segunda-feira, 10 de abril de 2023

O ÚLTIMO MÁGICO


 O último Mágico.
(por Antonio Samarone)

Magia é a arte da ilusão, de modificar o curso dos acontecimentos manipulando forças estranhas. A magia é mais que o truque.

Conheci os magos no circo. O mágico Zé Bezerra não só tirava pombos de cartolas, ele colocava a sua esposa, dona Lourdes, no espaço. Não era truque, ele desafiava os incrédulos.

Zé Bezerra era convincente, a plateia acreditava que ele possuía uma força estranha, que tinha parte com o satanás. Era um prestidigitador, um feiticeiro, um teurgo, um saltimbanco admirável,

A televisão acabou com a magia, em sua realidade digital. Os mágicos passaram a demonstrar os truque de cada número, desmontaram a fantasia.
O cinema criou o mágico de OZ, a televisão acabou a fantasia.

Em minha ilusão infantil, tenho um consolo: eles não conheceram Zé Bezerra, não viram a “mulher no espaço”. Ali era mágica, longe dos truques bestas de cartas.

Tudo o que acontece de forma inexplicável, só pode ser mágica ou milagre. Mágica é o milagre laico. Exista ou não, eu acredito. Quero de volta a minha fantasia.

A ciência manipula as forças naturais e a magia as forças sobrenaturais. Santo Agostinho não enxergava diferenças, entre magia e bruxaria, as duas usam a ciência do diabo. Não existem magia negra e magia branca. A magia é única.

“A Bíblia proíbe o que é carmina, incantationes, maleficia; ela condena os arioli e os incantatores. Ela proíbe, também, toda forma de investigação do futuro e de interrogação dos mortos, como se vê no episódio do rei Saul e da pithonissa de Endor.” – Franco Cardini

Conta-se em Itabaiana, que Zé Silveira, o filho de Zeca Mesquita, no leito da morte, pediu a uma nora espírita: “a senhora pode ligar para o outro mundo, para saber para onde eu estou indo?” Todo mundo caiu na gargalhada.

Acho que Itabaiana deve uma homenagem ao seu maior artista, Zé Bezerra, ator, mágico, palhaço, cantor e saltimbanco.

Zé Bezerra foi o último mágico.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

RENATO MAZZE LUCAS

 Doutor Renato Mazze Lucas...
(por Antonio Samarone)

Mazze Lucas clinicou em Itabaiana na década de 1950. Foi o terceiro médico em Sergipe a especializar-se em psiquiatria.

Durante o curso, no Rio de Janeiro, numa aula sobre a licantropia, uma psicose onde o delírio do paciente faz ele acreditar ser um lobo, Mazze Lucas se destacou.

O professor, para mostrar erudição, citou dois exemplos bíblicos de licantropia:

Saul, que terminou cometendo o suicídio, e o poderoso Rei da Babilônia, Nabucodonosor (605-562 a.C.). Nabucodonosor corria e urrava, cobria-se de pelos e hipertrofiava os caninos durante os surtos de licantropia.

Na medicina antiga, a licantropia era conhecida na Mesopotâmia. Hipócrates classificava as doenças mentais em epilepsia, mania, histeria, melancolia e paranoia. Afastou os demônios. Todas as doenças tinham causas naturais.

O professor de psiquiatria indagou aos alunos: alguém conhece casos dessa doença? Mazze Lucas não se acanhou: eu conheço por ouvir dizer. Vê, nunca vi, más ouço falar. Itabaiana, onde eu moro, em todas as quaresmas eles aparecem.

Em Itabaiana, a pessoa que padecia de licantropia era chamada de lobisomem.

O lobisomem é um mito universal. Foram os portugueses que os trouxe para o Brasil. Eram desconhecidos pelos índios.

O lobo é uma animal feroz e astucioso. “O homem é o lobo do homem.” – diz Thomas Hobbes, no leviatã.

Mazze Lucas acreditava que Itabaiana era uma terra de muitos “labisonens” ou “lubisomes”, como o povo chamava. A maioria na Rua Nova. O povo via os maçons como certos. Desconfiar, o povo desconfiava de muita gente.

Sebrão Sobrinho apelidava Itabaiana de “Velha Loba”, não sei se por conta da infestação dos lobisomens ou para remeter a Rômulo e Remo, alimentados por uma loba, na fundação de Roma.

Em um texto delicioso, na revista de Aracaju nº 8, Mazze Lucas destrincha as peripécias dos lobisomens de Itabaiana, dando nome aos lobos e aos homens. Não os cito, com receio em desagradar os descendentes familiares.

No Beco Novo e no Tabuleiro dos Caboclos tinha uma meia dúzia de lobisomens. Betinho de Bebé dos passarinhos tem a relação. Sem falar na fama de Campo do Brito.

A licantropia como doença desapareceu do CID (Código Internacional das Doenças), mas os lobisomens não. Continuam lobos, agora com pele de cordeiros. Trocaram apenas o delírio e a pele.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

A DANÇA DOS XOCÓS


 A dança dos Xocós.
(por Antonio Samarone)

O Frei Enoque Salvador (81 anos) adoeceu, passou mal, e foi internado às pressas na UTI do Hospital João Alves.

Enoque é um herdeiro moderno dos padres Ibiapina e Cícero, e do beato Conselheiro. O messianismo sertanejo ainda viceja.

O Frei Enoque viveu e pregou o evangelho no Sertão do Poço Redondo, sempre ao lado dos mais pobres, dos índios e dos sem-terra.

Na doença de Enoque, os índios Xocós saíram da sua Aldeia e vieram fazer a sua pajelança na porta do Hospital. Uma vigília para o Frei Enoque.

A dança é a celebração da vida. O Rei Davi dançou diante da Arca.

Os pajés sabem que é a dança, acompanhado dos seus tambores, que os aproxima dos espíritos. A dança é uma linguagem além da palavra. Os cortejos dos pássaros os demonstram. A dança é o instinto da vida.

A medicina já descobriu a terapêutica da dança.

No budismo tântrico, Amogasiddhi, senhor do movimento vital, criador, intelectual, é o senhor das danças.

Ontem, os Xocós dançaram na porta do hospital, pedindo pela saúde do Frei Enoque.

Hoje, acordei com uma mensagem de um velho clínico de UTI, um emergencista amigo: “Samarone, a pajelança funcionou. O quadro do Frei era sombrio. Depois da dança ele despertou, e vai ter alta da UTI.”

Existem evidências, sentenciou o esculápio, com um riso de descrença no canto dos lábios, que a força simbólica da pajelança dos Xocós salvou Enoque.

“Na Grécia e de seus mistérios, da África, pátria dos orixás e do Vodu, ao xamanismo siberiano e americano, e até nas danças mais livres do nosso tempo, por toda a parte o homem exprime pela dança a mesma necessidade de livrar-se do perecível.” – Chevalier.

Quando as palavras e os remédios não bastam, os homens apelam para a dança.

A dança é uma febre que se apodera do corpo, agita-o, rejeitando a dualidade do temporal, para encontrar a unidade ontológica entre o corpo e a alma. É a explosão da energia vital.

“Nemo enim fere saltat sobrius, nisi forte insanit” – Cícero. (Nenhum homem sóbrio dança, se não está fora do seu juízo).

Toda dança é sagrada. O Rei Davi saltava com todas as suas forças, diante do Senhor. A dança é a primeira manifestação coletiva em homenagem ao sobrenatural.

O Frei Enoque renasceu pela dança dos Xocós, e viverá eternamente nos recantos do Sertão sergipano, pelo menos no coração dos sertanejos.

Viva o Frei Enoque!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

SERGIPE NÃO QUER

 Sergipe não quer...
(por Antonio Samarone)

Conversando com o Dr. Lessa, médico, filosofo, músico, poeta, um intelectual a moda antiga. Fiz uma pergunta tola, achando que não existia resposta: do ponto de vista cultural, por que as coisas em Sergipe não andam?

Ele foi breve: Sergipe não quer! Somos provincianos por opção. Não é o destino nem a sina, é opção. Os nossos músicos, dançarinos poetas e pintores, são tolhidos no ninho. Os sergipanos ignoram tudo que nasce e se cria em Sergipe.

As nossas festas são transplantadas da Bahia. A música, a dança, os vestuários, tudo vem de fora. O talento local é tratado a pão e água.

Continuou o Dr. Lessa, vejam as praias do Rio Real:

A Praia do Saco está caindo aos pedaços, querem derrubar até uma capela centenária. As casas dos ricos, cada um isolado em seu canto, fecham o acesso a Praia. Um turista desavisado, chegando no Saco na hora do almoço, volta com fome.

No lado da Bahia, defronte ao mesmo rio, o Mangue Seco floresce entupido de visitantes. Uma boa parte de Aracaju. Pousadas, restaurantes, opções de trilhas, tudo funcionando. Do nosso lado, a mais profunda solidão.

Pelo Norte, às margens do Rio São Francisco, Piranhas é um avançado centro turístico das Alagoas, do nosso lado, Canindé paira na mais absoluta apatia. Lembrando que Lampião morreu do nosso lado e que existe um reserva de caatinga preservada.
Canindé tinha tudo para dar certo. Mas Sergipe não quer...

Até o São João, virou um evento político. São shows com artistas de fora, oferecidos pelos cofres públicos. Lembro-me que Paulo Correia e Chico Buchinho, quando foi secretário da Cultura, com Marcelo Déda, tentaram recuperar o significado da festa, mas isso faz muito tempo. Por onde andam Buchinho e Paulo Correia?

O sergipano quer ficar em seu canto, longe do mundo, isolado, olhando para o próprio umbigo, sentenciou o Dr. Lessa. Ninguém de Sergipe se destaca lá fora. Não temos nomes nacionais em nada, não é só na cultura e na arte. Somos provincianos medulares, temos uma alma atávica.

Sei que alguém vai apontar as exceções, certo, mas são exceções. Uma ou outra perdida.

Nas feiras de Sergipe, os cestos de caranguejos são abertos. Fiquei curioso e perguntei ao vendedor se os caranguejos não fugiam. Ele riu. Foge não, se um tentar os outros puxam para baixo.

Os nossos últimos poetas nacionais foram Hermes Fontes e Pedro de Calazans. O último músico nacional foi Luiz Americano. Quando fundaram a Academia Brasileira de Letras, Sergipe teve cinco titulares. A quanto tempo não temos candidatáveis?

Quando um ou outro sergipano começa a se destacar, a primeira providência é negar a sua origem. Dr. Lessa, abriu um exceção, se lembrou de Mestrinho, o filho de Erivaldo de Carira. De fato, é um nome nacional e diz de boca cheia que nasceu e se criou em Itabaiana.

Viva Mestrinho!

Não é pela inexistência de talentos, longe disso. Sergipe deu às costas ao mundo, por opção.

Fiquei inculcado com essa conversa. Salvo melhor juízo, chego a suspeitar que o Dr. Lessa pode ter razão.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

AS RAÍZES


 As raízes...
(por Antonio Samarone)

Sou de família de ferreiros. O patriarca João José de Oliveira veio de Portugal, na segunda metade do Século XIX. Instalou a sua tenda na Sambaíba, vizinho a Matapõa e Flechas, na Villa de Santo Antonio e Almas de Itabaiana.

Ao chegar no Brasil, João José casou com Nhanha. uma Tupinambá, que ele conheceu em Itaporanga. Tiveram 10 filhos.

João José teve uma prole imensa. Todos ferreiros! (ou quase todos, tinha os fogueteiros).

Sou do ramo de um dos filhos de João José, Bernardino José de Oliveira, meu bisavô. (Atropelado pelo trem (1926) no povoado Caititu, quando ia comprar ferro em Maruim).

Mais precisamente, sou neto do ferreiro Totonho de Bernardinho (foto) (Antonio Francisco de Oliveira). Os meus tios, José e Homero de Totonho, também foram ferreiros.

O ferreiros tinha a tradição de valentia.

O som da bigorna de Bernadinho era ouvido de longe. Som de bigorna é como som de sino, tem tonalidade própria. A bigorna de Bernardino está guardada, na tenda do primo Arnaldo.

Na Idade Média, os ferreiros tinham um pacto com as forças ocultas. A forja, o martelo e fogo moldavam o ferro. Pura alquimia. Só servia o carvão de jurema.

A minha avô materna, Maria do Céu Monteiro, filha de Nicolau de Honorato (judeu russo). Plantador de fumo em Lagarto.

Por parte de pai, Elpídio José de Santana, venho do Matebe, um velho engenho do Capunga. A matriarca Genoveva, minha bisavô, era uma pequena sitiante. O avô Ascendino de Genoveva, loiro de olhos azuis, bodegueiro nas Candeias, casado com Georgina (Gina), uma cafuza, quilombola do Tabuleiro dos Caboclos.

Não pertenço aos senhores donatários, nem aos sesmeiros. Nem mudei de lado.

Gente pobre, trabalhadora, mas cheia de brios, com a cara cheia de vergonha. Aprendi com dona Lourdes, minha mãe, que ninguém é melhor do que ninguém. Lá em casa, o mendigo e barão tinham o mesmo tratamento.

Mamãe tinha a cabeça erguida.

Dona Lourdes era uma feminista libertaria, sem saber. Me botou na escola e acompanhou o meu desempenho. Cobrava decência e disciplina. Me ensinou a não ser ximão, nem arado, nem pidão e nem oferecido. A não pegar as coisas dos outros. Eram defeitos morais imperdoáveis.

Me abriu as portas da cidadania.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

NON, JE NE REGRETTE RIEN


 “Non, je ne regrette rien.”
(por Antonio Samarone)

Tudo começou em 1975, quando comecei a ensinar ciências e biologia no Colégio Arquidiocesano do Padre Carvalho.

Fui professor por vocação e precisão.

Em 1984, enfrentando uma dura resistência política, passei no concurso da UFS para ensinar Saúde Pública.

Fiz parte de uma geração que sonhou em mudar o mundo.

Uma parte dessa geração participou por modismo, por ser prestigioso naquele momento acreditar num projeto coletivo. Na verdade, faziam carreira pessoal. Em regra geral, os chamados puros, quebraram a cara, marcaram passos, forram derrotado; os espertos, que cuidavam de si, se deram bem, foram bem-sucedidos.

Os movidos por princípios tropeçaram, os pragmáticos venceram. Lembrando Max Weber, os que observaram a ética da necessidade derrotaram os seguidores da ética da convicção.

É a lei da política. Não é uma questão moral.

Esse preâmbulo é para situar os jovens, meus atuais alunos de medicina. Talvez os últimos. Gente estudiosa, de bons propósitos, que sonham em vencer na vida. Não existe mais as utopias de mudar o mundo. Cada um cuida de si, sem peso na consciência.

O momento histórico é outro! O curso da Faculdade de Medicina da UFS, São Cristóvão, é voltado para o mercado, com a aparência legitimadora da ciência.

Deixo à docência esperançoso. Essa meninada vai resistir a desumanização da medicina operada pelo mercado. Uma nova safra de médicos está no forno. Eles serão os médicos dessa nova medicina que está nascendo.

É visível na turma a diversidade. As cotas humanizam os cursos de medicina, mantendo a qualidade. É como eu vejo.

Deixo um agradecimento especial a esses alunos da foto, provavelmente os últimos. Sinto que chegou a hora: a velha Saúde Pública perdeu. Foi engolida pelo mercado. Talvez as minhas aulas já pareçam antigas e desinteressantes.

Não tenho outras! O que era novo, hoje é antigo...

Há pouco tempo, na primeira aula, um aluno indagou: “quais os procedimentos que iremos aprender nessa disciplina que possamos oferecer a clientela?” Só faltou dizer, que possam virar mercadoria e ser ofertada ao mercado. Fui sincero: nenhum! Para esses, a disciplina é inútil.

Ainda sugeri: por que não trocam “saúde e sociedade” por “pequenas empresas e grandes negócios?”. Quando a medicina deixou de ser um sacerdócio (ócio sagrado), para ser um negócio (negação do ócio), a prevenção perdeu o sentido.

Mesmo assim, sinto que os novos médicos resistirão (pelo menos uma parte) ao desmanche do SUS, operado até por gente que lutou pela reforma sanitária, na década de 1980, e que hoje ocupa o poder político.

Lembrando os versos de Cazuza: os dados ainda estão rolando, o tempo não para. Entretanto, a Saúde Pública que eu acredito, que luto por ela, está sendo derrotada.

Eu não me arrependo de nada!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

SERGIPE PROFUNDO (INDIAROBA)

 Sergipe Profundo.
(por Antonio Samarone)

Deu no conceituado Portal do poeta e jornalista Jozailto Lima, que foi criado um Banco municipal no Interior de Sergipe. Um banco?

Pois é, um banco! onde?

A Villa do Espírito Santo do Rio Real, atual Indiaroba, é um município pobre, pequeno (menos de 20 mil habitantes), sempre governado pelos Senhores de baraço e cutelo. Indiaroba não saía do lugar.

No final do século passado, Indiaroba passou por um movimento de Reforma Agrária, liderada pelo Técnico Agrícola Adinaldo do Nascimento. Vários assentamentos foram formados.

E agora, o que fazer com a produção, onde vender, como colocá-la no mercado. A terra foi dividida, mas a produção é mercantil.

O mundo dar voltas e o mesmo Adinaldo da reforma agrária chegou a Prefeitura de Indiaroba pelo voto.

Qual a principal preocupação do novo Prefeito? Tirar a população da miséria? A primeira providência foi criar a feira do produtor, onde os assentados da reforma agrária pudessem comercializar os seus produtos. Um ceasinha municipal.

O Perfeito Adinaldo avançou, criou um Banco Municipal e uma moeda local, o Aratu (A$). O dinheiro passou a circular no município. Um Aratu vale um Real. O novo dinheiro circula no município, vende-se e compra-se com ele.

Tá na hora do aratu (A$) buscar paridade com o yuam, a moeda da China.

Tudo isso está previsto no Sistema Monetário Nacional. O próximo passo é que o Bolsa Família seja pago em Indiaroba em aratus. Hoje o Banco Aratu já possui dois mil e duzentos correntistas.

Outra providência. Indiaroba hoje possui mais de cem viveiros de camarões, tudo sustentável, sem agredir o meio ambiente.
Empreendimentos de pessoas remediada. Gera renda e empregos para muita gente.

Indiaroba abastece Salvador de Camarão.

O Prefeito Adinaldo embelezou Indiaroba. Uma gracinha!

Gente descrente, vão conhecer... A cidade é limpa, arborizada, uma orla linda e bucólica. A preservação da memória da cidade foi priorizada. Quem for a Salvador pela linha verde, pare um pouco, entre na Cidade.

Façam melhor, se for na hora do almoço, parem no Restaurante de Dona Bebé para comer Pitu. Bebé é falecida, mas o restaurante continua com a família e as receitas são as mesmas. Não é um prato barato, mas vale a pena.

No anonimato, sem grande divulgação, o Prefeito Adinaldo Nascimento faz uma gestão revolucionária, que está mudando a vida do povo pobre.

Palmas, para o Prefeito Adinaldo do Nascimento, de Indiaroba.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

O AEROPORTO EM ITABAIANA

 Aeroporto em Itabaiana.
(por Antonio Samarone)

Valmir de Francisquinho foi à Brasília, com o seu grupo político, querendo trazer um aeroporto para Itabaiana. Cutucou uma parte da ciumenta elite política do Estado.

Um intelectual amigo me ligou aborrecido: “Valmir está pensando o quê, Itabaiana é a capital brasileira do caminhão, onde já viu um aeroporto? Baixem a bola!”

Eu caí na risada!

Meu amigo, eu cresci esperando esse aeroporto. No final da década de 1950, Euclides Paes Mendonça, acompanhado por Leandro Maciel, procuraram o Brigadeiro Eduardo Gomes em busca desse aeroporto. No tempo chamava-se “campo de aviação”. E o Brigadeiro prometeu.

O terreno foi desapropriado dos Breus. A pista de areia chegou a ser feita e o terreno cercado. Os mais velhos lembram. Muito tempo depois o terreno foi invadido, em época de eleição: nasceu a “Lata Véia”, hoje o moderno Bairro da Torre.

Acho que a família dos Breus não foi devidamente indenizada e doou o que restou do terreno do aeroporto, para o Itabaiana construir a Vila Olímpica.

Muito tempo depois, o Itabaiana, para pagar dívidas, revendeu o terreno do aeroporto para os comerciantes. É lá que está instalado o nosso Shopping Center, de Messias Peixoto.

O aeroporto de Itabaiana da década de 1950/60, só não foi concluído por conta da morte prematura de Euclides Paes Mendonça.

Valmir pensou alto!

Itabaiana vive uma nova arrancada econômica, e precisa sim de um aeroporto, para voos locais de pequenas e médias aeronaves. Aeroporto, centro de convenções, museu, teatro, hotéis e, sobretudo, de líderes criativos e que pensem grande.

Além do mais, Lagarto já tem o seu aeroporto. (risos)

Antonio Samarone (médico sanitarista)

O PAPA-TERRA

 O papa-terra.
(por Antonio Samarone)

Severino, aos onze anos, andava pelos cantos comendo barro. A molecada não perdoava: Ensogado, amarelo igual a rã de faveira, empapuçado, inchadinho.

Na escola do professor Orion, todos se achavam no direito de zomba-lo.

Ele sempre que podia levava na brincadeira. Sorridente, atencioso, educado, mas quando se zangava, saísse de baixo. Eu gostava dele.

Reconheço que de vez em quando eu também tirava onda. Em terra de sapos, de cócoras com eles.

Ainda não existia o bullying, ou se existia, ninguém sabia. Na verdade, não existia a consciência do bullying. As relações sociais em minha Aldeia eram mediadas pela violência.

Severino não era um coitadinho, andava com um canivete amolado e não pestanejava. Tinha a língua afiada. De vez em quando, reagia as zombarias com firmeza. Contra-atacava.

Severino professava uma filosofia: “atrás dos apedrejados, correm as pedras.” Portanto, ele tentava fazer de conta que não era com ele. Até certo ponto.

Lembro-me de Severino brincando de “pinta rainha” e “sola mingola”, escutando as estórias de Trancoso contadas por dona Gemelice, a rezadeira.

Se não bastasse, o pai de Severino, seu Júlio, era um homem rigoroso. Achava que o vício dele era intolerável. Não é fome, só pode ser safadeza. A desculpa do papa-terra é o pau não ter oco. Os castigos eram medonhos. O vicio conduz ao precipício, pensava seu Júlio.

Entretanto, uma força estranha empurrava Severino para a geofagia. A vigilância não impedia. Ele passou a comer terra escondido.

Só na Faculdade, descobri que Severino padecia do amarelão, uma verminose causada pelos nematelmintos ancylóstoma ou necator. O organismo de Severino precisava de ferro. Ele não tinha saída.

Severino comeu um tampado de terra, más sobreviveu ao amarelão e a crueldade dos amigos.

Era o ambiente cultural de minha infância. A compaixão era reprimida.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A ROTA DAS ESPECIARIAS

 A Rota das Especiarias.
(por Antonio Samarone)

A banca de especiarias da feira do Augusto Franco (foto) é sortida de histórias e tradições. São 72 variedades de species.

Especiarias são partes de certas plantas (raízes, rizomas, cascas, bulbos, folhas, caules, flores, frutos e sementes) em estado natural, secas e/ou objeto de elaboração mecânica que por seu sabor ou aroma característicos dão sabor aos alimentos.

As especiarias eram mercadorias caras e importadas, e o seu consumo denotava riqueza. Cravo da Índia, canela da China e pimenta do Reino. Gengibre, Pichilin e noz moscada da Malásia.

Depois da tomada de Constantinopla pelos turcos (1453), a Europa se movimentou para dobrar o Cabo das Tormentas, e encontrar um caminho marítimo para as Índias, em busca das especiarias.

Colombo descobriu a América, procurando um caminho novo para as Índias pelo Oeste, em busca de ouro e especiarias. Vasco da Gama chegou as Índias pelo Leste.

A rota da seda também foi a rota das especiarias. As sementes do Império movimentaram o mundo.

Especiarias vem do latim species (variedades). Os temperos como species antecederam a Lineu, que também usou “species” na classificação biológica dos seres vivos.

Somos a espécie humana (Homo sapiens), por enquanto.

Hoje as especiarias chamam-se temperos.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

EU CONFESSO

 Eu confesso?
(por Antonio Samarone)

Não posso deixar de falar sobre o que tenho visto e ouvido.

Segundo o IBGE, a expectativa de vida aos 68 anos (o meu caso), é de 17 anos. É com esse tempo que posso planejar o futuro. É o que me resta.

Não estou reclamando!

O que fazer com esses 17 anos? O meu corpo não reconhece essa previsão da estatística e já está amuando. Ele possui os seus próprios desígnios. A medicina se oferece em vão, para mantê-lo azeitado. Nos impõe restrições e sofrimentos, sem os resultados prometidos.

O corpo está programado para a dissolução (cadáver adiado), para retornar ao pó, como ensinam a doutrina e a vida. A hora é de contarmos o que vimos e ouvimos, com a memória.

O homem começou a falar a uns 70 mil anos. A linguagem foi o encanto do Cro-Magnon. A bíblia cristã começa a vida com a fala. No princípio era o verbo! Antes era o gesto. Ninguém discursa com os brações amarrados.

A cultura entra pelo ouvido. A escrita é posterior. Os Acádios derrotaram os sumérios e formaram o primeiro Império. São conhecidos, por terem deixado tudo escrito, em tabuletas de barro. Viveram na Mesopotâmia.

Depois que os fenícios inventaram o alfabeto, a cultura tomou a forma humana.

Ontem conversei com Jorge Carvalho, um velho amigo, sobre novas trilhas. Vovas viagens de exploração da Expedição Serigy. Um consenso: trilhas que não exijam esforço físico. O corpo já pede descanso, desde que não seja o eterno. E a alma, como diz a canção, pede um pouco mais de paciência.

É preciso acreditar em ilusões, sem elas, a vida acaba.

Acredito na imortalidade, na versão de Jorge Luís Borges. A imortalidade do espírito universal.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

MAIS MÉDICOS E MENOS POLITICAGEM

 Mais médicos e menos politicagem.
(por Antonio Samarone)

Novamente as entidades médicas erram ao atacarem o programa “mais médicos”. A pretensão de levar a medicina aos pobres é inaceitável para eles.

A reação é de paixão ideológica!

A medicina de mercado não é economicamente afetada com o “mais médico, mesmo assim eles não aceitam. O argumento principal é que estão preservando a qualidade da medicina.

Como assim, o que seria uma boa medicina?

A imagem de que a boa medicina é a que incorpora tecnologias sofisticadas de alto custos é dominante, fortalecida pelo manto da pseudociência.

A medicina de mercado é por natureza uma biomedicina, única forma que permite transformar o cuidado médico em mercadoria: ou seja, em um cuidado impessoal, padronizado e passível de quantificação, garantindo a produtividade e o lucro.

O mercado não lida com empatia, acolhimento, proteção, afeto, solidariedade. O mercado cuida do corpo físico, ao seu modo, e oferece procedimentos. A atenção espiritual, psíquica, social, o sofrimento, o medo, a solidão dos doentes não é objeto da medicina de mercado.

A medicina humanizada não gera lucros e não pode ser padronizada, quantificada e impessoalizada.

Eles sabem, mas fingem que não sabem, que existem outras medicinas. A medicina de mercado, apesar de hegemônica, não é a única. Cada medicina usa a ciência a seu modo e de acordo com os seus objetivos.

Existem charlatões em todas elas, más nenhuma medicina nega a ciência. Cada medicina adapta a ciência aos seus objetivos e usa o nome da ciência em vão.

As medicinas holísticas ultrapassam a fronteira do corpo, levam em conta as pessoas, com as suas histórias e as suas crenças. Somos entes e seres, corpo e alma, matéria e espírito. A ciência cuida dos fenômenos materiais.

A transcendência é parte da vida e não é objeto das ciências, está na esfera da filosofia, teologia e arte.

A medicina humanizada não despreza a biomedicina, a medicina do corpo. Ela é útil e necessária. O corpo é perecível e caminha para a decomposição. Precisa dos cuidados da medicina. Mas não é só isso. O sofrimento humano ultrapassa o corpo, e outros aspectos da vida são afetados (social, afetivo, psicológico, religioso, existencial).

Os mesmo que negam o “mais médicos” em nome de uma medicina de “qualidade”, defenderam recentemente a cloroquina como prevenção da Covid-19, subestimaram as vacinas e a quarentena.

Gente, as entidades médicas ao assumirem um discurso político ideológico, reduzem a sua legitimidade social.

Na verdade, defendo SUS como um sistema universal, público e gratuito, mas enquanto isso não chega, o mais médico pode aliviar muitos sofrimentos.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A VITÓRIA DO EMPREENDEDORISMO

 A vitória do empreendedorismo.
(por Antonio Samarone)

Rabelo era um dos demitidos da Petrobras, em Sergipe. Casado, 3 filhos, 62 anos, formação universitária e desempregado a seis anos. Sobrevivia com o salário da esposa, professora da rede municipal, em Aracaju.

Rabelo perdeu a saúde e a autoestima. Sem esperança em um novo emprego, foi trabalhar por conta própria. Colocou o seu carro na rua e foi rodar como Uber. Se matava, chegou a trabalhar 16 horas sem parar.

Queria mostrar dignidade aos filhos.

Por último, todo passageiro que pegava o carro dele, era levado para a rua do Acre, antiga sede da Petrobras. Virou um obsessão.

Rabelo emagreceu, tinha uma aparência de 80 anos. Barba crescida, olhos fundos, trajes descuidados.

Rabelo virou o maluco do Uber. Foi descredenciado pela empresa.

Ontem, recebi a notícia que Rabelo cometeu o suicídio. Matou-se a moda antiga, enforcou-se.

A psiquiatria de mercado acredita que a depressão, a ansiedade e o sofrimento mental resultam do déficit de certas substâncias no cérebro, sem ligação com o modo de vida.

A OMS definiu a Síndrome de Burnout (esgotamento), como stress crônico no local de trabalho.

O termo burn out é antigo, surgiu na década de 1960, no movimento de contra cultura. Era a ideia de alguém em chamas, se consumindo por dentro. – Camille Lichotti.

E agora? Por onde andam os bons advogados. Está claro, foi um suicídio ocupacional.

A dificuldade é encontrar um psiquiatra que registre esse fato num laudo pericial.

Rabelo, literalmente, só descansou com a morte.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

O DIREITO DAS CRIANÇAS

 O direito das crianças.
(por Antonio Samarone)

As crianças do meu tempo eram educadas pelo espancamento.

No Beco Novo, Rosalvo da Cabo Quirino surrava os filhos (Rosa, Robério, Negro Velho e Banhinha, com tanta disposição, que os gritos dos meninos eram ouvidos à quilômetros.

Os critérios das surras eram próprios e secretos. Rosalvo não tinha satisfação a dar. Saiu da linha, o pau comia.

As minhas surrinhas eram palmadas, cascudos e puxavantes de orelha, nada próximo das surras de Rosalvo nos filhos.

De cinturão, cinturão mesmo, só apanhei duas vezes. As duas merecidas: zombei de idosos. Os pais que não batessem naquele tempo, eram tidos como relapsos e censurados pela sociedade.

Apanhava-se em casa e apanhava-se na escola.

As professoras eram mais técnicas, batiam com a palmatória, quando elas achassem que o aluno merecia.

Existia uma técnica pedagógica chamada de sabatina. A turma formava uma roda. A professora fazia uma pergunta. O infeliz não sabia, a pergunta passava para o próximo até alguém acertar.

Quem acertasse era obrigado a bater com a palmatória nas mãos de todos os que tinham errado.

E assim, nesse batido, a sabatina durava horas. A pedagogia do medo.

Nas escola ainda tinha os castigos cruéis (ajoelhar-se sobre caroços de milho), e os humilhantes (ficar em pé, com o rosto virado para a parede), num canto da sala.

Rosalvo do Cabo Quirino era o motorista do padre. Ele aprendeu que na tradição portuguesa, quando um condenado ia à forca e a corda se rompia, ele poderia ser amparado pelo manto da Irmandade de Misericórdia. Se a corda se partiu, é porque havia alguma injustiça na condenação.

Rosalvo conhecia todas as obras de misericórdia, mas só exercitava uma: castigar os que erram. Sobretudo os filhos.

As obras de misericórdia são sete corporais: remir os cativos, visitar os presos, curar os enfermos, cobri os nus, dar de comer aos famintos e de beber a quem tem sede, dar pouso aos peregrinos e enterrar os mortos.

E sete espirituais: ensinar aos simples, dar bom conselho a quem pede, castigar os que erram, consolar os desconsolados, perdoar os que nos injuriam, sofrer as injurias com paciência e rezar pelos vivos e pelos mortos.

Mutatis Mutandis, Rosalvo achava que enquanto Deus lhe desse força no braço e a chibata suportasse o tranco, eram provas da justeza do seu espancamento. O detalhe é que ele batia nos filhos com fio elétrico e, até onde eu sei, nunca se partiram.

Rosalvo eram um homem piedoso, probo, irmão das almas, funcionário da paróquia, caridoso, mas não transigia na educação dos filhos.

Antonio Samarone (médico sanitarista).

SÓ A MEMÓRIA DERROTA O TEMPO


 Só memória derrota o tempo.
(por Antonio Samarone.

Ontem, 17 de março de 2023, completemos três anos do grande confinamento. Para comemorar a vida, fizemos uma festa, com alguns amigos.

“Os verdadeiros amigos têm a capacidade de se eternizar dentro da gente”. – Adélia Prado.

É tempo de reencontros e reconciliações. Todos estão perdoados de tudo ou de quase tudo.

Entre os pecados capitais, a soberba e a inveja são os mais nocivos para as amizades. As derrotas fragilizam a soberba na velhice e nada pode sobre a inveja.

A inveja é eterna. Sá a memória salva!

O nosso cérebro é analógico, funciona por aproximações, símbolos, devaneios, sonhos e narrativas. A mente não é binária, digital, por isso a inteligência artificial não é inteligência, é um método de cálculo.

O risco é a vida digital aprisionar a analógica e empobrecer a mente.

A subjetividade do cérebro é cercada de erros, grandes acertos, imprevistos, novidades inesperadas. Somos matéria orgânica. A vida não precisa de certezas. Sem erros, não há evolução.

O que sentimos no reencontro de ontem não se calcula, nem se prevê. Só as artes, em especial a poesia, se aproximam das emoções.

Eu, viciado na vida virtual das Redes, experimentei a emoção em carne e osso. São coisas distintas, mas alimentam as mesmas funções cerebrais.

O delírio tem várias causas e um só efeito: nos deixa delirantes. O delírio ignora a razão.

Ficar sem a telinha do celular on-line é entediante, a solidão digital invade o que nos restou da alma.

Gente, sinto que o meu cérebro já fechou alguns compartimentos, onde memórias (boas e ruins) foram para o arquivo morto. Vou perguntar ao amigo Kid, psicanalista de formação freudiana, se o arquivo morto é o inconsciente.

Obrigado a todos. Uma felicidade que nos levou ao enternecimento, com a energia das amizades e boa música de Badaró e Capilé. Na despedida, uma choro coletivo, na hora da Avé Maria na guitarra, com um coro ao fundo.

O ambiente teve o cuidado e supervisão sensível de Betânia, que pensou em tudo e harmonizou o reencontro.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)