu, curioso pela botânica, quando quero saber sobre as plantas nativas do meu latifúndio de 4 tarefas, aqui em São José dos Náufragos, às margens do Rio Santa Maria, ligo para Antonino.

Doutor Antonino, obrigado pelo seu livro de Reminiscência.

Eu sou um descrente na humanidade, mas reconheço que no meio da boiada, tem gente decente, idônea, altruísta, magnânima, benevolente, gente que faz o bem de forma desinteressada. Se me pedirem provas, eu citarei o senhor, sem medo de errar.

Feliz Ano Novo, para o Senhor e familiares.

Antonio Samarone – médico sanitarista.