quarta-feira, 10 de maio de 2023

GLORIOSO ANTONIO

 Glorioso Antonio.
(por Antonio Samarone).

Itabaiana sustenta-se tradicionalmente em três pilares culturais: Santo Antonio, os caminhoneiros e a Associação Olímpica.

Fomos batizados como “Villa de Santo Antonio e Almas de Itabaiana”. Santo Antonio é o próprio, as almas são dos Tupinambás, encontradas nas montanhas próximas (Miaba), e Itabaiana é a serra grande.

Santo Antonio predomina há quatro séculos. Foi por sua vontade, que transferimos a sede do município, do Vale do Jacarecica para a caatinga de Ayres da Rocha.

As Trezenas de Santo Antonio são expressões comunitárias dessa fé. A procissão é o apogeu, uma demonstração de gratidão ao Santo.

Inicialmente, a própria música surgiu em Itabaiana, para engrandecer a adoração a Santo Antonio. Brotou na sacristia, em 1745.

Já nascemos devotos: “o que seria de mim, meu Deus, se não fosse o Antonio...”

O segundo pilar são os caminhoneiros.

Os caminhoneiros foram a locomotiva que carregou economicamente a cidade, na transição da Era agrícola para a Era comercial (década de 1950).

O título de capital brasileira dos caminhões, não é apenas simbólica. É real! Os caminhoneiros pesam no modo de vida, nos valores, na economia e nos costumes.

O terceiro pilar é a Associação Olímpica.

O Tricolor da Serra é bem mais que um clube de futebol, é uma comunidade representada no esporte. Em seu hino, escrito pelo intelectual Alberto Carvalho, diz com clareza: “somos Itabaiana, cidade celeiro.”

Uma verdade: não torcemos por um time de futebol, torcemos pela cidade. O Tricolor da Serra é parte da nossa alma cultural. Vestir a camisa do time é vestir a camisa da cidade.

Entenderam?

Antonio Samarone (médico sanitarista)

E A CULTURA?

 E a Cultura?
(por Antonio Samarone)

Estou embarcando para uma nova missão!

O Prefeito de Itabaiana me convocou para ser o Secretário da Cultura. Não posso rejeitar. Itabaiana vive uma nova Era, uma nova transição econômica e política. Um grupo político resolveu apostar na gestão pública de qualidade. Esta experiência já dura dez anos.

Mudou Itabaiana!

Até a segunda metade do século XX, Itabaiana era uma província agrícola. Um celeiro. Com a construção da BR – 235 e a chegada de um ginásio público, viramos uma economia mercantil. Itabaiana se transformou num centro distribuidor de mercadorias. Cresceram o comércio e os transportes.

A realidade mercantil encontrou atores vocacionados para o comércio. O Itabaianense sabe comprar e vender com maestria.

O caminhão criou um polo de riquezas, gerando renda e trabalho para muita gente. A Cidade tornou-se a capital nacional do caminhão.

A economia cresceu e a Cidade ganhou novos ares. Grandes empreendimentos imobiliários brotaram e a realidade se transformou. O dinheiro corre para Itabaiana. Este capital precisa dar novos saltos.

Emerge uma nova Era!

O capital acumulado procura investimentos viáveis e seguros. Precisa expandir-se e alargar as fronteiras. Foi assim na primeira fase, na década de 1950. Muitos comerciantes Itabaianense ganharam o Nordeste. (Bom Preço, Paes Mendonça).

Os novos desafios, conquistas e avanços, necessitam de lideranças políticas arejadas. Gente com outra cabeça. E estas lideranças já surgiram e mudaram a forma de fazer política em Itabaiana.

A boa gestão da coisa pública é indispensável!

Essa nova Era precisa do dedo da Cultura. A autoestima precisa de fundamentos, narrativas e significados. Isto quem dá, é a Cultura.

E o que é a Cultura?

O senso comum associa a cultura com o conhecimento escolar. Existem as pessoas cultas e as incultas. Não é nada disso!

A palavra Cultura vem do verbo latino “colere”, que significa cuidar. A agricultura cuida da terra, a puericultura, das crianças e o culto, cuida das divindades.

A Cultura cuida dos ausentes, dos significados, do tempo, dos símbolos e valores de uma sociedade.

É a Cultura que elabora os significados, qualifica o real, dá sentido às coisas, constrói e destrói narrativas. Uma sociedade só chega à civilização pela Cultura.

A Cultura usa a linguagem e o trabalho, para criar o que não existe. Existe uma cultura popular e uma erudita. Nas duas, as manifestações podem ser profundas e superficiais. A ideologia deturpa, qualificando uma e desqualificando a outra, previamente.

Tanto a Cultura popular como a erudita podem ser de resistência ou de conformismo, criativa ou superficial, propositora ou passiva.

Existe uma confusão entre a Cultura popular e a Cultura de massas. O mercado criou uma Cultura de massas. Tornou a Cultura apenas um entretenimento, diversão, mercadoria posta ao consumo imediato. A Cultura de massas é uma mistura diluída, sem raízes e efêmera.

Não podemos ignorar a Cultura de massas, pois ela existe e é dominante. Atende a valores e anseios manipulados de consumo. É um Ki-suco adocicado, sem nutrientes.

O papel do poder público é elaborar políticas que fomentem as manifestações culturais, eruditas e populares. Quem cuida da Cultura de massas é o mercado. Ela tem viabilidade econômica, se mantém com as próprias pernas.

A Cultura explode em Itabaiana por conta própria, de forma autônoma. A música, com duas filarmônicas, sendo uma a mais antiga do Brasil. Uma tradição na fotografia. Uma academia de letras, uma bienal de livros (sexta edição), o teatro amador, as manifestações tradicionais, a Chegança, o Reisado, a Quadrilha Junina (a única no Nordeste marcada por uma mulher).

A Cultura mantém a memória do passado (museus, memoriais), dá significado ao presente e pavimenta o futuro. A Cultura cria raízes, aproxima as pessoas, reforça as identidades e une os divergentes. Cria valores e símbolos.

Aceitei a missão por acreditar que o atual grupo político que comanda Itabaiana, tem os mesmos propósitos e as mesmas ambições: fortalecer uma civilização no agreste, que possa servir de inspiração para Sergipe.

“Alea Jacta Est”.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

GENTE SERGIPANA - JOÃOZINHO VENENO

 Gente Sergipana – João Batista da Costa (Joãozinho Veneno).
(por Antonio Samarone)

Joãozinho foi político, comerciante e fazendeiro, marcou época em Sergipe, em tempos de conflitos. Um homem desassombrado. Amigo íntimo de Lampião, por isso, chamado pelo povo de coiteiro.

Prestou relevantes serviços ao cangaço e a política, que eram muito próximos. Joãozinho foi um homem solidário com os amigos: adotou Maria do Carmo, filha do temido Corisco e da valente Dadá.

Joãozinho de Donana, outro codinome, nasceu no Alagadiço, em 02 de fevereiro de 1913.

O seu irmão Costinha, foi o primeiro Prefeito do Pinhão. Eram pequenos fazendeiros.

Em Itabaiana, onde foi Vereador por dois mandatos, ele era conhecido como Joãozinho da Padaria. Por razões óbvias: possuiu uma padaria na Rua Barão do Rio Branco, onde hoje funciona a loja de Ricardo Barbosa, defronte ao antigo Bar Simpatia.

Em Itabaiana, Joãozinho depois comprou um Ford – 46, e foi transportar gente em pau de arara. Ao lado de Jason Correia, ele estava entre os primeiros caminhoneiros da cidade.

Na política, foi correligionário de Euclides Paes Mendonça, pela UDN. O anedotário local conta que Euclides lhe ofereceu o cargo de Delegado de Polícia e ele rejeitou, com um argumento: “Euclides, Delegado precisa prender gente, e isso não é simpático para um candidato”. Euclides retrucou: Por isso, não! Prender, deixa que eu prendo, você será o delegado para soltar, e agradará ao réu e a toda a família.” Joãozinho pensou, pensou, mas não aceitou ser Delegado de soltar.

Depois retornou ao Pinhão, para a sua fazenda Lagoa São José, herança da mãe, Donana Rego, onde permaneceu até a sua morte, em 05 de janeiro de 2008, aos 93 anos. Está sepultado no Cemitério do Pinhão.

Joãozinho Veneno teve uma prole numerosa, é o pai do conceituado Juiz de Direito José Emídio da Costa, também falecido. A sua filha, Ana Rosa, foi recentemente Prefeita do Pinhão.

Joaozinho Veneno, transitou na político em um momento de muita violência e perseguições, sem envolver-se diretamente nos ocorridos.

Joãozinho Veneno foi um coiteiro da paz.

A foto que encabeça esse texto é do acervo da competente Jornalista Alessandra Brito, neta de Joãozinho.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

ESMOLA GRANDE

 Esmola Grande...
(por Antonio Samarone)

Mané Trapaça começou do zero. Sempre foi girento. Fez de tudo: vendeu loteria, garrafa, ferro velho, cantou em circo, e foi tocando a vida por conta própria.

Essa conversa de empreendedorismo é jornal velho para Mané.

Recentemente botou um Mercadinho Itabaiana, na grande Aracaju. Deu tudo certo para Mané Trapaça, acaba de comprar uma Ranger 2023, à vista.

A surpresa foi ele ter se tornado um filantropo. Passou a dar peixe na semana santa, cesta básica aos asilos e ajudar as igrejas nas obras de caridade.

O povo é gato escaldado, e começou a fofocar: Hum! Mané Trapaça está querendo se meter em política. Só pode...

Ele nega de joelho! Nada disso, estou apenas retribuindo o que Deus me deu.

Ontem, passando em sua porta, tinha uma multidão de mais de trezentas pessoas. Ele anunciou que iria distribuir dentaduras. O povo banguela foi em massa.

As dentaduras todas limpas e brilhando. Dentro de 10 cestos grandes, duas mil dentaduras. Vários espelhos e baldes com água, para enxaguar as dentaduras provadas.

Cada banguela ia provando, até encontrar a que coubesse em sua boca. Achou, levou. Era um presente desinteressado de Mané Trapaça.

Um engraçadinho, com inveja, berrou alto: Mané, onde você comprou essa ruma de dentadura? Mané não se avexou: ganhei! Ganhou de quem? Insistiu o invejoso. Ganhei de Peixoto da funerária. Ele só enterra os cadáveres sem as dentaduras.

O quê?! Bradou o povo na fila, essas dentaduras são dos mortos? São, reafirmou Mané Trapaça. E qual é o problema, qual é a diferença? Na verdade, Mané está certo, diferença nenhuma.

A revolta foi geral, gritos, quebra-quebra, quiseram linchar Mané Trapaça. Ele escapou pulando a cerca, e saindo em disparada.

Uma coisa é certa, se as segundas intenções dele era entrar na política. Pode desistir.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

ABOIOS E TOADAS

 Aboios e Toadas.
(por Antonio Samarone)

Recebi um convite para assistir o II Encontro de poetas do Sertão, no Parque Cunha Menezes, em memória dos Bridões de Ouro, Vavá Machado e Marcolino, a maior dupla de cantadores de toadas do Brasil.

O evento em Itabaiana não tinha patrocínio. A entrada era gratuita. Zero de dinheiro público. Não existe fomento para a cultura raiz do Nordeste. Nem eles estão pedindo.

Liguei para Zé Carlos da Madeireira, o organizador do tributo aos bridões de ouro. Fui direto: quem paga essa conta? Um evento que mobiliza meio mundo dos artistas sertanejos. Ele deu um sorriso e respondeu: tudo do meu bolso. Eu gosto, posso e banco. Viva Itabaiana.

Eu acostumado com as festas do Aracaju, onde o patrocinador participa só com os lucros, fiquei boquiaberto.

O aboio era um canto de trabalho, utilizado pelos vaqueiros para tocar as boiadas durante as apartações. Ninguém mais tange boi aboiando, pelo menos em Sergipe. O boi virou commodities, peça de exportação do agronegócio.

O aboio é um canto sem palavras, marcado só por vogais. Disse o grande José de Alencar: “O aboiar dos nosso vaqueiros, ária tocante e maviosa com que eles, ao pôr do sol, tangem o gado para o curral. São os nossos ranz sertanejos.”

O aboio é um canto solo. Não se aboia para vaca parida. Os mais sabidos dizem que o aboio é de origem árabe, mourisca. Eu não sei.

As toadas são os versos improvisados, cantados dolentemente. Os antigos vaqueiros, que pegavam boi na caatinga espinhenta, foram para o mundo da cultura.

O aboio é a partitura, com ritmo e harmonia para as toadas, versos cantados de improvisos, num ritmos lento, quase de súplica.

O dicionário de Música Popular de Cravo Alvin não registra Arlindo Marcolino de Oliveira nem Ademar Teles de Carvalho (o Vavá Machado), dos Bridões de Ouro. Para a memória erudita eles não existiram, mesmo com 8 LPs lançados.

Vavá Machado e Marcolino vivem na memória do interior de Sergipe. Creio eu, e do Nordeste.

“Inácio da catingueira/ criado de João Luiz/ É doutor preto, formado/ É vigário da matriz/ Tanto fala como aboia/ como sustenta o que diz.” Por isso é cabra de fama/ por isso sabe dançar/ por isso eu digo cantando/ Só lá se sabe aboiar.”
Cancioneiro do Norte – 1928.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

DAS ÓPERAS AOS BORDADOS

 Das Óperas aos Bordados...
(por Antonio Samarone)

A Cultura é uma preocupação contemporânea, própria e exclusiva dos homens.

Os humanos possuem uma origem biológica comum. Entretanto, a cultura é diversa e adquirida. Independe da hereditariedade biológica. (tenho dúvidas).

A cultura de um grupo ou sociedade é o conjunto das crenças, costumes, ideias e valores, bem como dos artefatos, objetos e instrumentos materiais, que são adquiridos pelos indivíduos.

O homem é ao mesmo tempo animal e ser humano. A revolução cognitiva ocorreu há 70 mil anos. A Cultura é o modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa e seus os diferentes comportamentos.

O homem usou os primeiros instrumentos de pedras, para quebrar os ossos e chegar ao tutano. Só a partir do sapiens, chegamos ao topo da cadeia alimentar. Um passo importante foi a domesticação do fogo.

Um dos primeiros atos no rumo da humanização foi cozinhar os alimentos. A gente gosta do que comeu na infância.

Os neandertais cuidavam dos seus doentes, a medicina é anterior ao sapiens. Aliás, os neandertais eram mais fortes, tinham o cérebro maior, usavam o fogo e ferramentas. Os homens das cavernas não eram estúpidos, como retratamos.

Na visão de Harari, o sapiens conquistou o mundo através da linguagem, ou seja, através da cultura. Em sua capacidade de criar narrativas. Há cem mil anos existiam pelo seis espécies de Homo. O sapiens se tornou único há doze mil anos.

Para justificar a eliminação dos demais “Homo”, o sapiens criou a narrativa da sua origem divina, de que foram criados a imagem e semelhança de Deus e a quem estava destinada a Terra. É a narrativa bíblica.

Franz Boas enxergava a Cultura como toda a produção humana, passando esse cabedal para os descendentes. O velho Marx, via a cultura como um mediador entre o ser humano e seus afazeres.

Mesmo o exercício de atividades consideradas como parte da fisiologia humana pode refletir as diferenças de cultura. Tomemos, por exemplo, o riso.

Rir é uma propriedade do homem e dos primatas superiores, segundo Aristóteles.

O riso se expressa, primariamente, através da contração de determinados músculos da face e da emissão de um determinado tipo de som vocal. O riso exprime quase sempre um estado de alegria, espanto, crítica e admiração.

Todos os homens riem, mas o fazem de maneira diferente, por motivos diversos. Pessoas de culturas diferentes riem de coisas diversas.

As histórias de uma comunidade, quando bem contadas, possuem graça para os que comungam daquela visão de mundo, daquela cultura.

Eu acho pouca graça nos pastelões americanos. Eles morrem de rir.

Poderíamos continuar mostrando que o riso é totalmente condicionado pelos padrões culturais, apesar de toda a sua fisiologia.

Existe um riso Itabaianense? Creio que sim.

No agreste sergipano se rir e se chora pelos mesmos motivos e cara feia não mete medo. Rir da miséria alheia e rir de si mesmo são marcas dos ceboleiros. Lá, a "gaitada" é o ápice do sorriso.

Só rindo, dessa conversa.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A ÁGUA CORRE PARA O MAR


 A água corre para o mar.
(por Antonio Samarone)

O hino do Itabaiana é considerado o segundo mais bonito do Nordeste, só perdendo para o hino do Bahia. Faz sentido, a letra é de Alberto Carvalho, a música de Nelson Ferreira e a interpretação de Claudionor Germano. Vejam aí no Google, quem são essas feras.

Ganhamos um título improvável, enfrentando equipes com grandes investimentos, para o padrão do campeonato sergipano. Os mais apressados disparam: foi sorte!

Não conhecem os caprichos dos deuses do futebol.

O título de 2023, repete a lógica do primeiro, em 1969. Naquele ano, Itabaiana vivia de cabeça baixa, sem autoestima, sem perspectivas, os dois líderes políticos tinham se matado. Literalmente.

Itabaiana ganhou injustamente a fama de ser uma cidade violenta e com uma economia subterrânea. Não aceitavam o talento, a vocação comercial e a disposição para o trabalho dos ceboleiros.

Em 1969, fomos salvos pelo futebol. O título do Itabaiana daquele ano, elevou a autoestima e uniu o povo. Surgiu uma bandeira comum a todos. Quem não conhece a história pensa que é exagero. Voltamos a ser a Itabaiana Grande.

Meninos, eu vi!

Naquele tempo, a cidade se uniu pelo futebol. O velho Etelvino Mendonça, no Beco Novo, recebeu gambiarras, e passamos a treinar a noite. Iniciaram a preparação física. Criaram um juvenil, onde eu joguei. Tudo obra de Dr. Pedro (quem se lembra da sua risada?), de Zé Queiroz, Mozart, Zé Gentil, Resende, Pedro Gois, Alemãozinho, e outros que eu esqueci.

Horácio de Carira foi o nosso primeiro ídolo.

Agora, em 2023, passamos por nova transição. Itabaiana chegou aos cem mil habitantes. Quem conhece demografia sabe o que isso significa. É um novo patamar. Um novo salto. Novamente o futebol aponta as saídas.

Galego, o presidente do time, captou inconscientemente o momento histórico e disse em entrevista: “o nosso objetivo agora é subir, disputar os campeonatos nacionais.”

Entenderam?

Itabaiana rompeu as fronteiras e a sua economia quer se expandir. O povo de Sergipe acompanha de longe, mas já captou o sentimento.

As condições estão dadas, a espera de decisões políticas acertadas.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

RETRATO TRÊS POR QUATRO


 Retrato três por quatro.
(por Antonio Samarone)

O Imperador Pedro II foi um amante da fotografia, o seu acervo encontra-se no Museu de Petrópolis.

A historiadora Maria Nely Santos, cita a presença do fotografo João Gaston em Aracaju, por volta de 1873. No início do século XX, existia em Itabaiana um estabelecimento fotográfico na Rua das Flores, realizando fotos profissionalmente.

Historicamente, Itabaiana foi a terra da música e da fotografia.

A fotografia é a expressão da realidade em duas dimensões. As imagens são mediações entre o homem e o mundo. Elas possuem um caráter mágico. O sol nasce pelo cantar dos galos ou os galos cantam comemorando o nascer do sol?

A imagem derrotou a narrativa, a visão ofuscou a audição e a luz superou o som. Vivemos a Era das imagens. Sobretudo, quando a fotografia se tornou digital e a “máquina fotografia” foi anexada aos telefones. Vivemos uma poluição de imagens.

A relação texto/imagem é antiga. Na Idade Média o cristianismo era textual e o paganismo imagético; na Idade Moderna a ciência era textual e a ideologia imagética. Existe uma relação dialética entre os conceitos dos textos e a imaginação da fotografia, onde os textos explicam as imagens e as imagens ilustram os texto.

Vivemos uma crise do texto, as explicações tornaram-se desnecessárias. As imagens substituíram os conceitos.

Na medicina, as imagens técnicas derrotaram a clínica. Aqui, as imagens substituíram os textos, são vistas como evidencias que dispensam as narrativas. A medicina vê as imagens técnicas como janelas, onde se enxerga a realidade do corpo. O sofrimento humano foi objetivado.

Os textos foram inventados no segundo milênio antes de Cristo, a fim de desmitificar as imagens, reduzindo o perigo da idolatria; a fotografia foi inventada no século XIX, visando recolocar as imagens nos textos.

As imagens técnicas são produzidas por máquinas, a primeira delas foi a fotografia.

“Os movimentos de um fotógrafo munido de aparelho (ou de um aparelho munido de fotógrafo) estará a observar um movimento de caça. Repete o antiquíssimo gesto do caçador paleolítico que persegue a caça na tundra, com a diferença de que o fotógrafo não se movimenta na pradaria aberta, mas na floresta densa da cultura.” – Vilém Flusser.

A fotografia é uma invenção francesa, da primeira metade do século XIX.

A história de Itabaiana na primeira metade do século XX, pode ser desvendada pelas fotografias de Miguel Teixeira. O fotografo foi o principal historiador. As imagens podem traduzidas em textos, em conceito.

A fotografia registrou uma memória de Itabaiana.

Além de Miguel Teixeira, o maior, tivemos os registros fotográficos de Percílio Andrade e João Teixeira Lobo (Joãozinho retratista). Vejam a foto dos três.

Joãozinho era uma artista, retocava as suas fotos à lápis com tanta perfeição, que o feio parecia bonito, o velho novo e o burro sabido. O seu acervo é um retrato do seu tempo. (literalmente)

Joãozinho Retratista fotografou as famílias e Miguel Teixeira o ambiente e os eventos culturais. Eu desconheço o acervo de Percílio Andrade.

A partir da década de 1970, tivemos as imagens produzidas por Romeu Alves dos Santos, Ciro Moreira e seu Justo, no Beco Novo. Deve ter existido outros, que eu não me lembro.

A fotografia se popularizou, todo mundo (ou quase) tem em mãos uma máquina fotográfica embutida em seu telefone. Houve uma vulgarização das imagens, onde predomina os “selfies” sem muito significado.

Entretanto, a fotografia não perdeu a sua importância.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

BALANÇA MAIS NÃO CAI


 Balança, mais não Cai.
(Por Antonio Samarone)

Ontem foi a vez da quadrilha junina “Balança mais não Cai”, a resistência do Agreste, fundada em 16 de junho de 1982. Fizeram a conta? São 40 anos.

A Balança mais não cai é bem mais que uma quadrilha junina, é um bailado sertanejo. Das antigas quadrilhas afrancesadas, restou muito pouco. Nada de anavan, alavantu, anarriê, olhe a chuva, é mentira. Agora é uma coreografia, um enredo, um figurino, uma dança próxima do xaxado de Maria Bonita.

São as raízes do Nordeste. A música é comandada por um trio Pé de Serra, legítimo, puro sangue.

Esse ano, o tema da “Balança mais não Cai é os “segredos da botija”. As botijas eram o sonho de muita gente. Quem encontrá-las ficaria rico. Botijas eram tesouros escondidos, deixados pelos Jesuítas em 1759, quando foram expulsos do Brasil, pelo Marques de Pombal. Os Jesuítas saíram às pressas e deixaram os seus bens.

Essa gente da “Balança mais não Cai” vem engrandecendo Itabaiana há 40 anos.

Esse grupo de dança foi fundado por Salomão e Dona Nide, e continuado pela filha Elivania, que é a marcadora. Acho que é a única mulher a marcar quadrilha no Nordeste. Em Sergipe, eu tenho certeza.

Essa gente é filha de Seu Bonito e Dona Dulce, raízes do Beco Novo. São negros que comandam uma resistência cultural, por conta própria. Bonito é irmão de Seu Pierrô, que vieram de Maruim, para jogar futebol no Itabaiana. Bonito era zagueiro e Pierrô meia esquerda.

O grupo Balança mais não Cai herdou, com justiça, o “Clube dos Trabalhadores”. Quando o clube foi criado pelos comunistas Tonho de Docí, Euclides alfaiate, João Barraca, Mazze Lucas e Seu Faustino, entre outros, tinha mesmo essa finalidade.

Na infância, eu passei vários carnavais no Clube dos Trabalhadores. O Beco Novo era inundado pela voz de Claudionor Germano, cantando os frevos de Capiba. Entenderam por que Claudionor Germano foi escolhido para cantar o hino do Itabaiana. A sua eterna voz está no inconsciente dos ceboleiros.

Eu sou testemunha: Salomão está envolvido com a cultura popular em Itabaiana há mais de 50 anos. Gente raiz, que conhece a alma do povo. A Balança mais não Cai possui 80 bailarinos. Todos, filhos do povo.

A Balança mais não cai é um show de música, dança e celebração das festas juninas.

A Prefeitura de Itabaiana abraça, incentiva e apoia essa gente alegre e festiva.

Viva a “Balança mais não Cai”!

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

A ESCOLA DE SANFONA


 Uma Escola de Sanfona.
(por Antonio Samarone)

Retornei a Itabaiana depois de meio século e estou espantado com a pungência da cultural.

O empresário, Luiz Carlos Santana, fã de Luiz Gonzaga, doou um terreno a Filarmônica 28 de Agosto e está construindo, com recursos próprios, uma escola de zabumba, triangulo, sanfona e teoria musical. Uma escola aberta e gratuita.

“A Escola de Sanfona será administrada pela Filarmônica 28 de Agosto – SOFIVA. Contará com cordelteca, biografias de forrozeiros e forrozeiras, acervo de história oral e imagens de artistas sergipanos. Contará com duas salas de aula, sala de pesquisa e auditório.” Anderson Silva.

O mundo de mercadorias, publicidade e televisão promove a cultura de massas e sufoca a cultura popular. Entretanto, a cultura popular resiste (a Volkskultur).

Um exemplo bem-sucedido é o trio pé de serra (sanfona, triangulo e zabumba).

Mesmo com a força das bandas eletrônicas, os trios pé de serra continuam vivos. Em oito dias, identifiquei 11 grupos de pé de serra, somente em Itabaiana. Todos se apresentando, gerando alegria e emprego para muita gente.

Os sanfoneiros desses trios tocam de ouvido, sem formação musical. Os gênios são raros. Os que tocam bem por talento natural, são escassos. Aqui no Agreste tem Cobra Verde, um gênio da sanfona, que precisa ganhar o mundo, por seu talento.

O maior sanfoneiro do Brasil, Mestrinho, é conterrâneo de Itabaiana. Está vindo se apresentar em sua terra, pela primeira vez, na festa dos caminhoneiros. Seja bem vindo, Mestre!

A iniciativa de Luiz Carlos Santana tem essa importância. Capacitar os sanfoneiros, formar novos e ser um centro da história cultural de um povo.

Sei que muita gente de Itabaiana ficou curioso: quem é esse Luiz Carlos Santana? Não vou dizer! Ele não gosta de badalação, é um mecenas anônimo.

Luiz Carlos, além do futebol, promove a cultura.

Parabéns, Luiz Carlos, por sua grande contribuição à cultura de Sergipe.

Antonio Samarone (médico sanitarista).

O THEATRON EM SERGIPE


 O Theatron em Sergipe.
(por Antonio Samarone)

Li no Facebook, que o professor de história do teatro em Sergipe, da UFS, Carlos Mascarenhas, convidou Lindolfo Amaral para uma roda de conversa. Eita, será se eu posso ir escutar essa conversa?

Lindolfo Amaral pertence a uma meia dúzia de intelectuais que estuda a cultura em profundidade, e sabe muito sobre Sergipe.

Tirado a enxerido, meti o bedelho: vejam se não esquecem do teatro em Itabaiana! Lindolfo riu.

O teatro começou na Grécia antiga e chegou no Brasil pelas mãos dos Jesuítas. José de Anchieta foi o primeiro.

Em Itabaiana, o teatro de catequese existe desde tempos imemoriais. Hoje, a Paixão de Cristo é encenada na Semana Santa em três povoados.

Eu só sabia isso.

Liguei para José Augusto Machado, pesquisador da história cultural de Itabaiana, pedindo socorro. Ele foi generoso.

Na década de 1940, no cinema de Zeca Mesquita, José Amâncio Bezerra (Zé Bezerra) e suas irmãs, Maria Leite Bezerra (Didi) e Iracema, montaram várias peças em Itabaiana. Se sabe por ouvir dizer, pela história oral.

Zé Bezerra foi seminarista e depois aluno de Procópio Ferreira. Não era gente atoa. Zé Bezerra foi maior artista de teatro e circo (mágico, ator, ilusionista) de Itabaiana. É patrono de uma cadeira na Academia Itabaiana de Letras, que é ocupada por Antonia Amorosa.

Zé Bezerra é filho de Tibério Bezerra (sobrinho de Guilhermino Bezerra, que empresta o nome ao grupo escolar), e de Dona Antonieta, (sobrinha de Zezé da Lagoa, que levou o cinema mudo para Itabaiana, em 1913). Esse cinema funcionou onde hoje é a casa do ex-deputado Chico de Miguel.

Dona Antonieta tinha uma pensão, onde foi a sede do Itabaiana e depois a casa de Padre Arthur.

Zé Bezerra era casado com Dona Lourdes de João Giba, irmã de Valdeci, mãe de Zé Valde dentista.

Em 1957, Zé Bezerra criou o circo “Palácio de Lona Verde”. Em 1960, o casal de palhaços Brocoió e Quita, criminosamente, tocaram fogo nesse circo. Zé Bezerra adquiriu o circo de Heleno Cotó, em Ilha das Flores.

Ele montou uma nova e bem-sucedida companhia, o Circo Teatro José Bezerra. Além das atrações de palco e picadeiro, tinha um drama, na segunda parte do espetáculo. O teatro chamava-se drama.

Entre as peças que eu assisti: Coração Materno, a Louca do Jardim, o Céu Uniu dois Corações e As Mãos de Eurídice.

Entre as atrações do circo, lembro-me de Zé Bezerra como o mágico, Iracema rumbeara, Iranildo malabarista e Marieta Filde (portuguesa) cantora. Esse circo foi inaugurado em Aquidabã. A sua primeira apresentação em Itabaiana foi em 1963.

O circo fez uma temporada em Aracaju de seis meses, tal o sucesso. Nessa época, o Governador Seixas Dória convidou Zé Bezerra para ser o diretor de Cultura do seu Governo. Claro, ele não aceitou. Era um homem de circo, um menestrel andarilho.

Os caprichos da história: setenta anos depois, o mesmo cargo está ocupado por Antonia Amorosa, outro grande talento de Itabaiana. Amorosa é imortal da Academia de Letras de Itabaiana, na cadeira de Zé Bezerra.

Em 18 de novembro de 1967, Zé Bezerra foi covardemente assassinado na cidade de Queimadas, na Bahia e lá foi sepultado. O circo dele acabou!

Adailton, o Prefeito de Itabaiana, decidiu: Itabaiana vai resgatar o seu corpo e prestar-lhes as homenagens devidas, em Itabaiana.

Viva Zé Bezerra!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

SOLITÁRIOS ENSIMESMADOS

 Solitários ensimesmados.
(por Antonio Samarone)

O autismo entrou em evidência. A medicina e a psicologia, por razões de mercado, se apressam em oferecer os seus cuidados, antes de examinarem a necessidade.

O autismo já se apresenta como parte da neurodiversidade. Trata-se de uma diferença humana que deve ser respeitada. Procurem no Google: cultura autista e neurodiversidade. Existe o Movimento de Orgulho Autista.

Por outro lado, também existem as associações de pais e profissionais que buscam a cura para o autismo. As mais conhecidas são AMA (Associação de Amigos de Autistas).

A palavra autismo significa “ensimesmamento”, simplificando “cisma”, “cismado”. Era um sintoma da esquizofrenia. Somente em 1943, o autismo foi classificado como uma síndrome distinta e rara, afetando uma pessoa a cada dez mil.

Hoje acredita-se que em cada trinta crianças, uma pode ser autista. O espectro autista caracteriza-se pelo desprezo ao que vem de fora. Uma dificuldade de relacionamento (a solidão autista) e uma hipersensibilidade dos sentidos. O espectro autista engloba de superdotados aos que possuem dificuldades cognitivas.

Em Rain Man, um filme de 1988, o personagem autista, representado por Dustin Hoffman, possui uma capacidade de resolver problemas matemáticos com grande velocidade e precisão.

Rodrigo é um empresário discreto, ensimesmado, arredio as badalações sociais. Pouco estudo e muita sabedoria. No primeiro contato com outra pessoa, em poucos minutos, Rodrigo descobre o que o interlocutor está querendo. Desconsidera o que o outro diz, e capta o que o ele queria dizer. Percebe o que o interlocutor está pensando e escondendo.

Rodrigo descobriu cedo que as palavras existem para encobrir os interesses.

Rodrigo é um superdotado nos negócios. Em poucos anos, tornou-se o sujeito mais rico da redondeza. O aumento da riqueza reforçou a sua discrição. Pouco fala. Escuta e enxerga um bom negócio onde as evidências são quase secretas.

Quando Rodrigo descobrir o mercado financeiro, se já não descobriu, George Soros, ficará no chinelo.

As extravagâncias comportamentais geralmente acompanham os gênios. Os talentos nascem em qualquer lugar e são específicos. Um grande poeta nem pinta e nem canta com maestria. O talento para se tornar realidade precisa que a sociedade ofereças as condições.

Se Ludwig van Beethoven tivesse nascido nas Flechas, povoado da minha família, em Itabaiana, no máximo, chegaria a uma banda de pífano. Cobra Verde é um gênio da sanfona e continua em São Domingos.

Rodrigo é um gênio que cismou em ganhar dinheiro e deu certo. Nasceu em Itabaiana, um ambiente apropriado e fértil, onde o dinheiro corre.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A FESTA DE SANTO ANTONIO


 A festa de Santo Antonio.
(por Antonio Samarone)

Entrei numa loja pet na Rodovia dos Náufragos, em Aracaju, e fui indagado por um funcionário, com uma certa ironia: “o senhor virou secretário da cultura de Itabaiana. Que cultura, a dos caminhoneiros?”

Eita, acertou! Depois de Santo Antonio, os caminhoneiros são o segundo pilar da nossa cultura. O terceiro é o futebol da Associação Olímpica.

Santo Antonio é a nossa principal raiz.

Se comemora Santo Antonio em Itabaiana, há quatrocentos e vinte anos. O Arraial de Santo Antonio é de 1607. A criação da Freguesia é de 1675. A criação da Villa de Santo Antonio e Almas de Itabaiana é de 1687 e a sua instalação de 1698.

“Noites de Santo Antonio em Itabaiana, Santo Antonio, o beato protetor de minha Terra, Santo Antonio Cabaú, o almejado noivo de Nossa Senhora da Conceição, Peba, como me faz lembrar você, nessa noite invernosa, de Sá Linda, Iaiazinha, Almerinda, Paula, Rufino, Batista, Sá Céu, poderosas entidades laicas da Matriz, zeladoras fiéis de tudo o que a ela se referia”. Sebão Sobrinho, 1937.

Nada mais justo que as duas festas, Santo Antonio e caminhoneiros, sejam juntas.

Tenho saudade das alvoradas e do toque festivo dos sinos, durante as Trezenas. Saudade dos foguetórios, comandados por Capitulino.

Saudades de Mestre Fio, Boanerges, Zé da Serra e Pedro Cezário, hábeis pirotécnicos. Das Filarmônicas Santo Antonio (dos Cabaús) e a Nossa Senhora da Conceição (dos Pebas), tocando os seus dobrados.

Saudades do velho Coro da Igreja: Teodorico, Balbino, Joaozinho de Totoinho, Chumbinho, Soledade, Antonio Batatinha, Teonila, Normélia, Sita e Zefinha de Antonio de Joaquim da Rua da Vitória. Todos entoando os hinos a Santo Antonio.

A Filarmônica Nossa Senhora da Conceição sob a batuta do maestro Esperidião Noronha, composta pelos músicos: Francisquinho, Sizino, Melinho do Vigário, Paulino, Osório, Franco Gia, Magó, Janjão, Assanhaço, Nacum, Joviniano, mestre Antonio Silva, Manuelzinho da Viúva, Oscar de Samuel, Sulino, Otávio de Piquita e Zé Macaquinho.

Na Filarmônica Santo Antonio (a Lira dos Cabaús), os músicos Chumbinho, Nilo, Juvenal, Zezé Camaleão, Manuelzinho de Meira, Enóque, Jeto, Zé Pato, Boito, Jerome de seu Santo, Jardelino e Zau de Fessora.

Itabaiana é a capital sergipana da música. Alguma discordância?

Quem quiser saber detalhes sobre esse povo antigo, é só procurar Vladimir ou Baldochi.

Com o tempo, a filarmônica Santo Antonio se juntou a Nossa Senhora da Conceição.

Entretanto, Itabaiana continua com duas Filarmônicas: a centenária Nossa Senhora da Conceição, fundada em 1745, pelo padre Francisco da Silva Lobo; e a Filarmônica 28 de Agosto, do carismático Popó.

Sexta Feira, dia 06 de maio, o Prefeito Adailton vai anunciar a programação da próxima festa de Santo Antonio e dos Caminhoneiros. Mantendo a tradição das alvoradas, o anúncio será as 6:30 da manhã. Acredito que terá fogos, mesmos poucos, só para relembrar.

Viva Santo Antonio e Vivam os caminhoneiros!

Observação: na Imagem do Santo Antonio de Itabaiana, o Cristo está nu!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

OS NEGROS EM ITABAIANA

 

Os Negros de Itabaiana...
(por Antonio Samarone)

Em minha infância eu ouvia: Itabaiana não tem negros! Éramos uma cidade só de branco, os poucos negros vinham de fora. Os negros eram invisíveis, escondidos, negados. Uma forma negacionista de racismo.

Ao contrário, Itabaiana possuía muitos negros.

Eu não entendia. Os meus amigos eram quase todos pretos, ou quase pretos... Depois de meio século, percebo que a cultura negra é pujante em Itabaiana.

O Tabuleiro dos Caboclos (Abaoarapetaba), hoje Bairro São Cristóvão, foi um mocambo de paneleiros. Foi lá que nasceu o futebol em Itabaiana. São de lá os nossos craques. Passei a minha infância no Tabuleiro dos Caboclos, jogando futebol no campo de Mané Barraca.

Para os mais novos, o campo de Mané Barraca era onde a Prefeitura está construindo o Briozão. O futebol era lá! Ficavam na sequência: o antigo Etelvino Mendonça, o campo do Cantagalo e o campo de Seu Mané. O único que não era murado.

A quadrilha “Balança mais não Cai”, a capoeira, o maculelê, o samba de roda, as religiões de origem afro, continuam lá, fortes e atuante. No São João do Bairro São Cristóvão ainda tem pau de sebo, quebra pote, se salta fogueiras e se dança forró pé de serra.

No povoado Flechas, havia uma comunidade negra de malês, todos alfabetizados. A professora primária de minha mãe era negra, na década de 1940. Quintino de Lacerda, líder abolicionista em Santos, SP, é das Flechas.

Entretanto o quilombo mais documentado de Itabaiana foi o Carrilho, atual capital brasileira da castanha de caju, mesmo com poucos cajueiros. O nome é a memória de Fernão Carrilho. Os povoados vizinhos Tabocas, Dendezeiro e Carrilho são comunidades de maioria negra.

Edison Carneiro, em seu livro “O Quilombo dos Palmares (1946)”, cita com documentos, um quilombo dominado em Itabaiana, por Fernão Carrilho. Em 1670, o Governador Geral do Brasil, Alexandre de Souza Freire, mandou Fernão Carrilho destruir todos os mocambos da Província de Sergipe.
O maior mocambo em Sergipe, estava nas cercanias da Serra de Itabaiana, com mais de duzentos negros. Nina Rodrigues, também cita esse mocambo.

Em 1673, Fernão Carrilho acompanhou com os seus homens, a expedição de Rodrigo de Castelo Branco, no descobrimento das minas de prata em Itabaiana.

Em 1683, Fernão Carrilho comandou uma Entrada, com trezentos homens, para destruição do Quilombo dos Palmares. Em 1686, Fernão Carrilho fez outra Entrada, sem sucesso, contra Palmares.

Fernão Carrilho Foi Capitão Mor do Ceará em 1693. Em 1703, foi o lugar tenente do Presidente da Província do Maranhão,
substituindo-o em seus impedimentos.

Não se sabe ao certo nem quando Fernão Carrilho nasceu (1640), nem quando morreu (1703). A única marca deixada por esse guerreiro português em Sergipe, foi o seu nome em um povoado em Itabaiana.

A consciência negra nos povoados Carrilho, Tabocas e Dendezeiro é frágil, chegando-se a negar essa origem. Como me disse uma professora local: os próprios negros não assumem a sua negritude. Foram negados por séculos.

A resistência é cultural.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A foto é de José Airton, (Grilo de Firmino do Fósforo), o goleiro do meu primeiro time de futebol. Ganhamos um Campeonato de pelada (1968). (Grilo, Vadinho de Nilo, Baldochi, Beijo de Bebé, Nego Gato e Samarone).

DOCE PROVÍNCIA


 Doce Província.
(por Antonio Samarone)

Não tem jeito, sou um provinciano estrutural.

Apresento o sintoma patognomônico do provincianismo: o interesse pela vida alheia. No bom e no mau sentido.

Ao ser apresentado a alguém, uma pergunta está na ponta da minha língua: você é filho de quem? Quem é a sua família, são de onde? E por aí vai...

Na antiga Itabaiana provinciana, ser detetive particular era um profissão invejada. Se fazia um curso por correspondência, no Instituto Universal Brasileiro (1941), com direito a diploma e carteirinha.

Ser detetive particular era um sonho. Os filmes de James Bond enchiam o cinema de Zeca por semanas.

Getúlio de Gumercindo era formado nessa escola. Depois de diplomado, Getúlio passou a ter hábitos dissimulados. Qualquer que fosse o segredo, a fofoca, o disse-me-disse, Getúlio dava um sorriso irônico, como soubesse os detalhes de tudo o que a gente suspeitava.

Foi Getúlio quem descobriu o roubo das galinhas de Messias do Gringo. Foi um afilhado do próprio Messias. Um roubo familiar. O delegado Joãozinho da Padaria mandou soltar os acusados, os três filhos de Zabilinha. Esse caso ficou famoso, na crônica policial da cidade.

Getúlio ganhou fama e prestígio, menos dinheiro.

Getúlio passou a andar pelas sombras. Rondar o beco do cemitério, as ruas do Canto Escuro, o Cassete Armado, o Beco Novo e a rua do Fato. Sempre em soslaio.

Getúlio sabia de tudo, dos podres e das traquinagens dos outros, mas não podia contar. A ética dos detetives não permitia. Não fala nem em juízo.

Os detetives são iguais aos padres e aos médicos. As confissões dos padres, as consultas dos médicas e as investigações dos detetives são secretas.

Andei procurando pelos atuais detetives particulares. Quantos e quem são? Ninguém sabia mais do que se tratava. Eles não existem mais em Itabaiana, acabaram. O Instituto Universal continua oferecendo o curso, sem interessados.

Itabaiana cresceu, passou de cem mil habitantes, virou uma jovem metrópole. A vida dos outros só interessa aos outros. O mercado para os detetives particulares acabou.

O fim dos detetives particulares é um indicativo que Itabaiana deixou de ser Província. Uma prova irrefutável.

Entretanto, Eu permaneço docemente provinciano. No bom sentido.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

ARS MORIENDI

 Ars Moriendi (A arte de morrer).
(por Antonio Samarone)

A derrota foi inevitável.

Depois de quase setenta anos de resistência, entreguei-me aos caprichos da medicina de mercado. Para ser mais preciso, da biomedicina, da medicina do corpo, da medicina dos procedimentos. Submeti-me a 137 exames laboratoriais.

Senti o peso da medicina de mercado. Falei baixo. Sussurrei. Esqueci-me de coisas rotineiras. O ambiente médico é ritualizado. Ali, naquela sala fria, cada um pensa que o seu caso é o mais grave. Notei que ninguém prestava a atenção numa TV ligada, à meio som.

Fiz tantos exames, que a recepcionista perguntou rindo: a medicina suspeita de quê, para tanto esmiuçamento? Suspeita não, ela tem certeza, que a transformação do meu corpo em pó está acelerada.

Todos ali, na antessala dos exames, procuram um jeito de adiar a morte e o sofrimento. Existe a ilusão que os exames vão apontar precocemente os riscos e a medicina saberá afastá-los.

A medicina sabe cada vez mais sobre o corpo e cada vez menos sobre as pessoas. Sobre os seres históricos, suas vidas e suas aflições. O Eu, a alma, a psique, a consciência, o espírito, a energia vital, seja lá o que se queira chamar.

Como a alma precisa do corpo, perdendo-o, a alma vagará como um grão na poeira cósmica. Não posso ignorá-lo! Preciso cuidar do corpo, atender aos seus caprichos, tratá-lo à pão de ló.

O meu corpo já deu sinais de que está cumprindo a profecia bíblica de tornar-se pó. Há muito, o meu corpo deixou de obedecer às minhas vontades e ao meu comando.

Na incerteza de quanto tempo me resta, embarquei na ilusão de que a medicina pode retardar esse retorno ao pó. O corpo tem as suas vontades. Não sei se é falsa impressão, mas tem morrido muita gente conhecida. Antes era novidade.

Realizei 137 exames bioquímicos. Pesquisaram tudo: da ponta dos cabelos às unhas dos pés. Todas os íons (metade da tabela periódica), enzimas, hormônios, anticorpos, neurotransmissores, aminoácidos, foram todos quantificados...

Certamente, a medicina vai encontrar uma casa desarrumada. Vários sinais de anormalidades, riscos previsíveis, alertas exagerados e problemas insolúveis. Esses exames servem principalmente para a gente ficar sabendo antes das doenças e aumentar a ansiedade.

O que fazer com os resultados do pacotaço de exames? Entregar-me de corpo e alma à indústria farmacêutica e aos procedimentos médicos, na esperança de ganhar tempo e enganar a morte?

Sinceramente, não sei! Antes, a gente tinha pelo menos um anjo da guarda.

Percebo que não comando essas decisões. Não mando em minha vontade. Ela assume as decisões por conta própria, faz o que quer. A Vontade tem vontade própria. A gente apenas justifica as escolhas.

A medicina irá utilizar produtos, chamados de remédios, e tentará regular o funcionamento do meu corpo. Não sei se os remédios irão ajudar ou agravar a enorme confusão de um organismo determinado a virar pó.

É uma questão de tempo.

Não falo de remédios para disfunções localizadas, uma dorzinha aqui, outra acolá, uma amidalite ou uma insônia eventual. Não! Falo de remédios pretensiosos, que visam rearrumar o funcionamento total do corpo, sobretudo do seu sistema hormonal. Sei não...

Espero que na inevitável desagregação corpórea, pelo menos, o cérebro fique por último.

A distância entre o veneno e o remédio é a dose, dizia o pai da medicina.

Antonio Samarone (médico sanitarista)