segunda-feira, 20 de abril de 2015

A Reforma Sanitária Americana

A Reforma Sanitária Americana

Antonio Samarone de Santana
Academia Sergipana de Medicina.

"Da força da grana que ergue e destrói coisas belas" - Caetano Veloso.

Os Estados Unidos, que em 2009 gastaram 2,5 trilhões de dólares com a Saúde, mais do que o PIB da França, estão realizando uma profunda mudança em seu Sistema de Saúde, a chamada Ação de Assistência Acessível (do inglês ACA - Affordable Care Act). Para garantir o acesso universal aos serviços de saúde, todo cidadão americano terá um Planos de Saúde. Outra mudança, até 2020, será implantado o prontuário eletrônico, gerando economia e agilizando a troca de informações sobre os pacientes. A melhoria na qualidade do atendimento passa pelo registro eletrônico dos dados dos pacientes e o seu acompanhamento. O governo americano está investindo 27 bilhões de dólares nos próximos 10 anos em tecnologia da informação, visando reduzir custos e melhorar o atendimento.
Na visão de futuro, os EUA caminham para a desospitalização e no reforço ao atendimento domiciliar, reduzindo a ida dos pacientes aos serviços de urgência e ambulatórios. A meta é reduzir dois terços dos internamentos por doenças crônicas. O atendimento em domicilio permite uma cobertura 24 horas, todos os dias; enquanto no modelo atual o atendimento é limitado ao horário comercial, com um detalhe, o sistema domiciliar reduz significativamente os custos. Os médicos serão remunerados por ações de promoção e prevenção. Na contramão de outros setores da economia, na saúde, a tecnologia e a inovação trazem aumento dos custos. A saúde enquanto mercadoria vira um objeto de luxo.
Como já vimos, a saúde no mercado apresenta-se como procedimento, e o consumo depende da decisão dos produtores, portanto, uma equação de custos ilimitados. Um caso atípico de mercado, mais lesivo que os monopólios, o consumo decorre da oferta e é decidido pelos vendedores dos procedimentos. O conflito entre as necessidades dos consumidores (pacientes) e o lucro do negócio é escancarado, muitas vezes, lesivo aos pacientes. Este fato gera uma contradição entre os setores do segmento saúde que pagam (poder público, planos de saúde, seguros, pessoa física), e os sistemas assistenciais de venda de procedimentos, que recebem.
Na reforma de Obama, esta forma de compra de serviços por procedimentos executados, será substituída por uma alternativa mais racional e menos custosa. O prazo para o retorno nas consultas foi ampliado para 30 dias. As despesas geradas com as internações de eventos agudos, considerados os cuidados três dias antes e trinta dias depois da internação será remunerado como uma única despesa, obrigando os serviços a melhorarem sua produtividade, a evitarem erros médicos e reduzirem os índices de infecção hospitalar, caso contrário seus lucros seria. No Brasil, os procedimentos são realizados por decisão dos vendedores, e a conta paga pelos consumidores, diretamente, ou através dos planos e seguros de saúde, ou pelo erário público.
Nos Estados Unidos, 64% do consumo dos procedimentos de saúde é realizado por dez por cento dos mais idosos na população; se ampliar a faixa para 20%, o consumo passa para 80% de todos os serviços ofertados. Portanto, o controle dos custos deve ser centrado nessa população mais idosa, portadora de doenças crônicas. A grande mudança está na forma de atender esses pacientes, que necessita ser individualizada, acompanhada diariamente, gerenciada, tentando controlar os problemas para se evitar as intercorrências agudas. Um retorno ao modelo do cuidado médico. Não será uma mudança fácil, pois bate de frente com os interesses mercantis do segmento da saúde.
Por outro lado, os 50% mais jovens da população, representam apenas 3% de todos os custos de cuidados com a saúde, nos EUA. Talvez no Brasil, devido aos elevados índices de violência, (homicídio e acidente de trânsito), e que ocorrem sobretudo nos jovens, esses gastos sejam proporcionalmente mais elevados. Desconheço estudos sobre os custos do consumo médico por faixa etária no Brasil.  As doenças que mais caras nos Estados Unidos são a insuficiência cardíaca congestiva, diabetes, hipertensão, doença pulmonar obstrutiva crônica, asma e doença arterial coronariana. Bem provável que no Brasil seja muito próximo.
Outra medida da reforma do sistema de saúde americano foi a criação de uma instituição de pesquisa, sem fins lucrativos, para avaliar a eficiência dos tratamentos médicos, criar um banco de dados; e o resultado disso tudo será considerado um bem público. Se essa transformação for efetivada terá ampla repercussão nos sistemas de saúde no mundo. Atualmente, essas pesquisas estão sob o comando e orientação hegemônica do Capital. Já foram investidos 1,1 bilhão de dólares na criação deste centro de pesquisa.

Claro, a implantação de qualquer reforma encontrará resistência, e não existe garantias prévias que os objetivos serão atingidos. Entretanto, surge uma esperança de uma medicina mais humana, menos comercial, incorporando a tecnologia em benefício dos pacientes. Ao contrário do divulgado, a esperança não está na medicina cubana, humana mais atrasada, uma medicina simplificada, incompatível com o atual perfil epidemiológico e com os progressos da ciência. O modelo cubano não tem resposta para as doenças crônicas. A esperança também não está na medicina comercial, centrada no lucro, que atualmente domina o mundo capitalista. Dialeticamente, o remédio está surgindo onde a doença é mais grave, onde a medicina é cem por cento capitalista, e a saúde mercadoria. A esperança está na reforma sanitária americana, em curso no governo Obama.