segunda-feira, 8 de julho de 2013

“Pacto para a Saúde”: resposta às cobranças das ruas?


Antonio Samarone (médico sanitarista)


A presidenta Dilma, tentando criar uma agenda positiva, respondeu as cobranças das ruas por “Mais Saúde”, lançando um programa para aumentar o número de médicos. Tentarei, com certa isenção, analisar se as medidas propostas estão no caminho da superação da crise, são consistentes, e darão resultados desejados; ou, pelo contrário, são factoides, respostas eleitoreiras, que apenas criarão ilusões para as camadas da população mal assistidas.

Em linhas gerais, o Governo anunciou a ampliação das vagas nas escolas médicas, 11 mil nos próximos cinco anos; a criação de mais 12 mil vagas na residência médica (cursos de especialização), que também significa mais médicos para a rede pública, num primeiro momento. A mais polêmica foi à criação de vagas para médicos federais com o salário de 10 mil reais, pelo prazo de três anos, para serem lotados e residirem onde o Governo entender que a população está desassistida. Estas vagas serão oferecidas inicialmente por médicos brasileiros e, sobrando vagas, por médicos de qualquer nacionalidade. Essas vagas serão ocupadas com dedicação exclusiva.

Secundariamente, anunciou que os próximos estudantes de medicina, depois dos seis anos, devem passar mais dois anos na rede básica como condição para obter o diploma - uma forma de ressarcimento da gratuidade de sua formação, uma espécie de serviço civil obrigatório. Não está claro se essa exigência também se aplica para os formados em faculdades particulares.

Outra medida, esta, velha conhecida pela ineficácia, foi à liberação de recursos federais (7,2 bilhões) para a construção e reforma de Unidades de Saúde. A conhecida ampliação da rede, sem o devido cuidado com o funcionamento, muito menos com a qualidade, sem previsão de recursos para a manutenção e custeio e sem pessoal treinado para a gestão. A experiência de Sergipe com as Clínicas de Saúde da Família é elucidativa, o fracasso é previsível.

A atual crise dos sistemas de saúde não pode ser tributada ao papel dos médicos, o trabalho na saúde é coletivo, numa equipe multiprofissional, e o seu entendimento nos obriga a uma discussão longa e complexa. Entre outras variáveis, a crise atual sofre influências:

  1. Transição epidemiológica, onde as doenças crônicas substituem as doenças infecciosas como principais causas de mortalidade;
  2. Transição demográfica, com o crescente envelhecimento da população;
  3. Rede de saúde voltada para o atendimento das doenças e ocorrências aguda;
  4. Incorporação tecnológica dominada pela lógica do capital, elevando sobremaneira os custos com a assistência;
  5. Melhoria da renda dos usuários, elevando as exigências na qualidade do atendimento;
  6. Elevação dos custos da assistência médica;
  7. Crescente urbanização, aumentando a demanda por serviços de saúde, e a respostas imediatas;
  8. Gestões despreparadas, com ampla subordinação política;
  9. Elevadas taxas de corrupção e má aplicação dos recursos;
  10. Financiamento insuficiente;
  11. Elevada interferência da lógica privada.
Os atuais serviços de saúde (públicos e privados) estão voltados para as consequências dos agravos à saúde, portanto, com reduzido enfoque na prevenção, voltados também para a oferta de serviços e tecnologias subordinadas a lógica do capital. A demanda mais frequente é de enfermidades que exigem o acompanhamento permanente (hipertensão, diabetes, etc.), implicando em mudanças no modo de vida dos pacientes e os serviços atualmente ofertados estão reduzidos a procedimentos dispersos; com resolutividade próxima a zero.

As reformas necessárias passam pelo fortalecimento da rede básica, centrada na equipe de saúde, na medicina preventiva, no controle social, no envolvimento dos pacientes no gerenciamento e resolução dos seus problemas, portanto, nada a ver com saídas focais, de medicina simplificada para os pobres, que confundem propositalmente saúde com médicos. 

A atenção básica requer uma equipe capacitada de saúde, e não um médico transitório, requer a garantia da referência e contra referência, exige serviços organizados em rede no qual o acesso ao especialista, à atenção hospitalar e aos exames necessários estejam garantidos.

A Saúde pela qual dediquei parte importante de minha juventude, que ainda me disponho ir às ruas, funda-se num sistema equânime, que não separa as pessoas pela condição financeira, que ofereça uma atenção integral, que garanta a dignidade para todos. Não estou disposto a rasgar as resoluções da VIII Conferência. A consulta médica é parte importante desta integralidade, não tenho dúvidas, mas ela não pode ser transformada numa ação isolada, simbólica, sem recursos, sem medicamentos, apenas uma satisfação política. Não subestimem a consciência sanitária da população.