sábado, 31 de dezembro de 2016

COMO ACREDITAR QUE EM 2017 TEREMOS UM “FELIZ ANO NOVO”?


COMO ACREDITAR QUE EM 2017 TEREMOS UM “FELIZ ANO NOVO”?

Antonio Samarone.


Sou da geração que assistiu o fim da ditadura, foi às ruas pela anistia e pelas diretas; e sonhou com um Brasil livre. Em 1979, ano cheio de medos e incertezas, enchemos os olhos de lágrimas e cantamos com Elis Regina, o hino de João Bosco e Aldir Blanc. Caia a tarde feito um viaduto (o Paulo de Frontin), e as lembranças de Carlitos (Chaplin tinha morrido no natal de 1977), choravam Marias e Clarisses” (viúvas de Manuel Fiel Filho e Vladimir Herzog); e o bêbado com chapéu coco fazia irreverências mil Prá noite do Brasil, (e que noite); contudo, sonhávamos com a volta do Betinho, Prestes e Brizola; que tinham partido num rabo de foguete; e pensávamos que aquela dor assim pungente não teria sido inutilmente. Vislumbrávamos a esperança, mesmo de sombrinha numa corda bamba. Era um choro alegre, uma aflição aliviada, pois o amanhã seria outro dia.
Hoje, estamos no limbo, não enxergamos a esperança. Dante Alighieri encontrou na porta do Inferno: "Lasciate ogni esperanza, ó voi que entrate" (Ó, vós que entrais, abandonai toda a esperança); exatamente, o inferno é o fim da esperança... Como desejar feliz 2017? Não acredito num acordo de leniência política e que o PT seja perdoado do envolvimento na ladroagem. Não vejo sinais de uma nova esquerda. A chamada direita não tem projeto para o Brasil onde o povo esteja incluído: nem com esse bando de malfeitores que usurpou o poder, testas de ferro do capital financeiro; nem com a social democracia brasileira de FHC, Serra, Alckmin e Aécio; muito menos com a turma do BBB (boi, bala e bíblia), liderados por Bolsonaro e Malafaia. A sociedade perdeu a confiança em saídas políticas...
Bertold Brecht cunhou uma sentença clássica: Infeliz a nação que precisa de heróis; em outras palavras, infeliz o povo que precisa de salvadores da pátria, de líderes, de libertadores; mas no Brasil estamos numa situação curiosa; e poderíamos completar a frase de Brecht: mais infeliz é a nação que precisa de heróis e eles não existem. Nem temos lideranças, nem instituições políticas com credibilidade. As vagas estão abertas para os tiranos... 

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

O MERCADO DA AUTOAJUDA



O MERCADO DA AUTOAJUDA

ANTONIO SAMARONE

A previsibilidade do futuro é um desejo atávico da alma humana. Em especial, antecipar-se sobre o futuro da nossa saúde, e as possibilidades em se evitar o sofrimento, as limitações e as enfermidades; o desejo universal em se adiar a velhice e morte. Antes recorria-se aos oráculos, adivinhos, bruxos e clarividentes, atualmente este sonho é confiado a ciência. Para ser mais preciso, confiado ao mercado da autoajuda (travestido de ciência). Infelizmente a vida humana continua imprevisível.
Conhecendo o desejo humano de conhecer o futuro, a medicina, valendo-se dos êxitos com algumas doenças transmissíveis, não perdeu tempo, criou a ilusão de que sabe como identificar e eliminar precocemente os riscos adoecer e morrer. Basta que cada um obedeça aos protocolos da medicalização, procure os médicos com frequência, faça os exames prescritos, tome os remédios necessários (para reduzir pressão, glicemia, colesterol, radicais livres), consuma os alimentos milagrosos (alguns previnem o câncer e retardam o envelhecimento), e frequentem as academias de culto ao corpo. Nota-se nesse campo o crescimento de uma indústria de autoajuda alimentar, liderado pelos nutricionistas.
Sei que você quer perguntar, e esse modo de vida não é saudável? Uma parte sim. Mas não significa que as doenças possam ser antecipadas e eliminadas previamente (salvo em casos específicos), na imensa maioria das situações não existe cientificamente essa comprovação. Trata-se de uma ideologia que atende a diversos interesses. Primeiro, amplia-se o mercado da medicina e do seu complexo industrial, que antes cuidava dos doentes e passa a cuidar dos vivos. Segundo, cria-se a ilusão que cada um pode definir a sua saúde, através do consumo de bens e serviços saudáveis, independente da qualidade da vida social. A doença, o sofrimento e a morte se transformam em punição para os que erram, aos que desobedecem e se rebelam contra as normas. O envelhecimento e a morte viram uma improbabilidade que pode acontecer com os outros. Nesse modelo a juventude é eterna, uma questão de cabeça. Foi essa concepção de saúde que se tornou um direito no pós segunda-guerra.