terça-feira, 30 de novembro de 2021

SINAIS DOS TEMPOS


Sinais dos Tempos.
(por Antonio Samarone)

O homem conquistou a Terra contando estórias. A vida era contada e recontada oralmente. Cada um botava a sua parte. As narrativas forjavam a cultura, as crenças, os valores e os modos de vida.

Era assim, na doce Villa de Santo Antonio e Almas de Itabaiana.
Os acontecimentos reforçavam as crenças que, por sua vez, criavam os acontecimentos.

Os acontecimentos fantásticos vinham em série. Todos comprováveis.

Na década de 1960, nasceu no sítio de Júlio, no caminho do açude novo, um bezerro com duas cabeças. Foi um alvoroço. Todos queriam ver. Não havia mais dúvidas, o fim do mundo tinha chegado. Quem nunca viu? Perguntavam as fofoqueiras do Beco Novo.

Mamãe me levou para ver. Menino não entrava sozinho.

Com menos de um mês, nasceu no Gandu, duas crianças unidas pelo tórax. A novidade foi grande, só se falava nisso. Esse, eu não vi. A família levou rapidamente para São Paulo. Nunca mais tive notícias.

A cidade virou o centro do apocalipse. Por coincidência, no início de Janeiro, teve uma Santa Missão e os Frades alertaram para as iniquidades humanas. Não tomem prováveis castigos como surpresa.

Mamãe, filha de Maria, devota de Santo Antonio, só falava nisso.

Na semana de São João, nasceu no Zanguê, uma menininha com rouge e batom. Não é possível. Deve ser mentira, diziam os descrentes. A romaria de gente para o Zanguê foi grande. Veio até do Sertão da Bahia. Só de Jeremoabo, chegou um pau de arrara lotado.

Alguém tem mais dúvida que é o fim do mundo. São os pecados, dizia Dona Mãezinha aonde chegava. Seu Mané Barraca organizou umas rezas na casa dele. Pensaram até em fechar os xangôs de Osana e João de Filipinho.

Se pensou em tudo. Em uma noite, faltou energia, mamãe achou que os três dias das “trevas do fim do mundo” haviam começado. Por sorte, seu Marinho eletricista descobriu logo o defeito, no transformador da esquina.

O Padre Arthur alertou na missa: gente, isso é superstição. Não teve jeito, a cidade fervia com as novidades. Cada dia uma.

Por último, para acalmar, Dona Graça de João Giba, saiu-se com essa: “nascer com rouge e batom não é nada, pior foi nas Flechas, que nasceu uma menina com os cabelos cheios de bobes.”

Aí sim, a novidade foi grande.

Essa eu também não vi, soube por “ouvir dizer”. A verdade é que o mundo ainda gira. Não acabou!

Antonio Samarone (médico sanitarista).


 

domingo, 28 de novembro de 2021

A PRIMEIRA AULA


A Primeira Aula.
(por Antonio Samarone)

Naquele tempo a escola só aceitava alunos aos sete anos. Ninguém acreditava que antes, se aprendesse alguma coisa. Não era fácil ser criança.

Mamãe me ensinou a ler fora da escola. Eu aprendi a ler antes do abc. Não sabia soletrar, lia a palavra inteira, sem saber direito o som nem das letras nem dos fonemas. Não existiam nem “eme” nem “ene”, era “mê” e “nê”. Eu lia de carreirinha e cantando, no ritmo do cordel. Não sei como.

Os ingleses foram alfabetizados no século XVII para ler a bíblia, Eu, para ler os livros de cordel do meu avô.

A minha primeira professora foi Lourdes de Chico Patativa. A escola era um puxadinho da casa dela.

A lembrança da primeira aula ficou restrita ao cheiro da banana. Eu explico: Na mochila, mamãe colocou um caderno melhoramento, aquele com o mapa do Brasil na capa. Um lápis preto, uma borracha raspadeira, um copo que abria e fechava e uma banana madura, para a merenda.

Mamãe determinou: não coma a banana antes do recreio. Quando botei o pé fora do batente de casa, só pensava em comer a merenda. Passei a aula com essa obsessão. Lembro-me o cheiro dessa banana até hoje.

Não existia a merenda escolar coletiva. Quem não levasse, ficava ximando. Só quando entrei na Escola do Padre, conheci essa dádiva divina. O Padre Everaldo mandava servir um caneco de leite com chocolate, que eu não conhecia. Eu adorava repetir.
Os meninos ricos não gostavam, o caldeirão ficava quase cheio.

Eu gostava até do cheiro xaroposo do leite com chocolate.

Toddy era um privilégio, uma iguaria. Provei pela primeira vez Toddy com biscoito Cream Cracker aos 13 anos, na casa de Zé Silveira. Achei um luxo. Eu só conhecia as bolachas fofas de Zé Gordinho e os tradicionais bolachões de canela, de Frei Paulo.

O meu ensino primário foi tenebroso. Zanzei de escola em escola, passei pelo Grupo Guilhermino Bezerra, pelas escolas de Helena de Branquinha e de Jozeíta do Beco Novo, até chegar à Escola do Padre.

O educandário da igreja era pago, para os meninos ricos. Meu pai era sócio do Círculo Operário, uma organização católica de combate ao comunismo. Por conta disso, os filhos dos circulistas, estudavam de graça.

De graça (virgula), prestávamos alguns serviços a escola, como contrapartida. Mas eu não tenho nada a reclamar, foi lá que aprendi o que se aprende na escola, para passar no exame de admissão e entrar no ginásio.

A escola do Padre era uma festa. Além da merenda, o pátio do colégio era cheio de brinquedos, tinha um campinho de areia e as salas de aula ficavam num sobrado. Eu achava as janelas altas e perigosas. Cair dali era morte certa.

Até um dia em que um colega, Antonio Viera Primo, fez um desafio: “eu vou pular da janela do sobrado.” Pulou e não teve nada.

Virou brincadeira: pular das janelas do sobrado. Eu, mofino, nunca tive coragem.

As inspeções higiênicas é outra lembrança da escola primária. As professoras queriam ver se as unhas, as orelhas, os pés, os sovacos e as virilhas dos alunos estavam limpos. Se encontrassem uma lêndea, o menino estava no inferno.

Os meninos com o pescoço lodento não iam para o recreio.

Ser piolhento era uma humilhação. Mamãe era vaidosa, não queria passar essa vergonha. Me dava banho de cuia e bucha de cerca diariamente. Fiquei traumatizado: odeio água fria nas costas.

Naquele tempo as professoras batiam. E batiam muito! A palmatória era destacada no “bureau” das mestras. Eu nunca apanhei. Mamãe nunca autorizou. Mesmo nas sabatinas, eu pouco apanhava.

Outra moda era acompanhar enterro de anjo. A mortalidade infantil era alarmante. Era comum as mães pedirem a professora, para deixar os alunos acompanharem o sepultamento dos filhos. Fui a muitos. Era uma folga.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

PS: Na foto, escola do padre era o sobrado que está ao lado da igreja


 

sábado, 27 de novembro de 2021

OS PRENÚNCIOS DA PANDEMIA


Os Prenúncios da Pandemia.
(por Antonio Samarone)

As pestes não são eventos aleatórios.

“Vi aparecer um cavalo esverdeado. Seu cavaleiro era a morte. E vinha acompanhado com um mundo de mortos. Deram para ele poderes sobre a quarta parte da terra, para que matasse pela espada, pela fome, pela peste e pelas feras da terra.” Apocalipse 6,8.
A Peste Negra pôs fim a Idade Média. Entre 1347 e 1352, a Peste Negra matou 30% da população europeia. A Gripe Espanhola antecedeu o Nazi fascismo e a Covid-19 é um testemunho da Crise Climática.

Nenhum animal de grande porte foi tão abundante na terra, como somos hoje. Nem se apropriou dos recursos naturais com tanta volúpia. A previsão bíblica de que possuiríamos a terra está sendo cumprida.
Deus, conhecendo as nossas ambições, nos fez de barro.
Os “eco-chatos” estavam certos. A casa está pegando fogo, como diz a menina sueca. As atividades humanas estão causando a desintegração dos ecossistemas naturais de forma acelerada.

O vírus é uma má notícia embrulhada de proteína. A má notícia vem em linguagem genética (DNA ou RNA).

A minha geração vivenciou o desequilíbrio ambiental,
manifestando-se pelos insetos. Em Itabaiana eu enfrentei pragas de grilos, de caranguejeiras, de cigarras, de rãs e a mais perversa, uma praga de lacerdinhas (nome vulgar dos insetos tripes).

Os lacerdinhas eram uns pestinhas que parasitavam os pés de fícus, Ardiam prá valer, quando caiam nos olhos.

Para enfrentarmos os insetos criamos os venenos e envenenamos a terra.

Agora, os inimigos são os vírus. Em seguida vem os príons. Não existem saídas localizadas.

O Dr. Átalo Crispim, a maior cultura médica em Sergipe, fez uma previsão consistente:

“Tudo indica que esta virose veio para preparar a humanidade para esta vida digital, binária e politicamente correta.”

“Nós pensamos na evolução tecnológica como algo que libera o homem para uma vida mais criativa e amorosa, livre do trabalho físico e das necessidades mesquinhas. Mas nada impede que estejamos apenas virando autômatos, repetidores de jargões e atitudes, com perda progressiva da maior das características humanas que é a criatividade.”

“Pensou-se que o castigo divino às iniquidades humanas viria como uma catástrofe nuclear - como antes foi o dilúvio, mas tudo indica que virá como algo muito mais destrutivo: nossa transformação em seres medíocres, previsíveis e chatos.”

“Os deuses estão ficando mais espertos e sutis; sob aparência de benesses estão nos impondo os germens de nossa decadência ontogenética - Bolsonaro e os bolsonaristas são apenas uma pequena amostra.”

“Espero que a próxima espécie que ocupar o papel dos seres humanos no drama cósmico tenha mais êxito!”

Eu também espero.

Antonio Samarone (médico sanitarista)