quarta-feira, 31 de julho de 2019

GENTE SERGIPANA - MANOEL MESSIAS SANTOS FILHO


Gente Sergipana – Manoel Messias Santos Filho (56 anos). (por Antônio Samarone)

O Porteiro do Parque...

Seu Messias era o porteiro do Parque da Sementeira. Educado, alegre e prestativo. Os frequentadores eram recebidos com um bom-dia, tratados nominalmente, saudados com uma mensagem de alegria. Boa caminhada seu fulano, dizia Seu Messias a todos. Ele brincava até com os cachorros de estimação...

Seu Messias exercia a função de porteiro com a satisfação de um embaixador, de um ministro. Em sua humildade, seu Messias era feliz e se orgulhava de ser o porteiro do Parque. Era agradecido. Dizia de boca cheia: “quem me botou aqui foi o finado Marcelo Déda!” Seu Messias é servidor público há 31 anos. Exercia o cargo de porteiro há 15 anos.

Seu Messias mora no Alto da Jaqueira e vive modestamente. Mesmo assim, por conta própria, está concluindo o curso de gestão pública, numa faculdade particular. Essa semana sentimos a ausência do Seu Messias na Portaria do Parque. Faltava um sorriso!

O que houve?

Adoeceu, aposentou-se, tirou férias? Todos queriam saber... Não, nada disso! A gestão transferiu Seu Messias! Onde seu Messias errou, quais os motivos? Nada, apenas uma renovação. Alguém não foi com a cara dele. Quem falou que o serviço público precisa observar o lado humano dos servidores?

Encontrei o Seu Messias no Mercado Central, atônito, perdido, mas não reclamou nada. Morrendo de medo, mas sem perder o sorriso largo. O que houve seu Messias? Ele não soube ou não quis responder. Os de baixo acham que as injustiças fazem parte da vida, não se lamentam. Achando que a sua felicidade, o seu zelo, a sua dedicação ao serviço público foi apenas um dever.

Seu Messias só manifestou uma preocupação: “será se eles vão cortar a gratificação de porteiro, que eu recebo há 15 anos, desde os tempos de Marcelo Déda. É pouco, uma merreca, mas fará muita falta!”

Volte Seu Messias!

Antônio Samarone.

terça-feira, 30 de julho de 2019

SERGIPE ANTIGO (CAPÍTULO III)


(Cap. III)

Sergipe Antigo. (Ciri-gy-pe – rio dos siris).  (por Antônio Samarone)

Sergipe foi descoberto por Américo Vespúcio, em 04 de outubro de 1501.

A comitiva de Pedro Alvares Cabral, composta de dez caravelas e três navios redondos, partiu de Lisboa em 09 de março de 1500, chegando a Porto Seguro em 22 de abril. Ficaram na terra descoberta por oito dias. Em primeiro de maio, zarparam para o seu destino inicial, de estabelecer uma feitoria em Calecut. Portugal tinha uma população em torno de 1,8 milhões de habitantes.

Na verdade, eles descobriram Porto Seguro, e seguiram viagem.

Havia um cientista na Esquadra de Cabral, Mestre João (João Faras), considerado o primeiro cientista a estudar o Brasil. Era astrônomo, astrólogo, cosmógrafo e o médico da equipe. Cristão novo.

A tarefa mais importante de Mestre João foi a de descobrir que terra era aquela, a que eles aportaram em abril de 1500. A medida da latitude foi tomada no dia 27 de abril de 1500, com um grande astrolábio de madeira. Obteve-se o valor de "aproximadamente 17º" que comparado com o valor aceito hoje de 16º, 21'22'', pode ser considerada bem precisa.

Na noite de 27 de abril Mestre João se deparou com uma constelação, que já era conhecida desde a antiguidade e servia de orientação para os navegadores ao ultrapassarem a linha do equador, mas que ainda não tinha nome. Ao ver o seu desenho no céu, Mestre João a comparou com uma cruz, batizando-a então de Cruzeiro do Sul. A carta escrita por mestre João em 1º de maio de 1500, dirigida a D. Manuel, ficou perdida até 1843.

A carta de Pero Vaz Caminha, tão bem escrita, relatando de forma entusiasmada as descobertas do Brasil não teve repercussão à época. A carta de Caminha ficou nas gavetas dos arquivos portugueses por muito tempo, só sendo descoberta por Ayres Cabral em 1817.

O comportamento dos  portugueses ao chegarem ao Brasil era como se a nova terra fosse a eles destinada por Deus. Iniciaram dando nome às coisas, batizando e benzendo tudo que encontravam pela frente, serras, rios, lagoas, baias, numa atividade adâmica, como se para tomar posse bastasse nomeá-la.

Antes mesmo do regresso da Armada de Cabral da Índia, em 13 de maio de 1501, por ordem do Rei D. Manuel, partiu do Tejo a primeira expedição de reconhecimento do território recém descoberto, comandada por André Afonso Gonçalves, chegando às costas brasileiras em 07 de agosto de mesmo ano. Só chegaram a Portugal de volta em julho de 1502.

Foi uma expedição real com três caravelas. A descoberta do território de Sergipe ocorreu nessa viagem. O florentino Américo Vespúcio participou dessa expedição de 1501 como cosmógrafo e cronista. A glória da revelação do novo mundo descoberto coube a ele. No retorno à Europa, Américo Vespúcio publicou dois livros “Mundus Novus” e “Lettera” reproduzindo os relatos dessa viagem.

Américo Vespúcio, o florentino que dar o nome as Américas, entra para a história do Brasil ao divulgar uma carta enviada a Lourenço de Medicis, tornada pública em 1503, conhecida como “Mundus Novus”, escrita em latim. O sucesso da publicação alcançou o mundo letrado europeu.

 Em 1505 editava-se em Florença uma nova carta de Vespúcio, destinada a Piero Soderini, a “Lettera”. Os relatos de Vespúcio encheram o mundo de novidades, sobres novas terras e nova gente, despertou os filósofos para a existência de um homem puro, fora da sociedade.

O Mundus Novus descrevia a expedição enviada por D. Manuel ao Brasil, em 1501. Vespúcio morreu em 1512, pobre, mas coberto de glória pelos seus relatos sobre o Brasil e a sua gente.

No desembarque dessa expedição de 1501, na Praia do Marco, no Rio Grande do Norte, os visitantes não foram bem recebidos pelos tapuias, ao contrário da recepção festiva dada pelos tupiniquins a Cabral um ano antes. O Rio Grande do Norte comemora o seu aniversário em 07 de agosto, data da chegada dos portugueses para tomarem posse do território.

A descoberta de Sergipe.

A expedição de 1501 chegou ao imponente rio Parapitinga (Opará para os nativos) em 04 de outubro de 1501, batizando-o com o nome de São Francisco, o santo do dia. É nessa data que se dá a descoberta de Sergipe, à margens direita do portentoso rio. Essa é a data histórica do aniversário de Sergipe, descoberto por Afonso Gonçalves e Américo Vespúcio, antes mesmo que a famosa Baía de Todos os Santos, onde posteriormente viria a ser a sede do Governo Geral do Brasil.

Por isso que o São Francisco é chamado de Velho Chico, foi descoberto antes do Brasil. Sergipe também foi.

Como o critério hagiológico era adotado pelos portugueses para denominar os topônimos encontrados, e o rio Parapitinga dos tupinambás foi batizado com o nome de São Francisco, em 04 de outubro (data do santo) de 1501.

A expedição só batizou a Baia de Todos Santos em 01 de novembro, se deduz que nessa faixa da costa entre o São Francisco e a Baia de Todos os Santos, onde se encontra boa parte do litoral sergipano, eles levaram 26 dias, sendo bastante provável que tenham feito várias incursões costa adentro, entre elas os cinco dias ancorados na enseada do Vaza Barris.

Em seguida, a expedição é arrastada pelas correntes marítimas para uma perigosa enseada.

Relata Américo Vespúcio:

“Chegados à costa, enfrentam os navios uma inopinada corrente que arrasta as águas para a praia, pondo em risco as embarcações. Naqueles dias longínquos de 1501, as caravelas tiveram que lutar com as forças da água e certamente tonéis de bordo se entrechocaram afrouxando juntas e barris vazaram os líquidos que haviam... A costa turbulenta, cuja curvatura dava lugar a uma espécie de enseada, foi apelidada pelos marujos de armada de Vaza barris, passando assim a cartografia (vaza barril).”

Aqui cabe um explicação: a enseada do Vaza Barris citada por Vespúcio ficava entre a foz do São Francisco e o Rio Japaratuba, em Pirambu. Na cartografia portuguesa apareceu outra enseada com o nome de Vaza Barris (Irapiranga, para os tupinambás), como o nome de rio Cassia ou rio Canafístulas (atual Vaza Barris). O rio de Pereira (atual Cotinguíba) aparece nos mapas onde atualmente é a foz do Rio Sergipe. O registro da escala da comitiva de Américo Vespúcio na enseada do Vaza Barris está explicita em sua carta.

A denominação seguinte dada pela expedição de 1501 é ao Rio Perera (Rio do Pereira), nome do capitão da caravela que o viu e nele penetrou. É o nosso Rio Cirigi (dos tupinambás), que se junta ao Rio Cotindiba (Cotinguíba) em sua foz. O Rio Cirigi é que vem dar nome ao Estado de Sergipe.

A expedição também batizou uma serra, avistada a uma distância de 8 a 10 léguas, de Serra de Sta. Maria de Gracia (Serra de Santa Maria da Graça), que posteriormente foi denominada Serra de Itabaiana.

Por último a expedição batizou o Rio Real, com duas versões para o nome. Uma como homenagem a data de nascimento de D. Manuel (25 de outubro), e a outra pela impressão que a largura da foz deixava, levando-se a impressão de tratar-se de um rio volumoso e de longo curso.

A historiadora Maria Thetis Nunes nos conta que a expedição de Américo Vespúcio (1501) levou três Tupinambás de Sergipe para Portugal, afim de aprenderem o idioma. Os primeiros brasileiros a emigrarem para o Velho Mundo foram esses sergipanos.

A Esquadra de Cabral passou 08 dias em Porto Seguro; a Expedição de Américo Vespúcio passou 21 dias em Sergipe.

Sergipe estava descoberto.

A expedição zarpou de Sergipe carregada de canafístula (uma fava medicinal usada na Europa), reforçando-se a versão que eles ficaram ancorados na enseda do Vaza Barris por cinco dias. A outra evidência é o longo tempo de percurso da expedição (26 dias) entre o Rio São Francisco e a Baia de Todos Santos. Só chegaram à Baia em 01 de novembro de 1501, que pelo significado religioso da data, a batizaram de Baia de Todos os Santos.

Valendo-se do abandono, os franceses estabeleceram um comercio regular de pau-brasil com os índios de Sergipe. Neste período, a Terra de Santa Cruz foi um paraíso de degredados e piratas. Em Sergipe, além das relações comerciais, franceses e tupinambás firmaram relações de parceria e amizade.

Os franceses estão em costas de Sergipe desde 1504, vinham em busca do pau de tinta, das favas medicinais da canafístula, de pimentas e algodão. Nas imediações do Rio Seregipe, encontravam-se vários mamelucos entre os tupinambás, aloirados, sardentos, tipos comum no meio do povo. Esses mamelucos eram os filhos de franceses com as tupinambás.

Antônio Samarone.

domingo, 28 de julho de 2019

SERGIPE ANTIGO (CAPITULO II)


(CAP. II)

Sergipe Antigo. (Ciri-gy-pe – rio dos siris).  (por Antônio Samarone)

“Em fundos vasos d’alvacenta argila
Ferve o cauim;
Enchem-se as copas, o prazer começa,
Reina o festim.”
Gonçalves Dias.

Quem são os Tupinambá, Tubüb-Abá), Tupi,nã,mbá (descendentes dos Tupi), que habitavam o território de Sergipe antes da chegada dos portugueses? Sabe-se que em torno de cem mil, ocupavam o território entre a margem direita do rio São Francisco ao Recôncavo Baiano.

Os Tupinambá ocupavam o litoral das margens direita do São Francisco até à Zona Norte de Ilhéus, depois de terem vencidos os anteriores habitantes. Formavam dois grupos rivais – o primeiro abarcando a área enquadrada entre pelos rios de São Francisco e Real (atual Sergipe) e o segundo senhoreando o litoral daí até o Camamu (Norte de Ilhéus) – o que deu origem a um estado permanente de guerra entre eles. (Couto, Jorge).

São muito alegres de rosto e bem assombrados... Os tupinambás que senhoreava o litoral entre o Rio Real e o Rio São Francisco (Sergipe) eram inimigos dos que viviam na Bahia. Todos falavam a mesma língua.

A língua falada pelos Tupis era a “nhenhen-gatu” (língua boa), que os jesuítas apelidaram de língua geral, e que foi falada no Brasil até o século XIX, só modificado a partir da chegada da Família Real (1808), pela imposição do uso da língua portuguesa. “Nhen-nhen-nhen”, por preconceito, virou sinônimo de conversa fiada. 

Os Tupinambá viviam em Aldeias, em ocas, casas muito compridas, de 300 a 400 palmos, com 50 palmos de largura; fundadas em esteios de madeira, com janelas de palhas e cobertas de pindoba. Entra-se por dois ou três buracos sem porta. Em cada oca residem entre 100 e 200 pessoas, o espaço de cada casal não é separado, fazem duas filas nas laterais e um espaço vazio no meio. Dormem em redes. (Serafim Leite)

Além da mandioca, os Tupinambá cultivavamo milho, a batata‐doce, o cará, o feijão, oamendoim, o tabaco, a abóbora, o urucu, o algodão,ocarauá, cuias ecabaças, as pimentas, o abacaxi, o mamão, a erva‐mate, o guaraná, entremuitasoutrasplantas.Inclusivedezenasdeárvoresfrutíferas,comoocaju,opequietc.Faziam, para isso, grandes roçados na mata, derrubandoasárvorescomseusmachadosdepedraelimpavamoterrenocom queimadas. (Darcy Ribeiro)

Não eram os selvagens, vagando pela floresta, vivendo da caça e da pesca, descrito pelos por uma história oficial. A desvantagem principal era bélica, não conheciam a pólvora. Para os gregos, todas as nações estrangeiras eram bárbaras (selvagens).

C reio que não há nada de bárbaro ou de selvagem nessa nação, a julgar pelo que me foi referido; sucede, porém, que classificamos de barbárie o que é alheio aos nossos costumes; dir-se-ia que não temos da verdade e da razão outro ponto de referência que o exemplo e a ideia das opiniões e usos do país a que pertencemos. (Montaigne)

Os tupinambá eram unidos pela língua, falava-se o tupi. A percepção que no alfabeto tupi não existia as letras (F, L, R), isso foi logo interpretado como se os tupinambás não possuíssem nem fé, nem lei, nem rei. Claro, interpretação feita de acordo os interesses do branco invasor.

Cada aldeia possuía um principal, um líder, escolhido pela valentia e compromisso coma tribo, mas que só exercia os seus poderes em período de guerra.

Eram homens de meia estatura, de cor muito baça, bem feitos e bem dispostos, muito alegres do rosto, e bem assombrados; todos têm bons dentes, alvos, miúdos, sem lhes nunca apodrecerem; têm as pernas bem feitas, os pés pequenos; trazem o cabelo da cabeça sempre aparado; em todas as outras partes do corpo os não consentem e os arrancam como lhes nascem; são homens de grandes forças e de muito trabalho; são muito belicosos, e em sua maneira esforçados, e para muito, ainda que atraiçoados; são muito amigos de novidades, e demasiadamente luxuriosos, e grandes caçadores e pescadores, e amigos de lavouras. (Gabriel Soares de Souza - 1857)

Os tupinambá possuíam várias mulheres, mas a verdadeira esposa era a primeira, a quem as demais mantinham obediência. Quando as meninas iniciavam o seu costume (catamênio) estão aptas para o sexo, passam a carregar atada na cinta um fio de algodão com flores penduradas. Durante a conquista, os índios procuravam retirar as flores da cinta das noviças, quando consentidas, o ritual do desfloramento (desvirginamento) se consumava e fio de algodão era rompido.

Entre os tupinambá eram frequentes os casamentos de tios com sobrinhos, o chamado casamento avuncular.

No dizer de Gaspar Barléu, “Ultra aequinotialem non peccavi” (não existe pecado abaixo do Equador). Os tupinambás eram muito luxuriosos, nada era proibido, e a homossexualidade muito frequente.

Os partos ocorriam sem assistência de parteiras, as Tupinambá parem sozinhas. Depois de lavarem-se nos rios, o recém-nascido é entregue ao pai que ficam com a criança na rede, o couvade, uma espécie de choco ou resguardo. Os tupinambás não castigavam os filhos.

São muito alegres de rosto, e bem assombrados... Os tupinambás que senhoreava o litoral entre o Rio Real e o Rio São Francisco (Sergipe) eram inimigos dos que viviam na Bahia. Todos falavam a mesma língua.

Cabia as mulheres a fiação do algodão, a fabricação das redes, confeccionar as embiras, semear e plantar roças, a produção da farinha e derivados, produzir o vinho (cauim), preparar comidas e alimentos.

Bem disse Montaigne sobre os Tupinambá, em seu inspirado ensaio “Dos Canibais”:

É uma nação, diria eu a Platão, em que não existe gênero de tráfico, conhecimento de letras, ciência de números, nome de magistrado ou de outra dignidade que indique superioridade política, servidão, riqueza ou pobreza, contratos, sucessões, partilhas; de ocupações, apenas as agradáveis; de relações de parentesco, só as comuns; nem vestimentas, nem agricultura, nem metais; não bebem vinho nem cultivam cereais. Da mentira, da traição, da dissimulação, da avareza, da inveja, da maledicência, do perdão ignoram até a palavra. Quão distante desta perfeição julgaria ele a república que imaginou! Em tudo o que aí fica dito não há nada de mau; o que há é que esta gente não usa calções.

“Viri o diis recentes” - Homens que acabam de sair das mãos de Deus”. (Sêneca, Ep., XC)

Os índios inventaram as redes de dormir, que eles chamavam de “ini”. Leitos seguros e confortáveis, que podem ser instaladas em qualquer ambiente, bastando dois paus e uma corda. As redes também eram usadas no transporte de pessoas doentes, sem condições de andar.

Quem primeiro noticiou foi Caminha, descrevendo suas casas: “Todas duma só peça, sem nenhum repartimento, tinham dentro muitos esteios; e de esteio a esteio, uma rede atada pelos cabos, alta, em que dormiam.”

No festim canibal dos tupinambás os homens capturavam e matavam os inimigos e as mulheres produziam o cauim. Enquanto um tupinambá não executava cerimonialmente um prisioneiro ele não poderia nem se casar, nem ter filhos. Era um rito de passagem.

As guerras entre os tupinambá eram sempre por questões de honra e de vingança.

Por que os Tupinambás viviam entre si em permanente guerra? Não lutavam por propriedade particular, pois não ficavam com as terras dos vencidos, não existia a cobiça, o roubo ou a ambição de reinar. A única razão era vingar a morte de seus pais e antepassados. Uma guerra desinteressada e uma antropofagia de vingança e não alimentar.

Quando alguém de uma tribo inimiga ia ser comido, bradava com frequência um insulto: vocês ao me comerem estão apenas comendo a carne dos seus antepassados que nós comemos antes. Essa vingança não tinha fim.

"Tu choraste em presença da morte? Na presença de estranhos choraste? Não descende o cobarde do forte; Pois choraste, meu filho não és!” – (Gonçalves Dias)

Não houve uma descoberta do Brasil, o território era habitado por civilizações de traços culturais e modos de vida bem definidos, embora se permitisse dentro disso grande diversidade. A cultura, os meios de produção e a organização social e militar dos nativos locais eram bem mais sofisticados do que sugere a imagem do silvícola nu, como no paraíso bíblico. (Thales Guaracy)

Foram tão marcantes e presentes na realidade brasileira que, mesmo com a escravização, a guerra de extermínio e as epidemias trazidas pelos europeus, deixaram forte influência na linguagem, cultura e comportamento da população.

“Só a antropofagia nos une. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. Tupi, or not tupi that is the question. Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos. Só me interessa o que não é meu. Lei do homem.” Lei do antropófago. (Oswald de Andrade – 1928).

Antônio Samarone.

sábado, 27 de julho de 2019

SERGIPE ANTIGO (CAPÍTULO I)



(CAP. I)

Sergipe Antigo (Ciri-gy-pe – rio dos siris).  (por Antônio Samarone)

Entre as carências sergipanas, falta-nos uma história. Um explicação razoável das nossas origens. Do “porquê” essa pequena faixa do território brasileiro ganhou vida própria, passou a existir de forma independente. Aqui se formou uma gente que nem é baiano nem pernambucano. Quem somos?

O pouco da história de Sergipe que se conta é fragmentada e tendenciosa. É a história vista pelos portugueses, pelos donatários, pelos sesmeiros, pelos documentos deixados pelos Jesuítas. Uma história escrita nas sacristias, romantizada, sempre acabando bem para os de cima.

A sociedade brasileira começou dividida, eivada de ódios, divergências de raiz, das origens da nossa formação nacional. Nunca tivemos uma guerra de secessão. Contudo, colonizadores e nativos, nobres e plebeus, senhores e escravos, ricos e pobres, elite e povo, nunca resolveram as suas desavenças e contradições. “Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.” Relembrando o velho manifesto de Oswald de Andrade.

“Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade.” Antes da ocupação portuguesa, existiam outras civilizações ocupando o território que hoje denominamos de Sergipe. Quem eram?

A ocupação portuguesa de Sergipe, em 1590, foi sangrenta, demorada, após um século de resistência. Vou contar o que sei, o que li e ouvi, sem pretensões. A partir de hoje publicarei essa história em capítulos. Se houver interessados, no próximo ano, bicentenário do desligamento de Sergipe da Bahia, publicarei em livro.

Essa história precisa ser recontada. O meu ponto de partida é o início do século XV, o ano de 1400, provável chegada dos Tupinambá em Sergipe. A presença do homem em Pindorama (Brasil) é anterior a 12 mil anos. Luzia tem 11 mil anos. Em Sergipe não se sabe ao certo.

Os Tupinambá, Tubüb-Abá, Tuppin-inba chegaram à Sergipe pelo São Francisco, por volta de 1400, após uma longuíssima viagem. Vieram das ilhas do Pacífico, da Polinésia. Estabeleceram-se inicialmente na Bolívia andina, às margens do Lago Titicaca. Existe uma evidência relevante dessa presença dos Tupis Guaranis nessa região.

A expansão do Império Inca expulsou os Tupis das margens do Lago Titicaca. Com a ameaça dos Inca, por volta do ano 1.300, os Tupis desceram o Rio Beni, afluente do Mamoré, rumo a bacia amazônica. O Rio Mamoré junta-se ao Abunã e ao Guaporé formando o Rio Madeira. Os Tupis abominavam a escravidão.

Os Tupis descem mais de mil quilômetros o Rio Madeira, em suas canoas, numa viagem penosa, para chegar ao Amazonas. Os Tupis desembarcaram numa grande ilha chamada Tupinambarana, passando a ser o lugar de dispersão desses índios andinos para o interior do Brasil. Com a dispersão, os Tupis foram ganhando novos nomes, a depender de cada Cacique ou circunstâncias.

Um dos grupos Tupis, os Tupinambá desceram o Rio Tocantins, entraram sertão adentro e chegaram à foz do Rio São Francisco. A entrada no litoral ocorreu por volta do ano 1.400, pela foz do São Francisco, sendo as primeiras aldeias criadas no território sergipano.

Na Chegada à Sergipe, os Tupinambás encontraram os Tupinaês, índios tupinizados, que já havia expulsados os tapuias para o Sertão. Os Tupinambá na guerra de ocupação derrotaram os Tupinaês, que são expulsos. Com a vitória, os Tupinambás avançaram desde a foz do São Francisco, pelo litoral, até a Bahia de Todos os Santos, estabelecendo-se cem anos antes da chegada dos portugueses.

Segundo Moacyr Soares Pereira: “Os Tupinambás amazônicos formavam um só povo, com a mesma língua, costumes, gentilidade e cultura.” Os Tupis tomaram nomes a depender do local de ocupação: Tupinambás, em Sergipe e Norte da Bahia; Caetés em Alagoas e Pernambuco; Potiguar no Rio Grande do Norte.

Pelas circunstâncias geográficas, as primeiras aldeias Tupinambás no litoral brasileiro foram implantadas na região do Pantanal de Pacatuba, em Sergipe, à altura da Ponta dos Mangues. Resta aos historiadores os recursos da arqueologia para desvendarem essa pré-história sergipana.

Entre a primeira guerra vitoriosa dos Tupinambás na chegada em 1.400, contra os Tupinaês; e a sua derrota para os portugueses em 1591, os Tupinambás mandaram em Sergipe por 190 anos, deixando uma valiosa contribuição cultural, presente até os dias atuais.

Continua Moacyr Soares Pereira:

“Os Tupinambá da vanguarda invasora em ampla frente, após a derrota dos Tupinaês, os lançaram e aos Tapuias para o Sertão. Os vencedores chegaram à beira mar; e senhoreando as áreas vizinhas, foram ocupando sucessivamente a terra conquistada, desde a foz do São Francisco até o Sul da Bahia de Todos os Santos, inclusive a bacia do Rio Paraguaçu.” Os tupinambás ocuparam da Foz do São Francisco ao Norte, e Camamu ao Sul.”

O rio São Francisco era rio Opará para os índios e no mapa de Barleus chamava-se rio Parapitinga.

“Um índio descerá de uma estrela colorida, brilhante
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul
Na América, num claro instante
Depois de exterminada a última nação indígena
E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida
Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias.”
Caetano Veloso.

Foram esses Tupinambá do litoral sergipanos os primeiros a chegar no litoral (início do século XIV) e os últimos a sair, só sendo derrotados pelos portugueses em 1590. 

Existem evidências que os Tupinambá que vieram à Sergipe eram os malaios/polinésios?

Moacyr Soares Pereira cita as mais importantes: “A rede; as danças rituais de máscaras, as pontes suspensas; propulsor de flechas; a sarabatana; o arc à balle a massa feita de pedra anular ou em forma de estrela; os machados de cabo em cotovelo; as cabeças troféus; a flauta de Pan; o tambor de madeira, para sinais; o tambor cilíndrico de membrana de pele; o arco musical; o estojo de pênis; os vestidos de certas cascas de árvore abatida (o tapa polinésio); certos jogos de azar; as mutilações dentárias e as incrustações dos incisivos; a amputação das falanges, como sinal de luto; a trepanação craniana; as habitações sobre arvores; a cultura em terraço com irrigação; o Ikaiten (processo de tintura das fibras); a fabricação de bebidas fermentadas pela mastigação dos frutos ou grãos; as cordas de nós, como meio de numeração (kipu); e os mitos funerais.”

No próximo capítulo, trataremos desses Tupinambás que viviam em Sergipe, antes da chegada dos portugueses.

Antônio Samarone.       

sexta-feira, 26 de julho de 2019

GENTE SERGIPANA - PADRE ANTONIO JOSÉ GÓES


Gente Sergipana – Padre Antônio Jose Góes (por Antonio Samarone)

O Padre Antônio José de Góes nasceu em 13 de junho de 1918, em Itabaiana. Filho de Valentim José de Góes e Genoveva Maria do Sacramento. A família foi pródiga em religiosos. Um irmão também foi padre, Paulo Leonardo Góes; e uma irmã freira, Josefa Germana Góes.

O Padre Antônio Góes saiu de Itabaiana aos dez anos, foi estudar no Colégio Salesiano, em Aracaju. Entrou para a Congregação de São Francisco de Sales, e concluiu o noviciado em 1935. Ordenou-se padre em 08 de dezembro de 1945, aos 27 anos.

Serviu no Nordeste, Jaboatão, Recife e Belém. Em 1949, foi designado para uma missão amazônica, onde dedicou a sua vida. É considerado um benfeitor para os Yanomami. O Padre Sergipano ganhou fama, fez o primeiro contato com várias nações indígenas. Foi guia de expedições cientificas.

Antônio José mediou e impediu um conflito sangrento entre os Yanomami e os Kohoroxithari.
Como recompensa, o Padre Antônio José foi convocado pelo Papa Paulo VI para visitar Roma. A Congregação Salesiana possibilitou ao Padre uma longa viagem pela Europa. Conheceu a Terra Santa. 

O Padre Antônio José faleceu em Manaus, em 27 de fevereiro de 1976, aos 57 anos. Um herói anônimo, à serviço do sofrido povo indígena.

PS: O mundo é pequeno. O senhor Valentim José de Góes, o pai do Padre, é irmão de Camilo José de Góes, avô do conhecido Goisinho, ex Vereador do PT em Aracaju. Aliás, Goisinho Chama-se Antonio José de Góis, em homenagem ao padre.

Antônio Samarone.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

GENTE SERGIPANA - HORTÊNSIA MAIA


Gente Sergipana – Hortênsia Maia (por Antonio Samarone)
Médica e terapeuta transexual.
Sergipana de Propriá. Nasceu em 30 de janeiro de 1961. Filha de Manoel Hugo de Araújo (médico do SESP) e Dona Marly Maia de Araújo. Hortênsia foi a alegria do sisudo Colégio do Salvador.
Optou pela medicina. Formada em 1985, pela Universidade Federal de Sergipe. Especializou-se em ginecologia. Atualmente é terapeuta transexual. Isso mesmo, e eu explico.
Hortênsia Maia faz parte de uma equipe multiprofissional que atende ambulatorialmente pessoas transexuais e travestis, na Faculdade de Medina, em Lagarto. Isso mesmo, no interior de Sergipe temos atendimento para essa parcela da população.
Só existem 11 ambulatórios no Brasil com essa especialização. Um detalhe, 85% da demanda é de Aracaju. Acorda Aracaju! Esse tipo de ambulatório é uma necessidade básica.
Hoje, no almoço da conservadora SOMESE, a Dra. Hortênsia Maia deu aula de sensibilidade, conhecimento e compromisso, nos mostrou um pouco da realidade. A vida é bem mais complexa do que “menina veste rosa e menino veste azul”.
Saímos convencidos que as pessoas transexuais precisam dessa assistência. O que está faltando para Aracaju montar o seu ambulatório de transexualidade?
O hospital Universitário em Aracaju tem espaço, profissionais competentes e sensibilidade para montar o ambulatório, só precisa da autorização do gestor municipal, ou seja, um contrato com a Prefeitura de Aracaju.
Adivinhem o que é Prefeitura disse? Não! Não temos condições...
Gente, Paciência! Ainda bem que o Ministério Público Federal está empenhado nessa causa.
Antônio Samarone.

domingo, 21 de julho de 2019

GENTE SERGIPANA - PROFESSORA TEREZINHA



Gente Sergipana – Professora Terezinha (por Antônio Samarone)

Quando cheguei à quinta série, tosco, criado como os Tupinambás, solto pelo mundo, encontrei a educação e a delicadeza: Dona Terezinha Silva Correia, minha professora de francês, no ginásio de Itabaiana.

Terezinha da Silva Correia, nasceu em 05/09/1934, no povoado Bom Jardim, em Itabaiana. Filha de Manoel Martinho da Silva (Martim Cascavel) e dona Maria Alves da Silva. No primário, foi aluna do professor Nestor Carvalho e estudou piano com Dona Ritinha Noronha, filha de Esperdião Noronha.

Aluna da primeira turma do Murilo Braga. Fez o curso Normal no Patrocínio São José, em Aracaju. Estudou letras vernáculas na UFS. Desde 1960 é instrumentalista (tecladista) aos domingos na Paróquia de Santo Antônio e Almas.

Casada com Derivaldo Correia, com quem teve 6 filhos: Adelia, Ada, Adilson, Adinilson, Ademir e Adriano; e cinco netos.

São os dados biográficos sobre dessa grande mulher. Nunca esqueci as suas aulas. Foi com ela que aprendi a primeira poesia (e única) em francês. Ainda lembro de um verso:

“Jamais on n'a vu, vu, vu
Jamais on n'verra, ra, ra
La queue d'une souris, ris, ris
Dans l'oreille d'un chat, chat, chat”

Professora Terezinha, uma das coisas que mais fiz na vida foi estudar, fui aluno de muita gente, perdi a conta. Mas já esqueci a maioria. Em suas aulas eu não aprendi francês, o tempo foi pouco, mas aprendi bondade, grandeza, generosidade e modos. Não esqueci!

A gente ficava com vergonha de ser mal-educado.

Parabéns, professora Terezinha.

Antônio Samarone.

sábado, 20 de julho de 2019

GENTE SERGIPANA - JOÃO DE DEUS SOUZA


Gente Sergipana – Professor João de Deus Souza (por Antônio Samarone)

Em meados da década de 1960, apareceu em Itabaiana um professor de português que mexeu com a juventude. Um homem de quase três metros, que dominava a literatura, a poesia e a música. Tocava clarinete. Uma cultura acima da aldeia. Em pouco tempo, os livros da biblioteca Dom José Thomaz não chegavam para quem queria. O Beco Novo começou a ler.

Quem era esse gênio? Era o filho do professor Cícero do Zanguê e de Dona Maria Josina, que migrou aos 11 anos para ser padre salesiano, no Recife. E muito tempo depois, não virou padre, mas voltou sabido. Tenho na memória as redações de João Deus, as análises literárias, a imensa sabedoria do mestre, que impressionava os pequenos tabaréus da Vila de Santo Antônio e Almas de Itabaiana.

Ontem, na Academia Itabaianense de Letras, João de Deus fez uma conferência. Cantou e encantou, tocou violão, recitou poesias (de Castro Alves a Camões), falou da arte e da literatura, falou de sua vida, dos seus sonhos e de suas realizações. O professor João de Deus está alquebrado (76 anos), doente, mas continua dando aulas no Seminário de Itabaiana. Levou os alunos, para que ninguém duvidasse.

O professor João de Deus não perdeu a alegria, nem a fé nos livros e na educação. Parabéns, professor!

Antônio Samarone.

terça-feira, 16 de julho de 2019

O ATERRO DA LAGOA DOCE



O ATERRO DA LAGOA DOCE. (por Antônio Samarone)

O Governo do Estado, através da DESO, decidiu aterrar uma imensa várzea no Santa Lúcia, para construir uma estação de tratamento de esgoto. Até onde vai a estupidez humana? A Lagoa Doce funcionava como um amortizador das enchentes do Rio Poxim. Era um reservatório natural para o excesso de água.

O que fez o governo? Aterrou a ligação da Lagoa Doce com o Rio Poxim, numa área de manguezais. Sem contar a devastação da fauna e da flora, causou um grande problema para as futuras enchentes.  

Levei um amigo, engenheiro ambiental, para ter uma opinião técnica. Ele ficou escandalizado. Samarone, esse é um crime ambiental abominável e trará consequências a médio e longo prazo. Claro que a causa do alagamento do Santa Lucia, Sol Nascente e JK não foi o aterro, alagava antes; mas aterro potencializou os efeitos da chuva.

Eu ponderei com o engenheiro, mas o aterro da Lagoa Doce foi autorizado pela ADEMA. Eles devem ter feito algum estudo. Ele riu! Você queria o quê, que um órgão do estado negasse um pedido do Governador.

Eu não me conformei: e o Ministério Público fez vistas grossas? Ele acha que não, é provável que o MP não saiba do que se trata. Pode ser...

Voltei convencido, o aterro criminoso da Lagoa Doce precisa de providências jurídicas. Ainda há tempo para se paralisar a obra, punir os responsáveis, e se evitar as consequências dessa decisão impensada.

Antônio Samarone.

sábado, 13 de julho de 2019

HOSPÍCIO DE SERGIPE



Hospícios de Sergipe. (por Antônio Samarone)

Quarenta anos da Clínica de Repouso São Marcelo (1979 – 2019)

José Hamilton Maciel, alagoano do Pão de Açúcar, se mudou para Aracaju em 1972. Veio a convite do Dr. Jorge Cabral, psiquiatra, Secretário Estadual de Saúde, para dirigir o Hospital Adauto Botelho, um nosocômio público especializado em doidos. José Hamilton foi convidado por indicação do doutor Josué Duarte, influente e destacado sanitarista alagoano.

O Adauto Botelho vivia apinhado de (indi)gentes, sujo, desorganizado, quase nada tinha a oferecer aos seus pacientes. O eletrochoque era a panaceia. A psiquiatria não dispunha do arsenal de psicotrópicos de hoje. José Hamilton veio para pôr ordem na casa.

No final da década de 1970, Sergipe possuía três hospitais de alienados: o Adauto Botelho (1954); a Clínica Santa Maria (1962), do psiquiatra Hercílio Cruz; e o Hospital Garcia Moreno (1976), no município de Socorro.

A psiquiatria tinha poucos adeptos em Sergipe na década de 1970: além de Jorge Cabral e Hercílio Cruz, citados acima, atuavam por aqui, João Peres Garcia Moreno, Renato Mazze Lucas, Eduardo Vital Santos Mello, Antônio Santana e os alagoanos Rosauro Luna e Roberto Carvalho. Menos de uma dezena. Esqueci algum nome?

Logo, logo, José Hamilton se enturmou em Sergipe, fez amizades, tornou-se sergipano. Assumiu a cátedra de medicina legal da Faculdade de Medicina da UFS. José Hamilton veio a Sergipe sonhando em organizar uma clínica para doentes mentais. Surgiu uma oportunidade: a previdência social foi reformada em 1974. Criou-se o INAMPS, órgão especializado em assistência médica.

O INAMPS nasceu com duas orientações: aumentar a oferta de serviços médicos e comprá-los à terceiros. A construção de serviços próprios não era prioridade. Mas comprar serviços a quem, se a rede privada de assistência médica era quase inexistente? Em Sergipe não passava de meia dúzia. O Governo Federal criou o Fundo de Apoio Social (FAS), para emprestar dinheiro a juros baixíssimos a quem quisesse construir clínicas e hospitais. O Dr. José Hamilton entrou nessa oportunidade.

José Hamilton reuniu a família. A esposa Maria da Gloria; Natanael, cunhado; Maria Helena, prima; Hamiltinho e Zaira, filhos (todos psiquiatras); Fátima; Noemia, assistente social; Maria Vieira, nutricionista; Cibele Ramalho, psicóloga; Maria de Fátima, enfermeira. Ou seja, montou uma empresa familiar. Um sonho de juventude criava asas: construir um serviço de assistência à saúde mental, humanizado e de boa qualidade.

Em 14 de julho de 1979, foi inaugurada festivamente a Clínica de Repouso São Marcelo. A data de 14 de julho não foi coincidência, reflete a alma política de José Hamilton Maciel.

A São Marcelo completa 40 anos. Os outros hospitais psiquiátricos de Sergipe acabaram. O Adauto Botelho e o Garcia Moreno, foram transformados em quartel e cadeia pública. O Santa Maria fechou suas portas. A prioridade da política de saúde mental era a desospitalização e a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs).

Hoje, depois que os ventos da antipsiquiatria de Franco Basaglia abrandaram, os tratamentos psiquiátricos ganharam tons mais civilizados e o cuidado hospitalar deixou de ser sinônimo de holocausto, a Clínica de Repouso São Marcelo sobrou como o único refúgio para os pacientes que necessitam de cuidados hospitalares, em psiquiatria. Vive sempre lotada.

A luta pelo fim dos manicômios, não significa que a atenção hospitalar aos pacientes psiquiátricos seja desnecessária. Essa confusão precisa ser desfeita. A ênfase continua na assistência não hospitalar, por equipes multiprofissionais e integrados à comunidade. Mas se o transtorno requer uma assistência hospitalar intensiva, ela deve ser oferecida a todos.

Parabéns a família da Clínica São Marcelo, pelos 40 anos. Aos que lá trabalham, a direção, aos pacientes, e aos que acreditam numa medicina humanizada.

Antônio Samarone.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

GENTE SERGIPANA - ALMIR SANTANA


Gente Sergipana – José Almir Santana. (por Antônio Samarone).

Almir Santana nasceu no Aracaju, em 30 de Janeiro de 1953. A família é de Itabaiana: o pai, José Alves de Santana; e a mãe, Maria Gisélia Santana, são de lá, gente do povoado Gandu. A avó, Dona Madalena, morava na Praça João Pessoa, perto da Bomba de Gasolina de João Marcelo.

Almir Santana nasceu e se criou no bairro Santo Antônio. Cursou o básico no Ginásio Simeão Sobral e o científico no Colégio Atheneu. Na verdade Almir Santana na infância gostava mesmo era de jogar bola. Não perdia uma pelada no chiqueirinho, campo situado ao lado do Estádio Sabino Ribeiro. Almir Santana queria mesmo era ser jogador do Confiança.

Os seus sonhos de adolescência eram ter um bicicleta e comparar uma geladeira para dar a mãe de presente. Aspirações quase impossíveis para os filhos da classe trabalhadora naquela época.

No Atheneu, Almir Santana se destacou em matemática. O professo Leão Magno abriu o GCM, um pré-vestibular que ficaria famosos, e convidou Almir Santana para ensinar. Almir ganhou fama como professor, juntou-se com um grupo de professores já consagrados e fundaram o Pré-vestibular VISÃO, que marcou época em Aracaju.

Almir passou no vestibular de medicina em 1972, e só conseguiu formar em 1981. A sala de aula tinha ocupado a alma e o tempo de Almir Santana, um dos grandes professores de pré-vestibular em Aracaju, e isso atrapalhou a regularidade do curso médico.  

A Saúde Pública como vocação.

Almir Santana depois de formado em medicina, foi trabalhar na rede pública de saúde (1985). O seu primeiro destino foi o Centro de Saúde José Machado de Souza, no Santos Dumont, subúrbio de Aracaju. Almir, inquieto, como fazer Programa de Saúde da Família PSF antes de sua existência. Seu primeiro envolvimento foi com a vacinação de poliomielite.

Almir percebeu a baixa cobertura da vacina no Bairro. Botou um isopor com vacinas debaixo do braço, e saiu vacinando de rua em rua, de porta em porta. Aquilo nunca tinha sido feito. Almir começou atender a população com dedicação e zelo. Ninguém voltava, ele atendia a todos.

Nessas visitas, Almir Santana descobriu que no Santos Dumont existiam vários cabarés, alguns pequenos, outros famosos, como o cabaré de Ciganinha. Almir percebeu que a sífilis era um grande problema de saúde pública, e passou a agendar um atendimento as prostitutas. O seu consultório encheu. Não demorou, o provincianismos e as más línguas botaram logo um nome: Almir Santana passou a ser “o médico das putas”.
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No início da década de 1980 chegava ao Brasil a AIDS, a “Peste Gay” que assombrava o mundo. Coberta de preconceitos, desinformações e moralismos. A doença foi apresentada como sendo exclusiva dos homossexuais. Um estigma, uma ameaça, um castigo! A doença além de tudo não tinha tratamento, era uma condenação à morte.

O primeiro caso de AIDS em Sergipe apareceu em Santa Luzia do Itanhy (1987). Um paciente com tuberculose, vindo de São Paulo. Foi um desespero para a saúde pública sergipana, ninguém queria atender ao paciente. O preconceito e o medo dominavam as mentes e os corações. O Prefeito exigiu que o paciente foi retirado da cidade.

Diante as dificuldades, o Secretário da Saúde fez um comentário absurdo e preconceituoso: “existe um médico no Santos Dumont que atende as putas, quem sabe se ele não topa atender aos viados”. Foi nesse contexto que Almir Santana assumiu a coordenação do atendimento a AIDS no Estado de Sergipe.

Logo, logo, surgiu outro caso de AIDS em Sergipe: um cabeleireiro em Itabaiana. Quando diagnosticado, o cabeleireiro revelou que fazia muito sexo, com múltiplos parceiros e deu os nomes. Pronto, a epidemia chegou em Sergipe, pensou Almir Santana. Como no início se fazia a busca ativa das pessoas em riscos, possivelmente infectadas, o terror correu em Itabaiana. Almir Santana está com uma lista de nomes, e todos serão internados para fazer os exames.

Começou a circular listas apócrifas em Itabaiana, com a marca da saúde pública. Todos queriam saber se os seus nomes constavam ou não na lista de Almir Santana. Quem namorou ou não com o cabeleireiro, era a pergunta fatal. De sacanagem, quem encabeçava todas as listas era de um donzelo juramentado. Quando Almir Santana chegava em Itabaiana era uma correria, um atropelo, muita gente se escondendo.

Um ex-amigo recebeu uma convocação da HEMOSE, numa sexta à tarde, para comparecer com urgência ao órgão, tratar de assunto do seu interesse. E não dizia qual era o assunto, nem o interesse. Como se tratava de um devasso assumido e que não usava camisinha, achava que ficavam folgadas, entrou no desespero. O acolhi em minha residência num final de semana, para confortá-lo espiritualmente. Não era nada de AIDS, mas o susto foi grande.

Nenhum hospital queria internar os pacientes com AIDS, os profissionais de Saúde tinham medo. Não se conhecia muito da doença. Na época, surgiu um pânico em Aracaju: circulou a notícia que a muriçoca poderia transmitir a AIDS. Com a quantidade de muriçoca que nós temos, seria o fim de Aracaju.

Sergipe foi o segundo estado brasileiro a implantar um programa de prevenção e controle da AIDS no Brasil. Almir Santana foi o seu primeiro e único coordenador. Almir caiu nas estradas para fazer prevenção com os caminhoneiros, foi às feiras, às praças públicas, se aproximou da comunidade LGBT, fez parceria com Wellington do “Dialogay”, com o GAPA, fiscalizou os bancos de sangue, trabalhou com Candelária, Maria Augusta, desfilou no Pré-caju, Almir Santana nunca mais descansou. Virou uma devoção.

No início a Igreja Católica não via com bons olhos o trabalho de Almir Santana. A segurança era o sexo doméstico, para que camisinha? Em Sergipe, Arnóbio Patrício de Melo, um grande padre, quebrou o tabu: convidou Almir Santana para dar uma palestra de prevenção da AIDS no Seminário. Foi um espanto! Arnóbio tinha razão, conhecia, em pouco tempo apareceu um ministro de Deus com AIDS.

A mídia no começo atrapalhava, apostava no sensacionalismo. Três notícias da época exemplificam: “Loira da Atalaia Nova contamina 300”, “Aidético retorna a São Paulo escoltado pela polícia” e “Aidético morre por ter comido uma feijoada”. A desinformação era grande.

Almir Santana é casado com Solange Fonseca e tem dois filhos: Marcelo e Andrea. Almir Continua em sua luta incessante na saúde pública. Virou celebridade, o seu trabalho é reconhecido pelos seus colegas, pela universidade e, sobretudo, pela comunidade.

A Saúde Pública hoje no Brasil sobrevive às custas de abnegados.

Antônio Samarone.

segunda-feira, 8 de julho de 2019

O SUICÍDIO


O Suicídio – (por Antônio Samarone)

O suicídio público do empresário Sadi Paulo Castiel Gitz ensejou explicações diversificadas. O tema ganhou visibilidade. O mesmo aconteceu com o suicídio de Luiz Carlos Cancellier de Olivo (59 anos), reitor da Universidade Federal de Santa Catarina.

O suicídio é um tema passível de abordagem jornalística, filosófica, sociológica, antropológica, psicológica, médica, jurídica, histórica, política, religiosa, ética etc. Na maioria das civilizações o suicídio não é bem visto. Porém, certas culturas admitem o suicídio para reparar erros e em casos trágicos ou heroicos...

Na atualidade, o discurso psiquiátrico se apropriou do suicídio. Existe uma Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS). Eles acreditam que o suicídio é contagioso (efeito Werther), admitem que o fenômeno é multifatorial, não sendo possível se atribuir a uma só causa, mas também, defendem que o suicídio sempre está associado a transtornos mentais, em especial, ao transtorno do humor, como a depressão. Há controvérsias...

Nessa discussão não cabe aprofundamentos, nessa breve abordagem.

“Na Grécia e em Roma, o suicídio era tolerado. Os epicuristas e os cínicos justificavam para escapar do sofrimento físico e mental; os estoicos, especialmente Sêneca, o celebraram. Suicídios romanos motivados por princípios políticos ou por questão de honra, tais como aqueles de Catão e Lucrécia, eram reconhecidos como heroicos.” (Michael MacDonald).

Por outro lado, Pitágoras, Platão e Aristóteles condenavam o suicídio. Em Roma o suicídio de escravos e soldados eram proibidos. Os corpos de suicidas por enforcamento, eram deixados sem sepultamento.

Os autores cristãos, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, condenavam o suicídio. Mesmo não sendo explicitamente proibidos na Bíblia, os primeiros concílios proibiam o enterro de suicidas em solos consagrados e negavam alguns ritos dos funerais normais.

Na Idade média, as atitudes diante do suicídio eram de condenação teológica, medos populares e compaixão na prática. A Igreja condenava oficialmente o suicídio.

Com a Reforma Protestante, essa condenação foi agravada. Eles enfatizavam que o autoextermínio era um pecado terrível, causado diretamente pelo diabo. Os séculos XVI e XVII foram de severidade extrema contra o suicídio. A hostilidade da Reforma ao autoextermínio aprofundou a crença em causas sobrenaturais e nos perigos dos fantasmas dos suicidas.

As penalidades foram relaxadas no século XVIII. O suicídio foi secularizado e na prática descriminalizado. Hoje, as religiões cristãs tocam pouco no tema, quase não falam, pelo menos no Brasil.

O iluminismo encorajou a tolerância aos suicídios. A filosofia moral secular, a expansão do humanismo e o crescente prestígio da ciência contribuíram para a tolerância. Os filósofos d’Holbach, Voltaire, Montesquieu, Hume ofereciam justificativas filosófica. Somente Kant condenou duramente o suicídio.

A polêmica sobre o suicídio na Idade Moderna foi intensa. Surge a ligação dos suicídios com a doença mental. Montesquieu atribuía uma suposta epidemia de suicídios na Inglaterra as tendências dos seus habitantes para a doença nervosa e ao seu clima ruim. Em 1790, quase 98% dos suicídios foram considerados insanos, na Inglaterra.

A tendência de se ligar o suicídio à doença mental, foi um recurso para torná-lo inimputável e pôr fim às punições. As leis começaram a ser revogadas.

Por volta da segunda metade do século XVIII, os discursos sobre o suicídio haviam sido secularizados. As visões heroicas e trágicas se fortaleceram. Os suicídios por honra aumentaram. Durante a Revolução Francesa houve uma onda de suicídios políticos, modelados pelo suicídio de Catão, que se matou para protestar contra a ditadura de César.
   
O romantismo criou o suicídio romântico. O famoso romance “Os sofrimentos do jovem Werther (1774), de Goethe, inspirou um breve surto de suicídios por amor. Suicídios neoclássicos e românticos eram vistos como respostas racionais ou piedosas para situações intoleráveis. Ao mesmo tempo, o discurso psiquiátrico tornava-se mais forte.

Os médicos tinham prestado pouca atenção aos suicídios no renascimento e mesmo no iluminismo. Contudo, à medida que a profissão psiquiátrica emergia como uma entidade distinta, os autores médicos, no século XIX, começavam a enfatizar que o suicídio era causado pelas doenças mentais.

Esquirol, via o suicídio como o desfecho da monomania. Em 1838, ele declarou: “o suicídio é um ato secundário a uma perturbação emocional severa (délire de passion) ou insanidade (folie)”. Após 1820, o debate moral sobre o suicídio foi secularizado.

No final do século XIX, o suicídio começou a ser relacionado com o discurso racista da degeneração, determinado tanto geneticamente, como pelas doenças mentais e pelos fatores sociais. No Brasil, os discursos do médico Nina Rodrigues apontavam o alcoolismo, a doença mental e o suicídio como elevados entre os negros, visto por ele como uma sub-raça degenerada.

Os sociólogos também pleitearam o suicídio para o seu campo de pesquisa, consolidando-se no estudo clássico de Durkheim “O Suicídio” (1897). Durkheim rejeitou que o suicídio fosse primariamente causado por uma patologia individual, defendeu uma causa social de fundo. Usou as taxas de ocorrência de suicídios como prova. No geral, essas taxas eram constantes e quando variavam, estavam relacionadas com crenças e práticas religiosas, depressão econômica e guerras. Durkheim criou o conceito do suicídio anômico.

Até o final do século XVIII, as culturas europeias adotavam como estratégias para a prevenção do suicídio a dissuasão moral, os princípios religiosos e a ameaça de punição, com penas terríveis. Atualmente usa-se a dissuasão psicológica e até alguns medicamentos, que a psiquiatria acredita serem eficazes na prevenção. 

Do ponto de vista farmacológica as contradições são evidentes: as substâncias psicoativas tanto são responsabilizadas pelo aumento, como pela redução dos riscos. Para ser consistente, se a psiquiatria correlaciona o suicídio com alguns transtornos mentais, bastaria tratar esses transtornos.

Ocorre que a realidade é bem mais complexa. Por exemplo: entre 2011 e 2015 a taxa de suicídio dos índios no Brasil foi 15,2/ por cem mil, três vezes maior que no restante da população. Em 2016, cento e seis indígenas se mataram, consolidou o Conselho Indianista Missionário, num avanço de 18% em relação ao ano anterior. (Magalhães). Como explicar esses dados com a teoria dos transtornos mentais como causa única do suicídio?

A história aponta outros fatos. Por que os poetas se suicidam tanto?

“Só quero saber do que pode dar certo, não tenho tempo a perder.” Torquato Neto, se matou aos 28 anos, no dia do seu aniversário, em 1972. “Quanto mais próximo você está das palavras, você se mata. Os escritores se matam mais que os pintores, e os pintores se matam mais do que os músicos. É raro se ver um músico suicida, mas existem.” Décio Pignatari, em depoimento num especial sobre Torquato Neto, no Youtube.

As taxas de suicídios são crescentes. O debate precisa ser aberto. O Setembro Amarelo é uma iniciativa dos profissionais da saúde mental, ainda não incorporada como política pública. Nesse campo do suicídio, as dúvidas suplantam as verdades, mesmo quando as verdades se fantasiam com o discurso científico.

Antônio Samarone. 

sexta-feira, 5 de julho de 2019

GENTE SERGIPANA - DONA MARLENE



Gente Sergipana – Dona Marlene (76 anos). (In memoriam).

Marlene de Oliveira Silva, nasceu na Vila da Passagem, em Neópolis. Filha de Seu Pedro e Dona Belina. Logo cedo, ainda adolescente, Marlene foi trabalhar como auxiliar de enfermagem na creche e na maternidade da fábrica de tecido. Marlene casou-se com Heleno Luís da Silva, o lendário goleiro Lessa.

Em 1971, o Itabaiana foi buscar em Penedo dois craques do futebol Nordestino: Lessa e Xavier. Era um luxo desportivo, o Itabaiana já contava com Marcelo e Horácio para as mesmas posições. Mas a vida nos reserva surpresas. A chegada da família Lessa e dona Marlene em Itabaiana não enriqueceu apenas o futebol. Eles adotaram a Vila de Santo Antônio e Almas. Viraram dos nossos.

A família já chegou com dois filhos, Rômulo e Romina. Isso mesmo o Dr. Rômulo! Depois tiveram mais dois em Itabaiana, Ruanny e Rooseman. A comunidade Itabaianense aprendeu cedo a admirar a família de Dona Marlene.

Deixando o futebol, Lessa montou um bar no caminho do Ginásio Murilo Braga, para sobreviver e educar os filhos. Gente operária, simples, que encarava o trabalho como dever. Até pouco tempo, mesmo sem precisar mais, os filhos deram certo na vida, dona Marlene mantinha uma banca de jogo do bicho na porta do antigo bar, para ter o seu dinheirinho.

Dona Marlene ficou viúva cedo, Lessa faleceu novo, aos 57 anos. Ela tocou o barco sozinha, encharcada de saudades. 

Eu sou um pouco suspeito para elogiar dona Marlene, sempre a achei muito parecida com a minha mãe. Altivas, guerreiras, cabeças erguidas, disciplinadoras e que souberam “botar os seus filhos na linha”.

Meu amigo Rômulo, sei que a perda é grande. O consolo é que, mãe não morre, fica na gente. Enxergo dona Marlene num verso de Milton Nascimento:

Dona Marlene
“Foi o som, a cor, e o suor
Foi uma dose mais forte e lenta
De uma gente que ri quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta...”

Dona Marlene, descanse em paz. Missão cumprida!

Antônio Samarone.