terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

O JEGUE DE DAMIÃO

 O Jegue de Damião!
(por Antonio Samarone)

Eu perdoava a sergipana Ritinha.

Ritinha se meteu nisso para agradar ao irmão, um empresário metido a intelectual. Começou indo às passeatas dos amarelos. Ia pela agitação. Mesmo sem entender as razões, virou patriota.

Quando formaram o acampamento na frente do 28 BC, Ritinha se mudou de mala e cuia. A sua barraca era das mais frequentadas. Cantou hinos militares, bateu continência, gravou vídeos e fez selfies.

Passou a temer o comunismo, que estava chegando no Brasil.

Ia esquecendo, Ritinha tinha feito uma escultura tosca do Mito e enviado de presente. Recebeu do planalto um telegrama monossilábico: obrigado!

À época, Ritinha viralizou nas redes sociais, virou o orgulho dos patriotas sergipanos. Uma foto da escultura e uma cópia do telegrama chegou a circular nas redes.

Quando foi convidada para o quebra-quebra em Brasília, foi, para preservar a sua obra, que ela imaginava ainda estar no palácio. Ritinha teve uma primeira decepção: a sua escultura foi para o depósito, o Mito nem soube do presente.

Ritinha é evangélica, mas a sua primeira lembrança foi a do paraibano Damião Galdino da Silva, que deu um jegue de presente ao Papa João Paulo II, em sua vinda ao Brasil.

O Papa recusou o Jegue de Damião e o Mito recusou a minha escultura, pensou ela.

A escultura do Mito de Ritinha, não é nenhum Moisés de Michelangelo, mas foi feita com carinho, não merecia este fim.

Por azar de Ritinha, ela apareceu muito nos vídeos do último quebra-quebra. Na hora das prisões, Ritinha estava na linha de frente. Está na Colmeia!

Gente, Ritinha é mais uma oportunista do que uma golpista.

Um agravante, Ritinha tem a perna esquerda mais curta, e os sanitários da Colmeia não tem assentos, muito menos com tampas acolchoadas. Essa é a sua maior queixa.

A comida ruim está até ajudando na perda de peso. Ritinha sempre lutou contra a obesidade.

O seu irmão, este sim, um golpista, está solto e calado. Abandonou Ritinha. Publicamente, passou a odiar a política, mas continua conspirando. A paixão fascista é eterna.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

domingo, 19 de fevereiro de 2023

VELHOS AMIGOS

 Velhos amigos.
(por Antonio Samarone)

Encontrei outro dia com o dr. Rocha Gusmão, um bem-sucedido médico de subúrbio. Rochinha ficou rico, podre de rico, em 40 anos de profissão. Foi meu colega de turma, em algumas disciplinas.

Rochinha nunca atendeu por convênios, nem de graça. Cobra pouco, negocia o preço, divide, troca a consulta por qualquer coisa de valor, mas não aceita cheques, nem PIX. Só dinheiro vivo.

A Receita Federal nunca viu a cor do dinheiro de Rochinha. Ele não tem conta em banco, cartão de crédito, não compra financiado, não coloca o CPF na nota fiscal, nada, nenhuma modernidade.

O dinheiro de Rochinha é bem aplicado, e rende, rende muito.

De vez em quando, Rochinha põe o dinheiro em grandes urupemas, para tomar sol e não embolorar. Ele aplica em ouro dos garimpos clandestinos e relógios de ouro. Tudo sigiloso. Dizem que ele possui mais de cem Rolex de ouro. Ele nega, diz que não é isso tudo.

Esse é o segredo, disse-me ele: “o doente está ansioso, com medo de doenças incuráveis, medo de morrer, se ele confiar em você, vende o que tem e paga a consulta. Saúde não tem preço.” Em medicina, só não ganha dinheiro os apoucados. Eu ganho bem, não desperdiço e sei aplicar.

Doutor Rochinha nunca foi a um congresso médico, não lê revistas especializadas, acha tudo isso cosméticos. A Arte Médica, disse-me ele, é a mesma desde Hipócrates. De vez em quando consulto o seu velho manual de clínica, ainda em francês.

Rochinha sentenciou: o médico sabendo o sintoma dominante, o sinal prognóstico e o agente curativo o doente saí satisfeito. Não há sábio que tenha mais interesse em sua moléstia que os próprios doentes, eles são curiosos, inteligentes e perguntadores. Eu sei o que o doente quer ouvir, sei criar esperanças e aliviar o sofrimento.

Eu fiz uma provocação: então você não acredita na ciência?

Rochinha arregalou os olhos: “Acredito! Medicina científica é tudo o que dentro da medicina não é arte e sim base científica para o exercício da Arte Médica.”

Acredito na ciência de Paterson, Wucherer e Silva Lima, Claude Bernard e Pasteur. Já a ciência financiada pela indústria farmacêutica, eu vejo com desconfiança. Disse-me o sábio Rochinha.

Eu tenho empatia pelo sofrimento dos doentes, desde que eles paguem. Eu não sou a previdência social, nem membro da Santa Casa de Misericórdia. Não sou candidato a Santo!

Além de rico, doutor Rochinha lê os clássicos da literatura e, de vez em quando, se arrisca com alguns poemas. Todos inéditos. Ele espera algum dia ser reconhecido.

Rochinha tem hábitos estranhos: coleciona besouros. Possui uma coleção maior que a da Lineu, na Academia de Viena. Como se vê, o meu colega não é um ignorante, um negacionista obscuro. Não, apenas gosta de ganhar dinheiro.

Eu perguntei: quais as vantagens da atual medicina de mercado para os médico? Ele foi socrático: “depende, se o médico é o dono do negócio ou é empregado. Para os paciente, essa medicina tem pouco a oferecer, além das despesas.”

Rochinha tem uma memória de elefante, recitou uns versos panfletários, que ele ouviu em 1978, quando participamos de num encontro de estudantes de medicina em Belém do Pará:

“A medicina vai bem e o doente vai mal / Qual é o segredo dessa ciência original? / Certamente, não é o paciente que acumula o capital.”

Depois caiu na gargalhada. Lembrava-se, ele perguntou. Eu disse não, tinha esquecido.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

O CHÁ DA MEIA-NOITE

 O chá da meia noite.
(por Antonio Samarone)

“Quero a morte com mau gosto! / Deem-me coroas de pano, flores de roxo pano, angustiosas flores de pano, enormes coroas maciças como salva-vidas, com fitas negras pendentes. / E descubram bem a minha cara. / Que vejam bem os amigos a incerteza, o pavor, o pasmo. / E cada um leve bem nítida a ideia da própria morte.” – Pedro Nava.

Antigamente, era dado como certo que os hospitais se livravam dos doentes terminais que demoravam terminar. Além dos custos, dos aborrecimentos, do cansaço da famílias, havia a ambição das funerárias para venderem os seus serviços.

O povo acreditava que para se livrar desses mortais insistentes, se dava um chá mortífero, ou se desligava o “balão de oxigênio”.

Claro, o povo é sempre exagerado!

Em torno de um grande hospital em Aracaju, estabeleceram-se dezenas de funerárias, o livre mercado, que disputavam avidamente o corpo do defunto.

Deu confusão e empurra/empurra no corredor do necrotério. O fato chegou ao status de escândalo e virou notícia nacional.

O Prefeito resolveu intervir no mercado, com forte reação dos liberais, e planejou o negócio. Cada funerária teria a exclusividade em certos dias (houve um sorteio), e não poderiam mais colocar propaganda nas fachadas das lojas fúnebres, nem expor os caixões nas calçadas.

O sujeito morreu na segunda, os serviços funerários, incluídos o caixão, eram monopólio de tal empresa, na terça, de outra, e assim por diante.

Essa intervenção do sábio Prefeito, acalmou a concorrência. O mercado funciona bem até hoje, sem extravagâncias. Inclusive, oferecendo-se planos e seguros, onde se garante uma morte tranquila, paga em suaves prestações.

Mesmo que o defunto seja ateu, a funerária oferece um profissional leigo para comandar as leituras sacras, rezas e cânticos. Os sepultamentos e velórios ficaram muito parecidos.

Uma parte dos vivos nos velórios, chegam, olham o morto para confirmar, e danam-se a conversar em voz alta, contando causos e anedotas. Todos falando ao mesmo tempo.

Sentimentos, sentimentos mesmo pelo morto, só de poucos familiares. O sentimento dos amigos resume-se na curiosidade: morreu de quê?

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

A CULTURA EM SERGIPE

 A Cultura em Sergipe.
(por Antonio Samarone)

Antes, em Sergipe, os políticos entregavam a gestão cultural a gente qualificada: Joel Silveira, Luiz Antonio Barreto, Amaral Cavalcante, Aglaê Fontes, Ofenísia Freire, ficando nos que já faleceram.

A cultura ficava de fora do balcão de negócios.

De uns tempos para cá, a cultura virou consolação para candidatos derrotados ou mimo para puxa-sacos. No geral, os políticos não gostam de pessoas que pensam e são independentes.

A política cultural limitou-se aos patrocínios de shows de famosos em Praça Pública e a distribuição dos benefícios das leis federais.

Foi esse modelo de gestão cultural que apedrejou Rita Lee, na Barra dos Coqueiros.

Ressurge uma esperança!

O novo Governador nomeou Antonia Amorosa, para a gestão da cultura. Não votei em Fábio Mitidieri, mas tenho o direito de criticá-lo ou aplaudi-lo, quando achar procedente. Nessa indicação, o senhor está de parabéns.

Amorosa foi forjada pelo talento. Artista, poetisa, livre pensadora, uma mulher independente, à altura das dificuldades. A política cultural do Estado precisa ser descentralizada, chegar ao interior.

Sergipe é rico em manifestações culturais, que estão sufocadas pela politiquice.

Boa sorte, Antonia!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

PADRE FELISMINO

 Louco ou Santo? - Padre Felismino da Costa Fontes - 1848-1892. (por Antonio Samarone)

Nascido em Itabaiana, em 1848, Felismino da Costa Fontes descendia de pequenos comerciantes e proprietários rurais. Seguiu a carreira eclesiástica, ordenando-se em 1874, justamente no ano em que Antonio Conselheiro viveu em Itabaiana, na Rua da Pedreira.

Não há registros, mas as possibilidades de terem se conhecido é muita grande.

Os historiadores desatentos localizam a experiência sebastianista do Padre Felismino em Frei Paulo. Ele foi o vigário das Matas de Itabaiana, na localidade Chã do Jenipapo, entre 1881 e 1889.

A Villa de São Paulo só foi criada em 1890, ou seja, durante as pregações do Padre Felismino, não existia de forma autônoma, era um povoado de Itabaiana.

Em 1920, a Villa de São Paulo foi transformada na cidade de São Paulo. Em 1938, São Paulo passou a se chamar Frei Paulo, por conta de uma lei federal que não permitia a duplicidade de nomes. E São Paulo já existia.]

O Padre Felismino autointitulou-se “o pregador do fim do mundo”. O pároco liderou o movimento religioso caipira (integrado por trabalhadores rurais, donas de casa, letrados etc.) no agreste sergipano, no intervalo temporal de 1885-1890.

O Padre Felismino enquanto professava seu ministério junto à população do povoado da Chã do Jenipapo, nas Matas de Itabaiana, no período de 1881 a 1886, foi se desvirtuando do método adotado pela Igreja Católica Apostólica Romana e findou sendo denominada de “Seita dos Caipiras”, que trazia os fundamentos do Apocalipse e da Missão Abreviada.

Em decorrência, é intimado a comparecer à presença do seu superior, o arcebispo da Cúria Metropolitana da Bahia, fato que culminou com seu internamento no Asilo São João de Deus, um hospício psiquiátrico.

Houve uma resistência do clero local, sob a liderança do Monsenhor João Batista de Carvalho Daltro. Em 1890, o padre Felismino foi convocado a comparecer na sede da Cúria Metropolitana, da Bahia, para um encontro pessoal com o Arcebispo Dom Antônio de Macedo Costa.

Esse fato culminou na prisão e internamento do Padre Felismino, no Asilo São João de Deus, na Bahia. Onde o pregador do fim do mundo continuou a se comunicar com os seus seguidores através de cartas.

“O Padre Felismino, antigo Vigário da freguesia de Frei Paulo, Sergipe, o qual, tendo enlouquecido, começou a pregar sobre o fim do mundo, iniciando uma seita baseada no Apocalipse e na ‘Missão Abreviada” - Carvalho Déda.

“O padre Felismino, ordenou-se presbítero da ordem de San-Pedro, virtuosíssimo e muito inteligente, foi o primeiro vigário da sergipana paróquia de San-Paulo. Em sua vida sacerdotal, sem mácula, pouco a pouco insidiosa moléstia mental atacou-lhe o cérebro e, sobe essa ação, sem que logo o apercebessem seus superiores, criou visionária religião entre os matutos das matas de Itabaiana, que foi chamada Seita dos Caipiras.” – Sebrão Sobrinho.

O Padre Felismino foi internado no Hospício San-João de Deus, na Baía, onde concluiu tristemente sua existência em dias do ano de 1892. A psiquiatria cumpria o seu papel.

“O padre Felismino era detentor de uma mediunidade, que se externava através da imposição das mãos sobre os doentes e da vidência. Contudo, seus métodos não foram aceitos pelas autoridades da província e as eclesiásticas, porque redundaram em pregar profecias e anunciar o fim do mundo, através de uma interpretação um tanto deturpada do livro Missão Abreviada e do livro Apocalipse.” – João da Santa.

Espero que esse registro chegue ao conhecimento do Papa Francisco, e o Vaticano inicie o processo de santificação do Padre Felismino, na mesma lógica, da justa santificação do “Padim Ciço”.

Minha mãe era devota do Padre Felismino (depois virou Crente) e leitora assídua da Missão Abreviada. Eu aprendi cedo, que o mundo ia se acabar pelo fogo, segundo o Padre Felismino. O dilúvio não resolveu.

Antonio Samarone – (médico sanitarista)

GENTE SERGIPANA - SANTOS MENDONÇA

 Gente Sergipana – Santos Mendonça (1919 – 1991).
(por Antonio Samarone).

Sergipano da Barra dos Coqueiros, o radialista Santos Mendonça apresentou por décadas, com grande audiência, o programa “Calendário”. Foi radialista, cronista social, vereador e deputado.

Uma homenagem ao radialista foi prestada pela intelectual Indira Amaral, em 2007, nomeando uma sala na Fundação Aperipê: “Auditório Santos Mendonça”. Não sei se essa sala ainda existe.

Parece que Belivaldo acabou com a própria Fundação Aperipê, em 2019.

Sergipe tem essas coisas, acha-se que alguém pode se sentir homenageado por emprestar o nome a uma sala. Eu sei tem casos mais esdrúxulos. Homenagearam um vereador dando o seu nome ao sanitário do mercado: “Reservado Vereador Fulano de Tal. Já puseram o nome de um médico numa ambulância.

O memorialista e imortal Murilo Melins, descreveu Santos Mendonça de forma definitiva:

“Podemos dizer que ele foi o homem dos sete instrumentos.
Lembramos o Santos Mendonça, atleta, goleiro do Palestra e jogador de basquete, bancário do Banco Mercantil Sergipense, speeker, radialista, ator, comerciante, proprietário de cinema, rádio amador, vereador e deputado."

"Conheci Mendonça, o vaidoso e simpático goleiro, que já saia de casa uniformizado, exibindo seu corpo malhado, graças aos exercícios praticados pelo método de Charles Atlas, dirigia-se a pé pela rua de Vila Nova até o velho campo do Adolfo Rollemberg, para defender o arco do Palestra.”

Melins conta, que num programa de auditório, Santos Mendonça anunciou que um pescador tinha encontrado um dentadura perdida nas areias da Atalaia. Para surpresa geral, o dono do artefato apareceu para recuperá-la, ao vivo, no programa.

Santos Mendonça chegou à presidência da Assembleia Legislativa. Foi cassado pelo AI – 5.

Santos Mendonça nos deixou um livro delicioso, “Zig-Zag”, onde conta com graça e leveza, muitos "causos" da vida sergipana.

No prefácio do livro, Santos Mendonça se apresenta: “Nascido na Barra dos Coqueiros, filho de pais pobres, experiente em tropeço e dificuldade. Os brinquedos que conheci muito bem, foram as varas de pescar, o jereré a linha de pegar siri.

Curioso não, amigos ouvintes, curiosíssimo!” – era o seu bordão, no rádio.

(Na foto, Santos Mendonça é o repórter de bigodinho, atrás de Leandro Maciel.)

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

RUA DO FATO 60.

 Rua do Fato, 60.
(por Antonio Samarone)

Recebi logo cedo essa foto de Itabaiana, de um aluno da medicina. De primeira, não identifiquei o local e perguntei: qual é a rua?

Ele de imediato: é o calçadão.

Eita! É a idade. Eu morei nessa primeira rua perpendicular, Rua Itaporanga, 60. Ele deu uma risadinha irônica: “Rua do Fato, né?” É!

Sou cria do Beco Novo, rua de pobres, no fundo da Matriz. Rua, segundo Almeida Bispo, que já foi a entrada da cidade, por onde Santo Antonio fugia da Igreja Velha. Rua que já foi o caminho para o campo de futebol, o antigo Etelvino Mendonça.

Mas sempre foi um Beco. Morava de aluguel, em casa de rancho.

Papai arrumou um dinheirinho e saiu procurando uma casa para comprar. Tudo cara, acima das possibilidades. Arrumou uma em conta, na Rua do Fato.

Foi um dilema. Logo na rua das fateiras! Fomos conhecer. Uma rua larga, onde o esgoto corria a céu aberto. O acesso, era por cima de pedras, para não sujar os pés. Uma rua de gente mais pobre.

O preconceito é universal.

Há, tinha um ponto positivo: era perto do Murilo Braga.

Mudamos para a Rua do Fato, 60. Uma casa estreita, escura, de quintal comprido, mas era nossa. Eu tinha 15 anos, quando fomos morar em casa própria.

Bons vizinhos, gente humilde, cheia de solidariedade. Dona Neuzete, os gordos (Thiago, Tota e Cacau), filhos de Dona São Pedro, Dona Eliete, a mãe de Jiva, Zé Antonio e Cori. Jiva, a mais traquino, preso por homicídio, era afilhado de papai.

Entre os vizinhos da Rua do Fato tinha Chico Carroceiro, que não tirava um cigarro de palha da boca, sempre sorridente; defronte existia o depósito de verduras de Joãozinho de Culino, onde o meu irmão Luiz trabalhava.

Parede e meia, morava Dona Djanira, a mãe de Roberto, Pitu e Dego, ainda tinha uma menina que eu não lembro o nome. Na outra casa morava Tereza do Hospital, uma morena alta e muito prestativa.

Na esquina, era a casa do famoso Candinho, alta patente da Chegança Santa Cruz, de Seu Zé de Biné.

Candinho era o líder cultural da rua. Só calçava sapatos em dia de eleição. Só ia votar pronto, como se fosse para uma missa.

Candinho me ensinou o valor do voto.

Certa feita falaram que um Terreiro de Xangó ia se instalar na rua, foi um alvoroço.

Peço desculpa de quem esqueci. Falta muita gente.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

O NOVO SEMPRE VEM

 O Novo sempre vem...
(por Antonio Samarone)

No final da década de 1950, Itabaiana passou de uma economia agrícola de subsistência, para um grande polo comercial. A sua posição geografia, a chegada da BR – 235 e o espírito empreendedor de sua gente, permitiram essa mudança.

Euclides Paes Mendonça liderou politicamente as mudanças. Nessa fase, Itabaiana exportou grandes empresários: Ovíedo Teixeira, Albino Silva da Fonseca, Gentil e Noel Barbosa, Mamede e Pedro Paes Mendonça. Quem mais?

Itabaiana se transformou numa central de abastecimento, dominada pelo comercio e o pelo transporte. Virou a capital brasileira do caminhão. Em Itabaiana o dinheiro corre. Essas atividades drenam dinheiro para a cidade.

O que se fazia para esse capital excedente render? Se comprava fazendas de gado, expandia-se os negócios para os municípios vizinhos ou se destinava a agiotagem, as formas tradicionais de aplicação. Os juros informais em Itabaiana eram menores, bem menores que na rede bancária oficial.

Nossa Senhora da Glória e Lagarto, principalmente, se beneficiaram desse capital excedente de Itabaiana. Sem falar de Aracaju.

Recentemente, os empresários passaram a comprar imóveis urbanos, como investimento. O mercado imobiliário explodiu. Os empresários encontraram um forma segura de investimento.

Entretanto, o tamanho do mercado foi insuficiente e o negócio entrou em crise. A oferta superou a procura.

Nesse momento a economia de Itabaiana passa por uma ebulição, uma nova onda de crescimento. Precisamos que as lideranças políticas ajudem, como fez Euclides Paes Mendonça.

Para que esse novo crescimento aconteça são necessárias medidas, ações do poder público.

A explosão de votos e o prestígio de Valmir de Francisquinho nas últimas eleições, foi fruto da importância econômica de Itabaiana para o estado. O povo entendeu que a solução para tirar Sergipe do buraco não estava mais no politiqueiros de Aracaju.

Não deu certo, por circunstâncias de todos conhecidas.

A nova fase de Itabaiana exige novos equipamentos urbanos (hotéis, centro de convenções, redefinir o papel da CEASA, teatro, gasoduto etc.). Na ordem de prioridades está a duplicação da BR – 235.

Em fevereiro de 2013, fazem dez anos, o Ministro dos Transporte Paulo Passos, delegou ao Governador de Sergipe, Marcelo Deda, a competência para que a Superintendência Regional do DNIT em Sergipe, licitasse os estudos para a duplicação do trecho da BR-235 no Estado, desde Aracaju até Itabaiana.

Nada foi feito!

Sergipe possui uma representação política federal atrasada, voltada para os pequenos interesses de sua clientela. Uma caixa d’água aqui, um trator ali, nenhuma obra estrutural, voltada para a macroeconomia do estado.

Temos gente nova. Está na hora das mudanças.

Itabaiana precisa que o seu representante na Câmara Federal, Ícaro de Valmir, aproveite a vinda de Lula a Sergipe, para exigir a duplicação da BR – 235. Não espere pelo Governo do Estado.

Eu sei, a BR – 101 está há trinta anos em obras de duplicação, é o único trecho no Brasil inacabado. Volta a tese: os nossos representantes estão atolados na politicagem miúda.

Entretanto, a urgência da conclusão da BR – 101, não tira a importância e a necessidade de duplicação da BR – 235. A economia de Sergipe exige essa duplicação. É ela que nos liga ao polo Juazeiro/Petrolina.

O novo ciclo econômico de Itabaiana depende dessa duplicação.

Está na hora dos empresários de Itabaiana, os líderes políticos, a pujante imprensa local, os intelectuais, as personalidades e o povo, entenderem o novo momento vivido pela cidade.

Duplicação da BR – 235, urgente!

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

DEU PITOMBAS NO PARQUE DA SEMENTEIRA

 Deu pitomba no Parque da Sementeira.
(por Antonio Samarone)

Aracaju sempre teve bons Prefeitos: Godofredo Diniz, Conrado Araújo, João Alves (primeiro mandato), Heráclito Rollemberg, Almeida Lima e Edvaldo Nogueira.

Almeida Lima e Edvaldo Nogueira fizeram muita coisa, estão entre os bons.

A oposição está lembrando que fizeram o básico, mais fumaça do que fogo. Certo, mas isso é a regra: cabe aos governantes informar que o sol nasce e se põe por obra sua.

E, continua a oposição: “Aracaju é cercada por rio poluídos, contaminados pelos esgotos sanitários. Não possui plano diretor, é um paraíso da especulação imobiliária”.

Qual a novidade? Sempre foi assim... Falo de bons prefeitos, que cuidaram da rotina, coletaram o lixo e pintaram os meios fios.

Eu nem sabia que existia essa oposição em Aracaju, esse povo só aparece em época de eleição.

Parece evidente, que pelos menos Almeida Lima e Edvaldo Nogueira foram bons Prefeitos. Nisso, até a oposição concorda.

Num critério muito particular, a maior obra de Almeida Lima foi os cajueiros, plantados no caminho da Atalaia e a maior obra de Edvaldo Nogueira foi essa pitombeira, cheia de pitombas, no Parque da Sementeira.

Viva os cajus de Almeida Lima e as pitombas de Edvaldo Nogueira.

Estou receoso: soube que um empresário, que ficou milionário usando as vias públicas para o seu negócio, anunciou que é candidato a prefeito do Aracaju.

Deus nos proteja, dessa gente interesseira!

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

SEALBA

 SEALBA – Um show do agronegócio.
(por Antonio Samarone)

Fui ao maior evento do Agronegócio do Nordeste, no Parque Cunha Menezes, em Itabaiana. Achei que estava em Goiás, Mato Grosso... O que se pensar em grandeza, multiplique por dez. Se movimentou cerca de cem milhões.

Eu não sabia nem da existência desse Parque.

Itabaiana entra nisso pelos negócios. A nossa “agro” é centrada em coentro e cebolinha. A verdade é que Itabaiana entra em uma nova etapa econômica, ganha importância regional.

O intelectual patrício Alberto Carvalho, dizia que Itabaiana exportava cebolas e ironias. Hoje exporta mais. E agora, que passamos Lagarto em população, o otimismo sopra ruidosamente.

Sem entender nem do agro, nem dos negócios, circulei espantado pelos corredores da feira. Uma gente estranha, diferente, todos ricos ou com pose de ricos.

Os políticos distribuindo apertos de mãos e tapinhas nas costas, como sempre.

Pela indumentária e cenário, parecia um evento em Barretos - SP. Não tinha ninguém nem mais ou menos, eram todos ricos. Senti o bafo da riqueza na nuca.

Parei num stands comercial que vendia até bicicletas. Perguntei o preço a uma vendedora, que me olhou de forma desinteressada. Achou que as bicicletas do agro não estavam ao meu alcance, não eram para o meu bico. Se não fossem muito caras, tinha comprado uma, só por birra.

Visitei o stands do famoso arquiteto Itabaianense Edson Passos (foto), o empresário que construiu sozinho um bairro chique em Itabaiana. Para minha surpresa, o homem agora é banqueiro.

Gente, o certo é que Itabaiana vive uma nova expansão econômica.

Não sei os motivos, mas as gestões municipais do grupo de Valmir de Francisquinho, a alma empreendedora dos ceboleiros e o seu espírito competitivo, precisam ser levadas em conta.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

É PRECISO CUYLTIVAR O PRÓPRIO JARDIM

 É preciso cultivar o próprio Jardim.
(por Antonio Samarone)

Hoje cedo fiz essa foto, que ilustra o texto. Lembrei-me de Voltaire - (François-Marie Arouet).

“Cândido”, o seu romance mais famoso, foi escrito em três dias, em 1759. O livro busca destruir a esperança da sua época.

O personagem central, doutor Pangloss, percorreu o mundo em busca de novidades. Em sua passagem pela Turquia, dois vizir e um mufti foram estrangulados, numa revolta camponesa.

No dia seguinte, o doutor Pangloss foi visitar uma pequena fazenda no entorno de Istambul. Curioso, Pangloss perguntou ao proprietário: como se chamava o mufti estrangulado. O velho turco foi sucinto: “não sei!”

Continuou o velho turco: “nunca me preocupo com o que acontece em Constantinopla. Vou lá vender os meus produtos. Em geral, as pessoas que se metem na política encontram um fim miserável.”

Acrescentou o turco: “Eu e meus filhos cultivamos essa pequena fazenda, e o nosso trabalho nos livra de três grandes males: cansaço, vício e necessidade.”

Por fim, sentenciou o velho turco: “Il faut cultiver notre jardin”. O que Voltaire quis dizer com o seu conselho de jardinagem?

Na Itabaiana antiga, o mestre alfaiate Orpilio Silva, repetiu Voltaire ao seu modo: “Nada depois do povoado Rio das Pedras me interessa. Só o povo de Itabaiana, me encomenda ternos.” Era o seu jardim.

Estou seguindo o conselho de Voltaire e cultivando o meu jardim, com a família, nos subúrbios do Aracaju.

Antonio Samarone. (médico sanitarista).

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

AS REDES SOCIAIS


 A força das Redes Sociais.

De forma despretensiosa, puxei o assunto das espreguiçadeiras. Choveu contatos. Uma amiga de Itabaiana tem uma igual as de minha infância. Me mandou a foto.

Sílvio Santos da Capela, tem uma colorida. Clara Angélica deu uma aula, sobre as preguiçosas.

O mestre e jornalista Raimundo Luiz (93 anos), me mandou uma mensagem: "tenho uma de madeira de lei, das antigas, venha buscar que eu lhe dou esse presente."

Não pestanejei: fui buscar o presente e já botei para envernizar.

A espreguiçadeira histórica do meu amigo Raimundo Luiz, será reinaugurada festivamente.

Avisarei aos curiosos.

Antonio Samarone.

EREMITAS E ANACORETAS

 Eremitas e Anacoretas.
(por Antonio Samarone)

A solidão é um luxo da civilização!

Na vida selvagem, o Homo sapiens sempre foi uma espécie rara e ameaçada. O indivíduo não sobrevivia separado da horda, do grupo, do clã e da tribo. A solidão lhe era estranha.

Mesmos os deuses viviam coletivamente no Olimpo. Entretanto, os seus oráculos eram sempre obscuros e indecifráveis. O indivíduo é efêmero, só o coletivo possui permanência.

Deus soltou Adão sozinho no Paraíso, mas logo se arrependeu: “Não é bom que o homem esteja só.” E criou a mulher. A solidão nunca foi bem-vista.

Aristóteles acreditava que o homem era um animal social, logo, não existia lugar para a solidão.

Narciso, filho da ninfa Liríope, herda da mãe uma beleza estonteante. O oráculo Tirésias predisse que Narciso só sobreviveria até conhecer a sua imagem.

Narciso, quando a vê refletida, apaixona-se por si próprio. Vai viver solitariamente. Narciso logo percebe que não pode se apaixonar por sua imagem, ela se transforma com o movimento da água. Narciso comete o suicídio e se transforma numa flor amarela e branca.

A solidão não acaba com a morte. Todo o defunto é por natureza solitário. Chegará sozinho para enfrentar o juízo final. Não existe solidariedade no mundo dos defuntos.

O livro dos mortos dos egípcios, traz um belo poema:

“Só, eu percorro as solidões cósmicas/ um raio de luz emana/ de todo o meu ser./ Sou um ser rodeado de muralhas/ no meio de um universo rodeado de muralhas./ Sou um Solitário no meio/ de minha solidão”.

Morre-se só!

A morte é a eterna solidão. O homem se transforma em sombras a vagar sozinho pelo Cosmo.

A morte cívica condena à solidão temporária. A contemplação necessária aos velhos, independe da solidão.

Vivemos uma solidão involuntária, imposta pelos tempos. “Não existe escolha: ou a solidão ou a vulgaridade.” – Schopenhauer.

Antonio Samarone (médico sanitarista).

JARDINS


 É preciso cultivar o próprio Jardim.
(por Antonio Samarone)

Hoje cedo fiz essa foto, que ilustra o texto. Lembrei-me de Voltaire - (François-Marie Arouet).

“Cândido”, o seu romance mais famoso, foi escrito em três dias, em 1759. O livro busca destruir a esperança da sua época.

O personagem central, doutor Pangloss, percorreu o mundo em busca de novidades. Em sua passagem pela Turquia, dois vizir e um mufti foram estrangulados, numa revolta camponesa.

No dia seguinte, o doutor Pangloss foi visitar uma pequena fazenda no entorno de Istambul. Curioso, Pangloss perguntou ao proprietário: como se chamava o mufti estrangulado. O velho turco foi sucinto: “não sei!”

Continuou o velho turco: “nunca me preocupo com o que acontece em Constantinopla. Vou lá vender os meus produtos. Em geral, as pessoas que se metem na política encontram um fim miserável.”

Acrescentou o turco: “Eu e meus filhos cultivamos essa pequena fazenda, e o nosso trabalho nos livra de três grandes males: cansaço, vício e necessidade.”

Por fim, sentenciou o velho turco: “Il faut cultiver notre jardin”. O que Voltaire quis dizer com o seu conselho de jardinagem?

Na Itabaiana antiga, o mestre alfaiate Orpilio Silva, repetiu Voltaire ao seu modo: “Nada depois do povoado Rio das Pedras me interessa. Só o povo de Itabaiana, me encomenda ternos.” Era o seu jardim.

Estou seguindo o conselho de Voltaire e cultivando o meu jardim, com a família, nos subúrbios do Aracaju.

Antonio Samarone. (médico sanitarista).

SEALBA - UM SHOW DO AGRONEGÓCIO


 SEALBA – Um show do agronegócio.
(por Antonio Samarone)

Fui ao maior evento do Agronegócio do Nordeste, no Parque Cunha Menezes, em Itabaiana. Achei que estava em Goiás, Mato Grosso... O que se pensar em grandeza, multiplique por dez. Se movimentou cerca de cem milhões.

Eu não sabia nem da existência desse Parque.

Itabaiana entra nisso pelos negócios. A nossa “agro” é centrada em coentro e cebolinha. A verdade é que Itabaiana entra em uma nova etapa econômica, ganha importância regional.

O intelectual patrício Alberto Carvalho, dizia que Itabaiana exportava cebolas e ironias. Hoje exporta mais. E agora, que passamos Lagarto em população, o otimismo sopra ruidosamente.

Sem entender nem do agro, nem dos negócios, circulei espantado pelos corredores da feira. Uma gente estranha, diferente, todos ricos ou com pose de ricos.

Os políticos distribuindo apertos de mãos e tapinhas nas costas, como sempre.

Pela indumentária e cenário, parecia um evento em Barretos - SP. Não tinha ninguém nem mais ou menos, eram todos ricos. Senti o bafo da riqueza na nuca.

Parei num stands comercial que vendia até bicicletas. Perguntei o preço a uma vendedora, que me olhou de forma desinteressada. Achou que as bicicletas do agro não estavam ao meu alcance, não eram para o meu bico. Se não fossem muito caras, tinha comprado uma, só por birra.

Visitei o stands do famoso arquiteto Itabaianense Edson Passos (foto), o empresário que construiu sozinho um bairro chique em Itabaiana. Para minha surpresa, o homem agora é banqueiro.

Gente, o certo é que Itabaiana vive uma nova expansão econômica.

Não sei os motivos, mas as gestões municipais do grupo de Valmir de Francisquinho, a alma empreendedora dos ceboleiros e o seu espírito competitivo, precisam ser levadas em conta.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

A ALEGRIA MELANCÓLICA DA SOLIDÃO

 A alegria melancólica da solidão.
(por Antonio Samarone)

Dizer que não estávamos preparados para a velhice é uma desculpa mentirosa. Sempre soubemos, apenas fazíamos de conta que era tudo com os outros. O diabo é mais feio do que o pintado? Acho que não...

As grandezas humanas, todas viram cinzas. São aromas da vaidade. A velhice tem os seus próprio métodos, para se gozar a felicidade eterna.

Tornei-me um “suburbanum”. Afastei-me numa “Quinta” longínqua (Solar São José), nas fronteiras da velha Capital, numa zona litigiosa com Aracaju. Entreguei-me ao ócio contemplativo.

Segundo o filosofo patrício, Araponga, filho do sábio Filomeno, “a sabedoria humana passa de uma alma a outra, diretamente, sem leituras. Para que serve ler livros e bibliotecas inteiras? Servem apenas para confundir o espírito, encher de contradições a alma ingênua dos homens.”

Mesmo sendo eu membro da seita “arapongista”, quero discordar do guru. Os livros têm sido grandes parceiros.

Estou a ler o velho sábio sergipano, morto em 1934. João Ribeiro, o velho. (1860 – 1934), intelectualmente, foi o maior sergipano de todos os tempos. Uma companhia disponível a qualquer hora, sem cansaço, mau humor, indisposições ou falta de tempo.

Um imortal de Academias, me perguntou surpreso: “e João Ubaldo Ribeiro não é baiano? É! E quem falou em João Ubaldo? Estou lendo só João Ribeiro, não tem o Ubaldo. Humm! Suspirou a sumidade, assumindo um ar de displicência.

Os livros estão sendo digitalizados pelo Google, todos ou quase todos. Tenho a Biblioteca da Alexandria ao meu dispor. Mesmo os livros queimados pela inquisição e os roídos pelas traças foram recuperados. As letras ficaram nas cinzas e foram recuperadas.
Livros extintos reaparecem!

Dizem que a inteligência artificial não tem limites, resolve todos os enigmas, novos e antigos. Não me sinto seguro em discordar. E se a minha descrença for apenas dificuldades cognitivas, impostas por sequelas da Peste da Covid ou pela idade?

Já solicitei a Dona Florípedes, herdeira da farmacopeia do falecido doutor Mané Barraca, o Elixir de Marapuama, único tônico indicado em meu caso.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

O TESTAMENTO DE OSWALDO CRUZ

 O Testamento de Oswaldo Cruz.
(por Antonio Samarone)

Cercado pela família e por amigos, o grande sanitarista morreu em casa, de insuficiência renal, às 21h10 do dia 11 de fevereiro de 1917, aos 44 anos de idade.

Num texto escrito a lápis, pouco antes de sua morte, Oswaldo Cruz formulou as suas últimas vontades, onde se lê no documento aqui reproduzido:

“Desejo com sinceridade que não se cerque a minha morte dos atavios convencionais com que a sociedade revestiu o ato da nossa retirada do cenário da vida.

Pelo respeito que voto ao pensar alheio não quero capitular de ridículo esses atos: julgo-os para mim completamente dispensáveis e espero que a família que tanto quero, se conformem com esses inofensivos desejos que nasceram da maneira pela qual encaro a morte, fenômeno naturalismo ao qual nada escapa.

Tão geral, tão normal, tão banal é que julgo absolutamente dispensável de frisá-la com cerimônias especiais. Por isso desejaria que se poupasse aos meus a cena de vestimenta do corpo que bem pode ser envolvido num simples lençol.

Nada de convites ou comunicações para enterro, nem missa de sétimo dia. Nem luto tão pouco. Este traz-se no coração e não nas roupas. Peço encarecidamente aos meus que não prolonguem o natural sentimento que trará a minha morte. Que se divirtam, que passeiem, que ajudem ao tempo na benfazeja obra de fazer esquecer.

Não há vantagem alguma de amargurar com lágrimas prolongadas os tão curtos dias de nossa existência. Portanto, que não se usem roupas negras que além de tudo são anti-higiênicas em nosso clima; que procurem diversões, teatros, festas, viagens, afim de que desfaçam essa pequena nuvem que veio empanar a normalidade do viver de todos os dias.

É preciso que nos conformemos com os ditames da natureza.

A meus filhos peço que se não afastem do caminho da honra, do trabalho e do dever, e que empunhem como fanal e o elevem bem alto o nome puro e honrado e imaculado que herdei como o melhor patrimônio da família, e que a eles lego como o maior bem que possuo.

À minha esposa querida, tão sensível, tão difícil de se conformar com as dores da nossa vida, peço que não encare a minha morte como desgraça irreparável; peço que se console com rapidez e não deixe anuviado pela dor esse espírito vivaz, inteligente, espirituoso, que constituía a alegria do nosso lar e o lenitivo pronto para os sofrimentos que por vezes deparávamos.

Aí ficam nossos filhos, outros tantos rebentos em que vamos reviver, garantias seguras da nossa imortalidade que se encarregarão de levar através do espaço e do tempo as porções de nosso corpo e de nosso espírito de que os fizemos depositário, quando ao mundo vieram.

Quanto aos bens de fortuna que deixo, espero que sejam divididos por minha esposa entre os filhos. Espero e rogo que nunca a questão de bens materiais venha trazer a menor discórdia entre os meus: seria para mim a mais dolorosa das contingências. Peço aos meus filhos que acatem sem discussão a divisão que deles fizer minha esposa. “

Oswaldo Cruz.

A ESPREGUIÇADEIRA

 A Espreguiçadeira!
(por Antonio Samarone)

Não almejo o ócio sagrado (o sacerdócio), contento-me com o ócio contemplativo, do espírito e do pensamento.

O trabalho é uma condenação bíblica, uma punição pela transgressão de Adão e Eva: “Comerás o teu pão, com o suor do teu rosto.”

Com o capitalismo o ócio virou preguiça. Não sei se por isso, a preguiça encontra-se entre os sete pecados capitais. Na infância e na velhice o ócio ainda é tolerado.

Na casa de Alaíde, mãe de Fobica funileiro, tinha uma espreguiçadeira. Éramos vizinhos, no Beco do Ouvidor.

Na infância, eu adorava visitá-los para apreciar a habilidade de Fobica furando ralos, num cepo de gameleira e descansar na cadeira preguiçosa da vizinha.

Bendita espreguiçadeira, onde a minha preguiça infantil se deleitava. Não sei se todos sabem o que é dar conforto à preguiça. Condições para a preguiça se manifestar livremente, sem cobranças, sem peso na consciência.

Deixar a preguiça ganhar asas.

Precisamos retomar a tese de Paul Lafargue, genro de Marx, sobre o “Direito à Preguiça”. No século XIX faltavam as condições materiais. Só o trabalho produzia riquezas.

Entretanto, com a inteligência artificial, a automação, a robótica e outras pós-modernidades. Podemos pleitear o direito de não fazer nada, viver ao léu, batendo pernas.

“Uma estranha loucura dominou as classes operárias das nações onde reina a civilização capitalista. Essa loucura traz como consequência misérias individuais e sociais que há séculos torturam a triste humanidade. Essa loucura é o amor ao trabalho, a paixão moribunda que absorve as forças vitais do indivíduo e de sua prole até o esgotamento.” – Lafargue.

Cristo, em seu sermão na montanha, pregou a preguiça: "Contemplai o crescimento dos lírios dos campos; eles não trabalham nem fiam, e não obstante, digo-vos, Salomão, em toda a sua glória, não se vestiu com maior brilho."

Sentir a preguiça tomando o corpo e a alma. A preguiça cantada por Vinicius de Moraes, na praia de Itapoã. Uma preguiça alimentada pelo calor sufocante, pelo tempo parado, pelo silencio que cria visagens, onde qualquer fresca pareça que veio do Céu ou do Mar.

A espreguiçadeira artesanal, com lona de boa qualidade e opções ergonômicas de conforto, só Alaíde possuía. Uma espreguiçadeira da lavra de seu João Mena, marceneiro especialista em tamboretes, que morava no mesmo Beco.

Na atual fase da velhice, do ócio contemplativo, senti que está faltando alguma coisa. Há um desconforto, um incômodo, uma carência. Depois de um longo período de meditação, decifrei o enigma: falte-me uma boa espreguiçadeira.

O Rei possui o trono, o professor a cátedra, o político o palanque, o padre o púlpito, cada um possui a sua cadeira, o seu lugar de fala.

A espreguiçadeira é a cadeira do preguiçoso.

Não se exerce o divino ócio em pé, nem sentado em qualquer cadeira ou banco. A espreguiçadeira é obrigatória.

Ando a procura de uma espreguiçadeira feita por João Mena. As indústrias fazem espreguiçadeiras de todos os tipos e qualidades. Nenhuma presta! Todas desconfortáveis. Nenhuma chega aos pés da espreguiçadeira de Alaíde.

Já pedi a um primo em Itabaiana, para procurar em todas as marcenarias da redondeza, são mais de duzentas, para encontrar um discípulo de João Mena, alguém que tenha aprendido com ele essa bela arte.

PS: João Mena era o pai de Theotônia e André, padecentes de doidice benigna.

Quem souber onde encontrar essa qualidade de espreguiçadeira, me avise.

Antonio Samarone (médico sanitarista)