quarta-feira, 28 de agosto de 2019

ITABAIANA GRANDE


Itabaiana Grande. (por Antônio Samarone).

Itabaiana deixou de ser Villa e assumiu a condição de Cidade em 28 de agosto de 1888, sem o menor entusiasmo. O Cônego Domingos de Melo Resende observou no sermão dominical: – Civilidade!... Civilidade! Quanto tempo perdeu, agora, Itabaiana ao deixar a sua vida simples de Villa! Civilidade! Civilidade sem civilização!

Antes tinha sido o Arraial de Santo Antônio, no início do século XVI, com a chegada dos primeiros sesmeiros no vale fértil do Jacarecica, no pé da Serra de Itabaiana. Em 30 de outubro de 1675, virou a Freguesia de Santo Antônio e Almas de Itabaiana.

Em outubro de 1697 a povoação foi elevada a condição Villa de Santo Antônio e Almas de Itabaiana, ou seja, há 322 anos.

Hoje, 28 de agosto, comemoram-se 131 anos da passagem de Vila à Cidade (1888) e o cinquentenário do primeiro título profissional da Associação Olímpica de Itabaiana (1969). Exatamente, numa quinta-feira, em 28 de agosto de 1969, o Itabaiana sagrava-se campeão derrotando o Olímpico por 2 X 1, gols de Horácio, aos (9’/1º T) e aos (13’/1º T). No velho estádio Etelvino Mendonça. Eu estava lá!

O elenco campeão sergipano de 1969 formou com Marcelo (Nego), Augusto, Humberto, Elísio e Sinval; Carlos e Toinho Maré; Edmilson, Targino, Horácio (Xavier) e Belo. O treinador era Edmur Cruz.

Itabaiana está fundada culturalmente em três grandes pilares: Santo Antônio, os caminhoneiros e a Associação Olímpica de Itabaiana. Se quiserem, depois eu explico.

Antônio Samarone.  

terça-feira, 27 de agosto de 2019

SERGIPE ANTIGO - CAPÍTULO X. O BISPO SARDINHA (parte três).



(Cap. X)

Sergipe Antigo. (Ciri-gy-pe – rio dos siris). (por Antônio Samarone)

O Bispo Sardinha foi sacrificado em 1556, devorado pelos Tupinambás de Sergipe, durante o período da realização do Concilio de Trento (1545 a 1563).

O historiador português Pedro Almeida Vieira fala com propriedade sobre o Bispo Sardinha:

“Formado em Paris, Salamanca e Coimbra, antigo vigário-geral de Goa, o bispo Sardinha era um homem da igreja do seu tempo; ou seja, do tempo da inquisição portuguesa, que florescia contra todas as heresias e mais algumas. Enviado para a Bahia com o objetivo primordial de erguer uma catedral – o que se concretizou em 1555, mediante uma bula do Papa Júlio III.”

“O Bispo trouxera consigo uma grande comitiva de clérigos, pensando certamente que, com sua simples presença, amansaria a tudo e a todos. Não foi bem assim, até porque o trabalho moral entre os colonos “lhe deu logo água pelas barbas”, mesmo ignorando se ele a tinha.”

O Bispo desaprovava o trabalho de catequese iniciado pelos Jesuítas, tinha dúvidas sobre a natureza humana dos índios e não se considerava o seu bispo. As divergências afloraram rapidamente.

Para evitar polêmicas, Manuel da Nóbrega partiu para a Capitania de São Vicente (novembro 1552), deixando o Bispo com os seus padres na baia. Nóbrega só retornou a Baia a 30 de julho de 1556. Um fato significativo, no retorno de Nóbrega, ainda não se sabia na Baia do naufrágio da Nau Nossa Senhora d’Ajuda, onde viajava o Bispo, ocorrido a 16 de junho. As notícias circulavam lentamente.

O Bispo Sardinha não tirava a palavra excomunhão dos lábios, e na Bahia era o avantesma do seu pecaminoso rebanho, que apavorava sem muito discernimento, perseguindo aos desafetos com terríveis ameaças a respeito da perdição futura, mais multas, penitências que sobre eles atirava, enquanto fechava os olhos sobre os deslizes dos que por cálculo ou fraqueza o lisonjeavam.

O Bispo não se arreceava em fazer inimigos, e depois de feitos em enfrentá-los, mesquinhos ou poderosos, num exagero extravagante de catador de nugás e inconsciente semeador de discórdias.

As escaramuças iniciaram-se em 1553, pouco depois da chegada do Governador, quando o prelado, do púlpito, invectivou a vida desregrada, de d. Álvaro da Costa, filho de D. Duarte da Costa.

O Jesuíta Serafim Leite mantém o ranço histórico contra o Bispo Sardinha, taxando-o como um prelado de “caráter arrevesado, que liberava excomunhões como multas pecuniárias, e não possuía a indispensável incontinência de língua numa terra ainda em formação, onde a cizânia da intriga daria o resto”. Não deixando dúvidas sobre o partido que tomaram os jesuítas na briga do Bispo com Álvaro da Costa, filho do Governador Duarte da Costa.

A tese dominante na historiografia é a de que o naufrágio da Nau Nossa Senhora d’Ajuda ocorreu na enseada de Coruripe, Alagoas, e que a comitiva do Bispo Sardinha foi devorada pelos Caetés. Essa foi a versão interessada, construída pelos portugueses, para justificar a eliminação dos Caetés, que estavam atrapalhando a consolidação da Capitania de Pernambuco.

O primeiro relato do naufrágio do Bispo, em 16/06/1556, a 24 léguas de Salvador, foi escrito pelo senhor de engenho Gabriel Soares de Souza, em seu Tratado Descritivo do Brasil, em 1587, denunciando os Caetés.

Gabriel Soares de Souza localiza o naufrágio na ponta da Barra do Rio Coruripe, a seis léguas da foz São Francisco a distância, no lado de Alagoas:

“Aqui se perdeu o bispo do Brasil D. Pedro Fernandes Sardinha com a sua nau vinda da Bahia para Lisboa, em a qual vinha Antônio Cardoso de Barros, Provedor-mor, que fora do Brasil, e dois cônegos e duas mulheres honradas e casadas, muitos homens nobres e outra muita gente, que seriam mais de cem pessoas brancas, afora escravos, a qual escapou toda desse naufrágio, mas não do gentio caeté, que neste tempo senhoreava esta costa da boca do rio São Francisco até o da Paraíba."

"Depois que estes caetés roubaram este bispo e toda essa gente de quanto salvaram, os despiram, e amarraram a um bom recado, e pouco a pouco os foram matando e comendo sem escapar mais que dois índios da Bahia, com um português que sabia a língua, filho do meirinho da correição.”

O Bispo Sardinha foi depilado e pintado, dançou, comeu e bebeu antes de morrer, mas justiça seja feita, rejeitou as várias mulheres que lhe foram ofertadas. O Prelado já era um homem idoso (sexagenário), mas mesmo que fosse jovem, os seus princípios cristãos não permitiriam essa extravagância. Em nenhum momento o Bispo demonstrou medo, não pediu clemência, suportou o sacrifício antropofágico pacientemente. Rezava e cantava em voz alta parte da liturgia cristã. 

Um mártir esquecido pela igreja. Morreu com dignidade.

A imagem que Gabriel Soares de Souza fazia dos Caetés explica o ódio dos colonizadores possuíam da mais valente tribo do Nordeste: Parece que não é bem que passemos adiante do rio de São Francisco sem dizermos que gentio é este caeté, que tanto mal tem feito aos portugueses nesta costa, o que agora cabe dizer deles...

São estes Caetés mui belicosos e guerreiros, mas mui atraiçoados, e sem nenhuma fé nem verdade, o qual fez os danos que fica declarado à gente da nau do bispo, a Duarte Coelho, e a muitos navios e caravelões que se perderam nesta costa, dos quais não escapou pessoa nenhuma, que não matassem e comessem, cujos danos Deus não permitiu que durassem mais tempo; mas ordenou de os destruir desta maneira.

Continua Soares sobre os Caetés, este gentio, nos primeiros anos da conquista deste estado do Brasil, senhoreou desta costa da boca do rio de São Francisco até o rio Paraíba, onde sempre teve guerra cruel com os potiguares, e se matavam e comiam uns aos outros em vingança de seus ódios, para execução da qual entravam muitas vezes pela terra dos potiguares e lhes faziam muito dano. Da banda do rio de São Francisco guerreavam estes potiguares em suas embarcações com os tupinambás, que viviam de outra parte do rio.

Essa versão passou a ser repetida pelos historiadores seguintes, sem a menor avaliação da veracidade. Na verdade, era uma versão que interessava a Coroa Portuguesa, pois servia de forte justificativa para o covarde genocídio praticado contra os Caetés, apenas para liberar as terras de interesse dos colonizadores, em especial ao donatário da Capitania de Pernambuco, Duarte Coelho.

Gabriel Soares de Souza chegou ao Brasil em 1567, onze anos após a morte do Bispo, se tornou um abastado senhor de engenho, e fez algumas viagens pelas costas brasileiras, perguntando aos mais velhos sobre os ocorridos. Em 1584 foi à Espanha, ali permanecendo até 1590.

No meio tempo, em 1587, valendo-se de suas anotações, publica o seu conhecido livro. Os demais historiadores passam a repetir a narrativa de Soares, como é o exemplo do Frei Vicente do Salvador, em sua História do Brasil, escrita em 1627. Soares falava do que ouviu dizer, da versão oficial, necessária para justificar o extermínio dos caetés. O equívoco continua sendo repetido até os dias atuais e transformado numa falsa verdade histórica.

Os caetés, gentios que viviam entre o Rio São Francisco e o Paraíba, bravos guerreiros, grandes músicos e amigos do bailar, nadadores exímios, foram dizimados por Duarte Coelho e Jeronimo de Albuquerque, com a sua soldadesca, apoiados por Mem de Sá, num etnocídios covarde e desmedido.

Todos os Caetés foram mortos ou escravizados, exceto os poucos que fugiram para a Serra do Aquetiba. Para justificar a carnificina com os Caetés, a Coroa portuguesa forjou a acusação de que eles teriam deglutido o Bispo Sardinha e a sua comitiva, e assim poderiam cumprir o édito da Rainha Catarina de Áustria, regente de Portugal, na ocasião do naufrágio do Bispo (1556). A versão de Gabriel Soares de Souza, repetida por outros historiadores, apenas justifica as ações de crueldade e violência do Governo Mem de Sá.

Catarina de Áustria foi Regente de Portugal entre 1557 e 1570, na infância de seu sucessor e neto, Dom Sebastião I. A Regente Catarina aproximou Portugal da Contra Reforma.

Em 1557, a Regente decretou a escravização ou morte de todos os índios caetés e seus descendentes, sem distinção de sexo ou idade, por considerá-los culpados pelo sacrifício do Bispo. A terrível sentença respaldou a guerra aos caetés, a mais nação mais valente do Nordeste. Entre 1560 e 1565, Alagoas e o sul de Pernambuco ficaram despovoados.

A tese que defendemos, fundada em vasta documentação, é que o naufrágio ocorreu nas costas de Sergipe, e o banquete antropofágico foi obra dos Tupinambás. Vamos aos documentos:

Em três cartas de jesuítas contemporâneos sobre o banquete onde o Bispo Sardinha foi devorado, ficam patenteados o local exato – enseada do Vaza Barris, em Sergipe – e que os índios foram os tupinambás, e não os caetés citados por Gabriel Soares de Souza.

Trata-se da primeira enseada do Vaza Barris, descrita por Américo Vespúcio, ou seja, a faixa do litoral sergipano entre a foz do São Francisco e o Rio Japaratuba (Pirambu). Mas especificamente, na região hoje denominada Praia de Santa Isabel.

O jesuíta Antônio Blasque em carta a Inácio de Loyola, em 1557; o jesuíta Ruy Pereira em carta aos padres da Companhia de Jesus em 1561 é direto e objetivo: “na enseada do Vaza Barris se perdeu o bispo velho”. 

Finalmente, Cristóvão de Gouveia, visitador da Companhia na Província do Brasil, escreve em 1586, que havia no Rio Cirigi (Sergipe), “assaz nomeado e conhecido por estar na enseada do Vaza Barris, tão temida dos navegantes desta costa, e onde mataram o primeiro Bispo desta cidade (Salvador), com os mais que iam na mesma nau”.

Um quarto documento de jesuítas situando a enseada do Vaza Barris em Sergipe como o local da morte do Bispo Sardinha, foi o livro Francisco Soares, escrito no mesmo período do Tratado Descritivo do Brasil, de Gabriel Soares.  

Além das provas jesuíticas, o Frei Vicente do Salvador, em sua História do Brasil, escrita em 1627, afirma que Cristóvão de Barros decidira vingar-se dos gentios de Sergipe, pela morte de seu pai, Antônio Cardoso de Barros, devorado pelos tupinambá, na mesma empreitada do Bispo Sardinha. 

O historiador alagoano Moacyr Soares Pereira, em vários textos publicados, desmontou a versão oficial responsabilizando os caetés pela morte do Bispo, na foz do Rio Coruripe em Alagoas, versão defendida por Gabriel Soares de Souza em seu importante “Tratado Descritivo do Brasil”, publicado em 1587, e que respaldava os interesses da Coroa e que usou esse argumento para eliminar os Caetés (1560/63), afastá-los do litoral de Pernambuco e Alagoas, tão desejado pelos colonos para a plantação de cana de açúcar.

Numa carta de Cristóvão de Gouveia (1586), citada por Serafim Leite, não há dúvidas sobre o local do naufrágio do Bispo Sardinha:

“ No meio quase da costa que há daqui até Pernambuco, está um rio por nome de Cirigi (Sergipe), assaz nomeado por estar na enseada, que chamam de Vaza-barris, (não confundir com o atual rio Vaza Barris), tão temida dos mareantes desta costa, e onde mataram o primeiro Bispo desta cidade, com os mais que iam na mesma Nau. ”

A enseada Vaza-barris citada está ao Sul do Rio São Francisco, antes do Rio Japaratuba. Se sabe hoje que o ponto exato do naufrágio foi numa localidade denominada Santa Izabel, atual reserva de tartarugas.

O historiador sergipano Ariosvaldo Figueiredo, em seu livro “Enforcados”, aponta a localização do naufrágio do Bispo Sardinha: “após o naufrágio e morte do Bispo D. Pedro Fernandes Sardinha e do Provedor-mor Antônio Cardoso de Barros, na foz do Rio São Francisco... Não esclarecendo se ao norte ou ao sul da citada foz.”

Os estudos de Moacyr Soares Pereira, publicados na revista do IHGB, em 1995, reafirma que “ A Nau que ia D. Pero Fernandes Sardinha, primeiro Bispo do Brasil, perdeu-se na costa de Sergipe, próxima ao rio São Francisco, na então chamada Enseada do Vaza Barris, e não em Coruripe, litoral de Alagoas, e o bispo e os seus companheiros de viagem foram devorados pelos índios locais, Tupinambás que viviam na margem direita do rio São Francisco, e não pelos Caetés, seus inimigos, que sempre ocuparam a margem esquerda deste rio, no atual Estado de Alagoas.”

Uma carta náutica da Marinha francesa de 1907, descreveu com precisão o local do naufrágio do Bispo Sardinha:

“Ao sul do São Francisco a costa inflete-se e forma a vasta baia de Vaza Barris... Esta baía é no inverno bastante perigosa; o vento e a corrente levam a Noroeste para o fundo da baia, onde não se encontra senão uma praia deserta, sem nenhum porto nem abrigo; os navios impelidos para a praia dificilmente podem se safar.”

Levando em consideração ao informado na carta de Cristóvão de Gouvêia que o naufrágio se deu a 60 léguas de São Salvador na Bahia, a geografia aponta para a Praia de Santa Isabel, a 10º35’S de latitude e 36º30’W de longitude, praia também conhecida oralmente como dos náufragos.

A carta do jesuíta espanhol Antônio Blasquez, escrita a Inácio de Loyola em 10 de junho de 1557, informa que o naufrágio ocorreu a 355,2 km de Salvador, que coincide exatamente com a enseada do Vaza Barris, e que houve 10 sobreviventes, ao invés dos três informados por Gabriel Soares. Antônio Blasquez veio ao Brasil em 1553, junto com Padre Luís da Grã.]

Como relata documentos da época, a Nau Nossa Senhora d’Ajuda zarpou da Bahia no dia 15 de julho de 1556. Navegou 24 léguas até o naufrágio, no dia 16 de julho. Nem à distância navegada nem o tempo de viagem permitem defender a hipótese de Gabriel Soares que o episódio ocorreu na barra do rio Coruripe em Alagoas.

A descrição reforça a hipótese defendida por Moacyr Soares Pereira, publicada na revista do IHGB, em abril/junho de 1995, e reforçada nesse ensaio, que o naufrágio do Bispo ocorreu na enseada do Vaza Barris e o ritual antropofágico subsequente foi de responsabilidades dos Tupinambás, ou mais especificamente da aldeia do cacique Surubi. A padroeira de Itaporanga d’Ajuda em Sergipe, onde ficava a citada aldeia de Surubi, não é Nossa Senhora da Ajuda por acaso.

No festim canibal dos tupinambás os homens capturavam e matavam os inimigos e as mulheres produziam o cauim. Enquanto um tupinambá não executava cerimonialmente um prisioneiro ele não poderia nem se casar, nem ter filhos. Era um rito de passagem. Entre os tupinambás era frequente o casamento de tios com sobrinhos, o chamado casamento avuncular.

As evidências sobre o local do naufrágio da comitiva do Bispo Sardinha são abundantes. Entretanto, parte dos historiadores insistem na versão de Gabriel Soares de Souza, que foi sendo repetida sem a leitura de outros documentos.

Viajavam com o Bispo Sardinha mais de cem pessoas. Além do Bispo, perderam a vida outros religiosos, o deão Fernão Pires da Nóbrega, os cônegos Diogo Gonçalves e Luís de Avada, além de outras pessoas de relevo social, como o Provedor da Fazenda, Antônio Cardoso de Barros; o escrivão da Provedoria e da Alfandega, Antônio Pinheiro, com a sua filha Inês, esposa de Brás Fernandes; o Procurador da Câmara, Sebastião Pereira; além de várias senhoras e crianças. 

O naufrágio ocorreu em 16 de junho de 1556, dia de Nossa Senhora do Carmo.


“O primeiro ato legal de escravatura no Brasil foi a condenação dos Caetés, em 1562... Acusados de terem comido o Bispo, “fez-se uma lei, pela qual toda a geração dos Caetés estava condenava a escravidão, em castigo daquelas mortes. Esta lei vindicativa teve a aprovação geral, mesmo dos jesuítas. Fez-se, porém, em termos demasiados amplos, o que deu lugar a atropelos. Onde o colono achasse um Caeté, logo o podia tomar e ferrar. “

Os caetés somavam oitenta mil. Contabilizados os mortos e os que fugiram, restaram trinta mil caetés escravizados. Na Província de Pernambuco um escravo caeté valia o preço de um carneiro. Tempos depois, o mesmo argumento de punição pela morte do Bispo Sardinha foi usado na guerra de Sergipe (1590), onde finalmente os tupinambás foram derrotados.

Foi necessário que o grande historiador alagoano, Moacyr Soares Pereira, especialista em navegações do século XIX, após exaustiva revisão das fontes primárias, das cartas dos jesuítas, e outras evidências, fizesse a completa revisão sobre a morte do Bispo e de sua comitiva, restabelecendo a verdade, e concluindo que a nau que conduzia a comitiva do Bispo Sardinha se perdeu na enseada do Vaza Barris, e não na foz do Coruripe, e foram comidos pelos tupinambás que habitam a margem direita do São Francisco.

Estudos mais aprofundados, identificaram a tribo comandada pelo valente Surubi, como os responsáveis pelo maior banquete canibal das Américas, 97 pessoas, e pela degustação do único Bispo da igreja católica, que se tem notícia.

Dom Pero Fernandes Sardinha tinha feito um pedido, morrer com os trajes de bispo. Os tupinambás eram generosos, atenderam todas as exigências episcopais. Dom Sardinha, não se intimidou com a morte, manteve-se garboso, firme como um nobre português, sentindo nojo daqueles animais, que ele acreditava possuírem alma.

Os Tupinambás sabiam o que estava fazendo.

Antônio Samarone.


sábado, 24 de agosto de 2019

OS CRENTES EM ITABAIANA




Os Crentes em Itabaiana. A demolição da Igreja (foto)

Por Antônio Samarone.

Itabaiana era uma cidade que respirava o catolicismo romano. Tudo, ou quase tudo, girava em torno da igreja católica. Talvez por isso, a minha curiosidade sobre os crentes. A antiga igreja de crente me deixava curioso. Eu não perdia a oportunidade de ficar bisbilhotando o culto pela janela.

Só existia uma igreja de crente em Itabaiana (foto), presbiterianos, gente descente, poucos, mas diferenciados. Quando eu perguntava a mamãe (católica, filha de Maria) quem eram os crentes (chamados de bodes), o que faziam, a resposta era contraditória. Ela afirmava: só a igreja católica salva, mas esses crentes são tementes a Deus, verdadeiros cristãos.

Eu não entendia, mas ficava calado. Naquele tempo não se discordava de pai e mãe.

Os crentes eram liderados por Dona Eulina Nunes, uma senhora muito respeitada na cidade.

O historiador Ismael Moura nos ensina que os crentes chegaram em Itabaiana por volta de 1885, no Povoado Caraíbas. “O professor José Gregório da Silva Teixeira é considerado o fundador do protestantismo em Itabaiana.” (Moura citando Sebrão Sobrinho)

Depois vieram para a cidade. A iniciativa coube a Antônio da Silva Nunes, pai de Eulina Nunes.

Essa igreja da foto, estilo art-déco, com janelas e portas com arcos em orgiva, e uma torre central, foi inaugurada em 18 de dezembro de 1938. Antes já existia uma casa de orações. A igreja é uma relíquia da história dos evangélicos em Itabaiana. Além da igreja, os presbiterianos também construíram um cemitério para os crentes.

Moura cita uma passagem de Vladimir Carvalho: outra pedra no sapato do padre Vicente Valentim da Cunha foi a presença de protestantes em Itabaiana no começo de 1903...

Um absurdo: fiquei sabendo que a essa igreja será demolida nos próximos dias. Foi vendida! No local serão construídas lojinhas de bugigangas. Uma profunda indiferença pela memória religiosa da comunidade.

Antônio Samarone.

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

VOTO TUTELADO


O Voto Tutelado. (por Antônio Samarone)

A Comissão de Verificação de Poderes, foi criada no Império, mas ganhou relevo na Primeira República (entre 1894 e 1930). A Comissão realizava a “depuração” dos eleitos, ou a “degola”.

O resultado das eleições era submetido a essa Comissão Nacional, para uma espécie de validação. Os eleitos nos estados, se não passassem nos critérios da Comissão, não tomavam posse. A Comissão da Degola possuía poderes supra eleitorais.

Com o desgaste dos políticos, as atuais eleições no Brasil foram criminalizadas, sem resistências. A Justiça Eleitoral tem mais poderes que a antiga Comissão da Degola, da 1ª República. Qualquer descumprimento das regras eleitorais é passível de cassação do eleito. Muitas vezes a infração cometida não interferiu no resultado do pleito, não alterou a vontade do eleitor.

A justiça eleitoral pode revogar a vontade da maioria do eleitorado com a justificativa de que eles foram enganados. Vocês escolheram fulano para representá-los, mas foram tapeados. Nos estamos aqui para protegê-los das fraudes e das astúcias dos políticos.

Essa estória de que o poder emana do povo é só para enfeitar a Constituição, eu perguntei? De que povo, me respondeu um causídico influente, isso foi na Grécia antiga, isso é no primeiro mundo, onde o povo sabe votar, disse ele. 

Na maioria das vezes o cassado continua líder naquela comunidade, e se as eleições fossem repetidas ele ganharia com uma diferença maior.

Belivaldo é um governador com poucas ideias. Não é um líder, não está fazendo um bom governo, não tem projetos, não fez um planejamento, não montou uma boa equipe, não votei nele, mas ele venceu as eleições com mais de 300 mil votos de frente. O eleitorado sergipano não teve dúvidas na escolha. Ou teve?

Se ele não tivesse cometidos esses erros que a justiça aponta, durante a campanha, o resultado das eleições seria outro? Por que esses erros não são punidos sem precisar cassar o voto da maioria do eleitorado?

Sergipe já está num buraco, economia arruinada, serviços públicos precários, servidores castigados, isso com um Governador eleito no comando; imagine agora com um governador cassado, degolado por 6 X 1, existe alguma chance de o governo funcionar?

Por quanto tempo Sergipe ficará com um governador cassado (sub judice) e quais as consequências para a sociedade?

Ouvi de um puxa saco prestigiado: foi até bom, só assim Belivaldo arranjou uma desculpa para a lerdeza do seu Governo. Ele agora não pode fazer nada, foi cassado, me disse o governista afoito.

Vamos aguardar...

Antônio Samarone.

sábado, 17 de agosto de 2019

AS MULHERES EM ITABAIANA



As mulheres em Itabaiana. (por Antônio Samarone)

Até a segunda metade do século XX, Itabaiana foi uma sociedade centralizada na mulher, uma sociedade matricêntrica. As mulheres camponesas lutavam pelo o mesmo status econômico e social dos homens. Em muitos casos, eram as líderes familiares.

Itabaiana era uma sociedade matrilinear, obedecia a um sistema de parentesco, de filiação, através do qual somente a ascendência (família) da mãe era tida em consideração para a transmissão do nome, dos benefícios ou do status de se fazer parte de um clã.

Numa tradição local, as pessoas eram nominadas com os nomes dos ascendentes. Por exemplo: João de Mané de Dona, Zé de João de Ana, Júlio de João de Sá Joaninha, e tantos outros. Nesses nomes compostos, que as vezes remontavam a várias gerações, a referência final sempre era feminina.

Mesmo com leis machistas: o Código Civil de 1916 considerava a mulher como um ser inferior, “relativamente incapaz”, necessitando de orientação e aprovação masculina. Um exemplo: o Art. 178 previa, que em dez dias, contados do casamento, o marido poderia anular o matrimonio contraído com a mulher já deflorada. O Art. 233, definia o marido como o chefe da sociedade conjugal.

Sei os limites dessa tese. Ao mesmo tempo que as mulheres exerciam papeis importantes na sociedade camponesa, a brutalidade e os privilégios dos homens imperavam. As mulheres lutavam e resistiam, bem antes da invenção do feminismo.

Entretanto, a divisão dominante da família onde o pai era o mantenedor, protetor, guerreiro que caçava e guardava a prole, e a mãe gerava, acolhia, aquecia e alimentava a ninhada, não era a famílias dominante em Itabaiana, até primeira metade do século XX.

Itabaiana era uma sociedade matricêntrica. As mulheres não estavam em desvantagens só por serem mulheres, o poder era disputado entre os gêneros, e as mães muitas vezes estavam no centro da cultura.

Segundo Malinowski, nas sociedades que usavam o sistema matrilinear de parentesco, as mulheres possuíam um papel importante na vida da comunidade, liderando-a em muitas áreas.

Historicamente, o patriarcado é mais jovem. A sociedade humana foi primeiro matriarcal – ou pelo menos “centrada nas mulheres” e adorava deusas – da era Paleolítica, 1.5 a 2 milhões de anos atrás, até por volta de 3000 a.C.

Friedrich Engels, em sua obra "Origem da família, da propriedade privada e do estado", de 1884, afirma que o controle da propriedade privada foi quem permitiu a substituição do matriarcado pelo patriarcado nas sociedades primitivas.

Trocamos o matrimônio pelo patrimônio.

Itabaiana aguarda os pesquisadores...

Antônio Samarone.

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

SERGIPE ANTIGO - (CAPÍTULO IX) - BISPO SARDINHA (parte dois)




(Cap. IX)

Sergipe Antigo. (Ciri-gy-pe – rio dos siris). (por Antônio Samarone)

O Bispo Sardinha – Ano 463 da Deglutição do Bispo Sardinha.

“Chegamos ao aviltamento. A baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo - a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos.” (Oswald de Andrade)

O Bispo Sardinha enfrentou calúnias, mentiras, acusações interessadas, mas resistiu, não abriu mão dos seus princípios. Manoel da Nóbrega também não aprovava a missão pastoral do Bispo Sardinha, em carta a Tomé de Souza, o provincial dos jesuítas afirmava:

“Quanto ao gentio e sua salvação se dava pouco, porque não se tinha por seu Bispo e eles lhe pareciam incapazes de toda a doutrina por sua bruteza e bestialidade, nem os tinha por ovelhas do seu curral, nem que Cristo Nosso Senhor se dignaria de tê-los por tais... Nosso Senhor... Quis... Castigar lhe o descuido e pouco zelo que tinha da salvação do gentio. Castigou-o dando-lhe em pena a morte que ele não amava.

Em 09 de julho de 1953 foi criada pelos jesuítas a Província do Brasil, visando que Manoel da Nóbrega ganhasse privilégios canônicos, e melhor enfrentasse o Bispo Sardinha. Manuel da Nóbrega permaneceu provincial do Brasil até 1559.  

O beato Manoel da Nóbrega comemorou a morte do Bispo Sardinha.

Com a chegada de Duarte da Costa (1553) as relações com o bispo Sardinha se agravaram, por conta do comportamento abusado do filho do Governador, Álvaro da Costa, comandante das forças militares, que usava e abusava das índias, escravizava mesmo os índios convertidos e aldeados.

A relação do Bispo já não era boa com os jesuítas, à expedição de Duarte da Costa trouxe mais uma meia dúzia, entre eles José de Anchieta. Os conflitos levaram a Coroa a chamar o bispo de volta. Exatamente em 15 de junho de 1556, o bispo e uma imensa comitiva (103 pessoas), nobres, quatro cônegos, o provedor da Fazenda Real, Antônio Cardoso de Barros, escravos, mais de cem pessoas retornavam à Portugal na Nau Nossa Senhora da Ajuda.

Em seu retorno à Portugal, a Nau Nossa Senhora d’Ajuda, que levava o Bispo Sardinha, naufragou em 16 de junho de 1556. Quanto ao local do naufrágio existem duas versões:

Gabriel Soares de Souza apontou uma enseada de duas léguas, entre a foz do Rio Coruripe e o Rio São Francisco, onde estão os arrecifes de Dom Rodrigo, local também conhecido como Porto Novo dos Franceses; e Moacyr Soares Pereira fundamenta que o naufrágio ocorreu na enseada do Vaza Barris, situada entre a margem esquerda do Rio São Francisco e o Rio Japaratuba, próximo à Praia de Santa Isabel.

Na comitiva do Bispo iam mais de cem brancos, entre eles, o Provedor Mor, Antonio Cardoso de Barros, pai de Cristóvão de Barros, que conquistou Sergipe; dois Cônegos; duas mulheres honradas e casadas; e vários nobres. Todos foram devorados, escapando apenas dois índios, que vinham na expedição, e um português que sabia a língua, filho do meirinho de correição.

O Bispo Sardinha foi a maior autoridade eclesiástica devorada num ritual antropofágico, em toda ocupação das Américas. Como agravante, o episódio ocorreu durante a realização do Concílio de Trento, um dos mais importantes da cristandade. A reação da igreja romana foi poderosa.

A primeira versão (Foz do Coruripe) foi reproduzida por vários historiadores e é a mais conhecida. Moacyr Soares juntou documentos e evidências, afirmando que a versão oficial foi um pretexto para se condenar os Caetés, que há muito vinham incomodando Duarte Coelho, donatário da Capitania de Pernambuco.

Com a morte de Duarte Coelho, 1555, os Caetés iniciaram uma revolta, apressando o empenho dos colonizadores em sua destruição. Segundo Moacyr, o naufrágio ocorreu do lado sergipano, e o ritual antropofágico foi obra dos Tupinambás. (entraremos em detalhes no próximo capítulo).


Essa versão foi forjada pelo governo Mem de Sá, procurando atender ao pleito dos donatários da Capitania de Pernambuco, a quem a natureza aguerrida de belicosa dos caetés incomodava bastante. Estava também em jogo o desejo de ocupação das terras dos Caetés, tidas como de excelente qualidade para o plantio da cana de açúcar e ampliação dos engenhos pernambucanos.

Se houvesse veracidade na acusação aos Caetés, pela morte e canibalização do único Bispo nas Américas, por que a punição só ocorreu em 1562, seis anos após o naufrágio.

As relações belicosas entre colonos e Caetés na Capitania de Pernambuco se agravam após a morte do donatário Duarte Coelho em 1554, em Portugal. Em razão da ausência no Reino do herdeiro da Capitania, Duarte de Albuquerque Coelho, o comando passa as mãos de Jeronimo de Albuquerque, irmão da esposa de Duarte Coelho, dona Beatriz de Albuquerque.

Jeronimo de Albuquerque radicalizou na luta contra os Caetés, passou a exigir da Coroa a declaração de guerra contra os índios. As divergências eram de ordem econômica, os índios não aceitaram pacificamente a escravização; muito menos serem afastados das terras que ocupavam a no mínimo 500 anos. Eram necessárias justificativas mais evidentes para a declaração de guerra justa contra os Caetés.

Nada melhor do que os acusar da morte do Bispo Sardinha.

As versões sobre a morte do Bispo devem-se a imprecisão das notícias, no Brasil do século XVI. O Frei Odulfo Van Der Vat, em seu livro “Princípios da Igreja no Brasil” nos oferece um exemplo das dificuldades de circulação das notícias no século XVI, tudo era muito incerto, com muitas versões.

Sobre a morte do Bispo Sardinha, relata Van Der Vat: Mês e meio depois da espantosa cena de carnificina e antropofagia, ainda a notícia era desconhecida na Baia, quando Nóbrega chegou de São Vicente, a 30 de julho (Sardinha morreu em 16 de junho). Porque, datada da cidade do Salvador, de primeiro de agosto de 1556, existia uma carta de Pedro Rico, dirigida ao bispo Sardinha, a pedir-lhe uma conezia (um cargo rendoso), não sabendo que já era morto.

O Padre Aurélio de Vasconcelos repete a versão interessada de Gabriel Soares de Souza, de que o naufrágio do Bispo Sardinha ocorreu na foz do Rio Coruripe, região dos Caetés, informando que o funesto acontecimento se deu em 16 de junho de 1556, e que gerou uma sede de vingança generalizada entre os portugueses, mesmo entre os que gostavam dos índios.

A acusação aos Caetés como responsáveis pela morte do Bispo Sardinha era apena a justificativa para o extermínio da mais valente, mais guerreira tribo Tupi do Nordeste brasileiro. Eles sabiam que o maior banquete antropofágico das Américas tinha ocorrido na enseada do Vaza Barris, em território sergipano, sob o comando do temível Surubi, importante cacique dos Tupinambás. Esses pagariam o mesmo preço por ocasião da guerra de Sergipe, em 1590, quando foram dizimados como vingança pela morte do mesmo Bispo, como veremos adiante. 

Mem de Sá aproveitou-se desse episódio do Bispo Sardinha para justificar a sua crueldade guerra contra os gentios. Vale a pena lermos com atenção o nos diz o Padre Aurélio de Vasconcelos sobre o tema:

“ Os sertões do Rio Real (Sergipe) foram preferidos para essa inominável caçada humana, onde toda a sorte de crueldade se praticou contra aquelas infelizes criaturas que além de batidos da fome e das Pestes que houve nessa época (1562), eram ainda agrilhoados pelo cativeiro, quando não os matavam por lá ao serem julgados imprestáveis para esse fim.”

“O trato desumano e bárbaro, quase canibalesco, que os civilizados deram aos naturais do Rio Real, não diferia muito do que estes costumavam dar a seus inimigos. Quando muito, havia equivalência de crueldades que uns e outros praticavam, senão, mais exacerbadas, as daqueles colonos que haviam perdido a noção de consciência cristã e os derradeiros resquícios de humanidade para com os silvícolas.”

Os ataques aos Tupinambás em Sergipe começaram bem antes da expedição de 1575, como relata as histórias de Sergipe. “Contra a verdade dos povos missionários, definida pela sagacidade de um antropófago, o Visconde de Cairu: É mentira muitas vezes repetida. (Oswald de Andrade).

Em Janeiro de 1563 foi a grande morte das bexigas (varíola) tão geral em todo o Brasil, de que morreu muito gentio, de que também levou muita parte de que havia nas igrejas em que os Padres residiam, e depois da doença ser passada, e os índios se irem gastando pouco e pouco, com parecer do governador Mem de Sá, por a igreja de São Paulo ter já pouca gente, se repartiu essa que havia pelas outras, e assim não ficariam mais de 4, que se conservaram por alguns anos.

Concordo com Sílvio Romero, que os missionários e colonos inteligentes do século XVI, que deixaram notícias escritas dos nossos índios, eram demasiado incompetentes para uma observação regular, capaz de surpreender os mais íntimos fatos sociais e a fundamental psicologia dessas gentes rudes. Diria mais, e muito poucos interessados na imparcialidade dos fatos, contavam o que convinham do jeito que lhes interessassem.

Gabriel Soares de Souza chegou à Bahia em 1570, foi proprietário de engenhos e roças, e retornou a Madrid em 1587, passando 17 anos no Brasil. Ele dedica o seu livro Tratado Descritivo do Brasil a Cristóvão de Moura. Gabriel Soares forjou a versão do naufrágio em Coruripe e o banquete antropofágico dos Caetés, 14 anos após o ocorrido, e essa versão passou a ser a oficial. Os demais historiadores só repetiram.

Com documentos, demonstraremos a outra verdade sobre a morte do Bispo Sardinha. (próximo capítulo).

No mínimo duas nações foram exterminadas por conta do banquete canibal do Bispo Sardinha, os Caetés em 1562; e os Tupinambás de Sergipe em 1590.

Esse fato estabeleceu a regra principal do relacionamento entre o Poder e as classes subalternas no Brasil, em vigor até hoje. A condenação da rainha Catarina de Áustria, esposa de D. João III, em 1557, foi que os responsáveis pela morte do Bispo e comitiva estavam condenados a escravidão eterna, inclusive os seus descendentes, sem distinção de sexo ou idade.

Não precisava procurar e punir os culpados, todos eram culpados. Foi assim em Canudos, foi assim em várias revoltas populares ao longo da história, e é assim até hoje, quando as polícias sobem as favelas em busca de traficantes. Todos são culpados, até que se prove o contrário.

Antônio Samarone.

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

SERGIPE ANTIGO - (CAPÍTULO VIII) - BISPO SARDINHA (parte um)


(Cap. VIII)

Sergipe Antigo. (Ciri-gy-pe – rio dos siris). (por Antônio Samarone)

O Bispo Sardinha – Vigário Geral na Índia, chegou à Bahia em 22 de junho de 1552.

Segundo Câmara Cascudo, quando Tomé de Souza chegou a Bahia para fundar a cidade do Salvador, março de 1549, já encontrou mais de meio cento de portugueses, alguns casados com brancas, outros com mamelucas, a maioria dos machos mantendo o harém das fáceis cunhãs, submissas e curiosas. Diogo Alvares, o Caramuru, era sogro de cinco genros e muitas vezes avô.

Em 1549, junto com a comitiva de Tomé de Souza no Governo-Geral do Brasil, veio o médico Jorge Valadares, bacharel em medicina, nomeado para exercer o cargo de "Físico da Cidade do Salvador da Bahia de Todos os Santos na Costa do Brasil”, permanecendo no cargo até 1553.

Jorge Valadares foi o primeiro médico diplomado a clinicar na Colônia. Em 13 de julho de 1553, na comitiva de Duarte da Costa, veio o segundo médico nomeado para o mesmo cargo, Jorge Fernandes, que era apenas licenciado em medicina, fez um curso de quatro anos e não defendeu as conclusões magnas (tese), portanto, não possuindo o título de bacharel. Em 1957, no Governo de Mem de Sá, o médico nomeado para exercer o mesmo cargo foi o bacharel-mestre Afonso Mendes.

Uma polêmica foi instalada, enquanto os dois médicos formados, bacharéis, Jorge Valadares e Afonso Mendes receberam respectivamente vinte e oito mil e oitocentos reis e vinte e quatro mil reis de vencimentos anuais da Coroa; Jorge Fernandes, apenas licenciado, recebera sessenta mil reis anuais de ordenado. Os três primeiros médicos que atuaram no Brasil eram cristãos-novos.

O Rei D. João III tinha um certo apadrinhamento com Jorge Fernandes concedendo-lhe um ordenado de marajá. Para efeito de comparação, um padre jesuíta, a menina-dos-olhos da Coroa portuguesa na Colônia, recebia anualmente um ordenado de vinte mil reis. O licenciado Jorge Fernandes, Físico do Salvador, quando deixou o cargo, permaneceu no Brasil até o seu falecimento em 1567, exercendo a medicina privadamente.

Duarte da Costa, armeiro mor do reino, chega a Bahia para substituir Tomé de Souza, em 13 de julho de 1553. Com a chegada do segundo Governador Geral, Duarte da Costa, acompanhado do seu devasso filho, Álvaro da Costa, os conflitos do Bispo acentuaram-se.

Duarte da Costa (1553 a 1558). Durante o seu governo, ocorreram vários distúrbios, motivados na sua maioria pelos conflitos envolvendo a escravização de indígenas. Os colonos tinham o apoio do Capitão-Mor, Álvaro da Costa, filho do governador.

Sua gestão conviveu ainda com a invasão francesa ao Rio de Janeiro, em 1555, onde foi fundada a França Antártica. Em seu Governo (1556) ocorreu a morte do Bispo e de sua comitiva, quando retornavam para Portugal (assunto dos próximos capítulos).

O primeiro bispado brasileiro foi criado pelo Papa Júlio III, com a bula "Super Specula Militantis Ecclesiae", em 25 de fevereiro de 1551, e para seu titular El-Rei d. João III indicou d. Pero Fernandes Sardinha.

Pelo interesse que o Bispo Sardinha tem para a história de Sergipe, foi nas costas sergipanas que ele foi deglutido pelos índios, vou detalhar quem foi o Bispo e como atuava. O cronista da Companhia de Jesus, padre Simão de Vasconcelos, assim descrevia o Bispo Pero Fernandes Sardinha: 

"foi este prelado varão insigne em letras, e em virtudes, afamado pregador de seus tempos: estudara na Universidade de Paris, onde se graduou de doutor; foi mandado à Índia com o ofício de Vigário Geral, e pelo bem que nele se houve, mereceu ser eleito Bispo do Brasil, por El-Rei D. João o terceiro. Era dotado de grande zelo do serviço de Deus e das almas, e nele tinham posto os olhos e esperanças, os moradores de sua diocese.”

Por outro lado o sexagenário d. Pero era infernizado, briguento, e logo se indispôs com meia cidade, inclusive com os jesuítas, que não lhe perdoavam o pouco que ligava à vida escandalosa e nada exemplar que levavam os seus cônegos clérigos.

O primeiro bispo do Brasil, D. Pero Fernandes Sardinha atacaria muito os jesuítas por ouvirem confissões por meio de intérpretes, procedimento que ele julgava irregular.

Na visão de Almeida Prado, o Bispo Sardinha era virtuoso, mas afligido de temperamento exaltado, e do vezo de corrigir meio mundo, comum dos que procuram oportunidades para irritar e se irritarem.

Sardinha não tirava a palavra excomunhão dos lábios, e na Bahia era o avantesma do seu pecaminoso rebanho, que apavorava sem muito discernimento, perseguindo aos desafetos com terríveis ameaças a respeito da perdição futura, mais multas e penitências que sobre eles atirava, enquanto fechava os olhos sobre os deslizes dos que por cálculo ou fraqueza o lisonjeavam.

O Bispo Sardinha não se arreceava em fazer inimigos, e depois de feitos em enfrentá-los, mesquinhos ou poderosos, num exagero extravagante de catador de nugás e inconsciente semeador de discórdias" O Bispo não abria mão dos seus princípios.

Lycurgo Santos Filho, relata as desavenças do Bispo: historiadores e cronistas tornaram bem conhecida a acirrada contenda que, no Salvador, se travou entre o primeiro Bispo do Brasil, d. Pero Fernandes Sardinha e o segundo Governador Geral, d. Duarte da Costa.

As duas mais altas autoridades da Colônia dividiram a cidade, com suas quezílias, em duas facções poderosas, que poderosos eram os contendores. Cada um de seu lado, Bispo e Governador, injuriavam-se mutuamente, sem que pessoalmente a eles nada sucedesse.

Sofriam os partidários, que foram perseguidos, presos e espancados à ordem de um ou de outro, pois que ambos possuíam quase idênticos poderes. Como autoridade civil e militar, mandava e desmandava o Governador; como autoridade eclesiástica, o Bispo multava e confiscava e prendia quem bem quisesse, à menor suspeita ou denúncia de judaísmo e heresia.

Continua Lycurgo, D. Duarte da Costa, o Governador Geral, nobre palaciano, filho de um valido de D. Manuel, contribuiu por sua vez, com ações e palavras, para o desenrolar do conflito. Teve razão no início. Apoiado pelo padre Luiz da Gram e principais da cidade, procurou chamar o Bispo à razão, pedindo-lhe que fosse mais cordato, mais indulgente, não carregasse tanto nas multas e penitências.

D. Pero exasperou-se e num sermão, de modo velado, mas com endereço certo, pediu o castigo dos céus para os desregramentos sexuais de d. Álvaro (filho do Governador) e companheiros. O pai não gostou da pregação e, desde então, teve início a luta entre as duas principais autoridades da Colônia.

Quase todos os funcionários da Coroa e muitos dos "homens bons" da cidade, como Diogo Muniz Barreto, que foi Alcaide-mor da Bahia e provedor da Misericórdia, permaneceram fiéis ao Governador. O mesmo não sucedeu com o Senado da Câmara, onde grande parte dos camaristas tornou o partido do Bispo.

Trouxe Nosso Senhor o Bispo D. Pero Fernandes Sardinha, honrado e virtuoso, zeloso na reformulação dos costumes dos cristãos; mas quanto aos gentios e a sua salvação se dava pouco, porque não os tinha como o seu bispo, eles lhes pareciam incapazes de toda a doutrina, por sua bruteza e bestealidade, nem os tinha por ovelhas do seu curral. Nisso residia a principal divergência entre o primeiro Bispo e os Jesuítas.

D. Pero Fernandes Sardinha (1552 – 1556) – O Papa Júlio III, a 5 de fevereiro de 1551, pela bula Super specula militantes Ecclesiae, desmembra o Brasil de Funchal e cria uma diocese com Sé na Bahia de Todos os Santos.

D. Pero Sardinha antigo vigário geral na Índia, mestre em teologia, pessoa de boas letras e doutrina, chegou a Bahia em 22 de junho de 1552, vésperas de São João. O bem-vindo Bispo bateu logo de frente com os Jesuítas. Segundo Serafim leite:

O Prelado punha tacha em tudo quanto os jesuítas praticavam para a moralização da terra e catequização dos índios. Os jesuítas confessavam por intérpretes, reprovou tal uso; faziam disciplinas públicas, combateu-os; atacavam as mancebias, desculpou-as; ensinavam a doutrina no colégio, dispensou-o; aceitavam alguns costumes indígenas, decretou-o que eram ritos gentílicos. O Prelado fazia questão que os índios andassem vestidos.

A vida de D. Pero Fernandes Sardinha, no Brasil, é uma tessitura compacta de desavenças com o poder civil, com o seu Clero e com os Jesuítas.

A avaliação que Serafim Leite faz do primeiro Bispo do Brasil, D. Pero Vaz Caminha, não é positiva, considerava-o de caráter arrevesado, que liberava excomunhão como multas pecuniárias, e não possuía a indispensável incontinência da língua numa terra ainda em formação, onde a cizânia da intriga faria o resto.

O juízo que a história emite de D. Pero Fernandes Sardinha é severo.

Tendo, antes de chegar ao Brasil, dado boa conta de si, foi vítima do meio, inconsistente e em ebulição. Parece-nos que não chegou a compreender a terra. Tendo letras, não se serviu dela para o bem da catequese... Amigo do culto e de cerimonias litúrgicas solenes, não sentiu amor pelos índios.

Serafim Leite não poupou o Bispo Sardinha: uma virtude, porém, tinha o primeiro prelado do Brasil. Envolto num torvelinho de paixões, disputas e intrigas, ninguém invocou contra ele prevaricações em matéria de bons costumes. Mas isto não bastava...

Pero Fernandes Sardinha, filho de Gil Fernandes Sardinha e Lourença Fernandes, nasceu em 1495, natural de Évora, foi professor nas Universidades de Paris, Coimbra e Salamanca. Morreu aos 61 anos, em 1556.

No próximo capítulo tratarei da morte do Bispo, importante para a história de Sergipe.

Antônio Samarone.

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

GENTE SERGIPANA - MARIA CARREIRO.


Gente Sergipana – Maria Carreiro (In memoriam). (por Antônio Samarone)

Maria da Graça do Amorim (Maria Carreiro), nasceu no início do século XX (15/04/1910), no Tanque da Caatinga, nas brenhas do Campo do Brito. Filha única de Seu Manoel carpinteiro, artesão de gamelas, e de Dona Josefa.

Maria Carreiro nunca pôs os pés numa escola, onde morava não existia. Desde menina, tomava conta do carro de boi do pai, único meio de transporte naquelas bandas. Amansava boi e montava a cavalo em pelos. Fazia de tudo no trabalho agrícola.

Já moça, foi inspecionar as arapucas que tinha armado para pegar nambu, e cruzou com Constantino, um pequeno fazendeiro de Itabaiana, com pose de rico. O estranho ficou impressionado com a beleza de Maria Carreiro. Uma Tupinambá saída da mata.

Constantino Alves do Amorim era de família remediada. Filho de Chico do Carmo, irmão de João Teixeira (pai de Oviedo Teixeira). Família importante em Itabaiana. Constantino se apaixonou por Maria Carreiro. Acertado o casamento, ela impôs uma condição: quem guia o carro de boi sou eu, você abre as cancelas.

Maria Carreiro ganhou do pai, como presente de casamento, um carro de boi. Chegando no Sítio Porto, em Itabaiana, terra do marido, ela montou uma frota. Passou a trabalhar botando areia, pedra, lenha para as padarias, tudo era transportado de carro de boi.

No primeiro calçamento de rua em Itabaiana, ela passou a trabalhar para a Prefeitura, botando areia lavada para a realização da obra. Naquele tempo não existia cimento. No povoado Matapuã, em Itabaiana, existia diversos fornos de fabricação de cal. Todo o transporte era realizado por Maria Carreiro.

Dona Maria Carreiro era respeitada por todos. Saia comprida, pelo mocotó, casaco com 4 bolsos, alpercatas de couro, chapéu de palha, um facão de 16 polegada na cintura e, se precisasse, tinha em casa uma espingarda de “soca tempero”. Onde chegava se impunha.

Maria Carreiro nunca teve menos de 20 bois de brocha no pasto. Quando iam envelhecendo, elas mesma amansava os novos, botava cambão nos bichinhos.

O coração era udenista, mas era amiga tanto de Dona Sinhá (esposa de Euclides Paes Mendonça); como de Dona Pequena (esposa de Manoel Teles), os dois chefes políticos da região.

Maria Carreiro teve cinco filhos. Zé, Celina, Antônio, João e Inês. Dona Celina é a mãe dos Amorins famosos (Edvan e do Senador Eduardo).

Maria Carreiro enviuvou cedo. Seu Constantino foi atravessar a BR, levando a boiada para o pasto, e foi atropelado pelos carros modernos (05/04/1977).

Dona Maria carreiro era viciada no trabalho. Com chegada da modernidade e o fim dos carros de boi, Maria Carreiro abriu um comércio na feira de Itabaiana. Vendia de tudo, menos carne, ela dizia a quem perguntasse.

Dona Maria Carreiro foi um exemplo de independência e altivez. Morreu (02/07/1987) com mais de 80 anos, sem nenhuma doença. Morreu porque chegou a hora, de velhice, como se dizia.  

Numa terra de grandes matriarcas, Maria da Graça do Amorim foi um exemplo.

Antônio Samarone.

domingo, 11 de agosto de 2019

SERGIPE ANTIGO - (CAPÍTULO VII) - TOMÉ DE SOUZA


(Cap. VII)

Sergipe Antigo. (Ciri-gy-pe – rio dos siris). (por Antônio Samarone)

Tomé de Souza - Primeiro Governador Geral

Francisco Pereira Coutinho era filho de Afonso Pereira, caçador-mor de D. Afonso V, do seu conselho e alcaide-mor de Santarém, e de sua segunda mulher, D. Catarina Coutinho, filha dos segundos condes de Marialva.

Serviu no reino, na África, na Índia e na América. Foi capitão de Goa a 27 de janeiro de 1521, do conselho de João III em 1531, e teve, em galardão dos seus serviços, a 05 de abril deste mesmo ano, a capitania de Sergipe, no Brasil.

O grande equívoco de alguns historiadores: nominar a capitania doada a Francisco Pereira Coutinho como sendo Capitania da Baía de Todos os Santos, como demonstramos em capítulos anteriores.

Coutinho já era um velho, quando foi tomar passe do território que lhe fora distribuído. Violento por índole, e desprezador da selvagem bravura dos Tupinambás, como quem estava costumado a medir-se com mais terríveis inimigos, quis levar tudo a ferro e a fogo.

Francisco Pereira Coutinho chegou para tomar posse em 1537, tentou se estabelecer em harmonia com os tupinambás, fundou engenhos, criou fortificações, só que a paz durou pouco. Os conflitos com os índios logo se acentuaram, e o Capitão Francisco Pereira Coutinho terminou no ventre dos tupinambás em 1547, num ritual antropofágico na Ilha de Itaparica.

Os franceses diziam que os tupinambás possuíam um “singulier plaisir”, e desconfiava de quem rejeitasse participar dos seus banquetes. Coutinho foi devorado numa festa antropofágica, após ser imobilizado e executado por uma borduna empunhada por uma criança cujo irmão fora morto pelo donatário.

O ritual de antropofagia tinha regras: toda a tribo deveria participar, tudo do inimigo era comido, a ferocidade e o ódio pelo inimigo deveriam ser demonstrados, a orgia de sangue que as crianças eram mergulhadas, a gula das velhas. Só o executor do assassinato não participava da comilança, fica na maloca em absoluto jejum.

Nos primeiros anos, os índios foram parceiros comerciais dos invasores. Com a formação do Governo Geral, mesmo antes com as Capitanias Hereditárias, o interesse dos portugueses deixa de ser o escambo e passa a ser a mão-de-obra indígena para as suas empresas coloniais e soldados para as guerras, contra outros índios ainda não subjugados e com prováveis invasores externos (franceses, espanhóis e holandeses).

A morte de Coutinho foi um alerta para a Coroa Portuguesa sobre a falência do modelo de Capitanias Hereditárias. D. João III criou o sistema de Governadoria Geral, um delegado da Coroa, autoridade centralizada, para implementar a colonização (escravizar e tomar as terras dos índios) e proteger as capitanias.

Tomé de Souza.

Tomé de Souza era o mordomo mor de D. João III, comendador de Rate e de Arruda, senhor do prado de Bastos e tinha servido com distinção na Ásia e na África.  

O primeiro Governador, Tomé de Souza, chegou a Bahia em 29 de março de 1549, comandando três naus, duas caravelas e um bergantim, com 320 funcionários para todos os ofícios, 400 degredados, 600 soldados, vários fidalgos e seis jesuítas, liderados por Manoel da Nóbrega. Entre os familiares, estavam o filho bastardo Garcia d’Ávila, então com 21 anos.  

Tomé de Sousa (1549 a 1553), o primeiro governador-geral do Brasil, fundou Salvador (1549), e a instalou o primeiro bispado do Brasil. Com ele vieram os primeiros jesuítas, chefiados por Manoel de Nóbrega, que fundaram na Bahia o primeiro colégio em território brasileiro. No que se refere à economia, houve desenvolvimento da economia açucareira, baseada na mão-de-obra escrava, e a introdução das primeiras cabeças de gado.

O governador-geral contava com três auxiliares no primeiro escalão: o ouvidor-mor, responsável pela Justiça, o provedor-mor, pelas finanças e o capitão-mor, pela defesa do litoral. Antônio Cardoso de Barros, donatário da Capitania não colonizada do Ceará, veio ocupar o cargo de procurador da Coroa, visando cobrar os impostos; e doutor Pedro Borges, para ocupar o cargo de ouvidor geral e diretor da justiça.

Garcia d’ Ávila.

Com a formação do Governo Geral e a chegada de Tomé de Souza, duas outras Capitanias Hereditárias, a de Ilhéus e a de Porto Segura avançaram para a integração com a Bahia de todos os Santos, e a pequena faixa (Sergipe atual) continuou resistindo. O filho bastardo de Tomé de Souza, Garcia d’Ávila, fez e patrocinou várias incursões malsucedidas para ocupar as terras de Sergipe, sempre rechaçados pelos tupinambás.

Garcia d'Ávila, um dos mais ricos habitantes da Baía naquele tempo, possuidor de muitos currais de gado em toda a costa do rio Real até além de Tatuapára, com grandes edifícios de vivendas, capelas e ermidas.  Na igreja da Conceição de Nossa Senhora, "mui ornada, toda de abobada", tinha ele um capelão para lhe ministrar os sacramentos.

Chegou ao Brasil em 1549, sendo "criado" de Tome de Sousa, isto é, moço criado e educado pelo governador. Foi o fundador da casa da Torre, tendo adquirido as terras, base de sua grande fortuna, a Tome de Sousa, que as houvera em 1563 por duas concessões reais.

Garcia d'Ávila, de quem Nóbrega se queixava em 1559 a Tome de Sousa, foi quem primeiro tentou a redução do gentio do rio Real, que Luiz de Brito d'Almeida veio a conseguir, fundando a vila de Santa Luzia e tornando assim possível a formação da Capitania de Sergipe. Tema dos próximos capítulos.

A 28 de julho de 1591, na qualidade de vereador mais velho da Câmara da Baía, prestou "juramento público da fé na fôrma declarada no regimento" trazido pelo visitador do Santo Ofício. Garcia d’ Ávila morreu a 23 de maio de 1609, sendo sepultado na Sé da Baía.

Tomé de Souza. Chegou ao Brasil em 28 de março de 1549, A esquadra com duas caravelas e um bergantim. O Ouvidor Mor Pero Borges e o Procurado Mor da Fazenda Antônio Cardoso de Barros. 

As diretrizes do Governo Geral no Brasil foram estabelecidas no Regimento, nossa primeira Constituição, datada de 17 de dezembro de 1548. O intuito civilizador de Portugal centrava-se no proveito da fé e do Império.

Em 1550, El-Rei mandou uma nova armada para fortalecer Tomé de Souza, navios mercantes, munição de guerra, artilharia, e trezentos soldados, sob o comando do Capitão Simão da Gama de Andrade.

Vieram os seis jesuítas com Tomé de Souza: Azpilcueta Navarro, Antonio Pires, Leonardo Nunes, Diogo Jácome e Vicente Rodrigues chefiados por Manoel da Nóbrega. Tomé de Souza doou aos jesuítas o sítio denominado Terreiro de Jesus, e uma sesmaria, Água de Meninos, cuja renda era destinada ao sustento dos meninos do Colégio de Jesus.

Em 1550, chegaram os padres Salvador Rodrigues, Manuel de Paiva, Afonso Brás e Francisco Pires. Em 1553, chegaram juntos com Duarte da Costa, Luiz da Grã, Braz Lourenço, João Gonçalves, e os irmãos Antônio Blasquez, Gregório Serrão e José de Anchieta.

Com a instalação do Governo Geral, intensificaram-se as ações de combate aos índios, incendiando as aldeias e dizimando mulheres, velhos e crianças.

Os portugueses inauguravam uma nova etapa no relacionamento com os índios. Morte aos que não se subjugassem. Evidente, que os índios perceberam a que a estratégia dos jesuítas de evangelização era uma falácia, e como funcionários pagos e mantidos pela Coroa, os jesuítas eram parte do projeto de dominação e ocupação da terra pelos portugueses.

Os conflitos e as divergências do braço armado português com as ações dos jesuítas eram residuais, efêmeras, localizadas. Eram partes de um mesmo projeto. Álvaro Costa, famoso pela crueldade e pela devassidão, tinha um comportamento tão extravagante que obrigou ao Bispo Sardinha denunciá-lo a Coroa.

Tomé de Souza instituiu o pelourinho nas Vilas, para a execução judicial, e despedaçava os índios condenados amarando-os na boca de um canhão. A pena de morte era generalizada, geralmente após um julgamento apressados. Aos índios não cabia escolha ou a conversão e escravização ou a morte.

Tomé de Souza, ao tomar conhecimento da morte de dois portugueses pelos índios, mandou prender dois morubixabas escolhidos sem critério, e sem relação com as mortes dos portugueses, executando-os de forma cruel, amarrando-os a boca de um canhão e ordenando o disparo. Os caciques tiveram os seus corpos despedaçados para servir de exemplo.

Os jesuítas divulgavam em sua catequese que havia um testamento de Adão, destinando as terras do Novo Mundo aos portugueses e espanhóis, portanto, não era justa a resistência dos índios.

Bispo Sardinha

O primeiro bispado brasileiro foi criado pelo Papa Júlio III, com a bula "Super Specula Militantis Ecclesiae", em 25 de fevereiro de 1551, e para seu titular El-Rei d. João III indicou d. Pero (ou Pedro) Fernandes Sardinha. Aportou o Bispo, ao Brasil, em junho de 1552, ao tempo de Tomé de Souza.

O primeiro Bispo, D. Pedro Fernandes Sardinha, homem culto, refinado, trouxe consigo toda a clerezia, ornamentos, sinos, peças de prata e outras alfaias dos serviços da igreja. O Bispo Sardinha foi importante na história de Sergipe, será tema dos próximos capítulos. 

Em 1536 foi criado no reino luso o Tribunal Inquisitorial; embora os cristãos novos tenham constituído alvos centrais entre as heresias, o processo esteve incluído num quadro maior de reformas, notadamente marcado pela Contra Reforma, cujo eixo central foi representado nas determinações do Concílio de Trento (1545 - 1563).

Jorge Valadares foi o primeiro médico formado a atuar no Brasil, durante o governo de Tomé de Souza (1549 – 1553); Jorge Fernandes, o segundo, no governo de Duarte da Costa (1553 – 1557); e Mestre Afonso o terceiro, no governo Mem de Sá (1557 – 1572).

Antônio Samarone.

sábado, 10 de agosto de 2019

SERGIPE ANTIGO (CAPÍTULO VI) CAPITANIAS HEREDITÁRIAS (parte dois)


(Cap. VI)

Sergipe Antigo. (Ciri-gy-pe – rio dos siris). (por Antônio Samarone)

A Capitania de Sergipe (parte dois.)

João III - O Piedoso (1502-1557) nasceu na cidade de Lisboa em 06 de junho. Primeiro filho de D. Manuel I com a rainha D. Maria de Castela. Assumiu o trono de Portugal em 19 de dezembro de 1521, alguns dias após a morte de seu pai, e reinou durante 36 anos. Casou-se com D. Catarina, irmã do imperador Carlos V, em 1525, e veio a falecer em junho de 1557.

A 26 de agosto de 1534, D. João III assina carta de doação da Capitania de Sergipe a Francisco Pereira Coutinho:

“D. João, por graça de Deus, rei de Portugal, e dos Algarves, daquém e dalém mar em África, senhor de Guiné e da Conquista, navegação, comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc. A quanto esta minha carta virem, faço saber que eu fiz ora doação, e mercê a Francisco Pereira Coutinho, fidalgo da minha casa, para ele e todos os seus filhos, e netos, herdeiros e sucessores, de juro, e herdade para sempre, da capitania e governança de 50 léguas de terra na minha costa do Brasil, as quais começarão na parte do rio São Francisco e correm para o sul até a parte da Bahia de Todos os Santos.”

Senhores de baraço e cutelo.

Os donatários eram de juro e herdade senhores de suas terras. Tinham jurisdição civil e criminal, com alçada até cem mil réis na primeira, com alçada no crime até morte natural para escravos, índios, peões e homens livres, para pessoas de mor qualidade até dez anos de degredo ou cem cruzados de pena; na heresia (se o herege fosse entregue pelo eclesiástico), traição, sodomia, a alçada iria até morte natural, qualquer que fosse a qualidade do réu, dando-se apelação ou agravo somente se a pena não fosse capital.

Os donatários poderiam fundar vilas, com termo, jurisdição, insígnias, ao longo das costas e rios navegáveis; seriam senhores das ilhas adjacentes até distância de dez léguas da costa; os ouvidores, os tabeliães do público e judicial seriam nomeados pelos respectivos donatários, que poderiam livremente dar terras de sesmarias, exceto à própria mulher ou ao filho herdeiro.

O território de Sergipe é o núcleo central da Capitania doada a Francisco Pereira Coutinho. São cinquenta léguas de costa, do Pontal a Caixa Prego. Cabia ao donatário repartir o território, doando sesmaria a quem bem intendesse, desde que fossem cristãos.

Se na terra houvesse minas, o Rei de Portugal teria direito a um quinto da produção, bem como dez por cento do pescado. O pau Brasil também era da Coroa.

O Capitão da Capitania ficava autorizado a doar sesmaria a qualquer pessoa, desde que cristão; se encontrasse ouro ou outros metais preciosos, era obrigado a pagar um quinto ao Rei. O pau Brasil e plantas medicinais continuam pertencendo ao Rei. Ao donatário eram atribuídos poderes de justiça e da fazenda pública.

Francisco Pereira Coutinho era um fidalgo abastado, experimentado na Índia, e chegou ao Brasil em 1537, com uma vasta comitiva, em sete naus, muita gente e muitos recursos. Inicia a ocupação de sua capitania de forma entusiasmada, construindo engenhos, distribuindo sesmarias, ocupando terras que não lhe pertenciam e criando um conflito com o velho Caramuru.

Os conflitos com os Tupinambás foram intensos. Os modos de ação de Coutinho eram incompatíveis com acordos e negociações, agia de forma violenta e imperial. Ficou conhecido como o Rusticão.

O poderoso Francisco Pereira Coutinho quis desenvolver a sua capitania à força, envolvendo-se em conflitos frequentes com os tupinambás, e um desses conflitos a soldadesca de Coutinho assassinou um filho do cacique, agravando os conflitos.

No primeiro momento ele teve a colaboração de Caramuru na pacificação dos gentios, harmonia que durou pouco, pois em pouco tempo ele manda prender o próprio Caramuru. Diante do agravamento da situação, Coutinho foge para a Capitania dos Ilhéus, tentando esfriar o estado geral de beligerância.

Francisco Pereira Coutinho, donatário da Capitania de Sergipe, naufragou nos baixios do Peraúnas, na Ilha de Itaparica, onde será deglutido pelos tupinambás.

Em meados de 1547, ao retornar para Villa Velha, sentindo-se seguro, as duas naus encalharam na extremidade sul da Ilha de Itaparica, Francisco Pereira Coutinho é preso pelos índios e submetido ao ritual antropofágico, que durou cinco dias, comum entre os tupinambás. A cerimônia demorou seis dias. Sua cabeça foi partida com uma clava, pelo irmão do índio assassinada; sua carne servida em fausto banquete.

A antropofagia é uma instituição por excelência dos tupi: ao matar um inimigo, de preferência com um golpe de tacape, no terreiro da aldeia, que o guerreiro recebe novos nomes, ganha prestígio político, acede ao casamento e até a uma imortalidade imediata. Todos, homens, mulheres, velhas e crianças, além de aliados de outras aldeias, devem comer a carne do morto. Uma única exceção a esta regra: o matador não come sua vítima.

Comer é o corolário necessário da morte no terreiro, e as duas práticas se ligam: "Não se têm por vingados com os matar senão com os comer". Morte ritual e antropofagia são o nexo das sociedades tupis. Como bem sintetizou Manuela Carneiro da Cunha.

 “De todas as honras e gostos da vida, nenhum é tamanho para este gentio como matar e tomar nomes nas cabeças de seus contrários, nem entre eles há festas que cheguem às que fazem na morte dos que matam com grandes cerimônias, as quais fazem desta maneira.” (Fernão Cardim).

Os portugueses acreditavam que os índios eram animais, não possuíam alma, não possuíam natureza humana. A dúvida foi levada ao Vaticano, e através do breve Pastorale oficcium, em 29 de maio de 1537; seguido da bula, Sublimis Deus, de 02 de junho do mesmo ano, o Papa Paulo III (o mesmo que convocou o Concilio de Trento), concluiu que os índios eram gente, possuíam alma, e poderiam ser catequizados.

Um aspecto curioso desta bula é sua discussão de como lidar com a poligamia. Após a conversão, os índios tinham que se casar com a primeira esposa, mas se eles não conseguissem lembrar, poderiam escolher, dentre as esposas, aquela de sua preferência.

Em 29 de maio de 1537, da Bula Veritas Ipsa pelo Papa Paulo III, declarando serem os índios homens e que, como tal, tinham alma, reforça o entendimento geral de que a bestialidade era a característica dominante ou a imagem que os colonizadores, tanto espanhóis como portugueses, atribuíam às pessoas indígenas.

Essa decisão da Igreja cria uma dificuldade para os colonizadores, a escravidão dos índios foi condenada, passando ser autorizada apenas diante de uma guerra justa. Na prática, a Bula era pouco observada.

Bula Veritas Ipsa – 1537.

“Nós outros, pois, que ainda que indignos, temos às vezes de Deus na terra, e procuramos com todas as forças achar suas ovelhas, que andam perdidas fora de seu rebanho, para reduzi-las a ele, pois este é nosso oficio; reconhecendo que aqueles mesmos Índios, como verdadeiros homens, não somente são capazes da Fé de Cristo, senão que acodem a ela, correndo com grandíssima prontidão, segundo nos consta: e querendo prover nestas cousas de remédio conveniente com autoridade Apostólica, pelo teor das presentes letras, determinamos, e declaramos, que os ditos Índios, e todas as mais gentes que daqui em diante vierem à notícia dos Cristãos, ainda que estejam fora da Fé de Cristo, não estão privados, nem devem sê-lo, de sua liberdade, nem do domínio de seus bens, e que não devem ser reduzidos a servidão. Declarando que os ditos índios, e as demais gentes hão de ser atraídas, e convidadas à dita Fé de Cristo, com a pregação da palavra divina, e com o exemplo de boa vida.”

Aantropofagiaexpressava oatraso da economia dosPovos Tupi.Comiam seus prisioneiros deguerraporque um cativo rendia poucomais do que consumia, não existindo incentivos para integrá‐lo à comunidade como escravo.

Escravidão.

Ao contrário da tradicional justificativa da escravidão, onde os prisioneiros de guerra, que seriam naturalmente eliminados, recebem a proposta de tornar-se escravo como uma generosidade do vencedor, entre a morte e a escravidão, fica patente que dos males o menor.

A escravidão implantada no Brasil pelos portugueses foi numa ordem inversa, criavam-se as guerras justas com o objetivo de prear-se os índios para escravizá-los. A incipiente economia no Brasil (cana, gado, extração e subsistência) foi tocada com a mão de obra escrava. Como os índios não aceitaram pacificamente essa condição foram eliminados, num genocídio abominável.

Os portugueses na ocupação do Brasil comportavam-se em sua relação com os nativos numa condição de supremacia absoluta, não existia a noção de crime.

As terras dos índios foram ocupadas, suas filhas e mulheres ficaram à disposição dos machos brancos, suas aldeias queimadas, sua cultura abolida (etnocídios), e uma eliminação física em massa, seja em “guerras justas”, sejam pessoalmente. Matar um índio não implicava em consequências para o assassino, nem ao menos era necessário explicar as razões do assassinato.

Antônio Samarone.