quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

AS BOUTIQUES DE CARNES.


As boutiques de carnes. (por Antonio Samarone)
Em Aracaju existe uma cruzada contra a carne fresca. A justificativa é a higiene e a saúde pública. O discurso, a narrativa é que a população precisa ser protegida, dos riscos que desconhece. Culturalmente o povo não gosta da carne congelada dos supermercados e frigoríficos. Prefere a carne das feiras, muitas vezes ainda quentes, tingidas de sangue. Essa carne vem sendo assim consumida desde que Martins Afonso de Souza trouxe os primeiros bovinos para o Brasil.
Saindo da esfera dos costumes e dos hábitos alimentares, cabe uma pergunta: quais são os males causados pela carne, preveníveis pelo resfriamento? Quais são essas doenças? Qual a incidência, a letalidade, a mortalidade dessas patologias causadas pela carne, devido ao seu não resfriamento? A informação genérica é que o resfriamento evita a proliferação de bactéria, quais são essas bactérias? Quais dessas bactérias resistem ao cozimento? Vamos levar a conversa para o campo científico.
O controle sanitário do animal abatido, dos locais de abate e do transporte da carne é precário; creio ser ilusão resfriar a carne na feira, no ponto de venda. O consumidor terá uma ilusão de limpeza. Quem controla a carne, congelada e descongelada, exposta nas vitrines dos supermercados? Quando os pedaços de carne expostos a venda em pratinhos plastificados sobram, a carne escurece, qual a reciclagem feita para o dia seguinte? Eu não sei...
Lembram-se das irregularidades encontradas na operação “carne fraca”, quando a vigilância sanitária resolveu fiscalizar os grandes frigoríficos nacionais? Foi um Deus-nos-acuda! Nunca mais se falou nisso.
Como médico sanitarista, defendo a vigilância sanitária da origem do animal aos pontos de venda. Defendo o controle sanitário desde a criação do animal, do uso de hormônios, antibióticos, do capim empestado de agrotóxico, da qualidade das rações, das doenças do animal, das condições do abate, do transporte, e dos pontos de vendas. Fiscalizar apenas um subitem da lei, não parece eficaz.
O controle dos pontos de venda é o elo final de uma grande cadeia. Outra coisa, porque a cruzada recaiu apenas sobre os pequenos marchantes de feiras livres? O fato de as boutiques de carne possuírem balcões sofisticados, não garantem a qualidade do produto.
Claro, a ação é bem-intencionada. A intenção é proteger a saúde população, mesmo sem se saber direito de quê. Talvez o risco maior esteja ao lado, nas frutas, cereais e hortaliças, geralmente entupidos de agrotóxicos. Do plantio a conservação. Até para apressar o amadurecimento são usados artifícios químicos. Comprei uma fava um dia desses, quando foi cozinhar, a água ficou branca de veneno.
A verdade é que comemos mal. Os venenos são usados livremente na produção dos alimentos, inclusive das carnes. E esses venenos vem para a nossa mesa. Como os frangos são criados nos confinamentos das granjas? O que se usa nos viveiros de camarões? E o milho, quais os venenos que são espalhados de avião. Uma ação dos órgãos da vigilância sanitária seria muito bem-vinda.
Entretanto, exigir dos marchantes de feira livre um balcão refrigerado não altera a péssima qualidade dos alimentos que consumimos.
Antonio Samarone.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

O MERCADO DAS DOENÇAS


O mercado das doenças (por Antonio Samarone).
Recebi do Dr. Belisário Cruz, velho sanitarista, professor de Saúde Pública nas Minas Gerais, uma mensagem comovente. Após consultá-lo, decidi torná-la pública:
“Caro Samarone.”
“Após quase 50 anos de militância pela reforma sanitária, estou me aposentando. Entreguei os pontos! O meu sonho de professor, de formar médicos comprometidos em aliviar o sofrimento humano, chegou ao fim. A lógica do mercado invadiu a minha faculdade de medicina.”
“Como você sabe, as disciplinas da medicina preventiva (epidemiologia, saúde coletiva, saúde e sociedade); e das ciências humanas (antropologia, psicologia, sociologia, bioética, história da medicina, medicina legal) nunca foram bem vistas nos cursos de medicina. Eram toleradas! Os alunos, via de regra, cumpriam uma formalidade.”
“Hoje os alunos tripudiam sobre o pensamento crítico. A mediocridade tornou-se hegemônica. Qualquer conteúdo que não tenha fins práticos, que não desenvolva habilidades em produzir procedimentos, será rejeitado acintosamente. Uma aula que trate da alma, do sofrimento, da condição humana é vista como um desproposito. O aluno assumiu um pragmatismo arrogante. Uma autossuficiência centrada no Google.”
“Cada aluno guia a sua formação pela ética do resultado. O que eu posso ganhar com essa informação ou habilidade, ela serve para que? Esse é o caminho! Conhecer o que foi a medicina greco-romana, saber quem foi Hipócrates, Vesálius, Virchov, Pasteur; o que fez Oswaldo Cruz, etc., beira a inutilidade.”
“Perdi a esperança e a paciência, meu amigo Samarone.”
“Por fim, na última reunião do conselho do departamento de medicina, um fato me desapontou: um representante dos estudantes, propôs substituir as disciplinas de medicina preventiva por temas mais relevantes na formação médica. E sugeriu que no lugar da “saúde pública”, se colocasse “pequenas empresas, grandes negócios”; “propaganda e marketing”, “empreendedorismo”, etc. Tentei justificar a importância das ciências humanas, mas fui derrotado.”
“Foi a gota d’água! Após várias derrotas, de vê o nosso projeto de reforma sanitária afundando, confesso que esse foi baque mais profundo. Sair da sala meio zonzo. Baixei a cabeça, sair sem me despedi. Quando entrei no carro e fiquei só, percebi que estava chorando. Tive a sensação que a minha vida foi inútil.”
“Como não aceito a transformação da medicina de sacerdócio em negócio, tomei a decisão de me aposentar. Ia esquecendo, existe uma razão prática, eu não sei dar aulas nem sobre grandes, nem sobre pequenos negócios.”
Belo Horizonte, dezembro de 2018.
Belisário Cruz.
Confesso que fiquei abalado com a mensagem. Fiquei matutando: onde o Dr. Belisário tem razão, e onde ele está exagerando, dominado pela emoção? Essa realidade é geral, ou a faculdade dele é uma exceção? Após quase 60 dias encucado, conclui uma resposta ao colega, dizendo o que eu acho e o que eu não acho. Espero em breve, ter a coragem de torná-la pública.
Antonio Samarone.

ERVA SANTA E ERVA MALDITA




Erva santa e Erva maldita. (por Antonio Samarone)
O tabaco (Nicotiana tabacum), ou “petum”, “petyn” para os Tupinambás, era uma planta medicinal e mítica. Já foi considerada uma erva santa. “Enchendo de fumo um canudo formado de folhas de palmeiras, o pajé fumegava o índio dizendo-lhe: recebei a força do espírito”. O embaixador francês em Portugal, João Nicot (nicotina), enviou para a França, em 1560, um pouco de tabaco em pó, para curar as enxaquecas de Catarina de Medicis.
Em 1557, o franciscano André Thevet, assim descreveu o uso do tabaco pelos Tupinambás: Outra singularidade americana é uma erva que os índios chamam de petum. Trazem-na os selvagens ordinariamente consigo, em virtude do maravilhoso proveito que tiram dela. O petun é muito saudável, por destilar e consumir os humores do cérebro. Além disso, aspirado, mitiga por algum tempo a fome e a sede.
Quando os índios tinham algum assunto a tratar entre si, tiravam fumaradas, depois falavam, fumavam o cachimbo da paz. Em vista das virtudes que lhe são atribuídas, gozava esta erva de grande estima entre os selvagens. O fumo também possuía propriedades sobrenaturais, narcóticas, terapêuticas e míticas.
Os Tupinambás traziam sempre a erva santa na boca, mascavam com o intuito de secar as umidades do cérebro; e as vezes engoliam, para limpar o estômago de cruezas, que saem por meio do arroto. Os índios acreditavam que engolindo o fumo, ficavam alegres, joviais e prevenidos contra a tristeza e a melancolia.
O fumo acompanhava os Tupinambás ao túmulo, como nos conta o Frei Vicente do Salvador:
Quando morre um principal, o untam todo de mel e por cima do mel, penas coloridas de pássaros; põem-lhe uma carapuça com todos os enfeites que costumavam usar em suas festas; fazem-lhe uma cova muito funda e grande, onde lhe armam a sua rede e o deitam enfeitado com o seu arco e flechas, tacape e tamaracá (cabaço com pedrinhas); põem-lhe de comer em um alguidar e a água em uma cabaça; e na mão uma canguera, que é um canudo feito de palma, cheio de tabaco.
Na segunda metade do século XX, a medicina descobriu os males do tabaco. O fumo causa ou predispões ao infarto, AVC, bronquite, enfisema, câncer, etc. etc. Foi um desespero para a Saúde Pública, a antiga erva santa se transformou numa erva maldita.
Já com a antiga erva maldita, a erva do demônio, a Canabis sativa, marijuana, maconha; planta de origem africana; cercada de preconceitos, condenada e perseguida pela polícia; a medicina está encontrando diversas propriedades terapêuticas, virou uma erva medicinal. Além das propriedades psicoativas.
Hoje o mundo reconhece as propriedades medicinais da maconha. A antiga erva maldita já tem o consumo liberado em vários países. A Marlboro já criou uma linha de produção, e em breve a maconha estará à venda nas redes de supermercados e botecos.
São as voltas do mundo: a erva que era santa virou maldita, e a erva maldita pode virar santa.
Antonio Samarone.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

A MEDICINA DOS TUPINAMBÁS



A Medicina dos Tupinambás. (por Antonio Samarone)

Na Idade Média, os cirurgiões do Velho Mundo curavam todos os males a ferro e a fogo. Os Tupinambás não conheciam o ferro, os seus pajés limitavam-se ao fogo. Quase todas as mazelas eram tratadas com o fogo (compressa quente e banho de luz). No caso da varíola, eram feitas valas forradas com fogo e brasas, cobertas com varas. Os doentes deitavam-se sobre essas varas, o tempo necessário para a cura. Muitos sucumbiam antes. Os jesuítas não sabiam como lidar com a varíola.

A sucção e o assopro também eram técnicas usadas pelos pajés. A importância do sopro é bíblica, lembram-se como Deus criou o homem? Se o pajé soprar a parte lesada, expele o mal. O sopro continua sendo usado pela medicina, é indispensável nos casos de reanimação cardiopulmonar (a compressão e o assopro podem devolver a vida). Na cosmogonia macuxim, Tupan assopra nas narinas de um boneco de barro.

Nos diz o beato Anchieta: “Estes feiticeiros e outros que não chegam a tanto, costumam esfregar, chupar e defumar os doentes nas partes lesadas e dizem que com isto os saram. E disto há muito por aqui...”

Sugavam os pontos que doíam, os lugares ulcerados, as partes feridas. Sugavam o ferimento das mordidas de cobra. Sugavam o fleimão, apostemas e perebas, para retirar o pus. Sugavam as feridas das flechadas. Uma drenagem natural e humana. Chupar sempre foi um recurso mágico.

A salva e a urina, como remédios naturais, foram usadas habitualmente pelos Tupinambás. O cuspe aplicava-se nos ferimentos como antisséptico e cicatrizantes. Aliás, essa prática continua popular. Quem não lambe as próprias feridas? O cuspe continua de grande serventia. A urina era utilizada para acalmar as dores no ventre, além ser um potente e infalível emético, usado para se provocar vômitos. Hoje já existem outros recursos.

Usavam os Tupinambás a hidroterapia dos romanos. O banho era um recurso terapêutico. Quando a febre aumentava, os índios atiravam-se na água fria. As massagens faziam parte do arsenal terapêutico. Nos conta Lycurgo: “o pajé molha as mãos com saliva, caldas de ervas, cinza quente, apalpa e fricciona fortemente o corpo paciente, provocando-lhe pela ação mecânica dores, suores profusos e até dejeções.”

O Jejum era outro recurso terapêutico, como prescreve as grandes religiões do mundo. Américo Vespúcio anotou: “quando enfermavam gravemente, os índios eram conduzidos para longe numa rede; bailavam ao redor do doente, deixando-o sem alimento por quatro dias ou mais.” Procedimento, aliás, de grande resolutividade.

Por fim, os Tupinambás faziam grande uso da fitoterapia. Disse Martius: “A mata é a farmácia desse povo”. Não por coincidência, foi no Século XVI que teve início a botânica cientifica. Em sua magnífica obra, “Systema Materia Medicae Vegetalis Brasiliense”, o mesmo Martius descreveu 470 plantas medicinais, das quais, mais de uma centena era usada pelos índios. Vários princípios ativos dessas plantas foram incorporados a farmacopeia moderna.

Nesse passeio pela medicina dos Tupinambás, se observa um sistema organizado e coerente com as crenças e visões que eles professavam, sobre as suas doenças. Essa narrativa ensinada nas escolas de que eram selvagens, primitivos; de quem se duvidava se eram mesmo humanos, se tinham alma; foi a forma encontrada pelos portugueses para praticarem o genocídio e o etnocídio, sem o menor peso na consciência cristã.

Antonio Samarone.

O CÂNCER EM SERGIPE


O Câncer em Sergipe (por Antonio Samarone)

O tratamento dos pacientes pobres com câncer em Sergipe, beira a crueldade. Faltam atenção, acolhimento, decência, dignidade, quimioterápicos e equipamentos de radioterapia. A TV Sergipe tem denunciado diariamente. 

Esse lenga-lenga da construção do hospital é desonesto. Pura politicagem! É empurrar a solução para o além, gerando uma falsa esperança. Quanto já se gastou? Uma ex autoridade da saúde, ao ser questionada, disse que o hospital estava crescendo para baixo. Já deve ter chegado no Japão.

Em Sergipe temos dois hospitais que possuem serviços de atendimento ao Câncer: o HUSE e o Hospital de Cirurgia. Precisamos de cinco hospitais com esses serviços, temos dois, funcionando precariamente. Existe alguma possibilidade dos pacientes pobres serem atendidos com dignidade?

Eu afirmo que se trata de descaso, incompetência, desleixo, desinteresse. O que se chama educadamente de falta de “vontade política”. Quer uma prova? O Hospital Universitário tem toda estrutura montada, pessoal contratado, para instalar mais uma unidade de tratamento de câncer, e as autoridades sanitárias, que deveriam viabilizar, estão criando dificuldades. Empurrando com a barriga. As coisas não andam!

Não pensem que os 15% da classe média, coberta pelos planos de saúde é bem atendida. Os planos, via de regra, só autorizam os tratamentos com os quimioterápicos mais baratos, com efeitos colaterais tenebrosos; e ainda demoram. Só os ricos e a classe média alta é que podem ser bem atendidos.

Cadê o Ministério Público? O Câncer causa grande sofrimento, é o “Imperador de todos os males”, como diz Mukherjee.

Os pacientes não podem esperar...

Antonio Samarone.

DELAÇÃO NÃO PREMIADA.


Delação não premiada... (Por Antonio Samarone)

Henrique Prata, descendente de sergipanos, dono de uma rede de 6 Hospitais (entre os quais o famoso Hospital de Barretos); 9 Clínicas e 22 Unidades Móveis; todos filantrópicos.
O atendimento é gratuito (30% pago pelo SUS e 70% pago com recursos de doações de empresas). O serviço é de excelente qualidade.
Em entrevista nas páginas amarelas da revista Veja (imperdível), Henrique Prata soltou o verbo: "A medicina privada drenou os recursos públicos para si, e quem paga o pato é o povo".
O nome de Henrique Prata circulou como provável Ministro da Saúde de Bolsonaro: - "Fui sondado, mas quando falei que ia acabar com as mordomias da medicina privada, o assunto murchou!" A medicina comercial emplacou o Mandetta.
Reforça Henrique Prata: "Existe um risco de entregarmos totalmente a saúde do país ao meios privados"."Há um grande escândalo acontecendo". "É urgente submetermos o SUS a uma boa gestão financeira. Há um tremendo desperdício de dinheiro público."
Relata Henrique Prata: - "aos hospitais privados, o Governo paga a tabela mais alta, um transplante de fígado pode chegar a 100 mil reais."
Sei que todo mundo já sabe, nós da Saúde Pública estamos cansados de falar isso. A novidade é que a denúncia foi feita por uma pessoa de dentro do sistema, que possui legitimidade, porque não está só criticando, ele faz, tem muito serviço prestado ao povo pobre.
Gente de boa fé, o SUS está acabando, roído por todos os lados. Ou a gente toma vergonha e sai da comodidade em defesa do Sistema Público de Saúde, ou SUS acaba.
Quem está disposto carregar essa bandeira?
Antonio Samarone.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

PROFESSOR JOSÉ PAULINO DA SILVA



Professor José Paulino da Silva. 

A inauguração do monumento a Antonio Conselheiro, em Itabaiana, teve um momento sublime. O velho professor José Paulino, de tantas lembranças, de tantas lutas, de tantas caminhadas à Canudos com os seus alunos, de tantos estudos, de tanta decência; já alquebrado, andando com dificuldade, o professor que eu sempre admirei, proferiu uma aula pública magnifica. Eu assisti...

Numa das passagens da aula, disse José Paulino: - professor aconselha leituras, e eu peço que vocês leiam uma tese de doutoramento do padre Alexandre Otten, defendida na Universidade Gregoriana, em Roma, “Só Deus é Grande – A mensagem religiosa de Antonio Conselheiro.”

Como aluno esforçado, logo cedo fui fazer o dever de casa, do Professor Paulino. De pronto, encontrei um trecho do último sermão de Conselheiro, que está no livro do padre:

“Adeus povo, adeus aves, adeus árvores, adeus campos, aceitai a minha despedida, que bem demonstra as gratas recordações que levo de vós, que jamais se apagarão da lembrança deste Peregrino, que aspira ansiosamente a vossa salvação e ao bem da igreja. Praza aos céus que tão ardente desejo seja correspondido com aquela conversão sincera, que tanto deve cativar o vosso afeto.”

Ainda estou procurando o livro do Padre Alexandre Otten, mas já vi que que o professor Paulino nos apontou um tesouro!

“Só Deus é grande”

Antonio Samarone.

GRATA SURPRESA


Grata surpresa... (por Antonio Samarone)
No final da tarde de sábado, fui à praça de minha infância tomar uma fresca. O vento em Itabaiana é novinho, vem da Serra. O vento lá é doce, não é maresia...
Quem eu encontrei? O Veio Belo, filósofo surrealista, poeta, um eterno sonhador. Veio Belo me contou que está empenhado em fazer projetos, para ir à Brasília buscar dinheiro “a fundo perdido”, para promover o desenvolvimento de Itabaiana. Os mais velhos sabem do que estou falando: “dinheiro a fundo perdido”. O Brasil já teve esse dinheiro, e era muito.
Fiquei calado, vá lá que ele arrume mesmo esse dinheiro a fundo perdido para Itabaiana.
Quando a conversa estava interessante, já de notinha, os alto-falante da velha matriz de Santo Antonio e Almas, começou a tocar a ave maria de Schubert. Tomei um susto: onde estou, será Berlin? Não! A nossa Itabaiana, tão cascuda, tem dessas delicadezas...
Paramos a lorota, para ouvirmos, silenciosamente, a mensagem musical da matriz. Afinal, era a hora da ave-maria. Acho que devo ir mais, tomar fresca em Itabaiana.
Antonio Samarone.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

GENTE SERGIPANA - FRANCISCO ROLLEMBERG



Gente Sergipana – Francisco Guimarães Rollemberg

(por Antonio Samarone)

Francisco Rollemberg nasceu em Laranjeiras, em 07 de abril de 1935, um domingo de ramos. Filho de Antonio Valença Rollemberg e Maria das Dores Guimarães Rollemberg. Chico desfrutou da infância interiorana em Laranjeiras, jogando bola, tomando banho de rio, vadiando livremente, sem medos ou sustos.

O pai de Chico Rollemberg foi proprietário do Cinema Iris, em Laranjeiras. Chico era quem fazia a projeção. O carro chefe da programação era “A vida, paixão e morte de Jesus Cristo”. Todas as vezes que entrava em cartaz, era casa cheia.

Logo cedo entrou na escola da professora Zizinha Guimarães, educadora conceituada, e logo se destacou como o melhor aluno. O filho de Seu Antonio era estudioso! Com o tempo, a professora botou Chico para ensinar outros alunos. Com 11 anos não tinha mais o que apreender em Laranjeiras. Fez um teste, e foi considerado apto para entrar no ginásio.

O menino Chico, além de traquino, era muito religioso, puxador do terço na igreja, mostrando uma forte vocação para padre.  Só que de onde ele morava, avistava-se a entrada hospital, a entrada e saída dos doentes. Aquele movimento, fez o menino mudar a cabeça para a medicina. Ali, Chico decidiu que seria médico. O pai adorou, a mãe nem tanto, preferia o filho padre.

Chico Rollemberg veio fazer o ginásio em Aracaju, no Colégio Tobias Barreto, do professor Alcebíades Melo Vilas Boas. Chico foi aluno interno do Colégio, absorvendo toda a disciplina. Ainda de calças curtas, com 11 anos, Chico Rollemberg chegou no Aracaju. Fez o curso ginasial com maestria. Concluído, migrou para o Atheneu, onde fez os dois primeiros anos do científico. No último ano, para se preparar melhor para o vestibular, concluiu o científico no Colégio Central da Bahia.

Em 1954, Chico Rollemberg ingressou na Faculdade medicina da Bahia. Vocacionado para a medicina, estudioso, Chico entrou de corpo e alma no curso. Chico não saia do hospital, tudo que era plantão, final de semana, feriado, lá estava Chico para aprender. Logo percebeu que tinha habilidades cirúrgica, e decidiu seguir a urologia. Uma decisão pragmática, pois em Sergipe só existia um urologista, o Dr. Costa Pinto.

Durante o curso de medicina, Chico participou do movimento estudantil na Bahia, sob a orientação ideológica do Velho Partidão. Ainda em Aracaju, na juventude, Chico tinha contato com os grupos clandestinos do Partido Comunista, em Aracaju. Calma, Chico não é comunista, daqui a pouco eu conto a participação dele na política.

Formado em 1959, Chico Rollemberg retornou à Sergipe. Bem formado, habilidoso e como muita disposição para trabalhar. Ele começou exercer a medicina em Laranjeiras. Foi um sucesso, quando o filho do Seu Antonio, chegava era um rebuliço, o povo corria para o hospital. Logo, com as ciumeiras locais, o diretor do hospital dispensou os serviços de Chico, e ele veio para a Aracaju.

Começou a operar na Capital nos dois hospitais existentes (Santa Izabel e Cirurgia), clinicar no Serigy, no IPASE, no Pronto Socorro Municipal, que funcionava nos fundos da antiga Prefeitura. Chico operava cinco a seis pacientes por dia. Constitui uma clientela imensa, gente com quem ele criou amizade, e que até hoje visita. Chico Rollemberg ficou famoso como bom médico, muitos favores, muito serviço prestado. Chico Rollemberg foi o primeiro sergipano a ingressar no Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Antes só Augusto leite, como membro honorário.

Esse prestigio despertou os chefes políticos: olha aí quem pode trazer votos para as nossas legendas. Não se elege, mas ajudará a nossa chapa. Dito e feito. Nas eleições de novembro de 1970, Chico foi convidado a compor a Chapa da ARENA para deputado federal. Era só para ajudar. Resultado, foi o deputado federal mais votado de Sergipe, com 19 mil votos. Para se ter uma ideia da disputa, os outros federais eleitos foram Luiz Garcia, Raimundo Diniz, Passos Porto e Eraldo Lemos, todos da ARENA.

A partir dessa estreia, Chico Rollemberg elegeu-se deputado federal por 4 legislaturas, permanecendo na Câmara dos Deputados até 1987. Exerceu os mandatos no bloco de sustentação aos militares, numa bancada conservadora. Participou do movimento de apoio a Sílvio Frota e votou em Paulo Maluf, no Colégio Eleitora. Em 1973, fez o curso da Escola Superior de Guerra, destinado a pessoas de prestígio.

Vejam como são as coisas: o médico Chico Rollemberg, conservador, sempre deu assistência e visita até hoje, a família de Walter Ribeiro, um comunista de carteirinha. Ouvi um depoimento de um velho camarada: Chico Rollemberg sempre prestou a assistência aos camaradas, ia nas casas se precisasse, e nunca dedurou ninguém. Somando-se a uma postura ilibada na vida pública! Não é a ideologia que define o caráter. 

Durante o exercício dos mandatos, Chico Rollemberg nunca abandonou a medicina, continuou trabalhando. Todo o final de semana, a partir da sexta, ele retornava à Aracaju para realizar as suas cirurgias. Aliás, até hoje, aos 84 anos, ele continua trabalhando no Hospital de Riachuelo. Ele sempre brinca, enquanto a mão não tremer, eu continuo operando. E para provar que está bem, mostra as mãos espalmadas, sem nenhuma tremedeira.

Mesmo sendo um médico operador, voltado para a prática, Chico Rollemberg não fechou os livros depois de formado. Continuou estudando, para se manter atualizado. Publicou Gangrena de Fournier, tratamento cirúrgico com enxertos livres (1961); Lesão cirúrgica do ureter (1969); Saneamento básico do Nordeste, Cocene, estudo nº.1 (1971); A problemática de saúde do Nordeste, Cocene, estudo nº.1 (1971); O potássio em Sergipe; Desenvolvimento e população e Osvaldo Cruz, centenário de nascimento.

Além de uma publicação sobre Fausto Cardoso, que se tornou referência aos pesquisadores sobre o ilustre sergipano. ROLLEMBERG, Francisco.  Introdução.  In: CARDOSO, Fausto.  Discursos parlamentares.  Brasília: Câmara dos Deputados, 1987.  p. 19-112.  (Perfis parlamentares, 31). Chico Rollemberg é membro da Academia Sergipana de Letras, ocupando a cadeira nº 15.

Em 1986, Francisco Rollemberg se elege Senador pelo PMDB, numa eleição disputadíssima. Em 2002, Chico Rollemberg se despede da política disputando o Governo do Estado, numa coligação confusa e heterogênea, sendo derrotado por João Alves Filho.

Chico Rollemberg casou em julho de 1959, com a colega de turma, Dra. Elcy Vianna Rollemberg. Chico é pai de cinco filhos: Francisco, Gustavo, Paula, Carlos Eduardo e Rodrigo Otávio. Com a morte da primeira esposa, Chico casa com Maria Helenita Santos Rolemberg, com quem convive até hoje.

Cheguei a conclusão que Chico Rollemberg, apesar de ser mais conhecido como político, tem a alma de médico, do antigo médico humanistas, que adora o que faz, que faz amizade com os doentes, que lembra do nome e das histórias.

Chico tem a mania de visitar os amigos, semanalmente. Quis saber o motivo, ele brincou: “os meus amigos estão velhos, quase todos doentes. Na verdade, cumpro uma obrigação cristã de visitar os enfermos.” Chico ainda viaja para o interior, só para visitar os amigos.

Chico Rollemberg é um homem fino, cuidadoso no trato, cheio de histórias interessantes. Chico tem a alma dos médicos antigos, voltada para o alívio do sofrimento humano. Não amealhou fortuna com a medicina (nem com a política).

Antonio Samarone.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

A MEDICINA, ANTONIO CONSELHEIRO E CANUDOS



A medicina, Antonio Conselheiro e Canudos. (por Antônio Samarone)

O massacre de Canudos é indefensável. Doze mil soldados, com fogo cerrado e bala de canhão, arrasaram um Arraial de gente pobre no Sertão da Bahia, no triste 05 de outubro de 1897. Os que sobraram (mais de trezentos), velhos, mulheres, doentes, crianças, foram recolhidos e fuzilados a sangue frio, no dia seguinte.

Desenterraram Antonio Conselheiro (15 dias de morto), cortaram a cabeça, e levaram para estudos em Salvador. O corpo foi exumado pelo Dr. Miranda Cúrio, Major, chefe da expedição médica em Canudos. O crânio foi entregue aos cuidados científicos do Dr. Raimundo Nina Rodrigues, no Laboratório de Medicina Legal da Bahia. Valendo-se da metodologia de Cesare Lombroso, criminologista italiano (1835-1909); o exame antropométrico da cabeça do Conselheiro não apresentou anomalias criminais.

Um resumo do laudo de Nina Rodrigues: “O crânio de Antônio Conselheiro não apresenta nenhuma anomalia que denunciasse traço de degenerescência, é um crânio de mestiço, onde se associam caracteres antropológicos de raças diferentes... É um crânio dolicocéfalo e mesorrino, quase sem dentes, e com notável atrofia das arcadas alveolares. Tem uma capacidade de 1.670 cc, tendo o encéfalo o peso de 1.452 gramas.

Como justificar essa ignomínia? A medicina se apressou numa explicação. Um dos seus maiores intelectuais, o Dr. Nina Rodrigues, fez publicar na imprensa especializada um texto assustador (A Loucura Epidêmica de Canudos - 1897). Parte dos argumentos do médico cientista perdura até hoje.
O Dr. Nina Rodrigues, foi taxativo: “Antonio Conselheiro é um simples louco”! A partir do enquadramento, o ilustre médico passou a analisar a vida do beato, desde a juventude em Quixeramobim. Vamos acompanhar o raciocínio do médico:

“No caso de Antonio Maciel (Conselheiro), o diagnóstico de delírio crônico, de psicose sistemática progressiva, de paranoia primária, etc., não requer para se firmar mais do que a longa sistematização de quase trinta anos, e a transformação contemporânea do simples enviado divino no próprio filho de Deus.”

Continua o Dr. Nina Rodrigues:

“Pregando contra o luxo, contra os Maçons, fazendo queimar nas estradas todos os objetos que não pudessem convir a uma vida rigorosamente asceta, Antonio Conselheiro anormaliza extraordinariamente a vida pacífica das populações agrícolas e criadora da Província, distraindo-as das suas ocupações habituais para uma vida errante e de comunismo em que os mais abastados cediam os seus recursos em favor dos menos protegidos da fortuna.”

O diagnóstico médico sobre a loucura de Conselheiro, somente, não justificaria a destruição selvagem do Arraial do Belo Monte, com mais de 25 mil habitante. Nina Rodrigues sabia disso! Era preciso explicar porque esses sertanejos seguiram esse “louco”. A medicina não se intimidou, deu uma explicação.

Nina Rodrigues defendeu que houve uma epidemia de loucura, uma loucura coletiva. A transmissão do delírio foi facilitada por razões genéticas; predisposição agravada pelo esgotamento orgânico, a miséria, as doenças, as intoxicações e os vícios debilitantes.

Na visão de Nina Rodrigues, esses jagunços fanatizados, o mestiço do Sertão, com ascendentes selvagens, índios e negros, levando uma vida livre e com uma civilização rudimentar era avesso a catequese. Nina Rodrigues justificava essa dificuldade de converte-los pela persuasão religiosa; sendo tarefa mais fácil e expedita destruir os recalcitrantes a bala.

Em resumo: Canudos tratava-se de uma concentração de jagunços fanáticos, conduzido por um louco; que num momento de surto coletivo, de uma epidemia de loucura, ameaçou a nascente República. A destruição foi a única saída, na visão da medicina.

Essa tese, hoje absurda, cientificamente respaldada pela medicina, foi o eixo condutor de muitos escritos históricos. A partir de José Calazans, Ataliba Nogueira e tantos outros, novas interpretações estão sendo produzidas, surgindo uma outra história de Canudos.

Nina Rodrigues (foto) é maranhense, faleceu em Paris, em 17 de julho de 1906, aos 43 anos.

Antônio Samarone.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

POR QUE OS PEREGRINOS VÃO HOMENAGEAR CONSELHEIRO, EM ITABAIANA?



Os peregrinos vão homenagear Conselheiro, em Itabaiana. (Por Antônio Samarone)

Um amiga, doutora em filosofia, me fez uma pergunta intrigante: - por que os peregrinos vão homenagear Conselheiro, e por que escolheram logo Itabaiana? Diante da douta ignorância, sou obrigado a explicar.

Antonio Vicente Mendes Maciel (Conselheiro), nunca se intitulou de “Bom Jesus Conselheiro”; em nenhum momento se hipostasia de santo ou divindade; nos dois manuscritos existentes sobre as pregações dele.

Conselheiro não fazia milagres, não era médico, nem curandeiro, nem sacerdote e nem farmacêutico. Ele sabia que não era profeta, apenas pregava os evangelhos e espalhava a palavra. O único epiteto que ele se atribui é o de PEREGRINO.

Canudos foi uma sofrida tentativa de construção de uma nova forma de organização social, de uma nova forma de vida no Sertão, tão bem captada por Mario Vargas Llosa, em seu famoso “Guerra do Fim do Mundo” (Nobel de literatura). Com os estudos de Calazans, caiu por terra a versão de Nina Rodrigues, sobre a Loucura Epidêmica de Canudos, publicada em 1897.

Foi o historiador sergipano José Calazans Brandão da Silva quem reescreveu a história de Canudos; defendeu que Canudos não foi um caso de “loucura coletiva” dos conselheiristas, jagunços e fanáticos; e que Conselheiro não era um herege lutando contra a República. A primeira versão popular sobre Canudos, Calazans ouviu de uma senhora de ITABAIANA (segundo a historiadora Terezinha Oliva).

Entenderam porque uma Associação de Peregrinos vai homenagear Conselheiro em Itabaiana?

Antônio Samarone.

GENTE SERGIPANA - IREMAR MECENAS


Gente Sergipana - Iremar de Mecenas Silva
(por Antonio Samarone)
“Oricuri madurou ô é sinal, que arapuá já fez mel...”
Iremar de Mecenas Silva, nasceu em Aracaju, em 23 de março de 1960. Filho de José Cândido da Silva e da professora Celina Mecenas Silva. Iremar teve cinco irmãos: Ivan, Iran, Itamar, Iris e Iracema (gêmea com ele). Iracema também foi uma atleta destacada no voleibol (será a genética?).
O pai, José Cândido é alagoano de Santana de Ipanema, escritor, com dois livros publicados (menino de puxinanã e o querubim); compositor, com mais de 80 músicas gravadas, foi parceiro de João do Vale em 11 músicas, entre elas os clássicos, carcará, pé do lajeiro e oricuri...
Iremar se criou livre, como todo menino daquele tempo. Um menino do Aribê! Criado na rua Florianópolis, nº 218. Criado brincando de pé-em-barra, e jogando bola. Estudou nos Colégios John Kennedy, Costa e Silva e Visão. De constituição atlética, Iremar ingressou no esporte, chegando à seleção sergipana de voleibol.
Iremar sempre foi um bom aluno. Em 1981 ingressou na Faculdade de Medicina da UFS. Sempre dedicado, como tinha habilidade cirúrgica, logo cedo se interessou pela ginecologia e pela obstetrícia. Durante o curso, Iremar acompanhou grandes professores: Dalmo Machado Melo, Hugo Gurgel e Paulo César. Sorridente e chorão, amável, Iremar sempre teve muitos amigos. Concluiu o curso de medicina em 1987, indo exercer a medicina.
Iremar fez a boa medicina, centrada nos pacientes. Nunca ganhou nem fama nem dinheiro. Não amealhou fortuna com a medicina, mas aliviou o sofrimento de muita gente. Sempre atualizado e responsável. Iremar também foi professor de inglês no famoso Instituto Canadá.
Faleceu em 21 de dezembro de 2018, na Praia da Costa, covardemente assassinado dentro de casa. Soube hoje que a polícia sergipana já prendeu os bandidos. Ele atuava na cidade de São Sebastião do Passé, região metropolitana de Salvador (BA) e fazia planos de voltar para Sergipe.
Iremar era casado com Rita Dantas, e deixou cinco filhos: Deivid, Ivan, Iremar, Thiego e Bruna. Iremar deixou também a lembrança de um ser humano especial, deixou muita saudade com familiares e amigos, e deixou a certeza de ter cumprido a sua missão.
Antonio Samarone.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

GENTE SERGIPANA - ROSA SAMPAIO



Rosa Sampaio

Nasceu em Aracaju, na maternidade Francino Mello, em 30 de setembro de 1950. Filha do Cirurgião Fernando Sampaio e de Dona Maria Carmelita. Rosa cresceu numa Aracaju bucólica, tomando banho na Praia Formosa, onde hoje é um emissário de esgoto da DESO. Fernando Sampaio foi um dos primeiros moradores das imediações das Quatro Bocas.

Aracaju era a sultona das águas. Aquele canal fétido do fundo do Batistão, já foi um Riacho de águas límpidas que corria até a igreja São José. A ocupação de Aracaju, comandada pela especulação imobiliária, transformou um paraíso ecológico, num aterro insalubre.

Rosa Sampaio cresceu numa cidade sem a violência urbana. Fez o primário e o ginásio no Colégio do Salvador, sob a disciplina de Dona Mariá. Entre as rebeldias da adolescência, frequentou a boate Saveiros, do Iate; e a vida noturna da Atalaia, inventada por Luiz Adelmo.

Em 1965, Rosa Sampaio tomou uma importante decisão: foi estudar o científico no famoso Colégio Atheneu, escola pública de excelência, para onde a sociedade sergipana mandava os seus filhos. Rosa Sampaio deu um salto em experiência de vida, amadureceu, o Atheneu era uma grande escola. Aqui uma curiosidade: no Atheneu, Rosa Sampaio foi aluna de física do Senador Valadares, e segundo ela, ainda lembra da segunda lei de Newton. Pensei, com uma certa maldade, resta saber se o Senador ainda lembra.

Em 1968, quando o mundo fervilhava em novidades, Rosa entrou na Faculdade de Medicina. Como toda jovem esclarecida daqueles tempos, amava os Beatles e os Rolling Stones, mas não descuidava dos estudos. Foi uma boa aluna. Antigamente, quando os alunos saiam das antigas faculdades estavam prontos para o exercício da medicina.

Rosa Sampaio frequentou a faculdade no difícil período do AI-5, tendo sido aluna de EPB do doutor Eduardo Vital Santos Melo, famoso intelectual católico da província sergipana. Durante o curso, se aproximou de vários professores, facilitado pelo pai professor e médico importante na cidade.

Ainda estudante, Rosa Sampaio frequentou um estágio no Hospital das Clínicas da USP. Numa aula prática, com um paciente suspeito de calazar, o professor pediu para que os alunos palpassem o fígado do paciente, foi um Deus nos acuda, ninguém sabia. Rosa, valendo-se das manobras de palpação, apreendidas com o professor Aloísio Andrade, em Aracaju, fez tudo corretamente. O professor, um argentino famoso, ficou encantado com o curso de medicina de Sergipe. Ainda era tempo da medicina artesanal.

Rosa Sampaio formou-se em medicina em 1974. No ano seguinte, foi aprovada no concurso de professora para a disciplina “fisiologia do esforço”, ofertada no curso de Educação Física. Com a criação da disciplina de pneumologia na faculdade de medicina, ofertada pelo professor Dietrich Todt, Rosa foi convidada para ser auxiliar, e posteriormente assumiu o comando da disciplina.

Rosa Sampaio, eterna presidente do Colegiado de Medicina, envolveu-se com as mudanças do currículo do curso, afim de integrá-lo às exigências da reforma sanitária. Rosa virou o nome da UFS, que se envolveu nas mudanças. Era o contato dos estudantes, dos militantes da reforma e dos movimentos populares com a Universidade. Cumpriu um papel decisivo em levar os alunos de medicina para a comunidade, tirá-los dos corredores hospitalares. Inicialmente os alunos foram para o Centro de Saúde Francisco Fonseca, ao lado da Igreja, no bairro 18 do Forte.

Rosa Sampaio tomou gosto pela Saúde Pública, vestiu a camisa da Reforma Sanitária. Em 1997, assumiu a Secretaria Municipal de Saúde de Aracaju, num período de municipalização. Rosa implantou o Programa de Saúde da Família em Aracaju. São inicialmente doze equipes, todas funcionando bem. O SUS vivia uma fase de esperança. Rosa teve autonomia e não misturou a politicagem. Organizou duas conferências municipais, reforçou o Conselho Municipal de Saúde, incorporou o dentista e a assistente social nas equipes do PSF, e recrutou os agentes comunitários por critérios técnicos. Infelizmente, o trabalho de municipalização da Saúde em Aracaju, depois desandou. Parece que até hoje!

A Saúde viveu um período de comando técnico, de boa gestão. Na semana de vacinação dos animais domésticos, vários pontos foram instalados em Aracaju. Um famoso professor de medicina que morava numa chácara, no caminho da Atalaia, ligou para a secretária solicitando uma equipe para vacinar os seus gatos, em sua chácara. Rosa Sampaio não se intimidou: professor, gosto muito do senhor, mas não posso mandar a equipe. O senhor traga os seus gatos, para vacinar nos locais públicos. O professor ponderou, Rosa, é quase impossível, não existe saco que caibam os meus gatos. Rosa, indagou: e quantos gatos o senhor tem? O velho mestre foi sucinto: 48 gatos. De fato, nesse caso, a secretaria mandou não só a equipe de vacinação; como levou o Prefeito e uma equipe de televisão.

Rosa Sampaio foi a última secretária de saúde de Aracaju que obedeceu rigorosamente a todos os princípios do SUS. Depois a politicagem contaminou o sistema, desarrumou, desviou dos princípios, que até hoje a saúde do município patina.

Por conta do trabalho no SUS de Aracaju, Rosa Sampaio foi convidada a ocupar um cargo importante no Ministério da Saúde, durante a gestão de José Serra, e por lá ficou até a aposentadoria. Hoje, Rosa é residente em Brasília, mas não perde oportunidade de frequentar Aracaju.

Rosa Sampaio foi casada com o famoso jurista Gilberto Villa Nova de Carvalho, com quem teve três filhos: Gilberto, Graziela e Raquel; e por enquanto, sete netos. Rosa é uma remanescente da medicina humanista. Aos 68 anos, cabeça boa, missão cumprida na terra, culta, Rosa Sampaio é uma cidadã do mundo.

Antônio Samarone.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

E POR FALAR EM FOTOGRAFIA...


E por falar em fotografias... (por Antonio Samarone).
(a foto é de Pierre Verger)
Na cultura, Itabaiana tem duas tradições: a música, com a secular Filarmônica; e a fotografia, com os mestres Paulino, Miguel Teixeira, Joaozinho Retratista, Percílio Andrade, Jorge Moreira e Seu Romeu. Só os ricos e remediados tinham acesso a esta arte.
Seu Joaozinho retratista era o mais famoso, com o seu cavalinho de madeira, anjos entregando hóstias não consagradas. Santos e cristos de papelão. Ao fundo, um cenário com o azul firmamento, carregado com nuvens de algodão. Seu Joaozinho dominava a técnica, com os seus retratos bem retocados. O retratista era quase um mágico.
Miguel Teixeira deixou um legado sobre a vida na Villa de Santo Antonio e Almas de Itabaiana. O casario, o vestuário, as festas, folguedos, os dias santos, procissões, danças, hábitos e costumes. Um trabalho documental pouco estudado. O acervo de Jorge Moreira se perdeu? Não sei dizer.
A fotografia era vista como um espelho do real. A fotografia não mente, é uma prova, uma mimese, uma imitação quase perfeita da realidade. A fotografia como semelhante ao referente. Um registro, uma tomada. Os antigos retratistas oficiais se transformaram em fotógrafos profissionais. A boniteza estava na apuração técnica, na resolutividade. Hoje fotografia é outra coisa...
O retratista Seu Justo chegou ao Beco Novo! A fotografia chegava ao povo. Seu Justo se instalou no mais famoso cruzamento de Itabaiana: Rua do Beco Novo com a Rua da Pedreira, instalou-se numa esquina, que antes tinha sido as barbearias de Seu Abílio, e depois de Seu Juca, pai do guarda-vala Tito. Na outra esquina, ficava a loja de tecidos de Manezinho Priscina, antiga casa do Coronel Sebrão; na terceira, onde funcionou a padaria de Euclides e Mamede Paes Mendonça, era Bar de Pedro Delfino, administrado com mão ferro por Dona Isaltina; e na última esquina, era a sortida bodega de Zé Meu Mano. Um cruzamento com muitas histórias.
Dona Isaltina enxotava quem botasse açúcar demais no café. Ela inspecionava! Tomava-se café em copos de vidro, de geleia usado. Quando se pedia um pão com requeijão, ela não se dava ao trabalho de tirar a casca. Aí daquele que reclamasse! Outro aborrecimento inaceitável de Dona Isaltina, era algum abusado acaçapar uma bola com força na sinuca. Ela mandava encostar o taco na hora. Seja lá quem fosse...
Lembro-me que na bodega de Zé Meu Mano vendia-se óleo de rícino, o terror no tratamento final das lombrigas; ou para os que estivessem com a barriga inchada ou fastio. Minha mãe adorava prescrever óleo de rícino, violeta genciana, pó de sulfamida, cibalena, cafiaspirina, pomada minâncora, uvilon, piperazil, emulsão de scott, biotônico fontoura e guaiacol.
Estava lendo um clássico de Philippe Dubois, “O Ato de Fotografar”, e a mente me empurrou para Itabaiana. Terminei no óleo de rícino de Zé Meu Mano e nas delicadezas de Dona Ialtina. Vou parar por aqui.
Antonio Samarone.