segunda-feira, 20 de março de 2023

O DIREITO DAS CRIANÇAS

 O direito das crianças.
(por Antonio Samarone)

As crianças do meu tempo eram educadas pelo espancamento.

No Beco Novo, Rosalvo da Cabo Quirino surrava os filhos (Rosa, Robério, Negro Velho e Banhinha, com tanta disposição, que os gritos dos meninos eram ouvidos à quilômetros.

Os critérios das surras eram próprios e secretos. Rosalvo não tinha satisfação a dar. Saiu da linha, o pau comia.

As minhas surrinhas eram palmadas, cascudos e puxavantes de orelha, nada próximo das surras de Rosalvo nos filhos.

De cinturão, cinturão mesmo, só apanhei duas vezes. As duas merecidas: zombei de idosos. Os pais que não batessem naquele tempo, eram tidos como relapsos e censurados pela sociedade.

Apanhava-se em casa e apanhava-se na escola.

As professoras eram mais técnicas, batiam com a palmatória, quando elas achassem que o aluno merecia.

Existia uma técnica pedagógica chamada de sabatina. A turma formava uma roda. A professora fazia uma pergunta. O infeliz não sabia, a pergunta passava para o próximo até alguém acertar.

Quem acertasse era obrigado a bater com a palmatória nas mãos de todos os que tinham errado.

E assim, nesse batido, a sabatina durava horas. A pedagogia do medo.

Nas escola ainda tinha os castigos cruéis (ajoelhar-se sobre caroços de milho), e os humilhantes (ficar em pé, com o rosto virado para a parede), num canto da sala.

Rosalvo do Cabo Quirino era o motorista do padre. Ele aprendeu que na tradição portuguesa, quando um condenado ia à forca e a corda se rompia, ele poderia ser amparado pelo manto da Irmandade de Misericórdia. Se a corda se partiu, é porque havia alguma injustiça na condenação.

Rosalvo conhecia todas as obras de misericórdia, mas só exercitava uma: castigar os que erram. Sobretudo os filhos.

As obras de misericórdia são sete corporais: remir os cativos, visitar os presos, curar os enfermos, cobri os nus, dar de comer aos famintos e de beber a quem tem sede, dar pouso aos peregrinos e enterrar os mortos.

E sete espirituais: ensinar aos simples, dar bom conselho a quem pede, castigar os que erram, consolar os desconsolados, perdoar os que nos injuriam, sofrer as injurias com paciência e rezar pelos vivos e pelos mortos.

Mutatis Mutandis, Rosalvo achava que enquanto Deus lhe desse força no braço e a chibata suportasse o tranco, eram provas da justeza do seu espancamento. O detalhe é que ele batia nos filhos com fio elétrico e, até onde eu sei, nunca se partiram.

Rosalvo eram um homem piedoso, probo, irmão das almas, funcionário da paróquia, caridoso, mas não transigia na educação dos filhos.

Antonio Samarone (médico sanitarista).

O PROCESSO CIVILIZADOR

 O Processo Civilizador.
(por Antonio Samarone)

As sangrias e os enemas eram os grandes recursos da medicina artesanal, no começo do século XX. Os médicos se valiam dos sentidos, para fazer os diagnósticos.

Os médicos valiam-se da língua para perguntar ao paciente, dos olhos para vê-lo, das mãos para apalpá-lo, das ventas para cheirá-lo e das orelhas para escutá-lo (já existiam os estetoscópio de Laennec).

Seu Eliseu das Panelas, padecia de uma fístula anal crônica, infestada de bicho de mosca, resistente aos tratamentos conhecidos. Nem as rezas deram jeito. A medicina antiga chamava essa enfermidade de maculo (mal de culo).

A chegada do doutor Itajay, em Itabaiana, um lagartense formado na Bahia, deu uma esperança. Na primeira consulta o doutor prescreveu para Eliseu: enema (clister) apimentado (água destilada, capsaicina, Cloridato de quinina e tintura de ópio açafroada), a cada 8 dias. Até a cura completa.

Enema ou clister é a lavagem intestinal com um tubo enfiado pelo ânus, para aliviar a prisão de ventre, a constipação intestinal, o
intestino preso.

A novidade eram as pimentas. Foi dessa conduta científica de Itajay que nasceu a assertiva: “pimenta no cu dos outros é refresco.”

O doutor Itajay nada inventou, apenas suavizou um tratamento comum do maculo no período colonial. Doença muito frequente entre os escravizados.

Vejam a descrição de Lycurgo Santos, para a doença do Seu Eliseu das panelas:

“O maculo, o Mal de Culo, consistia, sabemos hoje, numa retite infriltrativa, ulcerante, complicada pela miíase. O ânus ficava exposto, cheio de gusanos. Então, inventaram um tratamento que é uma verdadeira barbaridade:”

“Punham o paciente de cabeça para baixo, encostado na parede, seguro por duas pessoas, abriam as pernas e dentro do ânus enfiavam o que se chamava “saca—trapo”, uma massa de pimenta, Vinagre, verdete, tabaco, tudo o que pudesse ser irritante. Enfiavam, fechavam as pernas e as amarravam, e deixavam o coitado sofrendo por umas duas horas.”

Convenhamos, o enema apimentado do doutor Itajay, era um refresco.

Os médicos no Brasil Colônia eram quase todos cristãos novo. E que medicina era essa que eles exerceram? A mais rudimentar possível, de poucos conhecimentos, levando o arcebispo do Pará, D. Frei Caetano Brandão, dizer: no século XVIII:

“É preferível a gente se tratar com um tapuia do sertão do que com um médico de Coimbra.” E por quê? Porque o tapuia do sertão observa com melhor instinto

O holandês Guilherme Pizo, no livro que escreveu sobre a medicina brasiliense, descreveu a doença, o maculo; e disse que o tratamento seria facílimo: bastava lavar-se com água do mar. Seria um tratamento higiênico.

O doutor Itajay, o primeiro médico a residir em Itabaiana, um médico rude, mas ao prescrever um enema apimentado para seu Eliseu, estava modernizando a medicina.

Itajay depois virou delegado de polícia e chefe político. Foi ele quem proibiu os tabaréus irem à feira de celouras, na verdade, era uns celourões brancos de algodãozinho.

O doutor Itajay chegou a Itabaiana anunciando também o tratamento da lepra, com picada de cascavel. Uma descoberta de Lourenço de Magalhães, um leprologista estanciano, famoso na Alemanha. Que eu saiba, Itajay nunca usou esse tratamento, os leprosos de Itabaiana não aceitaram.

Itajay foi um civilizador, que por uma esperteza, chegou a ser governador de Sergipe.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

CRÔNICAS VIRTUAIS (OS BONUS)

SOMOS TODOS INOCENTES

 Somos todos inocentes.
(por Antonio Samarone)

“O homem é responsável por sua natureza e por suas escolhas”, dizia Jean Paul Sartre.

Nada disso, a pós-modernidade aponta para a ausência de responsabilidade e de culpa. É o fim do remorso. A culpa tornou-se apenas um conceito jurídico. “Só depois de transitado e julgado.”

A culpa religiosa (o pecado) entrou em desuso. A comunhão nas missas é livre aos interessados, não exige mais a confissão. Cada um avalia, se deve ou não entrar na fila da comunhão.

Antes, a comunhão deveria ser precedida da confissão e do arrependimento, seguida de uma breve penitência. Que poderia ser apenas simbólica, mas era uma penitência.

Houve um retorno ao determinismo calvinista por outros meios, com outra narrativa. Antes religioso, hoje científico.

Somos geneticamente, socialmente e mentalmente comandados por forças autônomas. Os comportamentos humanos indesejáveis se tornaram “transtorno mental”, diagnosticados pela psiquiatria e com tratamento a venda nas farmácias.

Alceu não respeita ninguém, viola sem remorsos o direito dos outros, usa de métodos condenáveis para impor a sua vontade. Alceu é um egoísta agressivo e incorrigível. Hoje, a psiquiatria transformou Alceu no portador de um “transtorno”.

A antiga e frequente timidez, chama-se hoje de TAS, Transtorno de Ansiedade Social, e pode ser tratada pela indústria farmacêutica.

A descoberta desses transtornos, que entopem o manual de diagnostico americano (DSM), atende a uma necessidade social: ninguém quer ser culpado, somos todos vítimas.

O livre arbítrio é uma cilada, diz a nova ideologia.

Somos determinados pela genética, pelas circunstâncias sociais e pelo funcionamento dos módulos programados do cérebro. Somos o que nascemos para ser. Como diz o ditado popular: “A pessoa é para o que nasce.”

Há um caso jurídico famoso, onde o criminoso defendeu-se no tribunal alegando que foi condicionado geneticamente a violar a lei, que não teve culpa, O sábio Juiz retrucou, com um veredito: e eu sou geneticamente determinado a defender a lei, não tenho outra saída a não ser condená-lo a pena máxima.

O inferno já está superlotado!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

OS NETOS DO MAESTRO


 Os netos do maestro...
(por Antonio Samarone)

Recebi no Solar São José, a visita dos irmãos Alberto e Betinho, filhos do seu Bebé, e netos do maestro da Filarmônica de Itabaiana, mestre Antonio Silva.

Um presente!

Alberto Nogueira é um advogado competente, amante e conhecedor da boa música, um homem de trato refinado, culto e do boa conversa.

Betinho está exilado na Flórida há mais de 30 anos. Um estudioso das frutas tropicais, no mundo. Sabe tudo e mais alguma coisa. Betinho é uma raridade.

Somos irmão da República Oriental do Beco Novo. Comemos das mesmas comidas e bebemos das mesmas bebidas.

Me senti orgulhoso em mostrar o meu sítio a Betinho, uma autoridade mundial em frutos tropicais.

Na condição de provinciano e bairrista, comecei a apresentar as frutas locais, típicas da restinga nordestina.

Não nego, ficava satisfeito quando ele desconhecia alguma.

Quando apresentava uma planta exótica, perguntava-lhe de boca cheia: tem essa nos Estados Unidos.

Levei-os a chupar mangabas de caída. E depois perguntar se gostaram, só por exibição.

Eles foram apresentados aos ingá, juá, muruci, araçá de moça, maracujá Peruche, araticum, cajá pedra, guabiraba, cajarana, seriguela vermelha, cambuí, jambo, manjelão, umbu, dendezeiro, ouricuri, fruta pão, e mais a uma dezena de frutas tropicais do meu canto.

Tudo seguido da pegadinha: você conhece? E ele conhecia. Sem pedantismo, me dava uma aula. Isso é isso, aquilo é aquilo. Isto veio dali aquilo dacolá.

Tudo em linguagem simples e prática.

Um ranço Itabaianense: deixe para o final a mais difícil. Pensei, essa, eu quero ver ele acertar! Apresentei-lhe um já crescido pé de pitomba sem caroço, presente de um primo das Flechas. E aí, tem pitomba sem caroço nos Estados Unidos?

Caímos na gargalhada. Uma manhã divina.

Antonio Samarone (médico sanitarista).

HOJE TEM ESPETÁCULO? TEM SIM SENHOR...

 Hoje tem espetáculo? Tem sim senhor...
(por Antonio Samarone)

Passeando pelos subúrbios do Aracaju, encontrei um circo funcionando. Para mim, uma surpresa, os circos mambembes sobreviveram à Pandemia.

Um circo com palhaços, rumberas, mágico, malabaristas e trapezistas. Com todos os números clássicos. O circo é daqui mesmo, do Aracaju, e aqui se apresenta. Soube que existem mais duas companhias.

Os artistas são sergipanos, que insistem anonimamente na arte circense.

Eu conheci o teatro no circo. Um Itabaianense, Zé Bezerra, aluno de Procópio Ferreira, resolveu montar um teatro no circo dele. Era o Circo Teatro Zé Bezerra, que marcou época.

Antes Zé Bezerra montou peças de teatro no Cinema de Zeca Mesquita, ao lado da irmã, Dona Didi. Eu não alcancei. Soube que o teatro amador respira forte em Itabaiana.

Ouvi do intelectual Marcos Melo, uma referência elogiosa ao espetáculo “As Mãos de Eurídice”, um monólogo interpretado por Zé Bezerra no circo. Ele assistiu em Propriá.

Eu lembro-me da “Louca do Jardim”, mas esqueci o enredo.

O Circo Espetacular, armado nas proximidades da prainha, do São José dos Náufragos, não tem teatro, bichos amestrados, globo da morte, o trapézio não tem voos, mas tem 4 palhaços e duas rumberas, o coração do circo.

Uma nota curiosa: não existem os "matas cachorros". Ninguém mais tenta passar por baixo da empanada. Todos compram ingressos, no valor de cinco reais.

As piadas dos palhaços desses circos são apimentadas com a malícia do povo. São os duplos sentidos na linha de Costinha. As piada de salão não cabem no circo.

Vida longa ao circo mambembe.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

MANÉ COBREIRO

 Mané Cobreiro.
(por Antonio Samarone)

A tradição sergipana incorporou em sua fala os nomes das enfermidades epidêmicas ou de elevada letalidade, como forma de xingamento ou agouros.

Bexiguentos (varíola), lazarentos (lepra), fio da molesta do rato (leptodpirose), cabrunquento (carbúnculo), gota serena (amaurose), fio do cancro mariano (cranco é um nome antigo de câncer e mariano derivado de maligno).

A Peste virou adjetivo muito cedo, em referência a peste bubônica. “Você está com a peste? Peste no sentido de coisa ruim, incontrolável, maldição.

Com o crescimento dos cânceres o medo da doença tornou-se generalizado. A norma é não o chamar pelo nome: “aquela doença.” No dizer de Siddhartha, o câncer é o Imperador de todos os Males.

Em Itabaiana, criou-se um xingamento novo e original – Fio do Canço! Canço como corruptela de câncer, isso mesmo que a medicina chama de Neoplasia.

O fio do canso serve para a raiva, o xingamento e o elogio. Esse fio do canso é podre de rico. Fia do canso bonita! Eita juiz ladrão do canço, para os árbitros que prejudicam o Itabaiana no futebol.

O canço é visto como uma coisa invencível, grande, ameaçadora, incurável, em alusão implícita ao câncer.

Os mais antigos, que ainda não perderam a memória, atribuem a autoria do xingamento (fio do canço) a Mané Cobreiro. Eu nem nego nem confirmo. Conheci Mané Cobreiro já idoso, paneleiro cheio de chistes e galhofas, engraçado e presepeiro. Faz sentido.

O câncer é um doença antiga, citada num papiro egípcio do século VII a.C., entretanto, são raras as referencias a doença antes do século XIX.

Somente na segunda metade do século XX, com o envelhecimento da população, o câncer disparou como um grande mal para a saúde pública. As neoplasias disputam com as doenças do coração a liderança como causa de óbitos.

Foi nesse crescimento, que Mané Cobreiro atinou para o problema.

Câncer é um nome de pronuncia sofisticada, para virar canço foi um passo. O fio do canso, caiu no gosto cultural dos Itabaianenses, mesmo os mais ilustrados.

Na verdade, o fio do canço é um atualização linguística do antigo fio do cranco. Mesmo porque, canso e cranco remetem ao mesmo mal.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A MORTE NÃO PEDE LICENÇA.

 A morte não pede licença.
(por Antonio Samarone)

A minha amiga, professora Marieta Barbosa, se foi. Cheia de planos e esperanças. A morte a selecionou com um câncer de mama.

“Etimologicamente, paciente quer dizer sofredor. O que mais se teme não é o sofrimento em si, mas o sofrimento degradante.” – Sontag.

Entretanto, por causa da impaciência, fomos expulsos do Paraíso.

Os cânceres são várias e a mesma doença. A multiplicação desordenadas e invasivas das células. É o postulado de Virchow, omni cellula ex cellula”, levado ao extremo.

O que leva a essa rebeldia celular? O câncer é sobretudo uma doença genética.

Na história, os primeiros registros do câncer foram de mama.

Num papiro egípcio de 2.625 a.C, Imhopep descreveu uma massa saliente no peito, que não tinha cura. Heródoto, 440 a.C, registrou o caso de Atossa, rainha persa, filha de Ciro e esposa de Dario, que apareceu com um caroço no peito, uma massa vermelha que sangrava.

“A bile negra, sem ser fervida, causa cânceres.” Galeno – 130 d.C.

Nomear uma doença é descrever uma condição de sofrimento.

Hipócrates denominou um tumor com vasos sanguíneos inchados em sua volta de karkinos. Uma imagem parecida a um caranguejo enterrado na areia. No grego, tumor é onkos, onde nasce a palavra oncologia.

Galeno acreditava que os tumores decorriam da bile negra aprisionada, sem circular. A mesma bile negra, que em excesso, provocava a melancolia. Melancolia e câncer derivavam das alterações da bile negra, o mais enigmático dos humores.

O câncer e a melancolia andam juntos, para a medicina dos humores.

Hipócrates disse num aforismo que não se tratando o câncer, o paciente vive mais. Galeno, achava que a extração de um tumor maligno era inútil, pois a doença era sistêmica, a bile negra fluía pelo corpo, e a doença apareceria em outro galho...

A medicina atual segue o paradigma molecular. O câncer é uma doença do DNA.

A esperança de tratamento não está na cirurgia, radioterapia ou quimioterapia, a meta é controlar os comandos do genes.

A vida continua sendo um evento químico, como pensava Paul Ehrlich, mas um evento controlado pelo DNA, pelos hormônios e pelo cérebro.

Individualmente, levar um padrão higiênico de vida, seguindo todas as normas, tomando todos os cuidados, não garantem que a morte não nos surpreenda.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

ARACAJU ESTÁ ENVELHECENDO (168 ANOS)

 Aracaju está envelhecendo (168 anos).
(por Antonio Samarone)

Aracaju chegou a 670 mil habitantes, com 122 mil idosos (acima dos 60 anos). A população com mais de 75 anos passa dos cinquenta mil. O serviço público não oferece nada, ou quase nada, a essa gente.

Nesse aniversário do Aracaju, quero falar dos idosos, dos velhos com mais de 75 anos (são 50 mil). O Estatuto do Idoso (lei 10.741/2003) é letra morta em Aracaju, uma lei que não pegou.

Diz o estatuto: “O envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social, nos termos desta Lei e da legislação vigente.”

Aracaju é hostil aos idosos.

A cidade cresce obedecendo apenas a lógica da especulação imobiliária. A cultura, o meio ambiente e a qualidade de vida estão fora dos planos de desenvolvimento do Aracaju.

As ruas e calçadas não foram feitas para os idosos. O direito de ir e vir foi revogado.

Os serviços de saúde nada tem a oferecer (não existem Unidades Geriátricas de referência, nem leitos hospitalares específicos para os idosos).

No transporte coletivo, os idosos são maltratados.

Mas nada está perdido!

A centenária Dona Maria Lúcia nos redimiu: concluiu a corrida de 5 km, no aniversário da cidade.

As autoridades fizeram festa, soltaram foguetes, invadiram as redes sociais com vídeos sorridentes, mostrando a façanha.

Somos a Capital da qualidade de vida, respeitamos os idosos e o seu direito ao esporte.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A MEMÓRIA E O TEMPO

 Só memória derrota o tempo.
(por Antonio Samarone.

Ontem, 17 de março de 2023, completemos três anos do grande confinamento. Para comemorar a vida, fizemos uma festa, com alguns amigos.

“Os verdadeiros amigos têm a capacidade de se eternizar dentro da gente”. – Adélia Prado.

É tempo de reencontros e reconciliações. Todos estão perdoados de tudo ou de quase tudo.

Entre os pecados capitais, a soberba e a inveja são os mais nocivos para as amizades. As derrotas fragilizam a soberba na velhice e nada pode sobre a inveja.

A inveja é eterna. Sá a memória salva!

O nosso cérebro é analógico, funciona por aproximações, símbolos, devaneios, sonhos e narrativas. A mente não é binária, digital, por isso a inteligência artificial não é inteligência, é um método de cálculo.

O risco é a vida digital aprisionar a analógica e empobrecer a mente.

A subjetividade do cérebro é cercada de erros, grandes acertos, imprevistos, novidades inesperadas. Somos matéria orgânica. A vida não precisa de certezas. Sem erros, não há evolução.

O que sentimos no reencontro de ontem não se calcula, nem se prevê. Só as artes, em especial a poesia, se aproximam das emoções.

Eu, viciado na vida virtual das Redes, experimentei a emoção em carne e osso. São coisas distintas, mas alimentam as mesmas funções cerebrais.

O delírio tem várias causas e um só efeito: nos deixa delirantes. O delírio ignora a razão.

Ficar sem a telinha do celular on-line é entediante, a solidão digital invade o que nos restou da alma.

Gente, sinto que o meu cérebro já fechou alguns compartimentos, onde memórias (boas e ruins) foram para o arquivo morto. Vou perguntar ao amigo Kid, psicanalista de formação freudiana, se o arquivo morto é o inconsciente.

Obrigado a todos. Uma felicidade que nos levou ao enternecimento, com a energia das amizades e boa música de Badaró e Capilé. Na despedida, uma choro coletivo, na hora da Avé Maria na guitarra, com um coro ao fundo.

O ambiente teve o cuidado e supervisão sensível de Betânia, que pensou em tudo e harmonizou o reencontro.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

sexta-feira, 10 de março de 2023

A NOVA MEDICINA

 “Vós que entrai, deixai aqui toda a esperança.”
(por Antonio Samarone)

A medicina que antes cuidava de doentes, avançou, resolveu predizer o futuro, antecipar doenças e até o risco de morte. A medicina cobre do berço ao túmulo.

Aristeu (68 anos) está ansioso e perdeu o sono e o sossego. O seu médico prescreveu a realização de 163 exames laboratoriais e de imagens. O doutor, resolveu passar um pente fino no corpo do impaciente.

Aristeu, obediente, submeteu-se a todos. Os resultados foram, no geral, de baixa significação clínica.

Entretanto, o laboratório encontrou o índice do ácido pirúvico elevado. Muito alto! E agora? Qual o risco para a saúde quase perfeita de Aristeu? O doutor está estudando, acha que será necessário um aprofundamento das investigações.

Aristeu é bem vida, pode gastar e decidiu que vai a São Paulo, para não deixar nada em dúvidas.

Aristeu perdeu a tranquilidade. Qual o tratamento para o excesso do ácido pirúvico? Aristeu descende de um dos sete sábios de Itabaiana e não se conformou. Já bateu todos os arquivos do Google, leu tudo o que está publicado sobre o ácido pirúvico. A confusão só aumentou.

Aristeu é um autodidata com muitas informações desordenadas, muita coisa solta na cabeça, e até contraditórias. Chegou a desconfiar da medicina. Lembrou-se que Dante encontrou Hipócrates, Galeno, Avicena e Averróis no primeiro círculo do Inferno – Canto IV, da Divina Comédia. Eles não estão lá sem motivos.

Essa confusão dos médicos vem de longe, sentenciou Aristeu.
Antes os médicos erravam por ignorância, hoje erram por saber demais.

Depois que a medicina abandonou a arte médica, e entregou-se as especulações científicas, os erros aumentaram, suspeita Aristeu.

Logo ele pensou em outra direção, que também poderia estar buscando um consolo, um jeito de esquecer a gravidade do diagnóstico. O seu ácido pirúvico está mesmo muito aumentado, isso é um verdade científica.

Aristeu condena o negacionismo.

Foi assim que encontrei o Seu Aristeu: confuso, temeroso, amedrontado, procurando uma resposta conclusiva para as evidencias médicas.

Eu não soube o que dizer.

Aristeu teme, pelo grau de ansiedade, cair em mãos dos psiquiatras. Ele descobriu que independente dos desdobramentos, em sua idade, entregar-se aos cuidados da medicina é um caminho sem volta. Haverá sempre um especialista à espreita.

Entrar sob os cuidados da medicina é fácil, a porta é larga. Sair é impossível.

Aristeu lembrou-se novamente de Dante. A porta do inferno tem Cérbero, um cão tricéfalo, o temido “cão dos infernos”, que só permite a entrada.

Achei essa comparação um exagero do comprovinciano, motivado pela ansiedade.

Entretanto, Aristeu não está em todo errado, em muita coisa ele tem razão.

Antonio Samarone médico sanitarista.

PATRIMONIO CULTURAL

 Patrimônio Cultural.
(por Antonio Samarone)

“Todo trabalho do homem é para a sua boca.” – Eclesiastes, VI, 7.

Passando pelo Barro Preto, avistei uma bela roça de amendoim, cuidada só por mulheres. Todas com blusas em mangas compridas, chapéus de longas abas e as caras brancas de tapioca. As agresteiras sabem se proteger do sol.

As índias costumavam plantar amendoim (menduí, mendombi, mudubim). Entre os Tupinambás, era um trabalho feminino.

“Dos amendoins temos que dar conta particular, porque é essa coisa, que não se sabe haver senão no Brasil, os quais nascem debaixo da terra, onde se plantam a mão, um palmo um do outro... Plantam-se esses amendoins em terra solta e úmida, em qual a planta não entra homem.” – Gabriel Soares de Souza (1587)

A Lei 7.682/2013, definiu o amendoim como patrimônio Imaterial do Estado de Sergipe. O amendoim cozido, na forma e jeito sergipano, que entope as feiras. O projeto foi da grande deputada Ana Lúcia.

Eu gosto mais de amendoim torrado, tostado no forno.

Antigamente, os amendoins torradinhos, caramelados ou não, eram vistos como guloseimas e vendidos pelos meninos nas ruas.

Em Itabaiana se faz até beijus de amendoim, uma invenção local.

O amendoim compõe a mesa das festas juninas, principalmente cozido.

O meu primeiro doce foi a espeça, ou espécie, da bodega de Dona Rosita. A espeça é um doce de amendoim que leva pimenta do reino, cravo, canela, erva doce, gergelim e açúcar preto. Uma herança árabe. Muita gente culta chama o doce de “espécie”, ou seja, feito com especiarias.

Em minha infância este doce chamava-se de espeça ou espessa. É um doce de origem árabe, em extinção. As doceiras desaprenderam.

Parece que em cada lugar, se faz o doce de origem árabe de um jeito diferente. Até os nomes são muito variados.

Uma amiga comprovinciana não encontrou as espeças, na receita antiga, nem na feira de Itabaiana. Saudades da deputada, para transformar também as espeças, em patrimônio cultural.

As espeça não tem nada a ver com as paçocas, que se vendem em supermercados. Aliás, tenho procurado sem sucesso as tradicionais “espeças”. As últimas, saboreei gulosamente numa festa da família Pinheiro, em Itabaiana.

Encomendei-as recentemente a uma doceira de Itabaiana, que vende na feira do Augusto Franco. Ela disse-me que sabe a receita original, que a sua avó sempre fazia. Estou aguardando. Talvez seja o sabor doce apimentado mais presente em minha memória.

Não sei dizer se as demências também apagam as lembranças dos sabores.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

MARIETA BARBOSA


 Marieta Barbosa.

“Morrer é soltar um grito/ que rola pelo infinito/ terrível, terrível... sim/ E o nome, o valor subido/ A glória, a fama, é ruído/ daquele rolar sem fim.” Tobias Barreto.

Lhe conheci menina, no Arquidiocesano.

Hoje cedo, fui botar comida para os gatos, em sua casa, aqui no condomínio.

Fui em seu jardim e senti que as suas rosas estão tristes. Elas já sabiam.

Não sei para quem você deixou as suas rosas. Se não tiver quem cuide, eu me ofereço.

Estamos muito tristes, Eu e Betania.

Não estou em condições de prosseguir.

Nós espere na eternidade! A gente chega já!

Antonio Samarone.

PADRINHOS E AFILHADOS

 Padrinhos e afilhados...
(por Antonio Samarone)

Fui a formatura de Romeuzinho, o meu primeiro afilhado. Estava lá o doutor, garboso, com vestes talares, de borla e capelo, na festa de formatura.

Como distinção, levei-lhe de presente os “Estudos Jurídicos” de Tobias Barreto, em três volumes. Desfiz a minha coleção de Tobias, aquela, publicada por Luiz Antonio.

O afilhado doutor, me agradeceu sorridente: “gosto desses novos juristas.” O energúmeno desconhecia Tobias. Um dos graves erros da natureza é a burrice ser indolor.

Ele esperava que o meu presente fosse um anel de ouro, com a pedra vermelha de rubi.

Vou revogar, judicialmente, a minha condição de padrinho.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

O CONSULADO EM FESTA


 O Consulado em festa.
(por Antonio Samarone)

“Si necis latinam língua/ Dicamus em lusitana/ - Sim, senhor, eu sou burro/ Escória de Itabaiana!” Polêmica de Tobias Barreto com o padre Benvindo (1858).

Faz tempo que uma geração de Itabaianenses, com mais de 60 anos, reúne-se semanalmente aqui em Aracaju para reviver o passado, revisitar personagens e recriar as histórias comuns.

Tudo na informalidade. Uma confraria sem pauta, sem interesses, sem líderes. Uma experiência coletiva, como antigamente. Uma geração inteligente e culta (ao seu modo).

O Consulado sobreviveu à Peste e à Guerra (política). Dos males da humanidade, só faltou a fome. Balançou, mas não caiu, não acabou.

Só a memória e a arte esticam o tempo!

O consulado é um laboratório de higiene mental. A medicina aconselha que qualquer atividade que exercite o cérebro, é uma forma de retardar e prevenir as demências. Espero que a ciência esteja certa.

Ontem foi um deleite. Recebemos a visita de Paulinho de Doci e família, há muito radicados em Salvador. Paulinho fez fotografias e cinema, na velha Itabaiana. Um homem culto e sem arrogância.

Paulinho é irmão de Tonho de Doci, um intelectual que refundou a Associação Olímpica, dando-lhe as cores da revolução francesa. Liderou o comunismo provinciano e, ia esquecendo, foi o primeiro jogador a trocar passes no futebol local.

Ontem na festa do Consulado, além dos de sempre (os médicos Guilhermino e Marcondes, Nandinho de Sizino e esposa, o artilheiro Horácio, Baldochi, Eduardinho de Raimundo, Dayse, Pedro Biana, Rivas e Zé Augusto Melo), apareceram: Mesquita, filho de Zé Silveira; Catatau, irmão de Tapioca; Carlinhos Siqueira, cunhado de Djalma Lobo e Carlinhos boca de piau.

Eu fui nomeado o escrivão da frota, para fazer essa ata.

Antes, as gerações eram longas. A velocidade das mudanças era menor. Esta turma que frequenta o Consulado, viveu um mesmo mundo, culturalmente falando. Enxergam a vida pela mesma janela. Vivenciaram as mesmas crenças e o mesmo modo de vida.

Uma geração bem-humorada, irônica, impiedosa e sem muitas ilusões. Uma geração que não precisou da inteligência artificial e nem precisa consultar o Google para saber das coisas.

Os espaço é aberto para os que se sentem dessa turma.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

O POETA SILVEIRINHA

 O poeta Silveirinha.
(por Antonio Samarone)

Silveirinha envelheceu sem domar o Ego. Bem-sucedido financeiramente, famoso, sempre alojado em cargos públicos. O poder é uma cilada do Satanás.

Mesmo com tudo a favor, Silveirinha não é feliz. Perdeu os amigos, a verve crítica, os sonhos de liberdade, as ilusões e o dom poético. Os bons vinhos, as viagens, a mesa farta, a cannabis selecionada, o conforto do ar-condicionado e o carro do ano não traz a felicidade.

Silveirinha é um Kanallha esclarecido, consegue bons argumentos para qualquer vileza.

Silveirinha era uma promessa poética, esperança de manter a grandeza de Sergipe, “uma terra de muitos poetas e pouca poesia”. A terra de Hermes Fontes. Silveirinha chegou a publicar um livro de poesias. Eu tenho a prova!

O velho Silveirinha desconhece o perdão e a gratidão, necessários a uma velhice suportável. Com os cabelos embranquecidos, continua esperando o reconhecimento literário e a admiração pelo seu talento. Falta-lhe a humildade de Sísifo, descrita por Camus.

Silveirinha teve a ambição prejudicada pela preguiça.

Silveirinha entrou numa enrascada moral. Há anos, rompeu com o próprio filho. Nenhum contato, nem por telefone. O filho é menino rebelde, inteligente, cheio de sonhos e ideias, pensa como o pai quando era jovem. O velho Silveirinha nunca aceitou a liberdade do filho, e quis impor-lhe rédeas.

Além da genética, herda-se também o caráter. Silveirinha
desconhece a culpa e o remorso.

Silveirinha soube, com um toque de rotina, que a sua próstata está estragada. Sentiu a presença de um caroço endurecido. Perdeu o controle do mijo e outros achaques. Bateu o medo. Começou a inculcar: “e se for aquilo, que eu nunca chamo pelo nome?”

Silveirinha teme o fim de Ivan Ilitch, personagem de um conhecido conto de Tolstói, e não quer morrer brigado com o filho. Silveirinha, depois de tudo, quer a paz. O filho aceita.

Chegou-se a um dilema: o filho exige que o pai peça perdão por anos de abandono. Silveirinha não um é homem de perdões, exige que o filho reconheça os erros, e peça desculpas.

Os dois estão com os corações despedaçados, querem o reencontro e estão impedidos pela vaidade.

Sei que os leitores mais sofisticados estão achando um drama de novela mexicana. Só que a vida é mais simples que a boa literatura de Proust e Balzac.

Sou solidário ao sofrimento de Silveirinha e disposto a ajudá-lo.

“A raça humana exagera em tudo: seus heróis, seus inimigos, sua importância.” – Bukowski.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A MARCHA DA ESTUPIDEZ

 A marcha da estupidez...
(por Antonio Samarone)

Ingressei, por concurso, na Universidade Federal de Sergipe no longínquo 1985. Estou com 68 anos de idade e 38 de serviços prestados. Resolvi me aposentar. A idade me trouxe uma impaciência metafísica, inadequada ao exercício do magistério.

Só que, a minha pretensão de exercer um direito é vista pela UFS como uma regalia, uma benesse, um favor. A burocracia da Universidade vem me fazendo exigências grotescas, e essa via crucis vem se arrastando.

Exige uma declaração de bens, suspeitando que eu deva ter enriquecido como professor. A minha declaração de bens é prestada anualmente, durante a declaração do Imposto de renda.

Só que a UFS quer também a cópia da minha declaração de imposto de renda, onde já se encontra a declaração de bens, e com recibo.

A UFS quer uma comprovação de minha contribuição previdenciária. Como assim? A previdência é descontada em contracheque, pela própria Universidade.

A averbação é necessária quando se precisa juntar o tempo de contribuição de outros empregadores. No caso, são 38 anos de contribuição da própria UFS.

Basta a UFS comprovar que depositou a minha contribuição no INSS, que a exigência de tempo de contribuição será atendida.

Não para por aí. A UFS exige a cópia do meu último contracheque, se são eles mesmo que fornecem. A burocracia exige que eu vá na sala ao lado, pedir o contracheque.

Não imaginem que eu estou exagerando.

A UFS que uma prova que eu nasci, exige a minha certidão de nascimento autenticada. Só faltaram me pedir uma prova da minha existência, que eu não saberia como comprovar.

A UFS também quer uma certidão da Comissão Permanente de Processo Administrativo Disciplinar que não tenho pendências com a própria UFS. Gente, eles não têm acesso a uma informação que eles produzem?

A UFS quer um comprovante que eu não acumulo cargos públicos indevidamente. Como assim, depois de 38 anos de serviço. O poder público vem fiscalizando isso há 30 anos, e eu não fui identificado em nenhuma checagem. Não existem indícios de acumulo irregular. Na hora da aposentadoria, eu preciso provar que sou inocente?

Para ser mais simples, eu nem sei qual é o órgão que pode fornecer essa certidão de que eu não acumulo sigilosamente cargos indevidos. Se a burocracia sabe, por que não me denunciou?

A zelosa UFS ainda exige cópia da identidade e do CPF, inclusive dos meus dependentes. Não entendi como estou na instituição a 38 anos, e eles não possuem a cópia de minha identidade, nem do meu CPF.

Tudo autenticado em cartório ou no original.

Gente, isso é lei, decreto, portaria, norma interna da UFS? Ou trata-se de uma pegadinha, para azucrinar a minha impaciência metafísica?

Tem mais, isso tudo é exigido com uma narrativa de zelo e defesa da coisa pública.

Desisto de me aposentar!

Sei que muitos vão achar besteira, as exigências são de documentos óbvios, que com paciência se consegue. Besteira! Não é bem assim, a coisa é mais complicada, além de um grande desaforo.

Um exemplo: fui ao INSS pedir uma declaração do meu tempo de contribuição, eles me deram um documento que não consta a contribuição da UFS. Como assim, se a UFS descontou mensalmente, em meu contracheque, durante 38 anos. Descontam até hoje.

A UFS quer que eu me vire para comprovar, que eles mesmos descontaram e depositaram no INSS a minha contribuição previdenciária. Não seria a UFS que deveria comprovar que depositou?

Como eu posso comprovar que a UFS depositou, se o INSS não reconhece oficialmente?

Vou morrer em sala de aula!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

PEDALA ARACAJU

 Pedala Aracaju...
(por Antonio Samarone)

O capitalismo controla a cultura e o modo de vida.

Os futuristas da mobilidade profetizaram cidades sem carros. A ideia forjou um movimento internacional. Alguns políticos locais compraram a ideia.

Em Aracaju, o primeiro a defender a preferência pelas bicicletas, foi Nelson Araújo, candidato a Prefeito em 1985.

À época, existia uma ciclovia em Aracaju, na Avenida Rio de Janeiro.

Com a chegada do PT à Prefeitura do Aracaju, em 2000, com Marcelo Déda, a prioridade pelas bicicletas ganhou força.

“Nenhuma via pública em Aracaju seria construída sem ciclovia”. Dizia o Prefeito das mudanças.

Aracaju chegou a pleitear ser a Capital com a maior rede de ciclovias do Brasil. Nos discursos, éramos a cidade do futuro, moderna e sustentável.

Se tornou tradicional um passeio de bicicletas, saindo da Colina de Santo Antonio, no aniversário de Aracaju. Não sei se teremos esse ano.

Prefeitos, vereadores, cabos eleitorais, desportistas, sindicalistas, donas de casa, movimentos jovens, academias de ginásticas, ministérios públicos, ambientalistas, todos, defendiam uma Aracaju dominada pelas bicicletas.

As famílias de classe média possuem um estoque de bicicletas, sem uso, em suas casas. Muitas enferrujadas. Um levantamento do IBGE constatou a existência em Aracaju de 2,7 bicicletas por família, com renda acima de dez mil reais.

Na Zona de expansão, o povo usa muito as bicicletas, em seus deslocamento internos nos bairros. Mas a ciclovia da Sarney passa longe. Interliga as praias.

A prioridade pelas bicicletas se manteve com Edvaldo Nogueira.

A maior obra do Governo Belivaldo, foi a mal planejada orla da Sarney. Entretanto, um fato é inegável: as bicicletas tiveram um espaço privilegiado. Ao longo dos 17 Km da nova orla, foi construída uma moderna ciclovia.

Uma surpresa: a ciclovia não possui usuários, nem os ciclistas. Alegam que a ciclovia é incompatível com a velocidade que eles desejam. Um ou outro, pedala sobre ela, de vez em quando.

Chama a atenção a inexistência de vias para pedestres, numa orla de praias. Quem quiser andar, que se vire.

As vias para os carros são estreitas e mal sinalizadas. Isso já é outro problema, para o novo governador resolver.

Voltando a ciclovia da Sarney.

Fico horas olhando pela janela, esperando a passagem de bicicletas sobre a bela ciclovia. Nada! Uma ou outra perdida. Não sei como andam as demais de ciclovias da cidade.

O que estou afirmando: a ciclovia da Orla da Sarney, por enquanto, é um belo enfeite com raros usuários.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

O CLÁSSICO

 O Clássico...
(por Antonio Samarone)

Voltei a assistir o futebol nos estádios. Fui ao Batistão. Um futebol de chutões, balões e bola para a frente. Um passe certo, um drible, uma jogada de efeito são raridades. Em Sergipe, se pratica o pior futebol do Brasil. Está bom, um dos piores.

O futebol presencial é outro esporte. Na televisão parece vídeo game e tem replay. As dúvidas são tiradas: foi ou não impedimento? A TV acaba com a graça da dúvida, ou seja, reduz as emoções.

O futebol sergipano existe para justificar a existência da Federação, e da sua bem cevada burocracia.

Deixemos o jogo de lado. O campo de futebol é um espaço de rixas e confraternizações, onde emoções primárias são extravasadas. É uma guerra tribal sem mortos e com poucos feridos.

Refiz o contato com a minha aldeia, a minha gente e a minha cultura. Itabaiana é sustentada culturalmente por Santo Antonio, pelos caminhoneiros e pelo futebol.

A Associação Olímpica de Itabaiana é muito mais que um time, é o desaguadouro da identidade dos serranos.

Reencontrei muita gente, entre elas o velho Boi-dá (foto). Meia esquerda do Cantagalo. José Rinaldo da Silva, o seu nome de batismo, é filho de Seu Amintas e dona Angelita, os oligarcas do sal grosso.

Boi-dá (75 anos), mora hoje em Carira, contrariado com o esbulho que fizeram da sua herança, em Itabaiana. Uma história comprida.

O Seu Amintas era um homem rico. Uma família grande: Rivaldo (o famoso Uago), Dinho, Reginaldo, Cheiro, Rinalva, Renilde e Rita...

O antropólogo que quiser entender a civilização Itabaianense, estude a torcida do tricolor da serra: os seus cânticos, gritos, emoções, a fidelidade, os xingamentos (fio do canso) e o entendimento da peleja.

No futebol, o bairrismo dos ceboleiros é transbordante. Nas vitórias e nas derrotas, como diz o hino.

Em breve, voltarei aos campos de futebol.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

SÃO BENTO, ANTES DAS COBRAS

 São Bento, antes das cobras...
(por Antonio Samarone)

Álvaro Silveira, médico sespiano, formada na Bahia, clinicou durante décadas no interior de Sergipe. Hoje, com 93 anos. Silveira me confessou possuir o secular “Canon da Medicina”, cinco volumes, em francês. “Essa enciclopédia da medicina árabe, sempre foi o meu guia”.

Ele aprendeu francês para ler Ibn-sina e a anatomia de Testut.
O doutor Silveira é um sábio da arte médica erudita. Ao longo de duas horas, me fez um síntese histórica da medicina. Deixo aqui o que consigo me lembrar:

A medicina no Brasil é filha da medicina portuguesa. A cantada origem greco-romana, Hipócrates e Galeno, é pretensão. Talvez, uma reduzida influência árabe (Rhazes e Avicena), trazida pelos cristãos novos. O “canon”, nunca foi traduzido no Brasil.

A medicina brasileira nasceu nos mosteiros de Coimbra. A assistência médica no Brasil era parte das obras de caridade, das Santas Casas de Misericór-dias. Os jesuítas foram os primeiros a exercerem a medicina.

O doutor Silveira foi um curioso do saber popular sobre as doença, as curas, as crença e as superstições da populacho. Disse-me que aprendeu na centenária Faculdade de Medicina da Bahia, que o médico deve conhecer os costumes e o modo de vida do lugar onde for exercer a medicina.

Na Malásia existe um demônio para cada doença. No Brasil, existe um santo protetor: Santa Luzia (doenças das vistas), São Bento (mordida de bichos peçonhentos), Santo Antão (fogo selvagem e erisipela), Santo Apolinário (contra as quebraduras), Santo Amaro (contra os achaques das pernas e dos braços) e São Brás (contra os achaques da garganta).

Lembrei-me da infância. Mamãe sempre apelou a São Cristóvão, o protetor das crianças com fastio. Ela era obcecada: sempre achou que os seus filhos comiam menos do que o necessário. Sempre achava que cabia mais um bocado.

O fastio era um sinal de gravidade de alguma doença oculta, um alerta de que a saúde não andava bem. A gula, mesmo sendo um pecado capital, era bem-vista lá em casa. A obesidade epidêmica é coisa nova.

Muitas vezes, a medicina popular era o único recurso, enfatizou o doutor Silveira.

Jogando bola, tive uma luxação no cotovelo esquerdo. Mal reduzida e engessada de qualquer jeito, no Hospital de Caridade em Itabaiana. Fiquei com uma sequela pavorosa: a articulação ficou imóvel, em 90 graus. A fisioterapia foi a base de sebo de carneiro capado. Aquecia-se o sebo e massageava-se a parte afetada. Foi a salvação!

O doutor Silveira está com a memória quase perfeita. Lembra-se do principal sobre os pacientes, os sofrimentos, os erros e as curas. Um médico que exerceu zelosamente a sua arte.

A desidratação decorrente da insolação, era vista como “olhado”. Tratada com rezas e benzeduras. Passava-se o ramo de vassourinha. No Beco Novo, a xamã era dona Gemelice, que possuía o verdadeiro livro de São Cipriano.

O povo era alucinado por milagres. Por isso, tantas promessas. Dona Dorotéia curou-se de um enxaqueca reincidente, com a promessa de usar luto fechado durante as quaresmas, pelo resto da vida. Cumpriu religiosamente, até morrer.

A medicina científica sabe muito sobre o corpo e quase nada sobre a pessoa, tornando-se aleatória a separação do essencial do secundário. Essa é a principal base dos seus erros. Quando essas análises são contaminadas pela lógica comercial do lucro, os erros acentuam-se, sentenciou o dr. Silveira.

O comércio e o lucro, distorcem mais a prática médica que a magia e a superstição. A medicina pós-moderna no Brasil é majoritariamente uma prática econômica, com o figurino da ciência.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

O DESTAQUE ESQUECIDO DE SERGIPE

 

O destaque esquecido em Sergipe...
(por Antonio Samarone)

A sergipana de Porto da Folha, filha de Virgulino, foi homenageada no Sul maravilha.

Expedita Ferreira (90 anos) desfilou sábado pela Mancha Verde, no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo e, no domingo, foi destaque da Imperatriz Leopoldinense, na Sapucaí.

O enredo da Imperatriz tratou de Lampião no Cordel, a chegada dele ao céu e ao inferno.

José Pacheco, diz em seu famoso cordel: “Leitores vou terminar, falando de Lampião. Muito embora que não posso, vou dar a resolução. No inferno não ficou, no céu também não chegou, por certo está no Sertão.”

Entenderam? Lampião está vivo e influente no mundo da Cultura.
Piranhas é o segundo maior polo turístico das Alagoas, tendo o cangaço como o principal chamarisco.

Gente, a Grota do Angico é aqui. Marcelo Déda criou uma reserva ecológica. O cânion de Xingó fica ao lado. O difícil é o pessoal do turismo entender.

Acham que vão atrair turistas para Sergipe, organizando o “Projeto Verão”, com artistas da Bahia, e muito sabidinho enchendo o bolso.
Acorda Sergipe!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A MEDICINA DOS CURIOSOS

 A medicina dos curiosos.
(por Antonio Samarone)

A gente celebra a origem grega da medicina, filha da escola Hipocrática. A medicina brasileira nasceu nos mosteiros de Coimbra, uma medicina religiosa, filha da “Contra-reforma”. Um dos professores da medicina portuguesa chegou a Papa.

O Brasil foi o império dos curandeiros, sangradores, cirurgiões barbeiros, comadres aparadeiras, xamãs e charlatões. Os últimos sobreviveram, infestando os consultórios. A medicina de mercado acolhe os charlatões.

Vivemos uma dualidade: a arte médica humanista, com bases científicas, convive com a medicina mercantil. É necessário a separação do trigo. Muito charlatães são bem-sucedidos, acumulam fama e riqueza.

Alcancei o doutor Zequinha já idoso, um dentista com grande prática. Contava-se, que antes ele partejava e reduzia fraturas.

Zequinha guardava em sua estante, dois clássicos da medicina colonial: “Tratado Único da Constituição Pestilencial de Pernambuco”, de João Ferreira Rosa e “Tratado Único das Bexigas”, de Simão Pereira Mourão.

O doutor Zequinha prestou grandes serviços aos banguelas de Itabaiana. A dor de dente era epidêmica. Hoje, parece que acabou. Nunca mais ouvi alguém se queixando.

Antes do boticão, a dor de dente era clinicamente aliviada com guaiacol. Queimava até as tonsilas.

O doutor Zequinha é membro fundador da Academia Itabaianense dos Esquecidos.

Certa feita, o boticão voou das mãos de doutor Zequinha, na pressa, o paciente ainda com a boca aberta, ele apanhou o instrumento e voltou a lide. O paciente questionou: “seu Zequinha, o senhor não vai esterilizar o boticão?” Ele, seguro, em sua larga experiência, respondeu: “Não! Nenhuma bactéria resiste a uma pancada com o fórceps odontológico (boticão) na cabeça.”

Doutor Zequinha arrancava dentes por empreitada. O filho de uma rico fazendeiro, com fama de somítico, foi arrancar dois dentes. Pelo preço de tabela, duzentos mil reis cada. Seu Zezé, o pai do paciente, deu uma nota de quinhentos reis e esperou o troco. Doutor Zequinha não teve os cem, para o troco. A solução foi simples: Seu Zezé, pensando na economia, mandou arrancar outro dente pelo troco.

Quem não enxerga racionalidade nessa medida, não sabe que a meta de quase todo mundo, era arrancar os dentes para colocar uma dentadura, uma chapa, como se dizia.

Em Itabaiana, se vendia dentaduras prontas na feira, dentro de uma urupema. O freguês ia experimentando, até encontrar a sua. Se a prótese ficasse um pouco folgada, usava-se corega pó.

Doutor Zequinha é um injustiçado, eu não me lembro nem o seu nome completo. Não sei se existe uma praça, avenida, rua com o seu nome em Itabaiana. Se não existe, ainda é tempo.

Antonio Samarone (médico sanitarista)