quarta-feira, 30 de setembro de 2020

O REENCANTAMENTO DO MUNDO


O Reencantamento do Mundo.
(por Antonio Samarone)

Os ateus convictos, puro-sangue, materialistas, perderam terreno, cederam espaços para os agnósticos, céticos e indiferentes.

O homem, em sua solidão e angústia, desiludido com o humanismo, perdeu a certeza da morte de Deus, tantas vezes proclamada.

Existe uma crise da descrença?

O homem primitivo era ateu ou religioso? Existe incompatibilidade ente a religião e a ciência na explicação do mundo? Essas polêmicas não estão resolvidas.

Para protegermo-nos dos dilúvios e alcançarmos o céu, construímos a Torre. Essa independência foi condenada por Deus, fomos castigados e Babel foi derrotada. Deixamos de falar a mesma língua e houve uma grande desunião entre os homens, que perdura.

O ateísmo é antigo. Quando o Cristianismo chegou, ele já existia. O ateísmo foi uma tentativa do homem em criar sentido para si mesmo.

Em nome da razão, o Iluminismo dessacralizou o mundo, pois fim ao transcendente, ao sobrenatural, trocou a metafísica pela física.

O século XIX tentou substituir o Deus da fé pelo Deus da razão. O homem se tornou um livre pensador. O Existencialismo negou Deus em nome da liberdade.

Nietzsche pregava que a morte de Deus, nos levaria a dois caminhos: um, onde os valores morais e metafísicos ligados às divindades permaneceriam, prevalecendo a moral do escravo, criando-se outras religiões; outro, onde nasceria um super-homem, nada seria verdadeiro e tudo seria possível. O "super-homem" deu no Nazismo.

Voltando a Nietzsche:

“Onde está Deus – gritava ele – eu vos direi! Nós o matamos – vós e eu. Somos todos os assassinos de Deus... O que o mundo possuía de mais sagrado, de mais poderoso, sangrou sob nossos punhais – quem lavará de nós a mancha de sangue? Que festas expiatórias, que jogos sagrados teremos de inventar?”

Entretanto, entramos no século XXI, com o ateísmo em crise. A fé se dispersou numa espiritualidade difusa. Houve um tempo do Pai, um tempo do Filho e agora, estamos no tempo do Espírito Santo. O Cristianismo se fragmentou em centenas de congregações.

No entanto, Deus está vivo!

Nessa ausência de critérios, as igrejas passaram a representar a todos, crentes e descrentes, justos e pecadores, viramos um só rebanho desunido. Finalmente, a Torre de Babel se realizou.

A necessidade do sagrado retornou pela falência do profano, por sua incapacidade em resolver as angústias humanas. A inteligência artificial se afasta do homem.

Acordei essa madrugada com um sonho besta: o profeta Isaias apareceu, esclarecendo a tal mensagem secreta do SARS-CoV-2, o recado da Peste:

“A vida deve ser ressacralizada, mesmo entre os ateus. O lobo e o cordeiro (crentes, descrentes e indiferentes) apascentando juntos (isto eu já sabia). O retorno à vida simples, minimalista, natural, respeitando o meio ambiente.”

O sagrado, o sobrenatural e o divino passarão a ser fontes de uma atitude trans-religiosa.

Essa confusão toda, com milhares de mortos e sequelados, confinamentos, economia paralisada, só para dizer que o desencantamento do mundo foi um erro.

Isso eu também já sabia!

Antonio Samarone (médico sanitarista)


 

terça-feira, 29 de setembro de 2020

A QUARENTENA FEZ BEM AOS VELHOS?


A Quarentena fez bem aos Velhos?
(por Antonio Samarone)

O envelhecimento acelerado da população e o seu modo de vida têm impulsionado o aumento dos quadros demenciais nos Idosos. O que aconteceu com essa tendência, durante o longo isolamento social determinado pela Pandemia?

É indiscutível, o novo corona vírus tem uma especial preferência pelos idosos!

É o envelhecimento um processo natural inevitável? Ele pode ser retardado? Na época antediluviana a Bíblia (que não mente) conta que os patriarcas viviam até 900 anos. Matusalém é o mais conhecido, chegou a 969 anos.

A Enciclopédia Francesa de Diderot (1765), tratava a demência como uma doença que consiste na paralisação do espírito, caracterizada pela abolição da faculdade racional”. “Não há crime quando o acusado está em estado de demência na época do ato alegado” – Código Napoleônico, 1808.

A caduquice dos idosos era assimilada pela sociedade, eram poucos. Em pouco tempo serão maioria. Aos 85 anos, a metade dos idosos apresenta algum grau de demência.

As demências (“demes” = sem mentes) são vistas clinicamente no início do século XX. Antes eram tratadas como caduquice, senilidade, tolice, imbecilidade, pasmaceira, embotamento, estupidez, idiotia, anoia e leseira.

Por volta de 1900, são reconhecidas as formas senis, arterioscleróticas e subcorticais das demências. O uso do modelo anátomo clínico pelos alienistas, mudou a direção dos estudos sobre as demências, eles passaram a procurar a sua base neuropatológica.

Alzheimer, em 1906, demonstrou que a demência decorria da presença de placas e nódulos neuro fibrilares no cérebro, era uma doença, e não uma condição natural do envelhecimento.

Foi um alívio para quem pretendia ficar velho, a demência não era um condenação obrigatória.

Existem vários tipos de demência, A doença de Alzheimer é a mais popular, a mais conhecida, a que mais mete medo. Hoje o nome de Alzheimer é uma palavra familiar. Os mais íntimos chegam a brincar: “cuidado com o alemão”.

Como fatores sociais e psicológicos contribuem para as demências, ainda é pouco estudado. As demências podem ser vistas como uma defesa contra a morte iminente, uma reação válida contra o isolamento e o sofrimento dos velhos.

O longo isolamento dos idosos pode ter preparado uma onda neurológica no pós-Pandemia, como ocorreu com a Gripe Espanhola? Quais as implicações da Peste sobre a doença de Parkinson (Paralysis Agitans)?

É isso, e muito mais, que vamos saber numa LIVE, hoje (29/09), as 18 horas, com o Dr. Roberto César.

Se sabe que o corona vírus, rompeu a barreira hematoencefálica e chegou ao cérebro. Está lá, em sua forma latente, mesmo nos assintomáticos.

O que ele está planejando?

Antonio Samarone (médico sanitarista)


 

domingo, 27 de setembro de 2020

GENTE SERGIPANA - CHICO ROLLEMBERG


Gente Sergipana – Chico Rollemberg (85 anos)
(por Antonio Samarone)

Francisco Guimarães Rollemberg, nasceu em 07 de abril de 1935, em Laranjeiras (SE). Filho de Antônio Valença Rollemberg e de Maria das Dores Guimarães Rollemberg.

Criado no sítio da bisavó, Dona Esmeralda Guimarães, num ambiente religioso. Um menino forjado para ser padre.

Foi para a medicina inspirado em Heráclito Diniz Gonçalves, paradigma do médico ideal, pela sua bondade simples, transbordamento afetivo, solidariedade e espírito de sacrifício.

Passou a primeira infância em Laranjeiras, onde fez os primeiros estudos. Veio à Aracaju para estudar no Colégio Tobias Barreto e no Ateneu Sergipense. Concluiu o científico no Colégio Estadual da Bahia.

Em 1959, formou-se pela Faculdade de Medicina da Bahia.

Retornou à Aracaju onde passou a exercer a medicina de forma humanizada. Dotado de exímio talento cirúrgico, se tornou um cirurgião geral, daqueles que opera de tudo.

Trabalhava diuturnamente servindo ao povo, numa prática desprovida de ambição financeira. Chico Rollemberg não enriqueceu com a medicina, não amealhou fortunas. Manteve uma ligação afetiva com seus pacientes, os quais conhecia nominalmente.

Chico Rollemberg operava sem descanso, não deixava os pacientes esperando por muito tempo. Sempre prestativo. Trabalhava em todos os hospitais de Aracaju, em especial, no antigo Hospital de Santa Isabel.

Francisco Rollemberg tornou-se Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões por concurso, com a brilhante monografia, “Lesão Cirúrgica do Ureter".

Naturalmente, o seu prestígio médico o levou à política. Em 1970, foi o Deputado Federal mais votado em Sergipe. Foi deputado por três vezes e Senador da República. Iniciou na Arena e encerou a vida política no PMDB.

Foi um político conservador, íntegro, fiel a suas crenças, voltado para o interesse público. Não ficou rico com a política. Um remanescente dos que fazem política como vocação.

Chico Rollemberg destacou-se na defesa da memória de Sergipe. A sua publicação sobre Fausto Cardoso é uma clássica referência para os pesquisadores.

Foi protagonista na luta pela aprovação do Estatuto do Idoso. Mesmo não sendo cumprido, é uma das legislações mais avançadas do mundo sobre o tema.

Francisco Rollemberg reabriu a polêmica sobre as fronteiras de Sergipe. No Final do Império, a Bahia, com a sua força política e econômica, imprensou Sergipe entre os Rios Real e São Francisco. Uma ocupação pela força.

Chico Rollemberg é uma enciclopédia sobre a cultura sergipana, conhece suas raízes. Um cidadão refinado, afável e acolhedor.

É membro da Academia Sergipana de Letras, na fração literária dos que engradecem a confraria.

Chico Rollemberg ocupa a Cadeira 15, que pertenceu ao grande Garcia Moreno, cujo Patrono é Armindo Guaraná e o primeiro ocupante, o médico homeopata Helvécio Andrade. Uma cadeira que nunca foi ocupada por homenageados de conveniência.

O meu colega sanitarista, Dr. Walter Cardoso, ao saudar Chico Rollemberg por ocasião de sua posse na Academia de Letras, sintetizou uma verdade:

“Os meus pares fazem-me subir a esta tribuna para saudar um dos cirurgiões mais notáveis de Aracaju, um dos políticos mais conhecedores de nossa patologia social, uma das figuras humanas mais singulares, pela superioridade de espírito, sinceridade das atitudes, simplicidade de gestos e bondade de coração.”

A sua memória sobre a história da medicina em Sergipe é um arquivo inexplorado. Acordem-se, historiadores!

Não sei quantas personalidades sergipanas merecem uma biografia, com certeza, Chico Rollemberg é um deles.

Antonio Samarone (médico sanitarista)


 

sábado, 26 de setembro de 2020

SETEMBRO AMARELADO (parte um)


Setembro Amarelado (parte um).
Por Antonio Samarone.

A psiquiatria se apropriou do suicídio como objeto de intervenção a partir da segunda metade do século XIX. O suicídio saiu da esfera moral.

Santo Agostinho era enfático: “Ninguém tem o direito de se entregar à morte de maneira espontânea com o pretexto de escapar dos tormentos passageiros, sob pena de mergulhar nos tormentos eternos.”

A sepultura eclesiástica era negada aos suicidas.

Foi assim que me ensinaram no catecismo tridentino, em Itabaiana. A Igreja condenava o suicídio, hoje clama por misericórdia.

Para a igreja, o suicídio era um pecado e decorria da ação do diabo, que convencia o pecador de sua condenação certa e o fazia duvidar da misericórdia divina.

O evento fundador do cristianismo foi um suicídio, um sacrifício voluntário. “Eu dou a vida por minhas ovelhas”. Deixe de heresia, abestalhado, dizia minha mãe. Jesus é o filho de Deus, tinha uma missão, veio para nos salvar.

Dante Alighieri reservou para os suicidas um lugar em seu Inferno. Eles são alojados na segunda parte do sétimo círculo, o dos violentos.

Na Idade Média quando o suicida não possuía uma motivação (sofrimentos da existência), já se atribuía a loucura. A melancolia e o frenesi eram desculpas para o suicida.

Melancolia era o acúmulo de bile negra no cérebro, ofuscando o pensamento, e frenesi era fúria, alucinações e delírios.

Na antiguidade grega, o suicídio era encarado de forma diversa pelas escolas filosóficas. Os epicuristas e estoicos aprovavam.

Os suicídios patrióticos, pela honra, por remorso, pela fidelidade a um pensamento, para escapar à decrepitude da velhice (Demócrito), filosóficos, por desprezo pela vida (Zenão, Diógenes e Epicuro), em defesa da castidade eram aceitos e valorizados.

O suicídio de Sócrates é controverso.

O estoico Zenão (98 anos) caiu, quando ia saindo de sua escola. Nesse momento, repetiu um verso: Por que você me chama? E ali mesmo, estrangulou-se e morreu. Convenhamos, demorou a concluir que a vida não valia a pena.

No mundo romano não existia proibições contra o suicídio, para os homens livres. Cicero entendia que o suicídio não era nem bom, nem mau, dependia dos motivos. Virgílio dividia os suicidas entre o Inferno e os Campos Elíseos, segundo os motivos dos seus atos.

Nero condenou Sêneca ao suicídio, e ele cumpriu serenamente.

O poeta Lucrécio cometeu suicídio por achar a vida entediante (Taedium Vitae). O que importa o caminho pelo qual entras em Hades?

O suicídio político foi frequente em Roma: Catão, Cássio, Brutus (Ó virtude, não passas de uma palavra), Marco Antonio e Cleópatra. O suicídio de Nero (Qualis artifex pereo).

Na antiguidade, o suicídio na velhice era visto com naturalidade. Na visão de Sêneca, “Se o corpo se torna imprestável para todo o tipo de uso, por que não liberar a alma que sofre em sua companhia?”.

Continua Sêneca (lettre LVIII a Lucílius):

“Quanto a mim, não abandonarei bruscamente minha velhice; contanto que ela preserve minha integridade, vejo-a como a melhor porção de mim mesmo. Mas se ela vier perturbar minha mente, corromper seu funcionamento, se restar apenas uma alma destituída de razão, abandonarei a casa em ruínas e prestes a desabar... Considero covarde quem morre com medo de sofrer, e tolo quem vive para sofrer.”

Voltarei ao tema, quando sobrar disposição.

Antonio Samarone (médico sanitarista)


 

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

O CHEIRO DO MUNDO


O Cheiro do Mundo
(por Antonio Samarone)

A pequena comunidade de Mulungu fechou as portas para o Seu Aristide, depois da morte de sua esposa por Covid-19. O medo do contágio virou repulsa, pavor e discriminação.

Seu Aristide virou um pestilento.

Seu Aristide tem 72 anos, mas parece 90. Ele escapou da Peste, mas ficou sequelado, física e emocionalmente. Sozinho, viúvo, entrevado, sem poder andar direito e rejeitado pela comunidade, com sendo um risco.

Seu Aristide padece de uma saudade amargurada da esposa, que ele nem velou, nem sepultou. Ela foi jogada numa vala comum do cemitério da Prefeitura. Uma vala cavada às pressas. Ela pedia para ser enterrada com o terço, que ela rezava diariamente, e com um véu antigo, que ela carregava da época de moça no Capunga.

Estão me tratando como um leproso bíblico, me disse ele angustiado. Entretanto, doutor, o que me incomoda mais é ter deixado de sentir o cheiro das coisas.

A gente só sabe a importância dos cheiros quando deixa de senti-los.

O olfato é tido como sentido tosco, primitivo, animal. Os civilizados procuram escondê-lo. A etiqueta só permite alguns cheiros especiais. O cheiro do mundo e das pessoas passam desapercebidos.

Seu Aristide é um homem do campo, viveu na roça, Depois da aposentadoria, veio morar no povoado. Esperava um final de vida descansado. Veio a Peste e virou o mundo de cabeça para baixo.

Doutor, eu tenho até vergonha de dizer, mas o que mais aperreia é não sentir o cheiro das coisas. Eu sempre tive uma venta apurada. Parecia um perdigueiro farejador. Adoro a fragrância da terra molhada, do café torrando, do mingau de puba, do manjericão, da cebola ciganinha e de estrume novo.

O mundo inolento ficou sem graça.

O senhor sabe que cada pessoa possui o seu cheiro, próprio, único, ninguém cheira igual. Eu sabia identificá-los. Conhecia o cheiro de minha esposa de longe. Eu não confio em médico que não conheça os seus pacientes pelo cheiro, sem vê-los.

Algumas doenças têm cheiro e podem ser diagnosticadas por este sinal.

Eu sinto falta até da rabugem de general (um vira lata, que ele cria com carinho). Eu só não gostava do cheiro de carocha, aqueles escaravelhos nojentos que se escondem pelos cantos.

Estou desesperado! Sempre soube que se perde o olfato perto da morte. Os moribundos não sentem cheiros, para suportar melhor a decomposição.

Durante os sonhos tenho alucinações, sinto o meu corpo fedendo. Chulé, sovaqueira, fedor de boca e inhaca. Tudo misturado. Fico rançoso, com um odor nauseabundo.

Me acordo para tomar banho, no meio da noite. E nada disso existe. E mesmo que existisse eu não sentiria. Doutor, eu tenho pesadelos fedorentos.

No dizer popular, quem fede são os outros. Nos meus sonhos, sou eu! Sei que o corpo é um espaço naturalmente malcheiroso, mas a minha alucinação exagera. Acordo-me sufocado.

Pensei, para quem encaminhá-lo em busca de tratamento?

Para um Neuro ou para um Otorrino? Ou já existe um especialista em anosmia, um Anosminologista?

Existe fisioterapia para anosmia? Não sei dizer! Em Aracaju existe algum especialista em aromaterapia. Pode ser o caso. Psicoterapia, Florais de Bach, Homeopatia ajudam? Como reduzir o sofrimento do Seu Aristide? Aceito sugestões...

Eu sei que a Peste vai demorar a passar, que ainda vai trazer muitos problemas, mas não imaginava tantos e em tão pouco tempo.

Quando os boletins epidemiológicos oficiais informam o número de curados, penso comigo mesmo, que Deus os proteja.

Antonio Samarone (médico sanitarista)


 

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

PARA ALÉM DAS MÁSCARAS DA COVID-19


Para além das máscaras da Covid-19.
(por Antonio Samarone)

Ontem quebrei um dogma da quarentena, fui obrigado ir a Shopping. E fui! A sensação foi de estranhamento com os mascarados. Não sabia o que fazer com tantos desconhecidos.

Falo ou não, digo pelo menos um Oi?

A minha alma provinciana estranha o anonimato.

É o rosto que faz do próximo um irmão com que podemos nos identificar e por quem podemos sentir empatia. Os bandidos usam máscaras.

Após a dança dos sete véus de Salomé, ela fica completamente nua. Herodes grita: continue, continue, continue... esperando que ela retirasse o véu da pele.

A burca sanitária além de incomodar, bloqueia os sorrisos. Puxa-se o ar com dificuldades. Acentua uma vontade imensa de coçar o nariz, talvez por ser proibido. Os vírus possui as habilidades dos mosquitos, que quando picam, deixam um veneno que aumenta o prurido?

As máscaras são enigmáticas.

No carnaval os foliões mascarados se sentem protegidos de olhares inconvenientes. Os palhaços, os super-heróis, os carrascos, os cirurgiões e os bandidos são mascarados. Zorro, Batman, Super Homem são mascarados. O Coringa é mascarado. A polícia de choque usa máscaras.

O Bobo da Corte era mascarado!

Freud acreditava que o próprio rosto era uma máscara natural, para esconder o semblante, que espelha a alma. O semblante revela o inconsciente, desnuda o espírito, desvenda a personalidade e o caráter dos desavisados.

O rosto existe para ocultar o semblante! As pessoas bem treinadas enganam à primeira vista.

Por isso que nas sessões de psicanálise, paciente e terapeuta não se olham frontalmente, para evitar enganos e manipulações. O divã é uma proteção.

O semblante é uma porta aberta para a alma e está oculto pelo rosto. O mau uso desse caminho do uso semblante para o acesso a alma, por Cesare Lombroso, levou aos psicanalistas buscarem a porta dos sonhos.

A fotografia capta a imagem em velocidade superior ao olhar humano, sendo possível em momentos raros, captar o semblante dos fotografados, rompendo a proteção do rosto.

Uma pessoa bem treinada controla a musculatura da face, rindo quando deveria chorar e chorando que deveria rir.

Entenderam?

O rosto como máscara natural pode ocultar intenções e estados de espírito dos indivíduos. Talvez por isso, as máscaras artificiais que escondem a máscara do rosto incomodam tanto.

As pessoas ficam com a sensação de impotência para o fingimento. A relação esfria. O problema se agrava no período eleitoral.

A medicina hipocrática procurava captar o semblante dos doentes, que eles chamavam de “facies”, para realizar o diagnóstico. Em algumas patologias era fácil: facies cadavérica, facies leonina, facies cushingoide, facies miastênica, facies parkinsoniana etc.

Bastou uma saída, uma transgressão à quarentena, para perceber que o uso das máscaras da Covid-19 é complicado, mexe com muita coisa. Não se trata apenas de consciência sanitária.

Estou convencido, que o uso obrigatório das máscaras de proteção contra a covid-19, não é uma tarefa que se resolva com multas e punições.

Não me perguntem como resolver. Eu não sei obrigar nem convencer as pessoas a usarem a “proteção”. Uso por disciplina, com profunda má vontade. O buraco é mais embaixo.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)


 

terça-feira, 22 de setembro de 2020

AQUI HÁ INTELIGENCIA!


Aqui há inteligência!
(por Antonio Samarone)

Nunca ouvi uma explicação consistente para a explosão intelectual em Sergipe, no final do século XIX. O que ocorreu?

Uma Província economicamente irrelevante, geograficamente reduzida e historicamente inexpressiva, produzir tantos nomes de expressão nacional.

Só como exemplo, a Academia Brasileira de Letras já acolheu vários sergipanos. Parece gabolice, mas é verdade.

Do mesmo modo, não se sabe explicar o deserto intelectual sergipano na atualidade. O último nome com reconhecimento nacional foi Joel Silveira. A inteligência nasceu e morreu em Sergipe sem dar explicações.

O grande Gilberto Freire disse uma verdade, sobre o Sergipe antigo:

“De Sergipe, o brasileiro de outro Estado, por mais ignorante que seja da geografia, da paisagem, da produção agrícola, da atividade econômica deste pequeno, mas ilustre pedaço do Brasil, saberá sempre dizer, para caracterizar no mapa brasileiro a província sergipana: aqui há inteligência!”

E havia!

João Ribeiro, nascido em Laranjeiras em 1860, não pode ser esquecido. Fez curso de humanidades no Atheneu Sergipense e formou-se em direito no Rio de Janeiro. Ocupou a cadeira 31, na Academia Brasileira de Letras.

Em sua posse na Academia, João Ribeiro foi saudado por José Verissimo, historiador e pensador paraense:

“A “Corte” não vos deslumbrou suficientemente, a vós, pobre matuto de uma província ignorada, para absorver-vos e acomodar-vos a seu jeito. Do agreste rebelde dos vossos sertões ficou-vos alguma coisa com que defendestes até hoje a vossa originalidade. E essa, crede-o bem, a Academia não quisera contribuir para tirar-vos ou sequer diminuí-la.”

Em suas memórias, João Ribeiro, se expressou:

“Fiz alguns versos e desanimei da poesia. Minhas ideias são volúveis e fugazes com os pássaros de Aristófanes. Ao cabo de tamanha canseira, não fiz coisa alguma, a não ser essa estúpida vanglória de ser conhecido sem saber como e por quê.”

“Os meus pecados são poucos nessa fase inábil da velhice. É possível que a impiedade seja o único defeito irreparável de minha vida. Assim pois, meus senhores, amigos e inimigos, frades e confrades, sabei que eu sou um pecador velho, como “vos omnes”...”

“Não tenho medo da morte nem me preparo para ela. Nem temo o Inferno, nem aspiro o Paraíso. Confio que a minha pulverização será silenciosa e magnífica.”

João Ribeiro deixou o seu epitáfio escrito: “Mais um de menos.”

Certe feita procurei uma autoridade aracajuana da cultura para falar sobre João Ribeiro, fui recebido com enfado. O comissário estava atarefado, organizando o próximo “Verão Aracaju”, na Orla de Atalaia.

Voltando a Gilberto Freire, que professava uma certa inveja por Tobias Barreto, por ele ter sido bem sucedido intelectualmente em Pernambuco, Freire sempre que encontrava um Sergipano, dizia enfaticamente: “Em sua terra, grande foi João Ribeiro.”

João Ribeiro escreveu, entre tantas coisas, um clássica Gramática Portuguesa, cheia de erudição e curiosidades sobre a língua, desconhecida em Sergipe.

João Ribeiro foi uma águia do antigo ninho sergipano de intelectuais.

Faleceu no Rio de Janeiro, em abril de 1934.

Antonio Samarone (médico sanitarista)


 

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

CAJUEIRO DOS PAPAGAIOS


Cajueiro dos Papagaios
(por Antonio Samarone)

O significado da palavra Aracaju é controverso. A língua tupi não possuía escrita. Os colonizares é que criaram a sua gramática. O sentido de cada vocábulo era interpretado pelo som, gerando entendimentos divergentes.

Os Tupinambás gostavam de nomear os acidentes geográficos homenageando os seus Caciques, como fazemos ainda hoje, com os nomes dos logradouros públicos. Até em edifícios e condomínios privados colocamos nomes de pessoas.

Se sabe que Pacatuba, Japaratuba e Muribeca foram Caciques famosos. Sergipe, vem do Rio Seregippe, uma clara homenagem ao Cacique Serigy.

E o nome Aracaju vem de onde?

Von Martius afirmou que Aracaju vem de ar – nascer, e caju – fruto do cajueiro.

Theodoro Sampaio foi mais longe, ara – papagaio, caju – fruta, Aracaju significando Cajueiro dos Papagaios.

Mário Cabral escreveu que Aracaju é uma corruptela ara-acayu, sendo ara – tempo e acayu – fruta. Também ficou bonito, Aracaju significando “O Tempo dos Cajus”.

Os poetas fizeram uso.

Caetano Veloso, numa canção antiga e pouco conhecida, versejou: “Céu todo Azul/ Chegar no Brasil por um atalho / Aracaju/ Terra cajueiro papagaio/ Araçazu... Aracaju/ Cajueiro arara cor de sangue/ Aracaju/ Menos o Sergipe e mais o mangue.”

Quando o poeta Pedro Luan escreveu recentemente: “Mar de renda, natureza, água morna, céu azul/ Deus te deu essa beleza de arar a terra e ser caju - Cajueiro dos Papagaios – Aracaju.”, ele usou arte e inspiração.

Não sei quem compôs, mas a bela canção “Meu Papagaio”, retomou ao tema dos papagaios.

O poeta Paulo Lobo recitou: “Ará Cajueiro Aracajuá/ Dança guerreiro/ Ruas de Ará.” Deve existir outros poemas que eu desconheço, inspiradas num deslumbrante Cajueiro dos Papagaios.

Imaginem: um cajueiro carregado, amarelinho de cajus, lotado de papagaios (ou de araras).

Infelizmente, quando os Tupinambás se referiram a Aracaju, eles não estavam pensando em um Cajueiro cheio de Papagaios. Mas que ficou bonito, ficou. Bem que poderiam...

O topônimo Aracaju é antigo, bem como a existência do Rio Aracaju, atual Rio do Sal, como anotou o Frei Jaboatão. Não estou falando do Riacho Aracaju citado pelo Engenheiro Pirro. Falo do Rio Aracaju, que denominou a Região.

As primeiras menções a Aracaju estão nas cartas de sesmaria, de 1600. Primeiro como Gauquajú, depois Arcaiú e, em 1602, com a forma definitiva de Aracaju. Na carta de Pero Gonçalves (1602) está registrado: “No cabo do Rio Aracaju está uma ponta de terra que mete entre dois apicuns.”

Aracaju era uma porção de terra de cerca de légua e meia quadrada, entre os Rios Aracaju ao Norte (atual Rio do Sal), Poxim ao Sul, Sergipe ao Leste, limitando-se ao oeste com o Riacho Caborje, já aterrado. Foi aqui que Cristóvão de Barros (1590), instalou a primeira São Cristóvão.

O Rio Aracaju é uma homenagem dos Tupinambá a um cacique, cuja tribo ocupava esse território. O surgimento posterior da Aldeia do Aracaju, que segundo Clodomir Silva, em 1696, era comandada pelo Cacique João Mulato.

A Aldeia do Aracaju situava-se no Morro de Santo Antonio, onde construíram uma igrejinha. Em 1757, o Padre José de Souza informou ao Governo, ter a Freguesia de Nossa Senhora do Socorro uma Capela no Povoado Santo Antonio do Aracaju.

De Aldeia passamos a Povoado de Santo Antonio do Rio Aracaju.

Observem, que se usa “do Aracaju”, e não “de Aracaju”, como se faz atualmente. Trata-se do Povoado do Rio Aracaju.

Fui advertido por um ex amigo, por usar “Febres do Aracaju”, “Pestes do Aracaju” como título dos meus livros. Espero, que entendendo as origens, o dito cujo sossegue. Eu continuarei falando “as coisas do Aracaju”.

Acompanho historicamente ao Padre Aurélio Vasconcelos de Almeida, Aracaju foi o primeiro nome do Rio do Sal, em homenagem ao Cacique Aracaju.

Depois Aracaju denominou a Região. A Aldeia do Rio Aracaju. O Povoado de Santo Antonio do Rio Aracaju se tornou a Cidade do Aracaju, em 1855, por força de Lei.

Entretanto, cultural e emocionalmente, fico com Theodoro Sampaio, somos um belo “Cajueiro dos Papagaios”, ou com Mário Cabral "O Tempo dos Cajus".

Falta as autoridades o senso poético, para infestar Aracaju de cajueiros, que os pássaros se aproximarão.

Antonio Samarone (médico sanitarista)


 

domingo, 20 de setembro de 2020

A OFTALMOLOGIA EM SERGIPE


A Oftalmologia em Sergipe
(por Antonio Samarone)

Até as primeiras décadas do século XIX a oftalmologia era apanágio dos cirurgiões aprovados, que realizavam operações de catarata, fístula lacrimal e enucleação do globo ocular.

Os autores antigos responsabilizavam a sífilis, as febres intermitentes e o reumatismo pelo desencadeamento de muitas lesões oculares. A oftalmologia cuidava de conjuntivite, terçol, sapiranga e oftalmia purulenta (tracoma).

Na história do ensino médico no Brasil, a cadeira de “oftalmologia” clínica foi uma primeira disciplina especializada a ser instalada. Na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro a cadeira foi criada em 1873.

O médico sergipano José Antonio de Abreu Fialho, se estabeleceu como lente catedrático de oftalmologia a partir de 1906, indo desempenhar um papel marcante na consolidação da especialidade no Brasil.

Os primeiros sergipanos oftalmologistas.

Dr. Jose Antonio de Abreu Fialho natural de Aracaju, nascido a 20 de janeiro de 1874. Doutor em medicina em 1897, pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, defendendo a tese “A oculística perante a patologia: perturbações oculares nas moléstias cerebrais”. Fez especialização em Viena na clínica Fuchs. O Dr. Abreu Fialho faleceu a 17 de março de 1940.

Dr. Oscar de Noronha, natural de Estância, nascido em 1859, recebeu o grau de doutor na Faculdade de Medicina da Bahia em 1883, defendendo a tese “Fistulas lacrymaes”. Foi militar, nomeado diretor do Hospital Militar de Porto Alegre, onde exerceu a oftalmologia em sua clínica privada.

Dr. Ulysses de Azevedo Faro, natural de Rosário do Catete, nascido a 28 de outubro de 1856, recebeu o grau de doutor pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1881, com a tese “Influência da medula espinhal sobre as funções respiratórias, circulatórias, de calorificação e nutrição”.
Escreveu vários trabalhos sobre a cirurgia da catarata. Circulou por vários Estados, findando por montar clínica em São Paulo para desenvolver sua especialidade de oftalmologia.

Dr. José Lourenço de Magalhães, natural de Estância, nascido a 11 de setembro de 1831, recebeu grau de doutor pela Faculdade de Medicina da Bahia em 15 de abril de 1856 defendendo a tese “como reconhecermos que o cadáver morreu de afogamento?”
Lourenço de Magalhães Foi diretor do serviço de oftalmologia da Casa de Saúde N. S. da Ajuda, no Rio de Janeiro. Também foi especialista em lepra. Presidente da Academia Nacional de Medicina (1895 - 96). Faleceu em São Paulo em 23 de novembro de 1905.

Dr. José Correia de Mello Bittencourt, natural de São Cristóvão, nascido a 22 de dezembro de 1859, recebeu o grau de doutor na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1882, com a tese “Da influencia do curativo de Lister nas septicemias cirúrgicas”. Especializou-se em oftalmologia na clínica Wecker em Paris. Foi membro da Sociedade Francesa de Oftalmologia.

Dr. Francisco de Barros Pimentel Franco, natural de Laranjeiras, nascido a 06 de novembro de 1879. Formou-se em medicina na Bahia em 1904, com a tese “Das Coroidites”. Antes já havia se formado em farmácia e em odontologia. Foi interno, na Bahia, da Clínica Oftalmológica da faculdade. Praticou a medicina em Própria, Laranjeiras e Aracaju. No final da vida exercia apenas a oftalmologia. Faleceu a 24 de abril de 1922.

Dr. Edilberto de Souza Campos, nasceu a 04 de setembro de 1883, em Lagarto. Doutorou-se em medicina em 1905, no Rio de Janeiro, defendendo a tese “Notas sobre a correção óptica permanente da miopia”. Fez o curso de especialização em oftalmologia em Viena, Áustria. Em Junho de 1908, publicou um importante livro de medicina: “Os Medicamentos da Oculística”, opúsculo de 144 páginas, destinado a servir guia prático no uso dos medicamentos pela categoria médica. Faleceu em 2 de abril de 1971.

Sem contar, que o maior nome da medicina sergipana no século XIX, Dr. Antonio Militão de Bragança, também exercia a oftalmologia em sua clínica, tendo sido Lampião o seu paciente mais famoso. O conhecido “olho cego” do Rei do Cangaço, foi um acidente com um espinho de quixabeira, tratado pelo Dr. Bragança. Faleceu em 27de março de 1949.

Antonio Samarone (médico sanitarista)


 

sábado, 19 de setembro de 2020

SANTO ANTONIO DO ARACAJU


Santo Antonio do Aracaju
(por Antonio Samarone)

Inácio Joaquim Barbosa Filho nasceu em 10 de outubro de 1823, na cidade do Rio de Janeiro.

Em 07 de outubro de 1853, foi nomeado Presidente da Província de Sergipe, tomando posse em 17 de novembro. Inácio Barbosa foi recebido com restrições pela elite açucareira, por ser mulato. A boca miúda, a aristocracia rural sergipana tratava o Presidente de “Catinga”, em clara manifestação de racismo.]

Inácio Barbosa foi nomeado para pacificar as elites políticas da Província de Sergipe.

Sergipe precisava de um porto marítimo. Barbosa criou a Associação Sergipense, para dotar a Barra do Rio Sergipe de reboque a vapor.

O Presidente queria transferir a Capital para Laranjeiras. Inácio Barbosa, chegou a Sergipe, viúvo e pai de duas filhas, Maria Guilhermina e Maria Joana. O Presidente se engraçou de uma donzela do Engenho do Brejo. Pensou em casamento.

Em jantar oferecido pela aristocracia laranjeirense, para acertar os detalhes da transferência da Capital, um senhor de engenho mais afoito, discursou em elogio ao Presidente: “Vossa excelência é um mulato pobre, mas honrado, cuja família eu muito conheço.” Estava acabado o casamento. Como um mulato iria pertencer a uma família aristocrática sergipana?

Inácio Barbosa deixou Laranjeiras furioso e amargurado.

Em 25 de fevereiro de 1855, convocou a famosa reunião para transferir a Capital de São Cristóvão. Uma reunião entre os grandes da Terra, no Solar do Engenho Unha de Gato, do Barão de Maruim. Estavam presentes os deputados provinciais, os proprietários de relevo e as pessoas graúdas. Os Senhores de baraço e cutelo, os donos das sesmarias.

A Assembleia Legislativa Provincial reuniu-se formalmente em 14 de março, para referendar a decisão tomada no Engenho Unha do Gato.

Resolveram por unanimidade trazer a Capital para a Barra do Rio Sergipe. A resolução 413, de 17 de março de 1855, elevou o povoado de Santo Antonio do Aracaju, na Barra do Rio Sergipe, a categoria de cidade, para onde transferiram a Capital.

Os dois Partidos da época, Rapinas (Luzias), liderados por Sebastião Gaspar de Almeida Boto e os Camundongos (Saquaremas), liderados por João Gomes de Melo estavam de acordo.

Os “Rapinas” continuam no Poder em Sergipe.

A luta política em Sergipe nunca se deu em defesa de princípios, programas, interesses classistas, divergências regionalistas ou de projetos administrativos. As disputas eram para governar a Província, segundo as suas ambições e interesses pessoais. Parece que continua...

Inácio Barbosa, buscando um Porto, fundou uma Capital lacustre.

A descrição do Aracaju feita por Sebrão Sobrinho é Prefeita:

“Aos pés dos cômoros, apertada entre os altos de areia (dunas) e o Rio do Aracaju (Sergipe), estendia-se a praia cheia de sítios, pontilhada de cajueiros e, enquanto os sacos ou aribés e os apicuns eram aproveitados para os mandiocais, o resto era água, era brejo.”

Inácio Barbosa contraiu impaludismo (malária). A nova Capital não possuía nem médico nem botica. Em 03 de agosto de 1855, ele partiu para Estância em busca de socorro médico. Recebeu os cuidados dos doutores Antonio Ribeiro Lima e Francisco Alberto Bragança.

O primeiro médico do Aracaju foi o Dr. Guilherme Pereira Rebelo.

Em 06 de outubro de 1855, Inácio Barbosa (32 anos), não resistiu a sezão. Foi sepultado no dia seguinte na Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, em Estância.

Em 19 de fevereiro de 1858, o seu corpo foi transladado para um túmulo perpetuo, em cemitério especial, anexo a Igreja de São Salvador, em Aracaju.

No novo túmulo, estava escrito como epitáfio: “Viveu e terminou com glória a carreira que Deus lhe assinalou na terra”. Um boa dose de hipocrisia. Inácio Barbosa foi recebido com restrições pela elite açucareira sergipana, por ser mulato.

Depois de rodar por outros túmulos (um total de sete), os restos mortais de Inácio Barbosa descansam onde encontra-se o obelisco, defronte a Praça do Mini Golfe.

Antonio Samarone (médico sanitarista)


 

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

DIA MUNDIAL SEM CARROS


Dia Mundial Sem Carros!
(por Antonio Samarone)

Desconheço a programação do “Dia Mundial Sem Carros” em Aracaju, em 2020, que será em 22 setembro, início da primavera no Hemisfério Sul, que vai do equinócio de setembro ao solstício de dezembro.

Não sei se alguém lembra desse simbolismo - “Dia Mundial Sem Carros”. A luta por uma mobilidade sustentável. O passado foi ontem, mas já é passado. Os problemas só existem quando são notados, quando existe uma consciência crítica sobre eles.

Por Lei, a semana de Segurança no Trânsito vai de 18 a 25 de setembro e começa hoje. O lema desse ano: “Perceba o risco, proteja a vida”, um enfoque centrado na pessoas, como se a segurança no trânsito dependesse apenas da atenção individual.

O Brasil é o quarto país com maiores índices de morte por acidente de trânsito no mundo, perdendo apenas para a China, Índia e Nigéria.

Em 2018, O Brasil teve uma taxa de 23 óbitos por cem mil habitantes. No Brasil, uma pessoa morre a cada 15 minutos, em decorrência do trânsito. A cada dois minutos uma pessoa é sequelada.

Em 2018, mais de trinta e três mil pessoas perderam a vida no Brasil, por causa do trânsito. Já foi pior, em 2012, foram quarenta e seis mil óbitos.

Esse ano (2020), com a Pandemia, esses números caíram, por razões óbvias. Ainda estão sendo apurados.

Segundo o DETRAN, Em Sergipe, em especial na capital, os acidentes de trânsito tiveram altos índices de janeiro a agosto de 2020, durante a pandemia e o isolamento social.

Segundo dados da Companhia de Policiamento de Trânsito (CPTRAN), de janeiro a agosto de 2020, foram registrados 481 acidentes, com 18 mortes. Em 2019, em condições normais de circulação, foram registrados 535 acidentes e 19 mortes.

Quem quiser que entenda as coisas em Sergipe.

Uma mobilidade segura depende do modelo de transporte adotado, condições de caminhabilidade urbana, segurança das vias, estágio de cidadania da sociedade, vigilância do poder público, educação dos condutores e das tecnologias incorporadas aos veículos. Se tem investido apenas nesse último item.

Duas tecnologias estão chegando para os automóveis: os carros elétricos e os carros autônomos.

Os carros autônomos prescindem de motorista, do elemento humano. Os erros serão insignificantes. A tecnologia eliminará de vez a desatenção e a irresponsabilidade dos motoristas, sem precisar educá-los. O número de acidentes despencará!

Os carros autônomos estão à espera do 5G, tecnologia que a China saiu na frente e que a Huawei domina. O Brasil está na iminência de leiloar essa tecnologia entre a sueca Ericsson, a finlandesa Nokia e a sul coreana Samsung.

Na recente guerra fria, os USA está pressionando o Brasil para não permitir que a chinesa Huawei participe do leilão. A tecnologia da empresa chinesa é 1,5 vez mais rápida que a de seus concorrentes e os seus equipamentos consomem 30% a menos de energia. E é bem mais em conta.

A tecnologia 5G surge como um aperfeiçoamento da geração anterior e promete manter tudo conectado ao mesmo tempo, não apenas os computadores e celulares, mas também TVs, geladeiras, carros, máquinas de lavar, câmeras de segurança. É o que foi batizado de internet das coisas, com uma velocidade de até 20 vezes.

A tecnologia 5G fará uma revolução na mobilidade?

Sobre a Semana do Trânsito, desconheço a programação da Prefeitura de Aracaju. Deve ser por conta da Pandemia. Quem souber me avise.

Antonio Samarone (médico sanitarista)


 

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

OS DONOS DO ARACAJU


Os Donos do Aracaju
(por Antonio Samarone).

Até 1970, Aracaju limitava-se ao quadrado de Pirro, o Aribé, o 18 do Forte e Bairro América. A explosão urbana acompanhou as chegadas da Petrobrás e da UFS. O primeiro Código de Urbanismo é de 1966.

Antes da década de 1960, as prioridades urbanas do Aracaju eram voltadas para a drenagem dos alagados e grandes aterros. Uma cidade cortada por rios, lagoas, riachos, mangues e apicuns, uma grande restinga cercada de dunas, para se viabilizar como espaço urbano destruiu o meio ambiente natural.

Foi a guerra contra os mosquitos que impulsionou Aracaju. Uma cidade em busca da salubridade. Dezoito canais foram construídos. A sultona das águas, construída num baixio ao nível do mar, precisa de saneamento básico.

Aracaju é um grande aterro embelezado, obra dos sergipanos, dizia o Mestre Luiz Antonio Barreto.

Nesse período bucólico do Aracaju, destacaram-se como Prefeitos, José Conrado de Araújo e Godofredo Diniz. Conrado iniciou a expansão da cidade para a Zona Oeste e criou uma rede municipal de ensino. Godofredo expandiu a cidade para a Atalaia.

Aracaju se movimentava por bondes e kombis. Uma doce Província. Os meninos jogavam bola nas ruas e apicuns e batiam perna no Parque Teófilo Dantas. A farda do Atheneu era um distintivo de orgulho.

A Cascatinha era um refúgio boêmio, a Iara sorveteria e boate e o Cacique Chá, um restaurante de luxo. Seu João imperava no Parque, com a sua barraca de cachorro-quente. Tudo isso já foi contado por Murillo Melins, o memorialista do Aracaju.

O primeiro conjunto habitacional do Aracaju, o Agamenon Magalhães, foi construído por razões sanitárias: a remoção dos moradores do Curral e da Ilha das Cobras, onde funcionava o baixo meretrício.

O desmanche do Morro do Bomfim tirou o quadrado de Pirro do isolamento e permitiu a construção da Rodoviária Luiz Garcia (a velha). A cordilheira de dunas margeando a avenida Pedro Calazans ainda pode ser observada na ladeira da Rua São Cristóvão.

O vasto apicum no fundo do Batistão (Japãozinho), que avançava até a Igreja São José, foi religiosamente aterrado. No local, surgiu o primeiro empreendimento habitacional privado do Aracaju, um conjunto de casas, construído por João Alves (o Pai).

Depois de 1964, Aracaju foi governada por técnicos nomeados: Aloiso Campos, Cleovansóstenes Pereira de Aguiar, Gileno Lima, até a nomeação do Engenheiro João Alves Filho (1975 – 1979), que depois entrou na política.

Nesse período, o urbanista Rubens Chaves foi o grande sonhador do Aracaju com qualidade de vida.

Durante a primeira gestão de João Alves Filho na Prefeitura do Aracaju (1975 - 1979) a cidade foi rasgada em seu limites, abriu-se avenidas e corredores, montou-se um sistema de transporte coletivo. A cidade foi preparada para o mercado imobiliário.

Antes da redemocratização, Heráclito Rollemberg (1979 – 1985) é nomeado Prefeito do Aracaju, seguindo um caminho contrário, deixando a política para assumir a gestão. Deu continuidade as mudanças iniciadas por João Alves.

Antes da redemocratização, governou Aracaju num breve período, mas com grande intensidade, José Carlos Teixeira.

A partir de 1985, com o retorno das eleições diretas para Prefeito das Capitais, Aracaju tomou outro rumo, que vamos saber numa LIVE, com o arquiteto e urbanista Wellington Costa.

Como nasceu e morreu o primeiro Plano Diretor do Aracaju?
Desde 1985, há 35 anos, o mesmo grupo político comanda Aracaju, com um breve intervalo de uma segunda passagem de João Alves (2013 – 2017) pela Prefeitura.

O que aconteceu com Aracaju ao longo dos últimos 35 anos? Se transformou numa Capital comandada pelo mercado imobiliário, sem planejamento urbano?

E agora, para aonde pode ir Aracaju, nos próximos 50 anos?

Esse é o debate que será feito na LIVE de amanhã (17/09), com o urbanista Wellington Costa.

Antonio Samarone (médico sanitarista)


 

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

A DESCONHECIDA HISTÓRIA DE SERGIPE


A Desconhecida História de Sergipe.
(por Antonio Samarone)

O principal, talvez o único, fato histórico de relevância mundial ocorrido em Sergipe, foi o ataque do submarino alemão U-507, aos navios mercantes Baependi, Araraquara e Aníbal Benévolo no litoral sergipano, na madrugada de 15 de agosto de 1942.

Centenas de mortos...

Um fato que Sergipe insiste em esquecer.

Restaram a rodovia e os dois cemitérios dos Náufragos. O cemitério dos militares no Mosqueiro, a marinha cuida, o outro cemitério, na Avenida Inácio Barbosa, onde estão os restos mortais dos civis, encontra-se ao “deus dará”.

Os navios Baependi e Aníbal benévolo foram afundados na Barra da Estância, e o Araraquara nas Praias de São Cristóvão (hoje Aracaju). Lembrando aos esquecidos, a barra do Vaza Barris ficava no limites entre São Cristóvão e Itaporanga. A nossa Praia de Atalaia, chamava-se “Atalaia da Barra do Vaza Barris”.

Segundo o historiador Luiz Cruz:

“O Araraquara avançava sentido norte, via-se o clarão de Aracaju mais à frente. Eram 21 horas, da noite de 15 de agosto de 1942, quando se encontrava de soslaio à capital sergipana. Ele foi atingido por dois torpedos na posição de Lat 11º 53‘ S e Long 37º 22‘ W.”

“Na medida em que a água invadia os seus compartimentos, o Araraquara começou a adornar a estibordo. Provavelmente, a luminosidade de Aracaju ao fundo contribuiu para silhuetar o Araraquara, facilitando assim, a investida militar do U-507.”

Não existem dúvidas, essa agressão alemã no litoral sergipano foi decisiva para a entrada do Brasil na Guerra. Em janeiro de 1942, o Brasil rompeu relações diplomáticas com o Eixo, o que ensejou o ataque alemão. Depois do ataque, o Brasil declarou guerra à Alemanha.

Aracaju desconhece a sua história.

A Segunda Guerra chegou ao Atlântico Sul e Sergipe foi palco das ações belicosas alemãs. O maior pesquisador sobre o tema é o sergipano Dr. Luiz Antonio Pinto Cruz, mesmo assim, ignoramos esses fatos.

Visando clarear o tema, farei amanhã (15/09), as 18 horas, uma Live com o historiador Luiz Antonio Pinto Cruz, sobre o assunto.

Há muito que se cobra das autoridades sergipanas a construção de um memorial aos mortos pelo ataque alemão, no sítio onde está o cemitério dos náufragos. O desgoverno Belivaldo está construindo uma orla no local, que talvez acabe soterrando a história.

Não pensem que o Governo desvaloriza a história por perversidade, não, claro que não, é que eles navegam no mais profundo desconhecimento.

Para os que só entende a linguagem dos cifrões, o memorial seria um ponto de atração turística. A nossa ligação histórica com o mundo. Sem memória não existe civilização.

Espero que os candidatos à Prefeito do Aracaju, incorporem aos seus programas de governo essa realização.

Antonio Samarone (médico sanitarista)


 

domingo, 13 de setembro de 2020

OS NATIVOS DIGITAIS OCUPARÃO A TERRA


Os Nativos Digitais Ocuparão a Terra.
(por Antonio Samarone)

Sou da geração de 1954, nascemos em outro mundo. Cruzamos a segunda metade do Século XX, sob ventos e tempestades. Tudo o que era sólido se desmanchou no ar. O Vaticano II repaginou a igreja, a queda do muro acabou o comunismo soviético, mapeamos o genoma, a imagem virou digital, tudo virou mercadoria.

A modernidade não cumpriu o prometido. A explosão tecnológica não trouxe nem felicidade, nem bem estar. O comunismo deu certo na China e a social-democracia nos países nórdicos.

Somos da geração analógica, que entende o mundo por aproximações comparativas, por analogias. Acreditamos na intuição, no sexto sentido. A analogia é uma forma poética de conhecer as coisas, pois permite as subjetividades, os sonhos e os devaneios.

O mundo digital é pão/pão, queijo/queijo. Tudo cartesiano. Não precisam dos sentidos. Por enquanto, bastam a visão e audição, sobretudo a visão. A realidade virou uma superposição de imagens.

A inteligência artificial não precisa do tato, do paladar e do olfato. São sentidos que entraram em desuso.

A lógica matemática prescinde dos cheiros.

Os sentidos serão substituídos por chips interativos. O pensamento humano será direcionado para a dualidade produção/consumo. O resto é delírio.

Essas alucinações quarentenárias foram despertadas pelo cheiro do cuscuz de milho ralado, que invadiu a minha viagem matinal pela Internet.

Isso mesmo. Amanheceu chovendo e com uma graviana assoprando nos coqueiros.

Um cheiro do cuscuz de milho ralado invadiu o meu escritório. O som do coco ralando, para se extrair o leite, deliciou os meus ouvidos. A cozinha está em festa. Comecei a viajar pela infância. Meu pai ralava o milho e o coco de madrugada.

O velho cuscuzeiro de barro, borda alta e fundo mais estreito que a boca, a massa do cuscuz envolvida com um pano de algodãozinho, para facilitar a passagem do vapor.

O cuscuzeiro se portava imponente nas trempes do fogão a lenha.

A preparação era cuidadosa, lenta, com água e sal, meu pai ia machucando a massa até ficar com a pegajosidade necessária, nem solta, nem grudando nos dedos. A massa depois ficava descansando por um tempo certo.

Vocês já encontram um cabelo da boneca do milho no cuscuz?

Comecei a fazer analogias. O kuz-kuz é uma herança dos Mouros. Já era prato popular em Portugal, quando o Brasil apareceu no caminho das Índias. Dom Sebastião mandou servir cuscuz as tropas, na batalha de Alcácer-Quibir. O Brasil acrescentou o milho e o leite de coco.

Gente, a geração analógica encontra poesia até no teimoso.

Quando elogiávamos o cuscuz de papai, ele repetia cheio de humildade e sabedoria: “com leite de coco, se come até areia.”

Como estudante universitário, morando na República Cebolinha, comi muito cuscuz, muito aqui é muito mesmo, pela manhã e pela noite, feitos por Dona Zefinha, uma eximia cozinheira. Mas nada como os cuscuzes de Seu Elpídio, em minha infância.

Acho que não tenho mais tempo para mudar, continuarei com o velho pensamento analógico.

Antonio Samarone (médico sanitarista)