quarta-feira, 29 de julho de 2020

A NUVEM DE CUPINS


A Nuvem de Cupins.
(por Antonio Samarone)
A sacralidade do ferro é reforçada por sua origem, seja por ter caído da abóbada celeste (os meteoritos), ou por ser extraído das vísceras da terra. O ferro está carregado da potência sagrada.
Os beduínos do Sinai eram convencidos de que, aquele que consegue fabricar uma espada de ferro meteórico se faz invulnerável nas batalhas e pode estar seguro de abater todos os seus inimigos.
As ferramentas do ferreiro participam deste modo, desse caráter sagrado. O martelo, o fole e a bigorna, revelam-se como seres animados e maravilhosos: supõe-se que podem obrar por sua própria força mágico-religiosa, sem ajuda do ferreiro.
Madrugada adentro, ouvia-se os tinidos da centenária bigorna de Totonho de Bernardino, meu avô, nas profundezas das Flechas e do Nicó. O som propagava-se pelas Caraíbas, Pé do Veado, Terra Vermelha, Sambaíba e Várzea do Gama.
Os que possuíam ouvidos de tuberculoso, chagavam a ouvir a bigorna na Matapoã.
O Bernardino, o pai de Totonho, foi atropelado em 1936, pelo trem da Leste Brasileira, no povoado Caititu, indo comprar ferro em Maruim. Foi esmagado pelo trem, em cima da montaria, dando dificuldade ao instituto de criminalista em Aracaju, para separar os despojos.
A Tenda Sagrada dos ferreiros das Flechas, está conservada sob os cuidados de um descendente do clã, lá no miolo das Flechas.
Essa bigorna foi trazida de Portugal por João José de Oliveira, o patriarca dos ferreiros das flechas. A bigorna ainda é viva, um pouco cansada, mas viva.
Os mitos dos ferreiros eram os da passagem da idade da pedra para a idade dos metais. O fogo de Prometeu continuava aceso. Fui criado seguindo o rito de mijar nas fogueiras, como uma forma de adoração ao fogo. E com um profundo pavor do fogo eterno.
Os ferreiros sempre foram contadores de estórias. Todos sebastianistas, aguardando o milênio. Conheciam as estórias de Gonçalo Annes Bandarra, de Trancoso.
As “Estórias de Trancoso”, do sapateiro e profeta português, autor de trovas messiânicas, eram famosas nas Flechas. Cansei de dormir ouvindo a minha mãe debulhar essas maravilhas.
Os ferreiros das Flechas liam em voz alta os Sermões do Padre Vieira, os cordéis encantados de Leandro Gomes de Barros e um velho livro de Antero de Figueiredo, que meu avô guardava sob sete capas, sobre Dom Sebastião, Rei de Portugal, onde a batalha de Alcacer-Quibir era contada em forma de versos.
Contei esses pormenores, para facilitar o discernimento de quem está lendo, sobre se é realidade ou fantasia o último acontecimento das Flechas. Joãozinho de Honorato anda contando que por lá apareceu uma nuvem de cupins, que já devorou a cumeeira de mais de vinte casas.
Na visão de Seu Joãozinho, essa nuvem cupins é da mesma natureza das nuvens de gafanhotos que rondam o mundo, e fazem parte da mesma mensagem que a grande Peste da covid-19 quer transmitir.
Nessas viagens, eles já estão esperando a Rainha do Meio Dia, e quem sabe, até o Anticristo.
Eu lavo as mãos!
Antonio Samarone (médico sanitarista)


segunda-feira, 27 de julho de 2020

AS CLOROQUINAS E O PENSAMENTO MÉDICO


As Cloroquinas e o Pensamento Médico.
(por Antonio Samarone)
Esse texto é em parte uma resenha do pensamento de Régis Rodrigues Vieira e Carla Rosane Ouriques Couto, publicado no site do movimento “slow.medicine”, em 23/07/2020, e em outra parte uma discordância da tese central do mesmo pensamento.
Por que os médicos estão divididos sobre a utilização ou não da Hidroxicloroquina e da ivermectina no tratamento da Covid 19?
Existem médicos defendendo o uso dessas medicações baseados em suas experiências, no histórico da droga, na fisiopatologia das infecções e em possíveis casos exitosos. Analisam usando o método clínico dedutivo.
O desenvolvimento do raciocínio clínico e consequentemente o tratamento das doenças está fortemente enraizado no pensamento anátomo-fisiopatológico desses médicos que defendem a cloroquina.
Por outro lado, existem médicos desaconselhando o uso das mesmas medicações baseados nos ensaios clínicos realizados, e na falta de evidências estatísticas sobre a eficácia, efetividade e segurança delas no tratamento à covid-19.
Apesar da evolução do pensamento probabilístico, da chamada Medicina Baseada em Evidências (MBE) e do fato de que todas as Escolas Médicas, de alguma forma, incluírem a Epidemiologia Clínica nas suas grades curriculares, o fato é que a assimilação pelos médicos do método estatístico ainda é pequena.
Portanto, essa dicotomia não é somente uma questão ideológica. O que se observa é o embate entre o pensamento fisiopatológico versus o pensamento probabilístico.
O Dr. João Claudio Flores Cardosos foi quem introduziu a epidemiologia clínica no ensino da medicina em Sergipe. Ele se divertia com o espanto dos alunos, todos catequizados pelo pensamento anátomo-fisiopatológico, adotado na Escola. O Dr. Nestor Piva foi o sumo sacerdote dessa ciência médica em Sergipe.
Diz o texto publicado pela “slow.medicine”:
“Não temos na atual crise sanitária, um manual de comportamento ou pensamento médico único. Diante de nós há toda a ciência produzida, de Hipócrates passando por William Osler e Foucault, aos grandes epidemiologistas atuais, num cenário social, estrutural e político complexo, que muitas vezes pouco contribui para a serenidade na tomada de decisões.”
Os arautos do movimento “slow medicine” defendem integração dos métodos anátomo fisiopatológico e probabilístico na prática médica, não percebendo a incompatibilidade entre os dois caminhos.
Acreditam que basta o médico agir com empatia, compaixão, olhar humano, sob a luz da justiça social e da racionalidade científica, na condução do seu pensamento e na tomada de decisões, que o milagre da unificação dos métodos acontecerá.
O método anátomo fisiopatológico conduz a individualização dos doentes, cada caso é um caso, em sua forma de adoecer e morrer, o objeto do cuidado médico é o doente, que requer cuidados específicos, próprio da medicina artesanal. Nesse método, a Clínica é soberana!
O método probabilístico conduz aos protocolos, a padronização dos procedimentos, a uma terapêutica uniformizada e impessoal. O objeto da medicina é a doença. Esse método estatístico esvazia a subjetividade do cuidado médico, permitindo o seu consumo no mercado, em sua forma de mercadoria.
Claro, os médicos podem usar dos dois métodos, ora um, ora outro, em pessoas diferentes. Mas não podem fundir os dois métodos num mesmo paciente. Ou se usa o raciocínio clínico dedutivo, individualizado, ou se usa os protocolos, centrados em evidências estatísticas, com as suas condutas padronizadas.
Existe uma contradição entre a medicina assumir a responsabilidade de cuidar de uma pessoa doente e que esteja sofrendo, para a assistência sanitária voltada para curar de modo eficiente o maior número de pessoas, reduzindo os custos e os tempos.
As discussões não são bizantinas, elas expressam uma dualidade do pensamento médico atual.
A medicina de mercado é incompatível com as subjetividades, ela precisa dos protocolos, da objetividade, da produtividade medida e da previsibilidade segura dos lucros.
A medicina artesanal produz cuidados, a medicina de mercado produz procedimentos. São consumos distintos.
Quando os médicos ignoram as evidências do método probabilístico, cientificamente dominante, e prescrevem as cloroquinas, optando por seguir a sua casuística, a sua sensibilidade (a arte médica), mesmo que inconscientemente e de forma passageira, eles estão resistindo.
Quantos abdomens os cientistas já palparam? Perguntou enfático um velho clínico, devoto da cloroquina...
Essa discussão metodológica não é excludente, não afasta outras motivações de natureza político ideológica que permeiam a conjuntura.
Antonio Samarone (médico sanitarista)

domingo, 26 de julho de 2020

MINHAS PULGAS


Minhas Pulgas
(por Antonio Samarone)
A Saúde Pública no Brasil se valeu historicamente dos inseticidas, para combater os agentes transmissores das doenças. Fazia-se vistas grossas aos efeitos colaterais. O exemplo mais agressivo foi a erradicação do Aedes aegypti, na década de 1960, com a borrifação em larga escala do Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT).
O nefasto DDT demora de 4 a 30 anos para se degradar. O DDT além de atingir as pragas, afetava o resto da fauna e da flora e infiltrava-se na água, contaminando os mananciais. Depois se comprovou que DDT acumula-se nos tecidos humanos, com efeitos teratogênicos e cancerígenos. A fabricação do veneno foi proibido no mundo na década de 1970.
Os mais antigos devem lembrar como se tratava a pediculose, a tradicional infestação pelo Pediculus humanus, o velho piolho. Antes de dormir, usava-se o Neocid polvilhado na cabeça e coberto com um pano. Ao acordar, contava-se os piolhos abatidos. A operação era repetida com 15 dias, para se exterminar as lêndeas que se tornaram adultos.
O Neocid antigo era da Bayer, um inseticida em pó à base dos organofosforados, comercializado numa lata (quem lembra?) contendo 50 gramas do produto. Um detalhe macabro: havia uma informação na lata indicando que o veneno era inofensivo para os humanos e animais domésticos.
Os sanitaristas formados pela escola do pensamento crítico, diziam que a solução para a Doença de Chagas não era o (BHC), o inseticida Hexaclorobenzeno usado para eliminar o barbeiro, mas o (BNH), Banco Nacional da Habitação, para construir residências adequadas para a população.
A Saúde Pública já livrou a humanidade de muitas mazelas. Em boa parte, obra do saneamento básico, da melhoria da alimentação e de hábitos de higiene pessoal. Os antibióticos ajudaram.
Hoje em dia tem menino que nunca viu uma pulga.
Ontem ouvi uma novidade na TV, a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em parceria com a Embrapa, obteve um inseticida natural (bioinseticida) à base de extrato (suco) retirado das folhas do sisal (Agave sisalana) que se mostrou eficaz contra as larvas do Aedes aegypti.
O sisal é uma planta oriunda da América Central, cultivado principalmente na Bahia e na Paraíba. A fibra do sisal é utilizada na confecção de fios, cordas, tapetes, sacos, vassouras, artesanatos, acessórios e o uso como componente automobilístico.
O principal produto do sisal é a fibra extraída das folhas, mas grande parte da planta ainda é desperdiçada. A fibra equivale a somente 5% do peso das folhas e o restante da produção tem pouco uso. Em torno de 80% da folha do sisal é composta por suco que pode ser extraído para combater o mosquito e 15% por mucilagem, que normalmente são despejados no campo.
O Brasil deixou de apostar na ciência. Só existe um caminho para o desenvolvimento sustentável; apostar numa escola pública de qualidade e investir em ciência e tecnologia.
Antonio Samarone. (médico sanitarista)

sábado, 25 de julho de 2020

OS MANSOS POSSUIRÃO A TERRA?


Os mansos possuirão a terra?
(por Antonio Samarone)
O tempo que voava, parou. O confinamento impôs o tempo dos prisioneiros: uma sequência indistinguível, sem rumo, sem ordem, sem futuro, um tempo que não dura, onde qualquer instante parece igual ao outro. Um tempo sem ritmo que confira significado as nossas vidas.
A Peste atomizou o tempo. Precisamos recriar uma convivência atemporal, uma nova epifania.
Os espaços de interação social se tornaram virtuais, on-line, mediados por tecnologias. Deixaram de ser presenciais: as aulas, as missas (até as de sétimo dia), os velórios, as consultas médicas, os shows, o teatro, as audiências, o jogo de futebol e até o carnaval.
A vida está sendo remarcada para o pós Pandemia. O sonho é que virá uma vacina salvadora.
A vacina nos salvará de que? O dilema da humanidade não são os vírus, eles são apenas mensagens, alertas, de que o nosso relacionamento com a natureza extrapolou os limites.
Na cosmogonia judaico cristã, Deus criou a terra, o homem e fez um testamento: “Sedes fecundos, enchei a terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a terra.” Entregou tudo ao homem! Deus não imaginou do que o “sapiens” seria capaz.
Deus logo percebeu que a maldade do homem era grande sobre a terra e tentou consertar, mandou o dilúvio. Fez uma limpeza temporária, mas em pouco tempo tudo voltou ao normal.
Quando vejo aquelas enchentes, cada vez mais frequentes e intensas, sempre penso que um novo dilúvio pode estar sendo preparado.
E disse Iahweh: “farei desaparecer da superfície do solo os homens que criei – e com os homens, os animais, os repteis e as aves do céu -. Porque me arrependo de os ter feito”. Claro, Deus vem adiando a execução da sentença. Sempre cabe recursos.
Deus depois mudou os termos do testamento: “os mansos possuirão a terra”, pensou que assim, em mãos dos mansos, teríamos justiça.
Onde estão os mansos? Distraídos, vivendo os seus desassossegos! Qual era a normalidade que a Peste nos subtraiu? O que os mansos, herdeiros da terra, pensam sobre isso?
A nova epifania precisa aprofundar a contemplação sobre o fim das grandes narrativas, o fim da Era épica e o fim da modernidade. Vamos recriar uma vida sem pressa, mais reflexiva. “Enquanto o tempo acelera e pede pressa/ Eu me recuso faço hora vou na valsa/ A vida é tão rara” – Lenine
“Não se trata de chorar a perda da época da narrativa. Não há razão para que o fim da narrativa, o fim da história, traga consigo um vazio temporal. Ao invés, abrirá a possibilidade de uma vida que não tenha necessidade da teologia nem da teleologia, e que, apesar disso, tenha o seu próprio aroma, mas requer uma revitalização da vida contemplativa”.
“A hipercinesia quotidiana despoja a vida humana de qualquer elemento contemplativo, qualquer capacidade de demora. Pressupõe a perda do mundo e do tempo”. - Byung-Chul Han
“O corpo pede um pouco mais de alma.” Os mansos precisam pôr fim ao “non-stop” do capitalismo do século XXI. Os mansos precisam retomar a Ira de Aquiles, para criarem outra odisseia.
Espero sair do grande confinamento para um grande sossego. Precisamos respirar! (I can't breathe). Foi exatamente o fôlego que a Peste atacou. Respiradores artificiais não resolvem.
Antonio Samarone (médico sanitarista)

quinta-feira, 23 de julho de 2020

A PREFEITURA DE ARACAJU E A PESTE


A Prefeitura de Aracaju e a Peste.
(por Antonio Samarone)
A assombrosa incidência da Peste em Aracaju é uma prova definitiva da omissão da Prefeitura.
A inexistência de uma política municipal de combate à epidemia é um insulto a sociedade. Nenhuma medida efetiva de Saúde Pública de prevenção foi tomada. Faltam ações de vigilância, rastreamento, busca ativa, bloqueio, isolamento dos casos, monitoramento dos infectantes, testagem em massa, desinfecção ambiental e educação sanitária.
Aracaju conduz a Peste politicamente.
Falta uma coordenação técnica autônoma. Aracaju é um Paraíso para o vírus. O Prefeito centraliza o comando, numa estratégia clara de fortalecimento da imagem. Politicagem pura, da venenosa!
Até hoje, tivemos em Aracaju, 25.000 casos confirmados, numa incidência estratosférica de 3.819,0 casos/cem habitantes. Chegamos a 485 óbitos em Aracaju, com uma taxa de mortalidade de 73,8/cem mil habitantes.
Dos 48 mil casos notificados em Sergipe, Aracaju é responsável por 25 mil. Aracaju se tornou o centro distribuidor da Peste para o Estado. O grande caldeirão da morte.
Aracaju foi a única capital do país que não ofertou leitos de UTIs, para minimizar o sofrimento da população. Pelo contrário, fez marketing com um duvidoso hospital para casos leves.
Em Salvador, uma cidade socialmente mais desigual que Aracaju, os dados lá são distintos. A incidência é 1.643,1 casos/cem mil habitantes e a taxa de mortalidade de 55,0/cem mil habitantes.
O vírus é o mesmo, a densidade demográfica, a proporção de idosos e as desigualdade sociais são maiores em Salvador. O que explica a maior gravidade da Peste em Aracaju?
Eu respondo: a ausência de uma política de combate a Pandemia no Município de Aracaju.
Aracaju promove ações erráticas, descontinuas, movidas pelo marketing. Por exemplo: a prefeitura mantém uma equipe de profissionais medindo a temperatura dos passageiros que desembarcam no Aeroporto. Qual é justificativa dessa ação, o virus já está disseminado?
Essa semana, a prefeitura mandou lavar um cemitério, com grande cobertura televisiva. São ações cosméticas, um jogo ilusionista, para vender a imagem que não estão omisso.
A prefeitura desmontou os serviços de Saúde Pública, abandonou o valioso trabalho preventivo dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Endemia. Um exército bem treinado, que conhece as veredas do Aracaju. Ainda vamos precisar muito deles, na pós Pandemia.
A gestão atual de Aracaju optou por terceirizar as ações de saúde, contratar prestadores de serviços, incorporar a lógica de mercado. Na hora da agonia, teve que improvisar, apelar para o marketing, para o faz de conta, para a encenação.
A Peste continua desgovernada em Aracaju.
Sergipe chegou a 1.211 mortes. Existem dúvidas generalizadas. Qual a tendência da Peste no Estado? Começou a cair? Ainda Cresce? Quando será o pico? Como será o comportamento da curva de crescimento da doença? Atingiremos a imunidade de rebanho, onde mesmo as pessoas que não adquiriram a imunidade ficarão protegidas?
Existem muitos palpites e pouca consistência nas respostas. Duas certezas: a curva epidêmica caminha para o declínio naturalmente e o vírus se tornará endêmico. É uma tendência universal, faz parte da história natural das epidemias. Quando e como continuam incertos. O certo é que no pós Pandemia, a doença continuará fustigando, com surtos frequentes.
Enquanto o vírus existir em alguma parte do mundo, ele é uma ameaça para todos.
O despreparo da Prefeitura de Aracaju em conter a fúria da Peste, agravou a situação econômica. Não existe um plano para a saída segura do isolamento social. Não existe uma política para o controle do vírus em sua futura condição endêmica. Não existe uma aproximação com a sociedade, para a construção de formas de convivência social seguras e consensuadas.
Apresentar uma política de enfrentamento da Peste em Aracaju, no pós Pandemia, será pauta obrigatória para os candidatos às eleições de 15 de novembro.
A história acertará as contas com os que não tiveram a devida responsabilidade, mesmo dispondo de recursos fartos e informações necessárias para atenuar a Peste.
Antonio Samarone (médico sanitarista)

quarta-feira, 22 de julho de 2020

VERDADES E MEIAS VERDADES SOBRE A PESTE


Verdades e meias verdades sobre a Peste.
(por Antonio Samarone)
Em seis meses, foram publicados 37 mil artigos, ensaios e resenhas sobre o novo coronavírus SARS-CoV-2 e a sua doença, a covid-19. Cinquenta mil vídeos foram postados nas redes sociais. Milhares de seminários, entrevistas, debates e conferências.
Astrólogos, cosmonautas, matemáticos, físicos, médicos, videntes, jornalistas, virologistas, todos expressam as suas verdades. Todos falam em nome da ciência. Estima-se que 67% do que se publica nas redes sociais e na imprensa sobre a covid-19, seja Fake News. Acho uma estimativa exagerada.
O Dr. Rodolfo de Azevedo Leite, supremacista puro sangue, clínico aposentado, sertanejo do Vale do Cipó, especialista em doenças tropicais, resolveu a calorosa polêmica da cloroquina: “do mesmo jeito que não existem evidências da eficácia da cloroquina, não existem evidências da sua não eficácia. Diante do impasse científico, eu uso e recomendo.”
O Dr. Rodolfo Azevedo Leite, do Vale do Cipó, recebeu o apoio formal da Associação Médica Brasileira (AMB), em nota pública. O velho facultativo também recebeu um telefonema de congratulações de Brasília, onde a pessoa se identificou como o Presidente da República. O colega sertanejo, desconfiado, acha que foi um trote, de algum engraçadinho de Itabaiana.
Existem até as meias verdades dos decretos de Belivaldo.
Quem pensa que já se disse tudo sobre a Peste da covid-19, pode se surpreender com as novas descobertas da irmandade neo-posadista, liderada pelo guru Roque da Lagoa, confinada em meditação transcendental, há 4 meses, na Fazenda Caiçara, povoado Lagoa do Forno, em Itabaiana.
Relembrando a origem dessas irmandades posadistas. J. Posada foi um líder trotskista argentino, na década de 1970, que defendia a criação da Liga dos Trabalhadores Intergalácticos e enxergava nas OVNIs (objeto voador não identificado), mensageiras de sociedades cósmicas mais desenvolvidas, provavelmente socialistas.
O grupo posadista de Itabaiana é antigo e estava desmobilizado. A Peste permitiu um novo recrutamento. Muitos jovens!
Eles defendem que o vírus foi fabricado no laboratório do Instituto de Virologia de Wuhan. É um vírus chinês! Segundo eles, existem três cepas vivas de coronavírus, todas em morcegos, mas nenhuma corresponde ao vírus causador da covid-19, garantiu o ufologista e líder do grupo, Mestre Roque da Lagoa.
Mestre Roque se tornou um asceta, seguindo uma concepção de Leon Trotsky de um partido de vanguarda disciplinado, difundido no Bureau Latino-Americano da Quarta Internacional.
Muitas das características atuais de seita neo-posadista de Itabaiana, decorrem das visões utópicas e bizarras, próprias da idiossincrasia do seu líder.
O Mestre Roque ensina a seus asseclas: “Quem constrói a verdade é o tempo, e não a autoridade.”
E continua a pregação: “A morte, que é o tempo, o tempo da individualidade, da separação, o tempo abstrato que rola em direção ao fim. Todos os meios são bons, todas as armas, para escapar à morte e ao tempo.”
A peste reuniu o grupo. No frontispício da Fazenda Caiçara sobressai o lema da confraria: “Apressa-te lentamente”.
Os posadistas serranos acreditam na chegada, de outro planeta mais evoluído, de uma vacina salvadora. Eles esperam que os extra terrestres levem essa vacina para Itabaiana, antes do réveillon.
Só nos resta esperar!
Antonio Samarone (médico sanitarista)

terça-feira, 21 de julho de 2020

CHEGARAM AS VACINAS?


Chegaram as Vacinas?
(por Antonio Samarone)
Seu Romeu de Itabaiana me telefonou, perguntando onde era a fila para ele tomar a vacina contra a covid-19. Calma, Seu Romeu, ainda demora. Ele retrucou, pela empolgação dos noticiários da televisão, a vacina tinha chegado no Brasil. Mostrou até o desembarque do avião.
O que tem de verdade?
Cinco Vacinas contra a Covid-19 entraram na última fase dos testes, com resultados promissores: as vacinas da empresa chinesa CanSino Biologi, em parceria com o governo chinês, da Universidade de Oxford, em parceria com a multinacional farmacêutica AstraZenica (testada pela Fiocruz), a da empresa Sinovac (chinesa), em teste pelo Instituto Butantã e outras duas desenvolvidas pela estatal “China National Biotec”.
Ou seja, das cinco vacinas que entraram na fase três dos testes, quatro são chinesas.
Existe a vacina da empresa americana “Moderna Therapeutics”, anunciada com muita pompa, que usa fragmentos do RNA. Uma novidade ainda duvidosa. Os testes finais não começaram.
As duas em teste no Brasil, a vacina da Universidade de Oxford usa uma versão atenuada de um adenovírus gripal, que recebe uma das proteínas do novo coronavírus, e a vacina da Sinovac (chinesa), usa uma versão inativada do próprio coronavírus (a técnica tradicional)
Tudo bem na teoria, as vacinas estimularam a produção de anticorpos e linfócitos T, responsáveis pela imunidade e os efeitos colaterais foram pequenos.
Entretanto, nenhum dos testados foi exposto ao SARS-CoV-2, o novo coronavírus, ao vivo, e comprovado que não contrai a doença. Os novos testes vão esclarecer se a imunidade produzida pelas vacinas é de longo prazo, e por quanto tempo.
Qual a imunidade produzida nos infectados pelo SARS-CoV-2? Há controvérsias... A resposta é decisiva para o sucesso das vacinas.
Torço pelos otimistas.
Ontem na coletiva das autoridades divulgando a chegada das vacinas para os testes em São Paulo, o Governador Dória fez uma fala megalomaníaca: “hoje é um momento histórico de grandeza da ciência nacional”. Esclarecendo, o Brasil participa fornecendo as pessoas que serão usadas como cobaias no testes das vacinas.
Que venham as vacinas!
Antonio Samarone. (médico sanitarista)
PS: a foto é de uma representação da cabeça da deusa asteca Mayahuel, deusa da agave (planta da qual se destila a tequila) e por consequência a deusa da embriaguez.
Vocês acham que houve plágio de quem criou a figura do SARS-CoV-2?

segunda-feira, 20 de julho de 2020

ANTES DA VACINA.


Antes da Vacina.
(por Antonio Samarone)
Independentemente do que aconteça na economia e na política no Pós Pandemia, alguns comportamentos pessoais serão alterados.
Existe uma certeza, o SARS-CoV-2, veio para ficar. A Peste está só começando.
A distanciamento físico e o uso de máscaras, farão parte da nova normalidade. Seremos frios mascarados. Não será fácil a adaptação. Marchamos para uma Sociedade das distâncias.
Somos animais sociais que uma pandemia forçou a existir fisicamente longe um do outro. Um sentimento avassalador de isolamento e vulnerabilidade segue.
No código genético do ser humano, a sua condição de animal social é escrita pelo fogo. Do grupo de primatas muito sociáveis, a nossa espécie é a campeã. O isolamento social é uma agressão a natureza humana, por isso a resistência.
A distância nos obriga a questionar quem somos e como queremos viver.
Passando o pico da fase epidêmica, a mortalidade será reduzida, mas o vírus continuará nos fustigando endemicamente. O vírus viverá entre nós. Os surtos serão frequentes. Não havendo os devidos cuidados, nada impede uma nova rodada comunitária.
Existem mais perguntas do que respostas sobre a covid-19. A doença está sendo estudada freneticamente, no mundo inteiro. O certo de hoje, pode ser desmentido amanhã. A ciência sempre descobre novos fatos.
Existem evidências que não alcançaremos a “imunidade de rebanho”. Estaremos susceptíveis a novos ciclos de transmissão.
Existem muitas dúvidas sobre a imunidade pós doença. Todos ficarão imunizados após a primeira infecção? Por quanto tempo? As pesquisas estão em andamento. Nada conclusivo.
Nós, humanos, baixaremos a guarda. O vírus, não!
A interação com as pessoas se tornou uma prática arriscada nesses tempos sombrios. Começamos a ver os outros como se fossem resíduos radioativos.
Quando atravessamos a rua, olhamos com desaprovação para os transeuntes com a máscara colocada erroneamente. Ficamos especulando, quem pode estar infectado em nosso condomínio, local de trabalho e grupos de amigos.
Cruzarmos com alguém sem máscaras, se tornou uma ameaça real ou imaginária.
A redução desse medo do desconhecido se faz com diálogo e informações. As estratégias para o urgente fim do isolamento social, mantendo as regras de higiene que nos proteja da Peste, precisam ser pactuadas entre nós.
O que precisamos é o isolamento dos infectados, transmissores da doença.
As mudanças necessárias para uma convivência social segura não serão imposta por decretos governamentais. As mudanças comportamentais não se farão por fiscalização policial, nem por multas. É um longo processo educativo.
Não adianta a polícia obrigar o uso de máscara, se a pessoa não sabe usá-las. A máscaras pode inclusive se tornar um veículo propagador. Um máscara contaminada durante o uso, descartada displicentemente, vira uma forma de transmissão.
Os novos hábitos higiênicos são antinaturais, precisam ser aprendidos. A alma humana quer abraços, afagos e aconchegos. A higiene prescreve distância. A máscara dificulta a fala e a respiração, encobre a face, esconde o sorriso. A máscara acentua o distanciamento.
Precisamos humanizar os distanciamentos físicos, impostos pela higiene.
Sendo otimistas, nos livraremos desse coronavírus até a segunda metade de 2021, quando talvez a ciência obtenha uma vacina eficaz em larga escala. Aguardamos uma vacina contra a AIDS até hoje.
Não vamos esperar a vacina de braços cruzados, isolados socialmente, como quer os governos. As sequelas desse grande confinamento precisam ser atenuadas.
A outra opção é perder o medo da doença e se jogar nos braços da Peste. É um caminho pavimentado por muitas mortes. Infelizmente, muita gente está embarcando nessa nau do sofrimento, por desconhecimento da gravidade do problema.
O debate precisa ser aberto!
Antonio Samarone. (médico sanitarista)

domingo, 19 de julho de 2020

OMISSÃO CONIVENTE.



Omissão Conivente!
(por Antonio Samarone)
Eu afirmo: o Governador e o Prefeito de Aracaju são omissos nas 1.111 mortes pela Peste, em Sergipe.
A Pandemia em Sergipe foi agravada pela omissão do Poder Público. Ações sanitárias básicas para o combate da Peste, não foram realizadas em Sergipe. Vamos a questão central.
Não são realizadas ações educativas para o uso adequado das máscaras e manutenção do distanciamento físico, nem ações de isolamento e vigilância dos infectados, como também, rastreamento dos contactantes e bloqueio dos focos de transmissão.
As ações educativas devem contar com a ampla participação da sociedade.
Em Aracaju, as ações de isolamento e vigilância podem ser realizadas pelas Equipes de Saúde da Rede Básica. Havendo necessidade, contratam-se e capacitam-se mais profissionais. Sem esses rastreadores epidemiológicos estamos perdidos.
Acompanhar os infectados é um fio que está sendo puxado e, se bem feito, normalmente são encontrados novos positivos que permitem rastrear a cadeia de transmissão.
Sem contar que as ações preventivas são de baixo custo. O Prefeito de Aracaju torrou o dinheiro federal num “Hospital de Campanha” duvidoso e em ações cosméticas, de baixo impacto epidemiológico.
Um exemplo dessa relação custo-benefício é fornecido por Pedro Gullón, da Sociedade Espanhola de Epidemiologia:
“Madri vai gastar cinquenta milhões em um hospital pandêmico, quando com apenas cinco milhões conseguiu contratar todos os rastreadores de que precisa e, graças a eles, certamente essa instalação não seria necessária”.
Essas ações necessitam de apoio laboratorial, permitindo uma testagem em massa, sem restrições, de acordo com a evolução da doença.
Um rastreador é um epidemiologista.
Após um resultado positivo de covid-19 relatado por um Centro de Saúde, é tarefa do rastreador ligar para os infectados e entrevistá-los, visando identificar os contatos íntimos durante os três ou quatro dias antes do início dos sintomas.
Os contatos íntimos testados positivos precisam ser isolados. Sem esse trabalho de acompanhamento local da doença, viveremos um tempo de medo e desconfiança
Após o pico da epidemia, quando a doença se tornar endêmica, esse cuidado da Saúde Pública permanecerá indispensável, para evitarmos surtos frequentes e repetidos.
Ajudaria muito na Vigilancia, o uso de um aplicativo móvel que localize automaticamente as pessoas que estiveram próximas a uma pessoa infectada.
Diz Helena Legido-Quigley, especialista em sistemas de saúde da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres: "Há meses que insistimos na necessidade de contratar rastreadores para acompanhar aqueles que estiveram em contato com uma pessoa infectada”.
Seguindo o exemplo da Alemanha, é necessário pelo menos um rastreador para cada 4.000 habitantes. Na Escócia, com uma população de 5,4 milhões, eles contrataram 2.000 rastreadores. A Espanha está contratando pelo menos 12.000 rastreadores.
O que eu estou propondo, o mundo já está fazendo.
Sem a vigilância dos infectados e comunicantes, viveremos dias de incertezas.
Miguel Hernán, professor de Epidemiologia da Universidade de Harvard, defende a obrigatoriedade da vigilância epidemiológica, isolamento dos infectados e o bloqueio dos focos nos Estado Unidos. O trabalho já começou a ser feito.
Não cito a China, para evitar alegações de que ela é outro mundo, outra realidade. Claro, mas as estratégias positivas deles podem ser adaptadas a realidade sergipana.
Não estou propondo novidades. É um tema batido e venho repetindo esse alerta há meses!
O boletim nº 4, do Comitê Científico do Nordeste, publicado no dia 16 de abril, já aconselhou a formação das Brigadas Emergenciais de Saúde que, entre outras ações, fariam o trabalho de isolamento dos infectados e vigilância dos comunicantes.
Existem evidências de que o uso generalizado e adequado de máscaras, somado ao distanciamento físico, lavagem correta das mãos, testes de rastreio, ações públicas de isolamento dos infectados e vigilância dos comunicantes, nos permitirá fazer com mais segurança, as coisas que tanto queremos e precisamos: voltar ao trabalho; reabrir escolas; ver amigos e familiares e reiniciar a nossa economia.
Vou continuar pregando no deserto.
Antonio Samarone (médico sanitarista)

sábado, 18 de julho de 2020

PODEMOS CONTINUAR A VIVER JUNTOS?


Podemos continuar a viver juntos?
(por Antonio Samarone)
O isolamento social foi uma medida de emergência, quando não se sabia como enfrentar a Peste. Visava retardar a curva de crescimento da doença, dando tempo para que se montar uma estrutura assistencial, sobretudo as UTIs.
Se dizia que o isolamento social para ser eficaz deveria alcançar uma cobertura em torno de 70% das pessoas.
No Brasil, essa estratégia enfrentou o desentendimento das autoridades, a realidade econômica e a falta de medidas efetivas para torná-la realidade.
Em Sergipe, o isolamento social foi uma grande simulação. O Poder Público não construiu um plano de enfrentamento da Pandemia. A doença avançou livremente, trazendo sofrimento e desgraça, mortes e invalidez. E eles continuam com a cantilena de que o isolamento social é o único caminho.
O essencial para se evitar a contaminação é o distanciamento físico. O isolamento social em Sergipe não garantiu o fim das aglomerações, nem reduziu a velocidade dos contágios.
O não isolamento dos infectados, que continuam transmitindo livremente, foi o principal fator da disseminação do doença em Sergipe..
O isolamento social não garante o distanciamento físico, nem impede o contágio, se não for acompanhado das medidas de higiene (prevenção).
Suspender as interações sociais por muito tempo, afeta profundamente a vida das pessoas. Se sabe que após o grande confinamento teremos uma epidemia de transtornos mentais, uma explosão das doenças crônicas, que interromperam o seu controle.
Não falo do desemprego, do aumento das desigualdades sociais, do retorno da fome, da falência das empresas porque não sou economista. Não posso aprofundar esse tema.
Falo da qualidade de vida, das interações sociais, da saúde e do bem estar.
Sem uma vacina, para se reduzir o contágio, a Saúde Público conhece as medidas de higiene, de isolamento e de vigilância. Vejamos cada uma.
As medidas de higiene prioritárias são: distanciamento físico, uso adequado de máscaras, lavagem das mãos, uso de álcool em gel e a desinfecção de ambientes contaminados.
Temos o isolamento social (confina todos), o isolamento vertical (confina os grupos de risco) e o isolamento sanitário (confina os infectados).
Nesse momento da Pandemia, o confinamento dos infectados teria mais impacto sobre a transmissão da doença. Não é realizado porque os gestores da Peste são movidos pela politicagem e pelas alternativas fáceis. Não se prepararam.
Por último, as medidas de vigilância, que necessitam da testagem em massa, são o rastreamento, a busca ativa, o bloqueio dos focos de transmissão e o acompanhamento dos comunicantes. Nada disso se faz sem informações.
Nesse momento, o governo anda no escuro.
Estou escrevendo um texto chato, cheios de detalhes, para esclarecer que não estamos contestando o combate a pandemia em Sergipe por razões políticas. Não! O erro é técnico. Vocês estão enganando a população, com a colaboração de parte da imprensa.
O isolamento social não garante o distanciamento físico.
Acompanhei uma explosão de testagens positivas num condomínio de 48 apartamentos, onde as pessoas estão socialmente isoladas. Um profissional de saúde infectado, residente nesse prédio, deixou os rastros do vírus no elevador. Como o elevador é único acesso para todos, a transmissão ocorreu.
Não basta isolamento social, sem as medidas de higiene.
O uso inadequado das máscaras pode funcionar como veículo de transmissão. Muita gente passa dias com a mesma máscara, usa, contamina e leva para casa. Deixa a máscara em cima do sofá para usar no outro dia.
Por fim, precisamos discutir novas formas de convivência social, para sairmos do confinamento em segurança. Como será a vida? Volta tudo ao “normal” e a gente continua se contaminando?
A redução da velocidade da Pandemia vai ocorrer naturalmente, faz parte da história natural das epidemias. Entretanto, não significa o fim do problema. O vírus se tornará endêmico, permanecerá entre nós, sempre ameaçando com surtos ou com uma nova rodada.
Como iremos conviver com essa realidade? Quem vai definir as novas formas de convivência, são os decretos dementes das autoridades? Não! Claro que não.
Não podemos ficar em casa esperando o pior. Como sairemos do grande confinamento em segurança? Defendo o imediato envolvimento da sociedade na discussão.
Como disse o Papa Francisco, “Ninguém se salva sozinho”.
Antonio Samarone (médico sanitarista)

sexta-feira, 17 de julho de 2020

REZEI POR DOM HENRIQUE


Rezei por Dom Henrique.
(por Antonio Samarone)
Fiquei abalado com a notícia do internamento, por covid-19, de Dom Henrique Soares, Bispo de Palmares, na UTI do Hospital Memorial São José, em Recife.
Pensei, vou rezar por ele. Mas bateu uma dúvida: eu, um cristão novo, relapso, rezar por um Bispo, não é uma pretensão descabida?
Lembrei-me de uma cena onde o Papa João Paulo II, já debilitado pela doença, abraçou um velhinha naquela peregrinação na Praça do Vaticano, encostou no rosto dela e pediu: “reze por mim.”
Aquela imagem ficou gravada. Eu esperava que o Papa dissesse, vou rezar pela senhora, e ele, no alto de sua humildade, inverteu, e pediu reza. Criei coragem, se aquela senhora pode rezar pelo Papa, Eu também posso rezar por Dom Henrique. E rezei!
Os mistérios da vida são insondáveis.
Conheci D. Henrique em sua passagem por Aracaju. Um prelado culto, inteligente, profundamente conservador. Eu estava na SMTT, na utópica missão de fazer cumprir o código de trânsito. É claro que não consegui.
Uma das tarefas, era reduzir o número de acidentes de trânsito em Aracaju. A gente repercutia todos os acidentes, divulgava, chamava a atenção, tentando sensibilizar a sociedade. Certa feita, chegamos a 30 dias sem nenhuma morte no trânsito.
Procurei Dom Henrique para celebrarmos uma missa de ação de graças na Catedral. Ele não só concordou, como se envolveu na luta pela prevenção de acidentes. Passamos então, a visitar as vítimas de acidentes, na urgência do Hospital João Alves.
Um registro da alma sergipana. Antes do início da missa, um repórter entrou esbaforido na Catedral, gravador em punho, ar de contentamento, e me provocou: “acaba de morrer uma criança atropelada no Siqueira Campos, não completou os 30 dias”. Respirei fundo, me deu vontade...
Passei a admirar Dom Henrique. Um homem que não transige em sua fé, não adere a modismos, convicto em seus princípios. Soube que já está bem melhor. Não sei se a minha reza ajudou.
Deus nos proteja da Peste.
Antonio Samarone (médico sanitarista)

quarta-feira, 15 de julho de 2020

O ÚLTIMO DESEJO


O Último Desejo.
(por Antonio Samarone)
Só o moribundo sabe o tempo que lhe resta. A morte avisa!
Liguei para saber de Cristóvão (Frei Kiko). Ele está com diarreia, perda de apetite, anosmia, disgeusia, febre e cefaleia há três dias. PCR positivo, e uma profunda aflição. Começou a faltar o fôlego. Como esta Peste vai evoluir?
Me coloquei à disposição dele, mas só me fez um pedido:
"Não quero a vala comum. Não me sepultem coletivamente! Quero todos os rituais, as velas, os prantos, os discursos e as despedidas. Quero grinaldas. Quero que vocês cantem “noites traiçoeiras”, na hora da descida."
Frei Kiko foi seminarista em Carpina, Pernambuco, mas fugiu. Desistiu de ser padre!
"Não quero ser cremado. Tenho medo de que na hora, o forno não aqueça o suficiente e sobrem pedaços, apenas tostados. Além disso, não o sei que fazer com o pó, as cinzas. Quem vai querer guardá-las?
"Quero um epitáfio em latim: hic requiescit, contra a sua vontade, Cristóvão de Moura Barros."
"Os anacoretas egípcios pediam que os seus corpos fossem abandonados sem sepultura e expostos a voracidade dos cães e lobos."
"Eu exijo no mínimo os sete palmos. Queria ser enterrado no Cemitério do Rumo, onde ainda existem catacumbas. Um cemitério com trezentos anos, onde Conselheiro rezou uma missão de três dias.""
Se acredita que lá, no Rumo, foi cavada uma vala comum, com cinco metros de fundura, onde foram sepultadas 500 vítimas da Peste Asiática, de 1855. Ezequiel Devoto já cavou para saber a verdade, mas desistiu, quando encontrou as dez primeiras caveiras, com a dentadura completa.
"Queria ser um elo com a Peste fundadora de Aracaju, a cólera de 1855.
Se nada disso me for permitido, eu quero uma “live” de despedida, com todos os amigos. Não quero morrer na solidão do leito hospitalar. Quero morrer em público, mesmo que seja virtualmente. Se a “velha senhora” me escolheu, aceito a fatalidade."
"Quero a missa de sétimo dia pelas redes sociais, transmitida ao vivo pelo YouTube."
"Eu tinha medo do Purgatório, mas, em boa hora, o Papa Francisco acabou. Ou Céu ou inferno! Achava o povo do purgatório falso, dissimulado, fingiam-se de santo para reduzir a pena. A deleção premiada foi inventada no Purgatório."
"Não deixo quase nada. O que for meu, entreguem a Neguinho da Vila do Queijo, ele sabe por que é o meu único herdeiro. Sem muitas explicações!"
Que vous êtes pressante. O déesse cruelle! – La Fontaine.
Antonio Samarone (médico sanitarista)

domingo, 12 de julho de 2020

SALUS POPULI SUPREMA LEX



Salus Populi Suprema Lex.
(por Antonio Samarone)
A interdição das visitas hospitalares aos moribundos da Covid-19, e a proibição dos velórios e ritos funerários são heranças das Pestes medievais. Comportamentos atávicos.
Tomando-se os cuidados conhecidos, o risco de contágio é pequeno, bem menor do que em outras atividades de rotina permitidas.
A proibição sanitária dos sacramentos aos enfermos é uma violência desnecessária. A última confissão, o viático e a extrema unção, possibilitam a remissão dos pecados e a esperança da vida eterna. Isso é um direito dos católicos.
As Pestes tornam a morte mais próxima e intensificam a busca da salvação. A esperança do perdão das faltas, no último dia, e o conforto da visão beatífica do Criador após o Juízo final, não podem ser negados aos católicos, vítimas da Covid-19.
Claro, com todas as medidas de proteção ao clero, semelhantes aos profissionais de saúde, na linha de frente das UTIs.
Nos Annales Camaldulenses do cenóbio beneditino de Santa Maria degli Angeli, em Florença, consta que, por consequência da epidemia de 1348, faleceram três quartos dos monges.
Durante a Peste Negra, o confessor e o confessado eram levados juntos para o túmulo. Esse medo está presente na Peste de Covid-19.
A proibição dos velórios e ritos funerários durante a Peste Negra, decorria do completo desconhecimento humano sobre o flagelo. Enterrar os mortos era o caminho da própria sepultura.
“As pessoas temiam falar com os pestosos. Qualquer um que falasse com o enfermo ou tocasse nos mortos, imediatamente adoecia e morria. E assim espalhou-se o grande furor por toda a cidade de Pisa”.
Acreditava-se que a transmissão se dava “ex imaginatione”. E mesmo dentre os médicos havia quem acreditasse na contaminação pelo olhar. Essa crença subsiste veladamente.
O morto de covid-19, depois da limpeza das secreções, da assepsia, do envelopamento em sacos plásticos, de serem colocados em urnas lacradas, não podem mais ser vistos, nem velados, e o sepultamento deve ser imediato, sem despedidas!
Uma herança medieval!
Herdamos também a visão punitiva das Pestes. A grande Peste de 1348, foi um sinal do fim do mundo. A ideia mais difundida na época foi a de que a epidemia, um inegável triunfo da morte, havia sido causada pela corrupção moral dos homens e pela cólera divina.
A visão das Pestes como punição, remonta às Escrituras.
A passagem bíblica mais conhecida foi, a Liberação dos Judeus no Egito. Na qual, Yahweh punia o faraó e o povo egípcio por não se submeterem aos Seus comandos.
Previsões milenaristas foram resgatadas pela Peste Negra. Muitos acreditavam que a peste seria um prenúncio da chegada do Anticristo. Santo Agostinho, afirmava que “o fim do mundo seria anunciado por diversos desastres, naturais e sociais, o penúltimo dos quais seria a chegada do Anticristo”.
Ouvi que o anticristo já chegou, antes mesmo da covid-19. Não se sabe direito quem é, mas existem sinais. O anticristo é um negacionista, não reconhece as Pestes, conforme as escrituras.
Acredito que Parusia já chegou. Os eleitos serão apartados em definitivo dos condenados e poderão gozar da eternidade, ao lado da visão beatífica do Criador.
Essa divisão da sociedade é visível, porém os dois grupos acham que pertencem ao rebanho bom.
O fim do mundo volta a ser uma ameaça. Dessa vez a crença deixou de ser religiosa.
Os cientistas anunciam o fim do mundo pelo aquecimento global. Estamos destruindo o Planeta e os sinais são evidentes.
No Antropoceno, as atividades humanas começaram a ter um impacto global significativo no clima da Terra e no funcionamento dos seus ecossistemas.
A mensagem da Covid-19, é esse fim de mundo pelo aquecimento global. Impondo condições para uma nova normalidade.
O vírus é uma mensagem (RNA) negativa, protegida por uma camada proteica. Estou tentando decifrar esta mensagem.
Antonio Samarone. (médico sanitarista)

quinta-feira, 9 de julho de 2020

CARTA ABERTA AO GOVERNADOR BELIVALDO CHAGAS


Carta aberta ao Governador Belivaldo Chagas.
(por Antonio Samarone)
Quem está falando sobre a Peste?
Os especialistas (que sabem muito sobre quase nada), os médicos visionários (que acreditam ter encontrado a cura (ou quase), os jornalistas e os curiosos de todas os gêneros.
E os cientistas? Bem, uma parte fala de vez em quando. A maioria está tentando encontrar uma vacina ou um testando novos medicamentos, sob a supervisão interessada da indústria farmacêutica.
Quem decide? Os políticos! Acharam que ia ser moleza. Estado de emergência, muito dinheiro, poderes imperiais para cuidar de uma gripezinha, era um caminho fácil para o sucesso. O povo seria protegido, e os seus líderes endeusados.
Nas Pestes e nas Guerras quem primeiro desaparece é a verdade.
A gestão das Pestes é complexa, mexe com muita coisa, com muitos interesses, e ninguém tinha experiencia. A última Peste, a Gripe Espanhola, ocorreu a mais de cem anos.
Na Febre Amarela do início do século XX, o Presidente Rodrigues Alves entregou o combate a Oswaldo Cruz, com plenos poderes. O combate a Gripe Espanhola (1918), no Rio de Janeiro, estava sob o comando de Carlos Chagas. Em Sergipe, quem coordenou as ações na Espanhola foi o médico Eronides Carvalho, antes de ser político.
Quem sempre enfrentou as Pestes, foram os profissionais qualificados. Os políticos nunca tiveram a ousadia de tomarem a frente. Agora tomaram...
Se sabe muito pouco sobre o novo coronavírus. A Pandemia dura até quando? Não se sabe. Quais os estragos finais? O que sobrará? Como será a vida no pós-pandemia? Quais as sequelas? São indagações sem resposta.
Um dos fatores dessa confusão sergipana na atual pandemia, onde ninguém sabe para onde estamos indo, nem quais são os melhores caminhos, não tenham dúvidas, é esse protagonismo dos políticos, gente com outros interesses.
A quem entregar a gestão da Pandemia?
Não pode ficar a cargo do judiciário, a “jurisprudência” não ajuda. O uso de princípios gerais do direito para normatizar contingências desconhecidas, guiados pelo senso comum, não é um bom caminho. Em breve, os protocolos médicos serão decididos nas barras dos tribunais.
A vigilante Justiça Eleitoral tem uma tarefa: afastar os Prefeitos em campanha para a reeleição do comando da Pandemia. Eles tratam mais da campanha deles do que da campanha da Peste.
Nem cabe as Forças Armadas (devolvam o Ministério da Saúde).
As Pestes deixaram de ser objeto das religiões, as igrejas estão fechadas.
O famoso Mercado só trabalha com lucros certos. Vai vendendo máscaras, álcool em gel, testes sorológicos incertos, termômetros digitais etc. Por enquanto, não se interessou pela terceirização da Peste. Nem os mais fanáticos neoliberais, advogam essa fatia para o mercado.
E quem pode cuidar dessa Praga?
A minha sugestão: entregue aos profissionais de saúde.
Governador, nomeie uma comissão técnica, com poderes de decisão, e saia da frente. O senhor está atrapalhando!
Nomeie uma comissão de técnicos independentes, que não tenha medo de contrariá-lo. Não bote os carreiristas do serviço público, gente viciada na submissão, que não diz o que pensa. Gente que só fala “sim senhor”.
Convoque o Comitê Científico do Nordeste para ajudar, atenda as suas recomendações. Essa gente sabe o que está dizendo.
Governador, assuma outra coordenação.
Governador, cobre um planos de ação, convoque a sociedade para ajudar, faça parcerias, enquadre os Prefeitos, sobretudo os que estão em campanha, não tente controlar a imprensa.
A sua autoridade institucional deve ser repassada para os profissionais experientes em saúde pública (existem muitos em Sergipe), que eles saberão encontrar o melhor caminho para atravessarmos a tragédia, com menos sofrimento.
Pense com humildade.
Antonio Samarone. (médico sanitarista)

terça-feira, 7 de julho de 2020

AS HERANÇAS DA GRIPE ESPANHOLAS -1918


As Heranças da Gripe Espanhola – 1918.
(por Antonio Samarone)
Se estamos surpresos com o desconhecimento da medicina sobre a Pandemia de covid-19, imaginem as trevas sobre a Gripe Espanhola, em 1918. E já vivíamos em plena era bacteriológica.
A gripe ou influenza era conhecida como “catarros epidêmicos” desde o século XVI. Como se achava que a doença vinha dos céus, alguns médicos italianos propuseram que essa desordem provinha da influência das estrelas, e deram o nome de influenza.
Quando a Gripe Espanhola explodiu em 1918, sabia-se apenas ser uma gripe ou influenza maligna. Parte dos médicos acreditava ser decorrente dos miasmas, e de influências cósmicas e geográficas.
Mesmo entre os médicos que já acreditavam no contágio, havia controvérsias sobre qual era este organismo e como se davam sua transmissão e sua ação no interior do corpo humano. Na ausência de uma definição clara sobre o agente causador da moléstia, havia pouco a ser feito.
Sobre a Gripe Espanhola havia a corrente que afirmava ser uma gripe banal, outros a consideravam uma gripe anômala; um terceiro grupo, filiava a moléstia à febre dos três dias, causada por agente invisível e filtrável e transmitida por uma espécie de mosquito; por fim, os que a consideravam uma entidade à parte, distinta da velha e conhecida influenza. Não existia o menor entendimento entre os médicos.
O vírus responsável pela influenza só seria conhecido na década de 1930.
A Gripe Espanhola foi uma tragédia no Rio de Janeiro.
“No Rio, o sujeito ia atravessar a rua, botava o pé no meio-fio com plena saúde e chegava morto ao meio-fio do outro lado. Era fulminante a gripe, os parentes deixavam os mortos nos bondes, pagavam a passagem deles, como se passageiros fossem. Não havia tempo nem lugar para o enterro”. Nelson Rodrigues.
A Gripe Espanhola foi tratada com água de melissa (erva cidreira), sulfato de quinino (a atual cloroquina) e uma mistura de cachaça, mel, limão e alho, que fazia grande sucesso. Depois tiraram o alho, e estava descoberta a caipirinha, o nosso aperitivo mais famoso.
A caipirinha foi a primeira herança da Gripe Espanhola.
A Segunda herança foi a mudança do Carnaval, até então uma festa inocente de fantasias, pierrôs e columbinas, confetes e serpentinas.
Depois da tragédia da Gripe Espanhola veio a esbórnia. O carnaval de 1919, foi de grande animação, e se transformou numa festa pagã ao deus Baco. Onde ninguém é de ninguém, o carnaval virou um bacanal.
A descrição do carnaval de 1919, por Nelson Rodrigues:
“Aquele Carnaval de 1919 foi, também, e sobretudo, uma vingança dos mortos mal vestidos, mal chorados e, por fim, mal enterrados. Ora, um defunto que não teve o seu bom terno, a sua boa camisa, a sua boa gravata é mais cruel e mais ressentido do que um Nero ultrajado.”
“E o Zé de S. Januário está me dizendo que enterrou sujeitos em ceroulas, e outros nus como santos. A morte vingou-se, repito, no Carnaval.”
“Desde as primeiras horas de sábado, houve uma obscenidade súbita, nunca vista, e que contaminou toda a cidade. Eram os mortos da espanhola e tão humilhados e tão ofendidos que cavalgavam os telhados, os muros, as família. Nada mais arcaico do que o pudor da véspera.”
“Natural que, depois da fase mortuária, viesse a fase libertária, ou libertina, basta dizer que as delegacias da cidade registraram a queixa de 4.315 defloramentos e outros tantos casos de abandono do lar, adultério e até incesto."
O Carnaval do Fim do Mundo.
Antonio Samarone. (médico sanitarista)