segunda-feira, 29 de junho de 2020

O MEDO DA PESTE


O Medo da Peste!
(por Antonio Samarone)
As três habilidades que todo mundo aprende cedo (dançar, nadar e andar de bicicleta), eu aprendi com muito sofrimento.
Os banhos de tanque e as redes de dormir foram as melhores heranças dos Tupinambás, e eu as herdei.
Aprendi a nadar no Açude Velho.
A molecada ficava no sangradouro, em cima do paredão, na parte mais funda. No centro do açude tinha uma pau fincado. Eu tinha medo, não sabia nadar. Certo dia alguém me empurrou.
Os meus pedidos de socorro, foram respondidos com gritos de incentivos: Vá para o pau! Vá para o pau! E eu fui. Bebi muita água, me salvei e aprendi a nadar.
Nadar é perder o medo da profundidade.
Aluguei uma Merck Suíça em Seu Firmino, e decidi: Hoje eu aprendo a andar de bicicleta. Fui procurar um amigo para me ensinar.
A turma não dava moleza. Peba se ofereceu: "Suba que eu seguro". Eu acreditei e ele me enganou. Escolheu uma rua de descida e me soltou de ladeira abaixo. Ainda deu um tanjo. Desbandeirei e estou andando até hoje, sem saber parar. Com muitas quedas e muitos arranhões.
O segredo foi perder o medo.
A dança é mais sofisticada. Eu não queria dançar conforme a música. O meu corpo nunca me obedeceu e tenho medo do ridículo. Por isso nunca aprendi.
Não ter podido dançar a valsa de formatura no Ginásio, criou uma barreira. Por não saber dançar me desinteressei pela música. Não tive uma educação musical. Nunca passei da zabumba das flechas.
Na dança, perder o medo não foi suficiente.
Esse arrodeio foi para chegar no grande medo da Peste. Tenho mais medo da Peste do que da morte.
A Peste é a morte sofrida, isolado numa UTI improvisada. O medo do contêiner onde vão jogar o meu caixão. O medo de virar um número, anunciado pela Rede Globo.
O medo da cloroquina e da ivermectina. O medo de ser cobaia de uma medicina bizantina.
O medo da indiferença, da falta de empatia, das explicações do Prefeito no Twitter: "morreu um idoso, gordo, diabético e encrenqueiro".
O medo de morrer em vão!
O medo da vala comum!
Antonio Samarone. (médico sanitarista)

OS IDOSOS E A PANDEMIA EM SERGIPE


Os Idosos e a Pandemia em Sergipe.
(por Antonio Samarone)
Acordei sobressaltado com a notícia de que o próximo decreto do Governador trará novidades para os Idosos. Tudo cientificamente embasado. São medidas de proteção.
Considerando a disparada de mortes por covid-19 em Sergipe; considerando a carência de leitos verdadeiros de UTI (muita gente morrendo nas enfermarias); considerando a urgência para a abertura do comércio; considerando a fragilidade especial dos idosos, o Governo decretou:
A Partir de 1º de julho, fica proibido o internamento de maiores de 70 anos, nas UTIs em Sergipe.
Não se assustem!
Os serviços de tratamento intensivo, têm por objetivo prestar atendimento a pacientes graves e de risco, com probabilidade de sobrevida e recuperação. Não é caso dos idosos graves. UTI não é lugar de morrer.
Considerando que a morte de idosos, em especial os cheios de comorbidades, é um fenômeno natural, quase um descanso; considerando a necessidade de equilíbrio fiscal do estado.
Os idosos com covid-19 em fase de terminalidade, ou moribundos, sem possibilidade de recuperação, deverão ser encaminhados aos cuidados paliativos.
O Governo criará um Lazareto, a fim de acomodar todos os idosos infectados, graves ou não, para receberem os cuidados prescritos pela ciência.
Diante da urgência e da prioridade em proteger os idosos em Sergipe, o Governo fica autorizado a desapropriar um imóvel amplo e confortável, de frente para o mar, para implantar o Lazareto São Roque ou, não sendo possível, contratar leitos ociosos da rede hoteleira.
Considerando a necessidade econômica de relaxar o isolamento em Sergipe, e visando proteger os idosos, presas fáceis da Pandemia, o Governo resolveu decretar o confinamento obrigatório e rigoroso dos maiores de 60 anos.
Para a proteção dos velhos e redução da taxa de contágio, os idosos só poderão receber visitas semanais, com autorização por escrito de um virologista, reconhecido pelo Conselho Federal de Medicina.
O cativeiro dos idosos não tem prazo para terminar. Foi nomeada uma comissão de geriatras, gerontólogos, psiquiatras e psicólogos ocupacionais, para acompanharem a evolução da Epidemia em Sergipe, e a conveniência da liberação futura dos velhos.
Os idosos que comprovarem, através de laudo médico assinado por três neurologistas, serem portadores de demência ou síndromes equivalentes, poderão receber visitas de familiares a cada 24 horas, desde que acompanhadas por um oficial de justiça.
O decreto de isolamento compulsório de pessoas com 60 ou mais, só permite a saída do confinamento para o trabalho (para não prejudicar a economia) ou para atendimento de saúde, em caso de emergência.
Deus é mais!
Acordei suado e ofegante desse pesadelo. Foi um alívio, quando percebi que ainda foi um sonho.
Mas, onde há fumaça, há fogo. O cativeiro dos idosos já foi decretado pelo prefeito de Joinville, e a proibição de internamentos de idosos em UTI, ocorreu em Madrid, durante o colapso deles.
Nada é tão ruim, que não possa piorar! A pior tirania é a bem intencionada, a tirania a favor, para nos proteger.
O meu respeito aos irmãos que se foram, a minha solidariedade às famílias que perderam seus idosos queridos, tragados pela Peste e pela insensibilidades dos homens.
Velhos de Sergipe, Uni-vos! A nossa luta está apenas começando.
Antonio Samarone. (médico sanitarista)

sexta-feira, 26 de junho de 2020

O Desastre Gerencial da Pandemia, em Sergipe.


O Desastre Gerencial da Pandemia, em Sergipe. 
(por Antonio Samarone)

Sergipe chegou a 21 mil casos notificados (menos de 10% da realidade, segundo o IBGE) e 554 óbitos (também sub notificados, segundo o registro civil). 

30 óbitos só nas últimas 24 horas.

O boletim epidemiológico de ontem, dia 25/06, apresentou informações inconsistentes. Oficialmente, o SUS possui 166 leitos de UTI disponíveis para a covid, e 114 estavam ocupados e 52 vazios, com uma taxa de ocupação de 68,7%.

O mesmo boletim informou que dos óbitos nas últimas 24 horas, 7 ocorreram em enfermarias do SUS. O que houve, se existiam leitos de UTI desocupados, por que essas pessoas que faleceram não tiveram acesso? Duas possibilidades: ou esses leitos de UTI não existem, estão só no papel, ou, existem leitos ociosos e os pacientes não foram transferidos por incompetência gerencial.

Essas mortes nas enfermaria do SUS em Sergipe, não são eventuais, tem sido uma regra. Somente nos últimos oito dias (entre 17 e 24/06), 28 pessoas morreram de covid nas enfermarias do SUS, sem acesso as UTI. Um colapso ocultado na maquiagem dos dados.

Quem vai apurar?

Na rede privada existem 99 leitos de UTI em Sergipe e, ontem (25/06), 114 estavam ocupados, ou seja, uma taxa de ocupação de 114%. Tem mais doentes do que leitos disponíveis. Mas ninguém morreu, ontem (25/06), nas enfermarias privadas. O colapso da rede privada está informado. A sociedade tem conhecimento.

Nos últimos oito dias (entre 17 e 24/06), morreram 11 pessoas nas enfermarias privadas. Não sei se pessoas cujo planos de saúde não cobriam UTI, se não tiveram dinheiro para a caução, ou falta de vagas mesmo.

Os 15% que possuem planos de saúde em Sergipe, ou que podem pagar seis mil reais de diária num hospital privado, fique em casa, pois mesmo assim, não existem vagas nas UTI.

Em Sergipe, a Peste está correndo solta. O Poder Público é parte do problema, atrapalha mais do que ajuda, erra mais do que acerta. Não se enfrenta uma Pandemia só com decretos e propaganda!

A morte por covid em enfermarias, exceto em circunstância especiais, é uma forma mascarada de colapso. Os responsáveis por essa indignidade precisam ser punidos e, providencias tomadas, para que esse absurdo não continue acontecendo.

De quem é a competência para fiscalizar?

Pessoas morrendo nas enfermarias do SUS, por falta acesso a leitos de UTI, também atesta a estupidez de ter se torrado uma fortuna na construção de um “hospital” da campanha, com 152 leitos, e nenhum leito de UTI.

O tal “hospital” de campanha meia boca, feito de improviso, sem planejamento, sem organização dos recursos humanos, sem licitação, sem isso e sem aquilo, é só uma carcaça de plástico numa avenida movimentada.

Foi dinheiro jogado fora? Ainda é cedo...

Esse “hospital’ de campanha pode virar a assombração de muita gente!

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

quinta-feira, 25 de junho de 2020

O VÍRUS É CHINÊS E A IVERMECTINA ARACAJUANA.


O Vírus é chinês e a Ivermectina aracajuana! 
(por Antonio Samarone)

Na guerra política da Pandemia, a principal mentira foi que o SARS-CoV-2, o novo coronavírus, foi fabricado na China. Mesmo sem nenhum fundamento científico, a versão continua sendo difundida nas redes sociais.

A estupidez é maior quando, além de chinês, o vírus é visto como um produto de laboratório, uma suposta arma biológica. A esses crentes não vale a pena se contrapor.
O SARS-CoV-2 é o sétimo coronavírus conhecido a infectar humanos. Coronavírus são vírus de RNA causadores de infecções respiratórias em uma variedade de animais, incluindo aves e mamíferos
Já eram conhecidas seis espécies de coronavírus que causam doenças em humanos. Quatro dessas (229E, OC43, NL63 e HKU1) causam sintomas comuns de gripe, e duas espécies (SARS-CoV e MERS-CoV) provocam síndrome respiratória aguda grave, com taxas elevadas de mortalidade.

Nos últimos 20 anos, dois desses coronavírus foram responsáveis por epidemias de síndrome respiratória aguda grave. A epidemia de SARS-CoV 1, com letalidade de aproximadamente 10% e a epidemia síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS - CoV), com letalidade de cerca de 30%.

Em 2002, o SARS-CoV causou um surto na província de Guangdong – China, e se espalhou para 26 países e, em 2012, o MERS-CoV surgiu na Arábia Saudita, espalhando-se para 27 países.

O novo coronavírus, denominado SARS-CoV-2, causador da doença COVID-19, foi detectado em 31 de dezembro de 2019 em Wuhan, na China. O SARS-CoV-2, como vimos, é o terceiro a causar síndrome respiratória aguda grave.

Todos esses coronavírus surgiram do transbordamento zoonótico, onde um agente patógeno rompe a barreira entre as espécies. Com o SARS-CoV-2 (novo coronavírus), não foi diferente.

O que ainda não se sabe é quais foram os reservatórios de animais de origem. Quais os animais envolvidos na cadeia de transmissão? O vírus foi transmitido diretamente de um vertebrado para o homem, ou precisou evoluir em um hospedeiro intermediário. Essa é a dúvida!

Como visto acima, já era esperado esse novo coronavírus. Fenômeno conhecido e estudado. E outros virão, se o homem continuar destruindo os ecossistemas onde esses vírus habitam a milhões de anos.

Além de pertencerem ao mesmo gênero (Betacoronavirus), todos esses vírus, bem como o novo coronavírus (SARS-CoV-2), são de origem zoonótica. Esse fenômeno chama-se transbordamento zoonótico.

A atividade humana criou a "tempestade perfeita" para esse pandemia. A invasão humana de habitats silvestres e a consequente perda e degradação deles, bem como o transporte, armazenamento e comércio de animais silvestres, atividades que criam condições ideais para a transmissão dessa doenças.
Existem dúvidas que a descoberta de uma vacina eficaz não põe fim ao problema que criamos? A vacina resolve esse episódio. Sem uma decidida mudança em nosso modo de vida, sem a interrupção do avançado processo de destruição do planeta, continuaremos convivendo com novas Pestes, de forma cada vez mais frequentes.
Essa é a questão de fundo!
Mas, do ponto de vista imediato, enquanto a questão ambiental não é resolvida e a vacina não chega, o que fazer para aliviar o medo, e retornamos a uma vida quase normal, em segurança.
Como sairemos da armadilha do confinamento que nos colocaram?
Sem a vacina, cientificamente, só existe o caminho da implementação de ações de vigilância à saúde, com ampla participação social. Ou seja, o caminho que a tradicional saúde pública aponta. Não precisamos de lideranças políticas, com os seu decretos.    
A epidemia está se espalhando em Sergipe com essa velocidade, em parte pela demora em testar os suspeitos, dar os resultados e isolá-los. E pela falha na proteção dos profissionais de saúde, o que está gerando disseminação também a partir dos serviços de saúde. Além disso, muitos contactantes não procuram os serviços de saúde, pois desenvolvem doença leve, o que dificulta a identificação dos casos e o controle da epidemia.

Como não existe previsão dessa vigilância, pelo menos em Sergipe, surgiu um comportamento estranho, mas esperado, nos últimos dias. As pessoas querem proteção de qualquer jeito, mesmo sendo proteções ilusórias. E começaram a se mexer, a buscarem alternativas.

Com o enfraquecimento da fé na cloroquina, a classe média aracajuana, orientada por médicos conceituados e experientes, passaram a usar preventivamente a ivermectina, na falta da vacina.

A ivermectina é uma droga antiga, usada para tratar verminose, sarna e piolho em gente e carrapato em bicho. Liguei assustado para um colega que confio. Doutor, que conversa é essa, a ivermectina também serve para a covid-19? Ele deu uma risada, “o que mata lombriga mata tudo. Se bem não fizer, mal não faz”.

Eu cheio de pudores, ainda indaguei, existe alguma evidência científica? O velho colega, cheio de sabedoria, deu uma risada e me respondeu de pronto. “Esqueça a ciência! Nessas horas de desespero e de medo, temos que arriscar”. Eu já tomei, disse ele.

Por via das dúvidas, eu mandei comprar a ivermectina em Itabaiana, que é mais barato. Vou conversar com o Dr. Átalo, para ouvir o parecer da homeopatia.

A Peste é danada, abalou até a relação da medicina com a ciência, que parecia tão sólida.

Antonio Samarone.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

UM SÃO JOÃO SEM LIBERDADE.


Um São João sem liberdade. (por Antonio Samarone)
Um São João triste, onde para se evitar aglomerações, as autoridades acabaram com a festa. Proibiram até o que não precisava. Até as “bandeirinhas”. O povo, com medo de ser responsabilizado, obedeceu franciscanamente.
Ontem o meu condomínio quedou-se logo cedo. Um silencio absoluto. Nenhuma radiola tocando. Nenhuma casa enfeitada. Nenhum chapéu de palha. A vida esmoreceu.
Uma Peste sem fim, onde não se enxerga saídas. As restrições soam como uma expiação de culpa, para acalmar a ira da morte. Tudo simbólico.
Cometemos um erro perigoso. Delegamos poderes imperiais as autoridades, com a justificativa da necessidade de enfrentarmos a Peste. O medo nos tirou a razão. Essa gente não tem compromissos com a sociedade.
Muitos estão se aproveitando do cheque em branco, dado pelo estado de emergência, e estão se lambuzando. O Rio de janeiro não está sozinho!  
Renunciamos à liberdade por uma segurança que não veio. Pelo contrário, estamos cada vez mais inseguros. O Poder Público em Sergipe não está à altura da crise sanitária.
Hoje, obscuros Prefeitos interferem na vida das pessoas de forma absoluta. Tudo em nome do combate à Peste. O exagero é explícito. E o mais grave, com resultados discutíveis.  
O mundo chegou a 9 milhões de infectados e 470 mil mortes, pela Pandemia. EUA e Brasil somam 3,3 milhões, 37% dos casos. O Brasil chegou a 1,1 milhão de casos e 51.400 óbitos. A pequena Província de Sergipe d’ El Rey, alcançou a espantosa marca dos 20 mil casos e 511 óbitos.
Como essa epidemia não tem prazo para terminar, até quando essas sub autoridades se imiscuirão em nossas vidas?
São tanto os desmandos que a gente termina esquecendo coisas importantes. A rede hospitalar precisa de regulação, isto é fato. Precisa de um centro de comando que coordene os encaminhamentos dos pacientes para as unidades de saúde adequadas. Onde existam a vaga e o serviço demandado.
Essa regulação existe para facilitar a vida dos pacientes. Em Sergipe, a burocracia regula visando atender as comodidades dos serviços. A situação dos pacientes não conta. A exigência das UTIs de só receberem os pacientes com covid já diagnosticada laboratorialmente, beira ao sadismo. Os resultados dos exames demoram, e a Peste não espera.
Ontem em Itabaiana, o SAMU ficou numa residência, com um idoso grave, na maca, com imensa dificuldade respiratória, por mais de 4 horas, aguardando um comando da regulação. Para onde encaminhar aquele sofredor? A regulação em Sergipe ignora as necessidades dos pacientes.
A Saúde Estadual continua acéfala, sem comando.
Cheguei a elogiar a indicação de uma técnica, mas foi um erro. Não vejo melhoras. Se com o comando de um candidato as coisas não andavam, com um técnico também não. Governador, deixe os profissionais administrarem. A sua interferência está atrapalhando.
Em Aracaju a trapalhada é maior. A gestão da crise sanitária é eleitoreira. Acintosamente política, sem cerimonias. Tudo a luz do dia, sem subterfúgios, sem controles. Saudades dos antigos órgãos de fiscalização. A Peste é inibidora.  
As duas principais deficiências de Aracaju são a falta de testagem em volume adequado e a ausência de um programa de rastreamento dos contactantes daqueles que foram infectados. São erros imperdoáveis, que infelizmente continuam.
A Prefeitura de Aracaju joga para a plateia, com ações vistosas, ineficazes e efêmeras, num oba-oba sem fim. Aposta na força do marketing, na desatenção da opinião pública e numa imprensa amiga.
Antonio Samarone. (médico sanitarista)

terça-feira, 23 de junho de 2020

DE DECRETO EM DECRETO, O POVO VAI MORRENDO


De decreto em decreto, o povo vai morrendo...
As vítimas fatais da Peste em Sergipe, dobraram nos últimos 15 dias. Em 09/06 tínhamos 252 óbitos, ontem, dia 22/06, chegamos a 491 óbitos. A realidade se naturalizou. A sociedade passou a receber com frieza as informações.
E alguns já recebem as informações com impaciência. Perdemos a empatia pelo próximo!
O Poder Público em Sergipe limita-se a duas providências: assinar decretos, dizendo o que o povo deve e não deve fazer e assistir os casos graves, para que não morram à mingua. O Governo garantiu o direito de se morrer intubado.
O único indicador verdadeiro usado em Sergipe é a taxa de ocupação dos leitos de UTI. O resto é blá-blá-blá.
Em Sergipe não se distingue o Governo Federal de um lado e o Estado e Municípios de outro. Essa é uma falsa polêmica. Não vejo esse conflito. O Poder Público em Sergipe nunca se mostrou à altura para enfrentar a Pandemia.
Jung, o pai da psicologia analítica, dizia que reconhecer publicamente o que fizemos de errado melhora nossa imagem, mas sempre prejudica a nossa reputação. Esse é o dilema das autoridades sergipanas.
O município de Aracaju, só agora, anunciou algumas ações de vigilância epidemiológica. Anunciou! Por enquanto é só discurso, propaganda, nada de efetivo. Tenho receio que a Prefeitura de Aracaju não consiga demonstrar como gastou os fartos recursos que recebeu. Vamos aguardar!
Acho que quando cobro ações de vigilância epidemiológica, estou falando grego para os gestores do SUS, em Aracaju. Talvez seja consequência do fim dos concursos. O pessoal capacitado foi se aposentando e substituído por gente terceirizada ou por protegidos políticos.
O vírus chegou para ficar. A pandemia deve ser encarada não como uma corrida, mas como uma maratona. A Pandemia de Gripe Espanhola durou 4 anos.
Uma pesquisa, publicada no periódico científico Nature Medicine, demonstrou que os níveis de anticorpos encontrados em pacientes recuperados da covid-19, diminuíram rapidamente dois a três meses após a infecção, tanto em pacientes sintomáticos como assintomáticos. Esse estudo criou dúvidas a respeito da duração da imunidade contra o novo coronavírus.
Calma, ainda não é o fim do mundo.
Essa pesquisa lembra o risco de se usar os "passaportes de imunidade" da covid-19, justificando a necessidade do uso prolongado de intervenções de saúde pública, como as ações da vigilância epidemiológica.
A descoberta deste estudo não significa que o céu está desabando. O número de pacientes estudados ainda é pequeno, e existem outras formas de imunidade. A ciência não tem descansado. Nesses seis meses, já foram publicados 22 mil artigos sobre a Pandemia, em revistas científicas ou quase científicas. Está difícil se manter atualizado.
Muita gente me pergunta, essa tragédia vai até quando? Depende! Do ponto de vista médico uma vacina ou um tratamento eficaz põe fim ao problema. Eu penso diferente. A questão é bem mais ampla. A Peste não veio para cobrar mais tecnologia médica, mesmo assim, a prática passará por mudanças profundas.
A Peste veio cobrar uma mudança em nosso modo de vida, para chamar a atenção das questões ambientais. O Planeta chegou ao limite. Se essa questão não for enfrentada, vacina só não resolve. Pois teremos novas pandemias, só que tempos mais curtos.
A mensagem principal da Covid – 19, é que ela não é a última. Teremos as Covids – 20, 21, 22, 23... E assim por diante.
Portanto, o Poder Público precisa apresentar medidas que possam ser sustentadas a longo prazo. Distância social, lavagem frequente das mãos e redução drástica de contatos sociais, uso adequado de máscaras, continuarão necessários.
O confinamento não pode ser eterno. Essa estratégia foi um fuga. Funcionou para evitar a contaminação de uma parte da sociedade. Como esses que estão isolados a mais de cem dias, vão retornar da viagem?
É preciso manter a guarda alta com medidas de distanciamento físico, uso de máscara, medidas higiênicas e reforço da vigilância epidemiológica. E evitar a todo custo as aglomerações e rodinhas. Essa será a nossa convivência com a Pandemia, por muito tempo.
Essa é a opção dos países que escolheram conviver com o vírus, sem apostar na erradicação total. A vigilância epidemiológica precisa estabelecer estratégias para atuar em escolas, transporte, feiras, unidades de saúde, igrejas, eventos, restaurantes, shopping, em suma, onde as aglomerações sejam inevitáveis.
Concordo com Miguel Nicolelis: “O que está correndo no Brasil é uma pandemia, um pandemônio e uma patifaria”.  
Antonio Samarone. (médico sanitarista)

segunda-feira, 22 de junho de 2020

ASSIM CAMINHA SERGIPE


Assim caminha Sergipe. (por Antonio Samarone)
“Os problemas sergipanos são muito graves e as lideranças incapazes.”
Após o fim da ditadura, no período denominado “Nova República” (de Sarney a Dilma), Sergipe foi governado por apenas cinco chefes políticos. João Alves, Albano Franco, Valadares, Marcelo Déda e Jackson Barreto. Cada um a seu modo, foram eles que governaram Sergipe por mais de trinta anos.
Com o fim da Nova República, e a devida aposentadoria dos seus protagonistas, Sergipe ficou politicamente acéfalo
Sem líderes destacados, e com uma bancada federal opaca e fragmentada. Sergipe tem pouca chance de inserção na vida nacional. Ressalvando os dois Senadores (Alessandro e Rogério), a nossa representação em Brasília beira a indigência política.
A atual safra de políticos sergipanos não é boa.
Os herdeiros não estão à altura do bloco que liderou o estado por 30 anos. Na verdade, inexiste herdeiros. Por enquanto, temos um balaio de políticos de porte médio. Ninguém conseguiu até agora ser um líder estadual, liderar um projeto para Sergipe que aglutine seguidores.
Numa metáfora futebolística, nenhum líder na série A. Rogério e Alessandro na série B, e uma multidão nas séries C e D. Em política nada é estático. Isso pode mudar, e alguém da serie D, encontrar o caminho, e passar a liderar um projeto consistente para Sergipe.
Ressalvando-se os dois Senadores (Alessandro e Rogério), o restante da nossa bancada federal fez a opção pelo anonimato. Nenhuma ideia, nenhum projeto de destaque, nenhuma fala notada. Nada! Cumprem os mandatos de forma invisível.
E entre os Prefeitos do interior, além de Valmir de Francisquinho, quem mais está realizando uma boa administração? Itabaiana é um bom exemplo.
Não existem grandes destaques entre os atuais políticos sergipanos (com as ressalvas), nem entre os que estão de fora, mas desejam participar da vida pública. Cruzaremos esse deserto por quanto tempo?
Vivemos sob um intenso nevoeiro, não se enxerga saídas para Sergipe!
Dentro da crise nacional, Sergipe incorporou todos as mazelas gerais e, como não bastassem, ainda carregamos as mazelas provincianas. Que não são poucas!
O que mais me incomoda, é que nenhum grupo político tem um projeto para Sergipe. Nem grupo político, nem qualquer outro grupo. A UFS, com os seus mil doutores, nada tem a dizer sobre Sergipe. As entidades empresariais, muito menos. Estamos à deriva! Como encontrar um porto seguro, se não sabemos para onde estamos navegando.
Será se Sergipe é um caso perdido, não tem solução?
Em momentos eleitorais, os grupos disputantes apresentam projetos elaborados de última hora que, ganhando ou perdendo as eleições, o destino desses projetos é o mesmo: a lata do lixo.
O atual governador Belivaldo, governa com se estivesse carregando uma pesada cruz. Nunca demostrou a menor esperança em nada. O governo se arrasta sem perspectivas, cumprindo a tabela. Tudo ele acha muito difícil.
Agora ele parou dizer, não pode, o estado está quebrado. Mas essa cantilena dominava as suas falas. Fazer o que, o Governador é um pessimista de raiz.
Belivaldo passa a impressão que sonha com o fim do mandato e, por ter suportado estoicamente essa espinhosa missão, o prêmio de Senador ou de Conselheiro do Tribunal de Contas.
Antonio Samarone.

MÉDICOS E LOUCOS EM SERGIPE

Médicos e Loucos em Sergipe. (por Antonio Samarone)

No inicio do século XX, a medicina em Sergipe engatinhava. Poucos médicos conseguiam sobreviver somente de sua clínica. O Hospital Santa Isabel, único da Capital, foi transferido da rua Aurora (atual rua da Frente), pela completa precariedade das instalações, para o alto do Santo Antonio, onde funciona até hoje. O Hospital foi instalado num antigo Lazareto, construído por ocasião da epidemia de varíola de 1898.

A deficiência dos serviços médicos em Sergipe pode ser exemplificada com o episódio do falecimento (13/12/1907), durante o trabalho de parto, de Dona Capitolina Alves de Melo, segunda esposa do Desembargador Guilherme Campos, Governador do Estado. 

O parto foi acompanhado pelos doutores Costa Pinto e Moreira Magalhães, que chegaram à conclusão, de que somente o procedimento cirúrgico (Cesariana) salvaria a paciente e, mesmo tendo sido sobre “operação cesariana” a tese de doutoramento do doutor Costa Pinto, o mesmo nunca tinha tido a oportunidade de realizá-la.

Em síntese, em Sergipe ainda não existiam condições para a realização de tal procedimento. Nenhum médico estava preparado para realizar uma cesariana, nem existiam instalações hospitalares adequadas. A esposa do governador, faleceu durante o parto, em palácio, por falta de uma cesariana.

A “loucura” do Dr. João Vieira Leite.

Outro exemplo tenebroso da nossa medicina no inicio do século XX, foi o tratamento da “loucura” do Dr. João Vieira Leite, médico e Governador de Sergipe, por poucos dias. Um história quase desconhecida.

O Dr. João Viera Leite é filho do Coronel Sisenando de Souza Vieira e D. Adelaide Leite Vieira, nascido no engenho São Félix, cidade de Santa Luzia do Itanhy, a 04 de setembro de 1867. Irmão do médio Dr. Berílio Leite, que fez história na estância.

Dr. João Vieira Leite colou grau em medicina pela Faculdade da Bahia, em 27 de outubro de 1890, defendendo a tese “Apreciação dos métodos operatórios gerais adotadas na operação cesariana”.

Em seu retorno à Sergipe, montou a sua clínica na praça da Matriz em Estância, sendo bastante aceito. Foi diretor e grande benfeitor do Hospital Amparo de Maria.

Entre seu retorno a Sergipe em 1890 e 1901, o Dr. João Vieira teve carreira meteórica como médico e como político. Um personagem destacado da vida sergipana.

Foi Intendente municipal em Estância (Prefeito), Deputado Estadual nas legislaturas 1894-95, 1896-97, Presidente da Assembléia Legislativa, e nessa condição, Governador de Sergipe por 44 dias, após a deposição de José Calazans (1894).

Até quando ocorreu uma grande tragédia: o Dr. João Vieira, ainda moço, com apenas 35 anos, começou a apresentar um comportamento “estranho”, “esquisito”, o que não demorou muito tempo para que a comunidade suspeitasse de que o facultativo estava ficando maluco. E nessa condição de louco, foi levado à força, pela família, para o Rio de Janeiro, em busca de tratamento.

O Dr. João Vieira resistiu a ida para o Rio de Janeiro. Não houve acordo. O ex Governador de Sergipe foi apeado numa camisa de força e, sob intensa violência, embarcado para a sua última viagem.

Durante a viagem, que durava de cinco a oito dias, o Dr. João Vieira foi enclausurado num apertado compartimento do “Vapor Manaus, da Cia. Esperança Marítima”, transformando em solitária. João Vieira reagiu a repressão insana. Após muita violência, tortura física e mental, de bater-se insistentemente com cabeça nas paredes, de muita luta para liberta-se, muita automutilação. João Vieira, médico, governador de Sergipe, foi abatido pelas práticas psiquiátricas da época.

Em 21 de janeiro de 1902, nas proximidades do porto de Vitória, no Espírito Santo, antes de chegar ao seu destino no Rio de Janeiro, o Dr. João Vieira não resistiu aos sofrimentos e faleceu de forma absurda, resistindo à violência da internação e lutando por liberdade.

Dr. João Vieira Leite, um esquecido mártir da psiquiatria em Sergipe.

Antonio Samarone (médico sanitarista)


domingo, 21 de junho de 2020

A PESTE OCULTADA



A Peste Ocultada. (por Antonio Samarone).
Quem governa tem medo da verdade. A atitude do Ministério da Saúde em tentar esconder os óbitos da Pandemia não foi um fato isolado. Esconder os mortos é uma tarefa complicada, as sepulturas falam. Existem artifícios mais discretos de ocultação.
O total de óbitos divulgados em Sergipe é uma parte menor da realidade. Se não houver testagem laboratorial, várias doenças podem ser confundidas com a covid – 19. Por exemplo: síndrome respiratória aguda grave (SRAG), pneumonia, insuficiência respiratória, septicemia (sepse/choque séptico), causas indeterminadas (causas mortes ligadas a doenças respiratórias, mas não conclusivas).
Entre 16 de março e 21 de junho de 2019, ocorreram apenas cinco óbitos por SRAG em Sergipe. Nesse mesmo período de 2020, ano da Pandemia, já morreram trinta e três pessoas por SRAG. !6 de março ocorreu o 1º óbito pela covid em Sergipe. O que houve? É preciso pesquisar.
O que acontece quando um paciente com neoplasia (câncer) contrai a covid. Se for a óbito, qual a causa deve ser preenchida no atestado de óbito? Quem vai para as estatísticas de mortalidade, a neoplasia ou a covid? Legalmente, só existe uma causa para cada óbito.
O boletim epidemiológico publicado diariamente pelo Estado é uma peça de propaganda. Tenta minimizar a gravidade da Pandemia. Na capa, em letras garrafais, o boletim informa que 6.790 pessoas já foram “curadas”, e 22.585 pessoas foram “negativadas”. Quem curou e quem negativou essas pessoas?  O leitor é levado a acreditar que foram as ações do Poder Público.
Como se sabe, a covid – 19 não tem tratamento conhecido. nos casos leves, cuida-se apenas dos sintomas, e em casa. Como eles curaram esses pacientes? O que eles chamam no boletim de pessoas negativadas, são as pessoas que testaram negativo, ou seja, simplesmente as pessoas que não foram infectadas. O governo busca o bônus de ter negativado essa gente.
O boletim epidemiológico de Aracaju, que é distribuído pelo Prefeito, em suas redes sociais, encontrou um subterfugiu original. Divulga que 6.220 pessoas foram recuperadas. Não sei se “recuperadas” e “curadas” são a mesma coisa. Ou se os serviços de excelência da prefeitura vão além, além de curar, recuperam.
Essa linguagem dúbia é parte da propaganda subliminar. Uma pessoa que for infectada pela Covid em Aracaju tem a oportunidade de sair “recuperada”.
A prefeitura também informa que 4.317 pessoas estão isoladas e sendo tratadas em seus domicílios. Portanto, sob o controle da Prefeitura. Mentira! Esse controle é um faz de conta, feito por telefone. Esse foi o principal erro de Aracaju, não monitorar corretamente esses infectados, fazendo a testagem dos comunicantes e o necessário bloqueio.
Foi exatamente a inexistência de ações de vigilância epidemiológica, que transformou Aracaju na cidade com a maior taxa de contágio do Brasil (1,96). Mas o boletim informa que existe.
Vocês abusam da boa fé do povo!
A informação sobre a letalidade dos pacientes internados nas UTI, um dado valioso para avaliação da qualidade do serviço, os boletins omitem.
Quantas pessoas já foram infectadas, quantas adquiriram imunidade, qual a taxa de contágio, nada, o que seria importante para o combate à doença é omitido, nada, quase tudo é omitido. A não ser que o Poder Pública não possua essas informações.
Má fé ou incompetência?
Dos 18.500 mil casos e 448 óbitos notificados em Sergipe, em Aracaju foram notificados 11 mil casos (60%) e 195 óbitos (43%). Uma prova da imprecisão das notificações. Sergipe continua no escuro.
Somos mal informados de forma deliberada ou por despreparo da máquina pública. As duas opções são verdadeiras.
Em Sergipe, muito menos em Aracaju, existe uma comissão técnica coordenando o combate a Pandemia. Ou, se existe, é invisível. Não se manifesta, não fala, não opina. A comunicação com a sociedade é feita diretamente pelos chefes políticos.
Portanto, a informação é maquiada pelo lógica e interesses da política.  
Antonio Samarone. (médico sanitarista)

sábado, 20 de junho de 2020

O INEGÁVEL TRIUNFO DA MORTE


O Inegável Triunfo da Morte.
(por Antonio Samarone)
“O Sol quarando a mágoa, a dor quarando a solidão” – Suassuna
Ontem, 19 de junho, Sergipe bateu um triste recorde, 26 óbitos pela pandemia, em 24 horas. Mais de uma morte por hora. Estamos atravessando uma dura realidade, A Peste é violenta.
Sei que muitos preferem um discurso mais ameno, de vitórias. Falar sobre a morte não está na pauta da sociedade, mesmo em tempos de cólera. É preferível esquecê-la.
No dia 17 de junho, uma autoridade aracajuana postou em seu twitter. “Os 5 óbitos confirmados hoje são”: “Dois homens: 87 anos, com hipertensão, amaurose (perda total da visão) e hipoacusia (perda total da audição); 71 anos, hipertenso, diabético e cardiopata. Três mulheres: 66 e 91 anos, sem comorbidades; 49 anos com doença respiratória crônica.”
Essa alma eugênica, só faltou explicitar: os que morreram não farão falta, gente idosa e debilitada. A Pandemia sabe a quem escolhe, eram mortes previstas. A Pandemia não chegará a vocês, jovens e saudáveis.
As autoridades falam orientadas por especialistas em comunicação social, fala o que a sociedade quer ouvir, que a coisa não é tão feia, como se pinta.
As mentiras funcionam porque oferecem respostas compreensíveis que reduzem a incerteza, atendendo a certos medos e interesses.
Um boato persistente percorreu o mundo recentemente. Ele diz que o coronavírus sofreu uma mutação que o atenuou, reduziu a sua letalidade e a sua capacidade de contágio.
Toda essa mentira se espalhou como fogo de palha, porque é exatamente o que as pessoas querem ouvir, após três meses de tédio, angústia e confinamento.
O prefeito de Inírida, na Colômbia, proibiu mortes por covid-19" em sua cidade.
É confortável para os políticos decretarem exigências fora da realidade, mudanças de comportamentos impossíveis, rotinas higiênicas absurdas, prescrever um novo modo de vida, e quando não são atendidos, responsabilizar as vítimas por sua própria desgraça.
A atual crise sanitária é devastadora para o bem-estar humano e exacerbou as desigualdades. Os ricos e a classe média podem enfrentar a tempestade em uma espécie de refúgio de proteção; os pobres não podem.
Nas Pestes bíblicas e medievais a principal alternativa de proteção era a fuga. Um bom par de botas. Quem podia, viajava para bem distante, onde a epidemia não os alcançassem. Na Peste atual fugimos para um confinamento seguro.
Uma coisa é forçar as pessoas a se trancarem em casa quando têm dinheiro em suas contas e comida na despensa, e outra é quando a quarentena envolve fome e superlotação no domicílio.
Um detalhe desagradável, em nossa volta ainda encontraremos a Peste. O vírus permanecerá mesmo depois do pico, ele se tornará endêmico, causando pequenos surtos. Quais as providências necessárias, antes da chegada da vacina?
A pandemia é um grande teste, que medirá quais sistemas podem proteger os seus cidadãos e quais não. A crise sanitária será acompanhada por profundo aumento nas desigualdades sociais. A economia já está abalada. No caso brasileiro, a conjuntura política não aponta nada positivo.
No Brasil, realizaram uma partida de futebol ao lado de um hospital de campanha. É o fim da empatia social.
O que podemos esperar do pós Pandemia?
Depois da Grande Peste de 1348, a que pós fim a Idade Média, acreditava-se que os homens, os quais pela graça de Deus havia preservado a vida, tendo visto o extermínio de seus próximos, e de todas as nações, se tornariam melhores, humildes, virtuosos e católicos, evitando iniquidades e pecados, e cheios de amor e caridade um pelo outro.
Mas, cessada a mortalidade da Peste de 1348, aconteceu o contrário: os homens se encontrando menos numerosos, e mais ricos por heranças e sucessões de bens terrenos, esqueceram as coisas passadas como se elas nunca tivessem existido, deram-se a uma vida mais vergonhosa e desonesta do que antes.
Dessa vez, a nossa crise não é só sanitária, vivemos uma crise de ódios. Crises sanitárias são resolvidas com o tempo, crises de ódio consomem gerações.
Lamento, não poder dar-lhes boas notícias... Mas, vai passar!
A catástrofe sanitária de Aracaju exige respostas urgentes. O Comitê Científico do Nordeste apontou as cinco cidades mais preocupantes em Sergipe: Aracaju, Socorro, Glória, Lagarto e Estância.
A velocidade do contágio e da letalidade dos casos graves surpreendeu toda a comunidade científica. É uma doença que mata com crueldade.
Sergipe ignora as recomendações do Comitê Científico do Nordeste. Sem a criação das Brigadas Emergências, a população continuará desprotegida.
Antonio Samarone.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

A PESTE ASIÁTICA EM SERGIPE - 1855


A Peste Asiática em Sergipe – 1855 (por Antonio Samarone)
Em meados de 1855 a sociedade sergipana foi atingida de forma violenta pela maior tragédia sanitária de sua história: a primeira grande epidemia de “Cholera Morbus”, que vitimou perto de 30 mil almas, em menos de três meses.
É evidente que o terror espalhado por esse acontecimento, numa população de apenas 200 mil habitantes, não poderia deixar os governantes indiferentes quanto aos riscos de novas “Pestes”. Após a tragédia, a preocupação com a saúde pública aparece na ordem do dia do Poder Público em Sergipe.
“Diga-se de passagem que o perigo representado pelo alastramento das doenças foi, nos séculos passados, o fator desencadeante das providências adotadas pelos órgãos governamentais. Medidas preventivas e remédios surgiam somente após a irrupção da epidemia.”
O primeiro Governo após a desgraça, Salvador Correia de Sá e Benevides, apresenta, como veremos adiante, um verdadeiro programa de saúde pública. O fato de que muito pouca coisa conseguia sair do papel não anula o significado desse novo posicionamento que o Estado ameaça assumir em Sergipe.
“Os navegadores árabes e europeus conheciam a existência, nos grandes deltas da Ásia meridional, de uma doença a que se dava o velho nome grego de Khoera, isto é, ‘fluxo de bílis’. Ela associa uma diarreia profusa a vômitos incoercíveis, placas azuladas no corpo e um emagrecimento rápido. O doente morre de desidratação nalguns dias ou nalgumas semanas; podem também dar-se casos de morte súbita.
A cólera passava, portanto, por uma dessas febres próprias dos países exóticos quando, sem outra razão aparente, a não ser a rapidez e a intensificação das trocas comerciais, deixou, no princípio do século XIX, o seu domínio habitual e começou a viajar.”
Em 14 de setembro de 1855, a terrível pandemia aparece na Vila de Nossa Senhora dos Campos do Rio Real (Tobias Barreto). Era a chegada do grande mal a Sergipe.
O Presidente da Província, Dr. Inácio Joaquim Barbosa, havia falecido em Estância, no dia 06 de outubro de 1855, vítima da febre palustre (malária).
Em seu lugar, tinha assumido interinamente o 3o Vice Presidente, José da Trindade Prado que, baseando-se nos relatórios do Provedor de Saúde, Dr. Joaquim José de Oliveira, toma algumas providências contra a ameaça da cólera, uma vez que a epidemia já grassava violentamente na Província da Bahia.
“Em presença do perigo eminente e da escassez e penúria dos chofres públicos, dado a inexistência de polícia dos portos, falta de boticas e médicos, é que adotei algumas providências para evitar a Cholera.”
Entre as providências adotadas pelo Presidente Interino, José da Trindade Prado, diante da gravidade da situação, identificamos: por em quarentena as embarcações procedentes dos portos onde houvesse a epidemia. Como essa medida foi inofensiva, pela completa inexistência de lazaretos onde se pudesse executar a decisão, avançou-se para a total proibição de entrada de tais embarcações nos portos sergipanos.
Essa medida foi um desastre, não impediu a chegada da cólera, que acabou entrando pelas fronteiras terrestres, e isolou Sergipe do resto do País. Como a maior parte dos víveres vinham da Bahia, agravou-se a situação de fome que, associada à Peste, tornaram as consequências insuportáveis.
Outra medida foi a nomeação de uma comissão de três médicos, um para Estância, o Provedor de Saúde, Dr. Joaquim José de Oliveira; outro para São Cristóvão, o Dr. Francisco Sabino Coelho Sampaio; e um último para Aracaju, o Dr. José Antonio de Freitas Júnior, que seriam responsáveis pelas medidas de prevenção.
Algumas dessas medidas serão duramente criticadas e modificadas e outras tomadas pelo 1o Vice Presidente, João Gomes de Melo (Barão de Maruim), que ao retornar do Rio de Janeiro, onde exercia o mandato de Deputado, logo assume o cargo (25/09/1855) e enfrentará a dura epidemia.
O Barão, logo percebendo a gravidade do fechamento dos portos, manda reabri-los imediatamente (28/09/1855). Entretanto, a medida já tinha causado seus principais efeitos, e Sergipe passará pelo inferno da Peste praticamente isolado do restante do País.
“O Cholera Morbus —, esse mortífero flagelo mandado por Deus às nossas plagas para castigo nosso e pouco a pouco aniquilar-nos, desde os meados de setembro deste ano, manifestou-se nesta Província, espraiando¬-se com a velocidade de raio por todas as suas Cidades, Vilas, Aldeias, Arraiais, e pelos mais insignificantes lugarejos, e estradas, onde existiam habitadores.
Tantas centenas de vidas preciosas ceifadas, tantas fortunas colossais aniquiladas, tanta viuvez, tanta orfandade, tanta miséria! Oh! Por certo o que há de melhor ante um quadro tão triste e lutuoso? Recuar, emudecer.”
O Barão de maruim tentou enfrentar o mal mandando construir lazaretos, para abrigar os pobres e indigentes atingidos pela Peste, ficando evidente a necessidade da construção de hospitais de caridade, pois sua ausência é constantemente lamentada.
Procura nomear médicos para os locais mais importantes, mas encontra dificuldades dado o seu pequeno número na Província. “Exausto os cofres, sem médicos, sem medicamentos, sem autoridades enérgicas e, ao mesmo tempo, a epidemia assolando”. Outra dificuldade foi o abandono dos cargos por parte das autoridades, o pavor levava ao desespero, ao cada um por si, à fuga.
“Assim pois, superando dificuldades e obstáculos, tratei com esmero de atender à população fazendo seguir com a possível prontidão para os pontos onde o mal ia se manifestando os médicos de que podia dispor na Província, autorizados a levarem consigo os medicamentos que pudessem encontrar em nossas boticas, dando iguais providências para os lugares em que o mal ainda não se havia desenvolvido, determinando a fatura dos cemitérios, muitos dos quais eu mesmo contratei, mandando estabelecer hospitais, onde se recolhesse os enfermos, para que, ao passo que fossem melhormente tratados, não infeccionasse a parte sã da população...
Tive por tanto em tais condições de lançar mão de curandeiros para alguns pontos menos populosos e que menos sustos inspiravam, a espera que me chegasse os socorros de dinheiro, médicos, remédios e alimentos, que havia solicitado ao Excelentíssimo Presidente da Bahia.”
Em 2 de novembro, quando não existia mais nenhum tipo de medicamento na Província, chega uma pequena ajuda de Pernambuco. Em 12 de novembro, chega extraordinariamente ao porto o vapor Santa Cruz, como ajuda mandada pelo Governo da Bahia.
Chegaram no vapor uma caixa de medicamentos, os médicos Tristão Henrique Costa, João Francisco de Almeida, e os acadêmicos Bemvenuto Pereira do Lago, João Ribeiro Sanches, Manoel Antonio Marques de Farias, Manoel Nunes Affonso de Brito, Leandro Carlos de Sá, Cândido do Prado Pinto e Manoel Francisco Teixeira.
Em 22 de novembro chega ajuda da Junta Central de Higiene, medicamentos e mais dois facultativos: o Dr. Tobias Ferreira Leite, sergipano residente no Rio de Janeiro, que se apresenta para prestar socorro gratuitamente, e o Dr. Augusto Francisconi, contratado por ordem do Ministro do Império.
Dos médicos residentes em Sergipe, o Dr. Antonio da Silva Daltro foi nomeado para a vila de Campos (atual Tobias Barreto); os Drs. Pedro Autran da Matta Albuquerque e Manoel Antunes de Salles para a Vila de Lagarto; o Dr. Francisco Jacinto da Silva Coelho para Riachão; os Drs. Francisco Alberto de Bragança e José Cândido de Farias para a cidade de Laranjeiras e o acadêmico José Lourenço de Magalhães  para o distrito de Lagoa Vermelha (atual Boquim).
“Em 24 de outubro de 1855 a Cholera-Morbus ergueu-se em Laranjeiras com a mortalha em uma mão e na outra empunhando a foice da morte, arrastando para eternidade mais de quatro mil pessoas.”
Para a cidade de Maruim, onde a epidemia grassava com grande intensidade, os Drs. João de Carvalho Borges e Thomaz Diogo Leopoldo não aceitaram a nomeação, sendo o Governo obrigado a transferir para Maruim o Dr. Valois Galvão, que havia sido nomeado para Santo Amaro.
Em substituição, seguiu para Santo Amaro o acadêmico José Ignácio de Barros Pimentel. Para Porto das Redes, apesar de distrito de Santo Amaro, foi nomeado o Dr. Galdino de Carvalho Andrade, pois a situação da epidemia ali era mais mortífera.
A situação de Rosário era também muito grave: dos dois médicos nomeados para aquela localidade, um não aceitou, o Dr. João Ferreira da Silva Travassos; e o outro, o Dr. Rosendo Constâncio de Souza Brito, que morava na cidade, fugiu.
“A epidemia cada vez tornava-se mais assoladora. As autoridades abandonavam seus cargos o povo espavorido emigrou com elas, deixando montões de cadáveres insepultos.”
A epidemia atinge com muita força Divina Pastora, sendo nomeados os Drs. José Cupertino de Oliveira Sampaio, que não aceitou, e Tobias Rebelo Leite.
O Dr. Francisco Sabino Coelho de Sampaio, permanecia em São Cristóvão. Aqui ocorre um fato interessante: o Hospital de Caridade existente na cidade se recusa a receber os presos, com a alegação que eles eram coléricos, obrigando ao delegado estabelecer uma enfermaria junto à cadeia.
Quando a epidemia chega a Itaporanga, é nomeado o Dr. Pedro Romão Borges de Lemos para aquela localidade. Na verdade, não era tarefa fácil conseguir médicos para cobrir as várias regiões atingidas. De um lado porque o seu número era pequeno, e de outro porque uma boa parte não aceitava a incumbência. Diante de uma solicitação de médico para Nossa Senhora do Socorro, o Barão de Maruim responde:
“Que me era sumamente dolorosa semelhante notícia. Que mais ainda me afligia por não poder acudir com médico, por quanto além dos poucos que existem, dentre estes mesmos alguns se tem mostrado tão pusilânimes que ou se negam a socorrer a humanidade, ou abandonam os lugares em que se acham.”
Em Aracaju, capital recém instalada, atuam os Drs. Guilherme Pereira Rebelo, no serviço de quarentena aos navios, e José Antônio de Freitas Júnior, no atendimento às vítimas da epidemia. Por completa falta de local para abrigar os pacientes com cólera, o Presidente da Província determina que o Dr. Rebelo adapte a casa pertencente ao cidadão João Manoel de Souza Pinto, situada no Poxim, para funcionamento de um Lazareto com capacidade para 40 leitos, que será desativado, logo após a epidemia. 
“A solução sensata era fugir. Sabia-se que a medicina era impotente e que ‘um par de botas’ constituía o mais seguro dos remédios. Desde o século XIV a Sorbone aconselhara aos que podiam que fugissem ‘logo, para longe e por longo tempo’.”
Em Itabaiana, atuou o Dr. Manoel Simães de Mello, que pouco pôde fazer, uma vez que a população daquele município, tendo em vista o abandono das autoridades, fugiu para as matas e serras vizinhas, não se encontrando quase ninguém no centro da vila.
O grave é que a doença atacou nos grotões onde a população se escondia, ficando difícil até contar o número de mortos. O Dr. Simães demorou pouco em Itabaiana, em parte porque não tinha como se deslocar para pontos tão distantes e em parte porque a doença atingiu sua família, que morava no Vasa Barris.
“Na impossibilidade pois de estabelecer o Governo um meio de tratamento metódico para aquele povo, que ainda repelia a ideia de se recolher à vila, que só conta de autoridade o Pároco; e o Juiz de Paz, convidara o dito Dr. Tobias, que tão generosamente já se havia prestado na vila de Divina Pastora, para mais uma vez prestar a minha administração o valioso concurso de dirigir-se à sobredita vila de Itabaiana...”
Na cidade de Estância, uma das mais desenvolvidas da Província, atuavam os Drs. Constantino José Gomes de Souza, encarregado do serviço da quarentena, Joaquim José de Oliveira (Provedor de Saúde) e Antônio Ribeiro Lima no atendimento às vítimas.
Em Estância, o Governo autoriza a abertura de um ou dois hospitais, conforme o número de doentes; as despesas com os enterramentos; o estipêndio dos enfermeiros que os facultativos julgassem necessários e o fornecimento dos medicamentos para os doentes pobres.
Em apenas quatro meses, a Peste tinha deixado um terrível rastro de sangue na Província. Apesar, como está dito no relatório do Barão, de vários cadáveres terem sido sepultados nos pastos dos engenhos, nos campos e estradas, em locais onde não foi possível se ter informações.
Apesar de várias localidades não prestarem nenhum tipo de informação, como foi o caso de Maruim e Santa Rosa onde o número de vítimas foi muito grande, com todas as limitações que possam ter uma informação estatística nessas condições, as autoridades conseguiram registrar 15.122 óbitos, conforme distribuição por localidades, apresentada na tabela da página seguinte.
“À vista de tais razões apenas apresento a relação numérica de mortalidade de alguns pontos da Província, assegurando que à relação se pode com segurança adicionar uma quarta parte dos que tiveram sepultura fora dos cemitérios, em lugares em que a inspeção dos Párocos, ou das autoridades policiais não poderão chegar.”
Relação Oficial da Mortalidade causada pelo Cholera Morbus na Província de Sergipe, desde meados de setembro de 1855 a janeiro de 1836:
Cidade de Laranjeiras     3.500 óbitos; Vila de Lagarto 1.374 óbitos; Vila de Socorro 1.306; óbitos; Vila de Propriá   1.246 óbitos; Vila de Capela       1.000 óbitos; Vila do Rosário      925 óbitos; Cidade de Estância          890 óbitos; Vila de Itaporanga   852 óbitos; Freguesia do Pé Branco 686 óbitos ; Vila de Simão Dias  506 óbitos; Vila Nova do Rio São Francisco           491 óbitos; Vila de Itabaiana              338 óbitos; Freguesia da Pacatuba         311 óbitos; Cidade de São Cristóvão 300 óbitos; Missão da Japararuba 297 óbitos; Vila de Santo Amaro 275 óbitos; Vila de Itabaianinha 201 óbitos; Capital do Aracaju 142 óbitos; Vila de Santa Luzia 134 óbitos Vila do Espírito Santo 132 óbitos; Vila de Nossa Senhora dos Campos  89 óbitos; Freguesia do Campo do Brito  66 óbitos; Arraial dos Pintos  66 óbitos; Barra dos Coqueiros  46 óbitos; Vila de Divina Pastora       20 óbitos; Distrito dos Enforcados  19 óbitos.
Fonte: Relatório do Barão de Maruim (27/02/1856).
Através dos diversos relatos, observa-se com clareza a gravidade com que a pandemia Cholera Morbus cruzou o território de Sergipe em 1855. “Vestígios bem horríveis deixou na Província o lúgubre quadro de devastação que com perigos de sangue, desenvolveu-se o terrível flagelo do Ganges”. Não será exagero especular uma mortandade superior a 30 mil pessoas, num pequeno espaço de tempo de aproximadamente três meses.
“A Peste é, sem dúvida, entre todas as calamidades desta vida, a mais cruel e verdadeiramente a mais atroz. É com grande razão que é chamada por antonomásia de o mal. Pois não há sobre a terra nenhum mal que seja comparável e semelhante à Peste.
Desde que se acende num Reino ou numa República esse fogo violento e impetuoso, veem-se os magistrados atordoados, as populações apavoradas, o governo político desarticulado.
A justiça não é mais obedecida; os ofícios param; as famílias perdem sua coerência e as ruas sua animação. Tudo fica reduzido a uma extrema confusão. Tudo é ruína. Pois tudo é atingido e revirado pelo peso e pela grandeza de uma calamidade tão horrível.
As pessoas, sem distinção de estado ou de fortuna, afogam-se numa tristeza mortal. Sofrendo, umas da doença, as outras do medo, são confrontadas a cada passo ou com a morte ou com o perigo. Aqueles que ontem enterravam, hoje são enterrados e, por vezes, por cima dos mortos que na véspera haviam posto na terna.”
O terror inspirado por esse acontecimento, sem sombra de dúvidas, foi o principal determinante para que nas duas décadas seguinte (1856/1870) o Estado esboçasse algumas iniciativas no campo da higiene pública em Sergipe. “
A calamidade que ocasionou a Cholera Morbus deve pôr-nos de sobreaviso para prevenir futuros males”. É bem verdade que a maior parte das iniciativas e sugestões apresentadas, como veremos a seguir, não passou de “boas intenções”, nunca efetivadas. Entretanto, fica claro a relação entre essas medidas e o medo de novas epidemias, como se observa nesse trecho do ofício circular mandado às Câmaras municipais, pelo Presidente Salvador Correia de Sá e Benevides:
“Depois do lúgubre quadro que testemunhou esta Província, ceifadas tantas vidas preciosas, é dever imperioso do Governo, das autoridades, das corporações municipais, de todos enfim, empregarem os maiores esforços, dedicarem-se completamente à tarefa de prevenir uma nova calamidade, ou pelo menos remover toda e qualquer causa que possa concorrer para o desenvolvimento e aumento das epidemias que por sua vez, como a última, tem estragado os recursos do País.”
Logo após a primeira epidemia de cólera (1856), o Presidente, Dr. Salvador Correia de Sá e Benevides, toma importantes providências no campo da saúde pública: primeiro, começa pedindo a exoneração do Provedor de Saúde, Dr. Joaquim José de Oliveira, pois o fato do mesmo não residir na Capital, contribuía para a inexpressiva atuação do mesmo. Como consolação, o Dr. Joaquim assume a Provedoria do Porto (23/12/1856).
Em seguida, solicita também aos Drs. Guilherme Pereira Rebello e Pedro Autran da Mota Albuquerque (recém nomeado Provedor de Saúde), uma análise detalhada das condições de salubridade de Aracaju. Em 29 de junho de 1856, os citados higienistas apresentam o relatório de conclusão dos estudos, ainda fundado numa visão miasmática da transmissão das doenças, mas bastante minucioso sobre vários aspectos. Entre as principais observações destacamos:
“Os Estupores tão frequentes no Aracaju, as moléstias catarrais, a facilidade com que os hidrópicos ali se estabelecem, as frequentes supressões da transpiração cutânea, que facilmente se convertem em febres intermitentes, tudo isso devido ao meio que se respira ser constantemente saturado de miasmas dos pântanos...
A natureza do terreno do Aracaju favorece singularmente o desenvolvimento das febres intermitentes e de outras moléstias... Desnecessário é agitar a questão se as febres intermitentes no Aracaju são devidas aos miasmas dos pântanos conduzidos dos lugares fronteiros para o Aracaju pelas correntes dos ventos.
É muito natural que os ventos leste, lesueste e nordeste acarretem sobre Aracaju miasmas desprendidos dos pântanos e charcos, que ficam debaixo dos mesmos ventos; mas independente d’esta circunstância existe no próprio Aracaju os elementos necessários ao desenvolvimento das febres intermitentes.”
Após esse relatório, o Governo apresenta um pequeno programa de saneamento ambiental para Aracaju, onde o aterro e esgotamento dos pântanos e o fornecimento de água potável, aparecem como problemas a serem enfrentados com urgência.
A remoção do matadouro do centro da cidade, a proibição dos enterramentos nas igrejas e o enfrentamento da questão das imundícies (lixo) dos centros urbanos. É importante ressaltar a decisão de construir-se hospitais de caridade na Província, como veremos mais adiante.
Na questão do aterro, foi designado o Capitão Engenheiro Francisco Pereira da Silva para executar os trabalhos, e iniciar as obras de aterramento da rua Aurora (rua da frente) e de boa parte do centro da cidade. Essa ideia de sanear Aracaju prossegue por todo o período Imperial, onde o problema da imundície das cidades, principalmente de Aracaju, aparece em quase todos os diagnósticos.
No Governo de José Pereira da Silva Morais (1867), as medidas continuam com mais detalhamento e consistiam em: a) dessecação dos pântanos; b) asseio e limpeza da cidade; c) esgotamento das águas estagnadas e d) melhoramento da água potável.
Antonio Samarone.