terça-feira, 24 de março de 2020

A CHINA E A PANDEMIA



A China e à Pandemia. (por Antonio Samarone)

Numa análise diferenciada e profunda, o filosofo Byung-Chu Han, professor na Universidade de Berlim, coloca novas variáveis na discussão da Pandemia. A questão deixa de ser apenas objeto de infectologistas e epidemiologistas.

Farei uma síntese de parte do pensamento de Byung-Chu Han, sobre a Pandemia, onde ele trata do uso do Big Data e do Estado policial chinês.

Vamos ao pensamento de Byung-Chu Han.

Estados asiáticos como o Japão, Coreia, China, Hong Kong, Taiwan e Singapura têm uma mentalidade autoritária, que vem de sua tradição cultural (confucionismo).

Em Hong Kong, Taiwan e Singapura há poucos infectados. Em Taiwan foram registrados 108 casos e 193 em Hong Kong. Taiwan e Coreia não decretaram a proibição de sair de casa e as lojas e restaurantes não fecharam.

Qual a novidade usada na China?

Os asiáticos apostam fortemente na vigilância digital. Suspeitam que o big data pode ter um enorme potencial para se defender numa pandemia. Poderíamos dizer que na Ásia as epidemias não são combatidas somente pelos virologistas e epidemiologistas, e sim, principalmente, pelos especialistas em informática e macro dados.

A China possui um sistema de crédito social que permite uma valorização e avaliação exaustiva das pessoas. Cada um deve ser avaliado em consequência de sua conduta social.

Na China não há nenhum momento da vida cotidiana que não esteja submetido à observação. Cada clique, cada compra, cada contato, cada atividade nas redes sociais são controlados. Quem atravessa no sinal vermelho, quem tem contato com críticos do regime e quem coloca comentários críticos nas redes sociais perde pontos.

Na China não existe a esfera privada.

Quem compra pela Internet alimentos saudáveis e lê jornais que apoiam o regime ganha pontos. Quem tem pontuação suficiente obtém um visto de viagem e créditos baratos.

Pelo contrário, quem cai abaixo de um determinado número de pontos pode perder seu trabalho. Na China essa vigilância social é possível porque ocorre uma irrestrita troca de dados entre os fornecedores da Internet e de telefonia celular e as autoridades.

Na China existem 200 milhões de câmeras de vigilância, muitas delas com uma técnica muito eficiente de reconhecimento facial. Captam até mesmo as pintas no rosto. Não é possível escapar da câmera de vigilância. Essas câmeras dotadas de inteligência artificial podem observar e avaliar qualquer um nos espaços públicos, nas lojas, nas ruas, nas estações e nos aeroportos.

Essa vigilância digital se mostrou agora ser extremamente eficaz para conter a epidemia.

Quando alguém sai da estação de Pequim é captado automaticamente por uma câmera que mede sua temperatura corporal. Se a temperatura é preocupante todas as pessoas que estavam sentadas no mesmo vagão recebem uma notificação em seus celulares. Não é por acaso que o sistema sabe quem estava sentado em qual local no trem.

As redes sociais contam que estão usando até drones para controlar as quarentenas.

Se alguém rompe clandestinamente a quarentena um drone se dirige voando em sua direção e ordena que regresse à sua casa. Talvez até lhe dê uma multa e a deixe cair voando, quem sabe.

Na China e em outros Estados asiáticos como a Coreia do Sul, Hong Kong, Singapura, Taiwan e Japão não existe uma consciência crítica diante da vigilância digital e o big data.

Ao que parece o big data é mais eficaz para combater o vírus do que os absurdos fechamentos de fronteiras que estão sendo feitos nesses momentos na Europa.

O Estado sabe onde estou, com quem me encontro, o que faço, o que procuro, em que penso, o que como, o que compro, aonde me dirijo. É possível que no futuro o Estado controle também a temperatura corporal, o peso, o nível de açúcar no sangue etc.

Em Wuhan se formaram milhares de equipes de pesquisa digitais que procuram possíveis infectados baseando-se somente em dados técnicos. Tendo como base, unicamente, análises de macro dados averiguam os que são potenciais infectados, os que precisam continuar sendo observados e eventualmente isolados em quarentena.

O futuro também está na digitalização no que se refere à pandemia. É soberano quem dispõe de dados.

Em Taiwan o Estado envia simultaneamente a todos um SMS para localizar as pessoas que tiveram contato com infectados e para informar sobre os lugares e edifícios em que existiram pessoas contaminadas.

Na Coreia quem se aproxima de um edifício em que um infectado esteve recebe através do “Corona-app” um sinal de alarme. Todos os lugares em que infectados estiveram estão registrados no aplicativo.

Entenderam como funciona o Estado chinês?

A polêmica é mais profunda. A comoção é um momento propício para se estabelecer novos sistemas de Governo. É verdade!

Slavoj Žižek acredita que o vírus deu um golpe mortal no capitalismo.

Byung-Chul Han defende o contrário, que o capitalismo sairá fortalecido. Na visão de Byung, o modelo chinês de Estado policial digital, bem sucedido contra a pandemia, pode se espalhar pelo Ocidente.

Byung-Chu Han é didático:

“Após a pandemia, o capitalismo continuará com ainda mais pujança. E os turistas continuarão pisoteando o planeta. O vírus não pode substituir a razão. É possível que chegue até ao Ocidente o Estado policial digital ao estilo chinês.”

“O vírus não vencerá o capitalismo. A revolução viral não chegará a ocorrer. Nenhum vírus é capaz de fazer a revolução. O vírus nos isola e individualiza. Não gera nenhum sentimento coletivo forte. De alguma maneira, cada um se preocupa somente por sua própria sobrevivência. A solidariedade que consiste em guardar distâncias mútuas não é uma solidariedade que permite sonhar com uma sociedade diferente, mais pacífica, mais justa.”

“Não podemos deixar a revolução nas mãos do vírus. Precisamos acreditar que após o vírus virá uma revolução humana. Somos NÓS, PESSOAS dotadas de RAZÃO, que precisamos repensar e restringir radicalmente o capitalismo destrutivo, e nossa ilimitada e destrutiva mobilidade, para nos salvar, para salvar o clima e nosso belo planeta.”

A polemica está apenas começando.

Antonio Samarone.

SOCORRER OS AFLITOS


Socorrer os Aflitos. (por Antonio Samarone)

Cheio de cuidados, deixei a quarentena e fui comprar alimentos num mercadinho, na estrada do Mosqueiro. O estabelecimento estava lotado de jovens, que tomavam uma cervejinha. Fiz um alerta: Gente, cuidado com a Peste! Eles caíram na gargalhada. Besteira, tio, essa doença só mata velhos.

Mesmo não sendo verdade, aquilo me incomodou. A sociedade brasileira perdeu a empatia pelos velhos ou nunca teve?

Mesmo a Peste do Covid -19, não matando só velhos, o risco dos idosos é maior.

O que está sendo cobrado de todos é o isolamento social. A solidariedade não está em pauta. “Em tempos de murici, cada um cuide de si”, o velho lema do Exército, na segunda expedição em Canudos.

Estamos entregando a responsabilidade do acolhimento das vítimas às instituições de saúde, mesmo sabendo que o SUS vem sendo desmontado.

Os devotos do mercado vão perceber que nem tudo pode virar mercadoria. A saúde é um bom exemplo. Nessa hora, as portas do SUS precisariam estar abertas.

Sabemos que essas medidas “heroicas” do isolamento social, visam alongar o tempo da epidemia, evitar o pico rápido, minimizando as consequências para as vítimas, dado que a rede de atenção à saúde (pública e privada) não suporta e entrará em colapso.

Observando a tragédia na Itália, os profissionais de saúde e religiosos italianos, estão na linha de frente socorrendo os aflitos, mesmo correndo riscos.

A imensa maioria dos “socialmente isolados”, por enquanto, apenas batem palmas em agradecimento.

Antonio Samarone.

A PESTE NEGRA


A Peste Negra (por Antonio Samarone, resenhando Joffre)
A Peste Negra está contada na Bíblia, foi a praga que acometeu os Filisteus, descrita por Samuel.
Na História da Guerra do Peloponeso, Tucídides relatou a Peste de Atenas (428 a.C.):
“Nenhum temperamento, robusto ou débil, resistiu à enfermidade. Todos adoeciam, qualquer que fosse o regime adotado. O mais grave era o desespero que se apossava da pessoa ao sentir-se atacado: imediatamente perdia a esperança e, em lugar de resistir, entregava-se inteiramente. Contaminavam-se mutuamente e morriam como rebanhos.”
“A enfermidade desconhecida castigava com tal violência que desconcertava a natureza humana. Os pássaros e os animais carnívoros não tocavam nos cadáveres apesar da infinidade deles que ficavam insepultos. Se algum os tocava caía morto.”
A maior epidemia da história foi a Peste Negra do Século XIV.
Começou na Ásia Central e se espalhou em todas as direções. Em 1334, causou cinco milhões de mortes na Mongólia e na China.
“Em 1347 a epidemia alcançou a Crimeia, o arquipélago grego e a Sicília. Em 1348 embarcações genovesas procedentes da Crimeia aportaram em Marselha, no sul da França, ali disseminando a doença. Em um ano, a maior parte da população de Marselha foi dizimada pela peste.” Joffre
“Em 1349 a peste chegou ao centro e ao norte da Itália e dali se estendeu por toda a Europa. Em sua caminhada devastadora, semeou a desolação e a morte nos campos e nas cidades. Povoados inteiros se transformaram em cemitérios. Calcula-se que a Europa tenha perdido pelo menos um terço de sua população.” Joffre.
Assim descreveu Bocaccio os sintomas da Peste Negra:
“Apareciam, no começo, tanto em homens como nas mulheres, ou na virilha ou nas axilas, algumas inchações. Algumas destas cresciam como maçãs, outras como um ovo; cresciam umas mais, outras menos; chamava-as o povo de bubões.”
“Entre tanta aflição e tanta miséria de nossa cidade, a autoridade das leis, quer divinas quer humanas desmoronara e dissolvera-se. Ministros e executores das leis, tanto quanto outros homens, todos estavam mortos, ou doentes, ou haviam perdido os seus familiares e assim não podiam exercer nenhuma função. Em consequência de tal situação permitia-se a todos fazer aquilo que melhor lhes aprouvesse.” Bocaccio.
Uma das maiores dificuldades era dar sepultura aos mortos!
“A epidemia se apresentou de duas maneiras. Nos primeiros dois meses manifestava-se com febre e expectoração sanguinolenta e os doentes morriam em três dias; decorrido esse tempo manifestou-se com febre contínua e inchação nas axilas e nas virilhas e os doentes morriam em cinco dias. Era tão contagiosa que se propagava rapidamente de uma pessoa a outra; o pai não ia ver seu filho nem o filho a seu pai.” Chauliac.
A caridade desapareceu por completo.
Durante a epidemia, o povo procurava uma explicação. Para alguns tratava-se de castigo divino, punição dos pecados, aproximação do Apocalipse. Para outros, os culpados seriam os judeus, os quais foram perseguidos e trucidados. Somente em Borgonha, na França, foram mortos cerca de cinquenta mil deles.
Muitos médicos se dispuseram a atender aos pestosos com risco da própria vida. Adotavam para isso roupas e máscaras especiais. Alguns dentre eles evitavam aproximar-se dos enfermos. Prescreviam à distância e lancetavam os bubões com facas de até 1,80 m de comprimento.
Frades capuchinhos e jesuítas cuidaram dos pestosos em Marselha, correndo todos os riscos.
São Roque, foi escolhido o padroeiro dos pestosos. Tratava-se de um jovem que havia adquirido a peste em Roma e havia se retirado para um bosque para morrer. Foi alimentado por um cão, que lhe levava pedaços de pão e conseguiu recuperar-se.
São Roque é o padroeiro de Campo do Brito. (Você sabe o motivo?)
As consequências sociais, demográficas, econômicas, culturais e religiosas da Peste Negra foram imensas:
1. As cidades e os campos ficaram despovoados; famílias inteiras se extinguiram; casas e propriedades rurais ficaram vazias e abandonadas, sem herdeiros legais.
2. A produção agrícola e industrial reduziu-se enormemente; houve escassez de alimentos e de bens de consumo; a nobreza se empobreceu; reduziram-se os efetivos militares.
3. Houve ascensão da burguesia que explorava o comércio.
4. O poder da Igreja se enfraqueceu com a redução numérica do clero e houve sensíveis mudanças nos costumes e no comportamento das pessoas.
A Peste Negra permaneceu endêmica por muitos séculos.
Entre 1894 e 1912 houve uma outra pandemia que teve início na Índia (onze milhões de mortes), estendendo-se à China, de onde trasladou-se para a costa do Pacífico, nos Estados Unidos.
No Brasil, a peste entrou pelo porto de Santos em 1899 e propagou-se a outras cidades litorâneas. A partir de 1906 foi banida dos centros urbanos, persistindo como enzootia em pequenos focos endêmicos residuais na zona rural.
Em Sergipe, a Peste Negra teve uma passagem branda no início do século XX. Não causou maiores estragos. As nossas Pestes foram outras.
A Peste Negra foi retratada em quadros notáveis: A Peste em Atenas, do pintor belga Michael Sweerts (1624-1664), A Peste em Nápoles, de Domenico Gargiulo (1612-1679), O Triunfo da Morte, do pintor belga Pieter Bruegel, o Velho (1510-1569), e São Roque, de Bartolomeo Mantegna (1450-1523).
Na literatura, inspirou Albert Camus, prêmio Nobel de Literatura, a escrever uma de suas obras mais conhecidas: A Peste.
Antonio Samarone (resenhando Joffre).

SERGIPE EM TEMPO DE CÓLERA


Sergipe, em tempos de Cólera. (por Antonio Samarone)

Em 14 de fevereiro de 1850, para combater a febre amarela, o Ministro do Império mandou acender grandes fogueiras, desinfetar os navios, realizar quarentena, ter cuidados especiais com os enterros e velórios, aterramento de valas e limpeza de esgotos.

Proibiu enterros afastados das cidades, publicações de obituários, encomendações em igrejas e sinos fúnebres.

Só a morte não foi proibida.

O Ministro proibiu a prostituição e o funcionamento de casas noturnas. Mandou fechar os cabarés (o baixo meretrício) e prender gigolôs e cafetinas.

O Ministro do Império ainda recomendou sangrias, vesicatórios sobre o epigástrio, pedilúvios, sanguessugas, clister, purgativos e sulfato de quinina.

A história se repete.

O governador de Sergipe mandou proibir por sete dias: eventos, reuniões, excursões, cursos presenciais, missas e cultos de qualquer credo ou religião; mandou fechar academias, shopping centers, galerias, boutiques, clubes, boates, casas de espetáculos, salão de beleza, clínicas de estética, saúde bucal/odontológica e o comércio em geral.

Sete dias é um prazo cabalístico.

A partir de segunda-feira, dia 23/03, o governador mandou fechar as fronteiras. Ninguém entra e ninguém sai de Sergipe por transporte rodoviário. Não entendi se de veículo particular pode.

Navio de fora não pode atracar em nossos portos. (Essa medida foi tomada durante a Pandemia de Cólera de 1855, em Sergipe. Na época, foi desastrosa. Levou ao desabastecimento).

A partir de segunda-feira, Sergipe vai estar de cancela fechada.
O governador determinou também que transporte coletivo, público e privado, urbano e rural, municipal e intermunicipal, em todo o território do Estado, só roda com passageiros sentados. Ninguém viaja em pé.

Não entendi por que o cidadão sentado, está mais protegido do que em pé.

Sua excelência ainda determinou que, restaurantes, bares e lanchonetes utilizem apenas o sistema de delivery.

Ficaram de fora das proibições imperiais: serviços de água, energia elétrica, gás e combustíveis. Estabelecimentos médicos e hospitalares. Laboratórios de análises clínicas; farmácias; serviços psicológicos; clínicas de fisioterapia e de vacinação; açougues; supermercados; mercados; feiras e mercearias. Funerárias e cemitérios. Serviços de esgoto e lixo; telecomunicações; processamento de dados; segurança privada e imprensa.

Miserere nobis.

Antonio Samarone.

ÁLCOOL GEL UNGIDO



Álcool Gel Ungido... (Antonio Samarone)
"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara." Saramago.
A humanidade acreditava que as Pestes decorriam dos miasmas, desregramentos morais, desalinhamento dos corpos celestes, passagem de cometas ou castigo divino. A direita brasileira acredita que o Covid – 19 é obra do Comunismo Chinês.
Os argumentos não têm valia contra as paixões.
A verdade é que, a ciência ainda sabe pouco sobre a Pandemia. O mundo científico está buscando as “evidências”.
Enquanto isso, já estão vendendo “álcool gel ungido”, no mercado livre. Surgem notícias sobre remédios que podem curar a Peste. A multidão corre às farmácias e em poucas horas o estoque acaba.
As pesquisas cientificas são influenciadas pelo contexto sócio-histórico-culturais. Nesse momento, a corrida por uma vacina ou tratamento para o Covid – 19 é coordenada pela indústria farmacêutica. A ciência é parceira do mercado.
Karl Polanyi, demonstrou em seu livro, “A Grande Transformação”, como o pensamento socioeconômico contribuiu para a construção das concepções científicas sobre a natureza humana. Sem referência social, a ciência pode se transformar numa religião.
“Isso não significa que a ciência seja uma ilusão. Ilusão seria imaginar que aquilo que a ciência não nos pode dar, podemos conseguir em outro lugar.” Freud.
Outra coisa é tratarmos a ciência com fantasia.
A medicina não sabe por que nem sempre o contágio causa a doença. Não sabe explicar como se adoece. O vírus é necessário, mas não suficiente. Não se sabe o que efetivamente desencadeia a doença e determina sua severidade. No Covid – 19 os mais afetados são os idosos, na Gripe Espanhola eram os adultos jovens.
A teoria sintética da evolução é o dogma central da biologia. A ideia, é que os organismos são campos de batalha entre forças internas e externas. A teoria biológica reproduz as nossas relações sociais: guerra, seleção dos mais aptos, competição, controle, instrução pela informação e ataque contra defesa.
“O grande erro: é muito difícil não olhar para o Covid -19, como o grande inimigo da humanidade. A preocupação sempre foi com um invasor, um inimigo externo pronto para nos exterminar, um meio hostil contra o qual devemos nos defender. Na esteira deste estilo, a imunologia constrói o seu arcabouço conceitual.” Mourthé.
“A ameaça atual pelo Covid-19 torna claro que ainda vivemos uma imunologia Pasteuriana, apoiada na teoria dos germes, segundo a qual o contágio eventual com um agente patogênico conduz ao adoecer. Na ausência de drogas anti-virais eficazes ficamos com a esperança de uma vacina que nos proteja do covid-19. Não há garantia de que ela seja sequer possível; as vacinas ainda são inventadas por tentativa e erro, como fazia Pasteur.” Nelson Vaz.
Como explicar os “portadores sãos” — os transportadores sadios de agentes patogênicos?
A Peste de Covid – 19 não é compreensível apenas sob o ângulo da biologia e da imunologia Pasteuriana. O fenômeno é bem mais amplo. Questões ambientais, econômicas, populacionais, culturais precisam ser levadas em consideração.
O nosso modo de vida não é saudável, eis a questão!
Por enquanto, vamos seguindo as recomendações da Saúde Pública.
Antonio Samarone.

MEDIDAS SANITÁRIAS PARA QUEM?


Medidas Sanitárias para quem? (por Antonio Samarone)

A OMS definiu o confinamento e a restrição à circulação das pessoas, como a principal estratégia no combate à Pandemia.

É preciso retardar a disseminação do vírus, para que a rede hospitalar não entre em colapso, no pico da doença. Com isso, pode-se reduzir os casos fatais.

No caso chinês, eles construíram um hospital com mil leitos em oito dias. Na civilizada Itália, tem gente morrendo sem atendimento. Imaginem se no Brasil a doença repetir a mesma velocidade de propagação.

A nossa rede hospitalar já é colapsada para os pobres.

Entendido! A lógica da OMS é clara. Se cada um ficar isolado em sua casa a doença não se propaga, ou o faz mais lentamente. Resta saber como colocá-la em prática.

Eu e minha família já estamos confinados voluntariamente. Nós de classe média, podemos tomar essa decisão, com dificuldades suportáveis. Mas boa parte do povo não pode ficar em casa.

Dona Helena Maria (37 anos), casada, três filhos pequenos na escola, o marido jardineiro desempregado. Moram aqui na Malvinas, sub distrito do Mosqueiro. Helena já trabalhou em minha casa.

Dona Helena é diarista. Faz faxina três dias por semana em casa de família, e no fim de semana trabalha de garçonete num desses bares da Sarney.

Dona Helena me procurou aflita. Samarone, dessa vez eu me lasquei, se não morrer de coronavírus, morro de fome, junto com os meus filhos. Calma Helena, Deus não desampara ninguém.

Dessa vez ele me desamparou. As patroas suspenderam o serviço de faxina, com medo da doença, e o bar que eu trabalhava vai fechar por uns tempo. E agora?

Para complicar, a escola mandou os três meninos para casa. Antes eles comiam na escola e eu nas casas das patroas, agora, além de não ganhar nada, tenho que arrumar comida para quatro.

Betão, meu marido, se vira. Vai pescar, catar massunim, passa o dia na maré.

Vi na televisão que a gente deve ficar em casa. Se ficar em casa eu morro de fome. Por isso vim lhe procurar.

Pensei, eita porra, e eu preocupado porque não encontro onde comprar álcool gel.

Calma minha amiga, de fome você não morre. Pode passar aqui em casa toda a semana, até a Peste acabar.

Fiquei pensando, quantas pessoas estão na situação de Dona Helena e podem ficar mais desamparadas?

A solidariedade pode renascer com a Pandemia ou isso é apenas um devaneio?

Antonio Samarone.

FIO DA PESTE


Fio da Peste (Antonio Samarone)

A Fome, as Guerras e as Pestes são os três maiores flagelos da humanidade. A Peste bubônica (transmitida pela pulga) deixou sequelas indeléveis. Peste virou nome de todas as epidemias, que dizimaram populações.

O medo das Pestes é atávico, está em nosso inconsciente. Em Sergipe, usamos corruptelas de doenças pestilenciais como xingamento. Fio da peste! Cabrunco, gota serena, bexiguento, estopor balaio, e por aí vai.

Só recentemente as doenças crônicas tiveram esse prestígio. O usual “fio do canso” dos ceboleiros.

Em 1855, na fundação de Aracaju, Sergipe viveu a maior Peste da sua história. A pandemia de Cholera Morbus assolou o nosso estado. Em três meses, 40 mil mortos, numa população de 160 mil habitantes.

No século XIV, durante a Peste Bubônica na Europa, Giovanni Boccaccio ficou de quarentena em Florença, onde aproveitou para escrever Decameron (1356), a sua obra mais famosa.

“Triste e aborrecida é a penosa lembrança da mortandade que a peste causou a pouco tempo. A cada um, e a todos que a viram, ou souberam dela, ela prejudicou”. (Decameron)

“Digo, pois, que os anos da frutífera encarnação do Filho de Deus já haviam chegado ao número de 1348 quando, na insigne cidade de Florença, a mais bela de todas as da Itália, ocorreu uma peste mortífera, que – fosse ela fruto da ação dos corpos celestes, fosse ela enviada aos mortais pela justa ira de Deus pela correção de nossas obras iníquas.” Decameron.

A peste bubônica teve sua origem na Ásia central, onde existia em estado endêmico. Chegou ao ocidente pela rota da seda e atacou a Itália pelos portos. O comércio europeu havia se desenvolvido e os negociantes genoveses e venezianos partiam para negociar até os confins do Mar Negro.

O Papa Clemente IV descreveu com realismo a Peste bubônica do século XIV:

“No ano de Senhor, 1348, aconteceu sobre quase toda a superfície do globo uma tal mortandade que raramente se tinha conhecido semelhante. Os vivos, de fato, quase não conseguiam enterrar os mortos, ou os evitavam com horror.”

“Um terror tão grande tinha-se apoderado de quase todo o mundo, de tal maneira que no momento que aparecia em alguém uma úlcera ou um inchaço, geralmente embaixo da virília ou da axila, a vítima ficava privada de toda assistência, e mesmo abandonada por seus parentes.”

“O pai deixava o filho em seu leito, e o filho fazia o mesmo com o pai.”

O medo do desconhecido leva ao pânico. É o que precisamos evitar na atual Peste do novo coronavírus.

No início da década de 1960, Itabaiana quedou paralisada com medo de uma Peste. A teoria miasmática era bem aceita. Resolveram exumar o cadáver de um líder político. A notícia deixou a cidade em pânico. Quem ousaria desenterrar os mortos? E os risco para a saúde da população?

A primeira exumação em Itabaiana foi executada. A dificuldade foi encontrar um coveiro corajoso. Nelson Tocha e Miguel Patavá, os coveiros oficiais, não aceitaram. E agora? Pagava-se bem, mas ninguém queria correr o risco.

Encontraram Antonio Angico, acostumado a limpar fossa, que aceitou. Antes, ele tomou dois litros de casca de pau, acreditando que a cachaça corta tudo, até mordida de cobra.

Para encurtar a conversa, o médico e o legista que fizeram a exumação morreram em poucos dias. Só escapou Antonio Angico, por causa da cachaça.

Imaginem o medo da Peste que dominou a cidade por um bom tempo. Até hoje em Itabaiana, se alguém encontrar uma sepultura rachando, corre para avisar ao coveiro.

Antonio Samarone.

quinta-feira, 5 de março de 2020

LOUCOS DE TODOS OS GÊNEROS (Parte dois)


Loucos de todos os gêneros... (por Antonio Samarone)

Para evitar polêmicas bizantinas: não sou psiquiatra. Fiz recentemente um curso de 740 horas em psiquiatria, que não me confere o título de especialista. Nem eu quero! Legalmente, qualquer médico pode prescrever as drogas usadas na psiquiatria e muitos assim o fazem.

Como a minha tese de doutorado em sociologia (UFS) será sobre o suicídio, tenho refletido muito sobre a realidade dos transtornos mentais no século XXI. Falam numa epidemia de ansiosos e deprimidos.

O manual americano, DSM, descreve mais de trezentos transtornos mentais. Tem para todo mundo. Se examinar direito, ninguém escapa.

O pesquisador inglês Nikolas Rose, em seu livro “Nosso Futuro Psiquiátrico”, defende: “a psiquiatria está tratando as angústias comuns ao ser humano com drogas. Os efeitos são exagerados; os riscos desconhecidos – resultando numa geração de dependentes.”

Uma tese que precisa ser aprofundada.

Segundo o cientista inglês, a psiquiatria sempre se envolveu com questões políticas e sociais. Os primeiros eliminados nos campos de concentração nazista foram os loucos. Argumentos psiquiátricos embasaram a eugenia. Os grandes manicômios segregam todos os indesejados. Os dissidentes políticos nos regimes totalitários, são tratados como doentes mentais.

Além de assistir aos que padecem de transtorno mental, a psiquiatra cria uma narrativa sobre os desajustados. Elabora um discurso etiopatogênico sobre as causas. Estabelece as fronteiras entre o normal e o patológico no comportamento das pessoas.

“De perto ninguém é normal!”

No século XXI, a indústria farmacêutica já disponibiliza drogas poderosas para alterar o funcionamento mental. A curto prazo, o “barato legal” e o bem-estar psíquico podem ser alcançado quimicamente. A questão é a dependência. O “doping” psíquico virou a saída? Nesse aspecto, drogas legais e ilegais se equivalem.

A psiquiatria dispondo de recursos farmacêuticos, demanda crescente, discurso “científico” e legitimidade social, não se acanha em medicalizar todo e qualquer sofrimento mental.

Por outro lado, diante do vazio, da perda de sentido da vida, do isolamento social, do “mal estar da civilização”, dito pelo velho Freud, as pessoas procuram uma saída química.

Claro que isso é uma síntese, a realidade é bem mais complexa.

A discussão atual não é sobre a antipsiquiatria de Franco Basaglia, na Itália da década de 1970, onde se negava a existência das doenças mentais. A doença era uma invenção política e os hospitais deveriam ser fechados. Só existem sofrimentos mentais, era a tese. A doença pode gerar um estigma, diziam os mais puros.

Essas premissas embasaram a reforma psiquiátrica brasileira.

Houve uma inversão. A tese da antipsiquiatria de que, nenhum sofrimento mental é doença, se transformou na tese da psiquiatria de mercado em que “todo sofrimento mental é doença". Qualquer mal-estar mental, deve ser tratado como doença. Atenção, mudaram o nome de doença mental para transtorno ou distúrbio mental, para evitar maiores polêmica. No tempo de Freud já existiam as neuroses e as psicoses.

A psiquiatria de mercado afirma: “já entendemos a natureza dos distúrbios mentais e já temos meios eficazes de tratá-los e tais meios devem estar disponíveis a todas as pessoas do mundo. O pesquisador inglês acha que ambas as afirmações estão erradas. Nós não entendemos o transtorno mental, nem temos meios eficazes de tratá-lo.”

Aberta a polêmica...

Antonio Samarone.

TARIFA ZERO OU LICITAÇÃO


Tarifa Zero ou Licitação. (por Antonio Samarone)

Em 09 de dezembro de 2018, o Prefeito de Aracaju determinou um aumento de 14,2% no valor da passagem dos ônibus, passando para 4 reais. Esse reajuste já completou 15 meses e permanecerá até o final das eleições de 2020. Na época do reajuste, o preço do litro de óleo diesel era de R$ 1,80.

Ontem, o mesmo Prefeito decretou que as tarifas não terão reajustes neste ano. O preço continuará de 4 reais, pelo menos até as eleições. Observando os custos, o diesel dobrou de preço e nenhum insumo ficou mais barato.

Uma obviedade: se a tarifa era de 4 reais em 2018, com todos os insumos aumentando nos últimos 15 meses, como a tarifa pode continuar pelos mesmos 4 reais até 2021? Ou seja, dois anos com a tarifa congelada não afeta a saúde do sistema. As empresas continuam no lucro. Isso demonstra claramente que a tarifa estava muito acima do preço real.

Mesmo com o congelamento da tarifa por dois anos (de dezembro de 2018 até pós-eleições de 2020), as empresas continuam rodando com lucros. Ou alguém acredita que as empresas estão rodando no prejuízo?

As coisas não estão claras: o que foi acertado com as empresas?

Quem tem poderes para não conceder reajuste, tem os mesmos poderes para conceder reajustes acima do necessário. Como não existe uma planilha consistente, prevista em contrato, calculando esses custos, embasando os reajustes, tudo depende apenas da conveniência política do Prefeito?

A planilha, se existe, é peça decorativa.

Em 1972, o prefeito Aloísio de Campos, realizou a única concorrência pública para a exploração do transporte coletivo de Aracaju, substituindo o sistema de Kombi Auto-lotação. Assim, surgiram, em 20 de abril de 1972, a Bomfim Urbana que iria atuar juntamente com a Fátima Urbana no novo modal do transporte coletivo de Aracaju.

Em 1978, o grupo Bomfim se dividiu, surgindo a Empresa São Pedro.

Em 1983, o modelo de Aloiso Campos ainda vigorava. Os 119 ônibus existentes em Aracaju operavam em 37 linhas radiais bairro/centro, sob responsabilidade de duas empresas: a Nossa Senhora de Fátima (Zona Norte) e o Grupo Senhor do Bomfim (Zona Sul).

Em 1985, João Alves/Jackson Barreto criaram em Aracaju o Sistema Integrado de Transporte (SIT). No ano 1997, foi criado o Sistema Integrado Intermunicipal (SIM), que funcionam até hoje.

Esse novo sistema integrado nunca realizou concorrência pública, permanecendo na clandestinidade até hoje.

A Superintendência Municipal de Transportes Urbanos (SMTU) de Aracaju, foi criada em 14 de dezembro de 1984, para administrar o SIT. Virou SMTT, em 07 de janeiro de 1998, incorporando o trânsito.

Em 2005, o SIT/SIM dispunha de 337 ônibus pertencentes às seis concessionárias, todas irregulares, sem licitação pública. Em 2010, o sistema continuava sendo atendido pelas mesmas seis empresas, com um aumento na frota para 508 ônibus.

Em 2013, o grupo Bomfim saiu do sistema.

O transporte coletivo atual em Aracaju não é uma concessão, decorrente de licitação pública, operada mediante contrato. As empesas atuam por Ordem de Serviço. E é aí que mora o problema: a concessão é uma dádiva, um mimo do chefe político ao empresário, podendo gerar contrapartidas não republicanas.

Perceberam que a liberalidade do Prefeito, não reajustando as tarifas em ano eleitoral, revela uma profunda distorção? Como não existem regras contratuais e as concessões não licitadas estão fora da lei, os permissionários submetem-se a zero de reajuste, sem reclamar, com a promessa de serem compensados nos anos seguintes.

Antonio Samarone.

CHUVAS BÍBLICAS


Chuvas Bíblicas (por Antonio Samarone)

Existe um consenso: o padrão normal das chuvas está mudando. No Brasil, as chuvas intensas têm sido a regra. A principal consequência são os alagamentos das cidades que não estão preparadas, com graves prejuízos para as pessoas que moram em áreas mais frágeis.

Aracaju foi construída numa área de restingas e manguezais. A cidade é cortada por rios, riachos, canais e córregos. As lagoas naturais foram aterradas e as que sobraram estão sendo.

O exemplo mais recente foi o aterramento de parte da lagoa do Santa Lúcia, que funcionava como um reservatório para as enchentes do Rio Poxim. E quem aterrou? Um órgão público.

Aracaju é uma cidade geograficamente pantanosa, aterrada livremente sem o planejamento do poder público. Urge um estudo sobre a readequação da cidade à nova realidade das chuvas. Não se trata apenas de ações paliativas na hora das enchentes.

O poder público permitiu que imensos latifúndios privados fossem consolidados em áreas urbanizadas, empurrando a população mais pobre para subúrbios distantes.

Aracaju é uma cidade de poucos donos, protegidos e privilegiados por um poder público conivente.

O imenso vazio urbano de Aracaju é uma área de especulação imobiliária, “terrenos de engorda” onde a prefeitura negocia amigavelmente a cobrança do IPTU. Já os que possuem apenas a residência própria, são extorquidos com um IPTU maior que o cobrado em Ipanema.

Aracaju exige uma readequação imediata do Plano Diretor, que leva em conta a nova realidade das chuvas.

Os recapeamentos asfálticos das Avenidas Hermes Fontes, Heráclito Rollemberg e Rio de Janeiro, suprimindo os canteiros, reduzindo a permeabilidade, vão em direção contrária a nova realidade.

Justificar a redução de áreas verdes com o discurso de melhoria da fluidez para os automóveis, não encontra respaldo técnico. Qualquer estagiário em engenharia de trânsito sabe disso.

Em síntese, Aracaju necessita com urgência retomar o planejamento urbano, centrado no interesse público e na qualidade de vida. Priorizando o meio ambiente, os recursos naturais, dunas, restingas, manguezais, bacias hidrográficas, levando em conta o novo padrão de chuvas.

“Meu sonho era poder voltar a tomar banho e nadar no Rio Sergipe despoluído”, dizia o lendário Zé Peixe.

Antonio Samarone.