A Saúde Pública em
Sergipe (o caso da sífilis congênita).
Antonio Samarone
Academia Sergipana de
Medicina.
A passagem do Partido dos
Trabalhadores pelo poder em Sergipe, iniciada em 2001, na Prefeitura de
Aracaju, e interrompida com a morte do governador, em dezembro de 2013; destruiu
os serviços de saúde existente, que mesmo modestos e com deficiências,
funcionavam com regularidade. Ampliou-se a rede física, é verdade, mas rebaixou-se
a qualidade dos serviços ofertados a uma faixa do inaceitável.
Com o pretencioso discurso de
promover-se uma “reforma sanitária em Sergipe”, o sistema de saúde foi
transformado numa máquina eleitoral, os serviços privatizados, o programa de
saúde da família sucateado, os recursos drenados para obras, reformando-se e
construindo-se dezenas hospitais e centenas de clínicas, com a promessa que ao
final da aventura, a população teria um serviço de qualidade.
As consequências visíveis desse
aparelhamento são conhecidas dos sergipanos, a saúde chegou ao fundo do poço.
Montou-se uma rede centrada em hospitais, ociosa, de custo elevado; as ações
preventivas foram desmontadas, implantando-se o modelo assistencial de oferta
de procedimentos. Mas não é disso que eu quero falar.
A reforma petista também produziu
consequências invisíveis. O abandono dos programas de saúde pública produziu o
aumento das doenças objeto dos mesmos. Vamos tomar como exemplo, uma doença
grave. A sífilis congênita, transmitida da mãe para o filho durante a gestação,
assumiu ares epidêmicos nesta década em Sergipe. Em 2005, quando a notificação
passou a ser obrigatória, a taxa de detecção de sífilis congênita em Sergipe
era de 0,8 casos por mil nascidos vivos; em 2012, a mesma taxa atingiu 9,7
casos por mil nascidos vivos, segundo dados do Ministério da Saúde; um
crescimento de 12 vezes no período. http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2012/52537/boletim_sifilis_2012_pdf_26676.pdf
Em 2013, nasceram em Sergipe
34.108 crianças; em 382 delas foram identificadas a sífilis congênita, com 05
óbitos; a taxa explodiu para 11,2 casos por mil nascidos vivos, três vezes
superiores a media nacional (4,7 casos por nascidos vivos). Um horror! A meta
da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e do Fundo das Nações Unidas para
a Infância (Unicef), para a América Latina é uma taxa de 0,5 casos por mil
nascidos vivos, em 2015, visando a erradicação. Sergipe está distante desta
meta.
O crescimento da sífilis congênita
acompanhou o recrudescimento da sífilis, doença tratada, (exceto em sua fase
neurológica) com penicilina benzatina (a velha benzetacil), ou seja, uma doença
com tratamento barato e eficaz. Vamos à outra indecência: o fornecimento da
penicilina benzatina é irregular, com faltas constantes na rede pública. A
indústria farmacêutica mundial perdeu o interesse econômico na produção deste
medicamento, e como o Brasil não se preparou para suprir o mercado, a saúde
pública vem pagando um preço elevado. Além de ser a primeira linha de
tratamento contra sífilis, o remédio é ainda usado para tratar outras
infecções, como a febre reumática aguda, doença bacteriana que afeta coração,
cérebro e articulações.
Os mais atentos estão pensando,
se o problema foi decorrente da escassez de penicilina, como a gestão da saúde
em Sergipe está sendo responsabilizada? Ocorre que o problema deve-se também a
outras variáveis. No Brasil, a sífilis congênita passou de 1,7 casos em mil
nascidos vivos, em 2004; para 4,7 casos, em 2013; triplicando a incidência; em
Sergipe, no mesmo período, o aumento passou de 0,8 casos, em 2005; para 11,2
casos por mil nascidos vivos, em 2013, ou seja, um crescimento superior a 12
vezes.
Observo uma mudança de rumos na
condução da saúde por parte do Estado, a partir de 2014, sendo que os resultados
não será de imediato. Desfazer o quiproquó de mais de uma década perdida, se
houver continuidade, levará anos, com certo otimismo.