quarta-feira, 30 de outubro de 2019

GENTE SERGIPANA - PEDRO DE ANITA





Gente Sergipana – Pedro de Anita (por Antônio Samarone)

Pedro nasceu na Matapoã, em Itabaiana. Filho de Chiquinho Gordo e Dona Ana. Aos 8 anos, Pedro sabia ler, escrever e contar, sem nunca ter ido à escola.

O menino era um espanto, um gênio. Logo, a comunidade decretou: é doido! Pedro falava de coisas inusitadas para a idade. O pai preocupado deu-lhe um conselho: “Pedro, fique calado, se você não falar ninguém sabe que você é doido.”

Claro, Pedro não aceitou o conselho.

Pedro seguiu inicialmente o ofício do pai, foi ser fogueteiro, em pouco tempo era o melhor da região. Depois foi trabalhar na ourivesaria, arte tradicional em Itabaiana. Se tornou um dos melhores.

Arrumou uma companhia, casou-se com Anita, mãe solteira, comerciante de miudezas na feira. Foi um escândalo para os padrões morais daquele tempo.

Pedro fez amizade com o Dr. Florival, um farmacêutico formado na Bahia, e que possuía a maior biblioteca do agreste sergipano. Seu Florival era fechado, mal dava um bom dia a um cristão. Mas com Pedro, seu Florival batia papo.

Dizia-se na cidade que Pedro de Anita tinha endoidado de vez. Deixou os ofícios e agora só andava com um livro de filosofia debaixo do braço, da biblioteca do Dr. Florival. Foi morar nos grotões da Ribeira. Soube que leu até Kant, que nem os doutores entendem direito.

Pedro de Anita era descendente dos ferreiros das Flechas, do ramo dos fogueteiros. Neto de Bernardinho, por parte de mãe. Certa feita, conversando com Homero ferreiro, explicando porque resolveu estudar filosofia, Pedro foi profundo:

“O mundo está desencantado! O encantamento do mundo só pode ser refeito pela religião, pela arte ou pela filosofia. O meu caminho foi a filosofia.” Eu nada entendi nada, mas gravei a sentença.

Pedro de Anita, morreu de esquistossomose, afastado de todos, em seu retiro na Ribeira. Pedro viveu numa sociedade incapaz de reconhecer a sua grandeza intelectual. Foi tido como doido!

Antônio Samarone.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

VELHAS NOVIDADES


Velhas Novidades... (por Antônio Samarone)

Passando pelo Bairro América me deparei com uma cena do passado: as professoras ensinando aos meninos de uma escola pública a usarem o orelhão. Tomei um susto.

Uma aula de cidadania.

Me lembro quando apareceram os orelhões em Itabaiana, quase todos engolidores de fichas. Foi um dia desses. Foi um grande avanço tecnológico. Eu era doido para usar o orelhão, só que não tinha para quem telefonar. Ninguém que eu conhecia tinha telefone. Ligar para quem?

O telefone é antigo, descoberto por Graham Bell, em 1875. O telefone chegou ao Brasil em 1877. Só que demorou a chegar em Itabaiana, um dia desses. Em minha infância era uma central telefônica, quem precisasse ia lá. Telefone em casa, só gente muito rica possuía.

Veio a Embratel, a Telebrás e a Telergipe. Foi aí que eu tive mais contacto com telefone. Possuir uma linha, só comprando a particulares, no cambio negro. A metade do Cinforme era com anúncios de linha telefônicas para vender. Em algumas regiões de Aracaju, custavam uma fortuna.

Hoje é essa praga do celular (no bom sentido). Tem gente que pega no sono e se acorda com o celular ao lado, leva até para o banheiro... O celular é quase uma órtese!

No Brasil existem 230 milhões de celulares. Só que tem gente com 3, 4 celulares e muita gente sem nenhum. A desigualdade é o nosso principal problema!

Essas crianças do Bairro América merecem ter acesso ao mundo digital da Internet, com urgência!   

Antônio Samarone.

sábado, 26 de outubro de 2019

A AUTOESTIMA DOS SERGIPANOS


A Autoestima dos Sergipanos (por Antônio Samarone)


A Capitania doada a Francisco Pereira Coutinho, depois da expulsão dos Tupinambás em 1590, virou a Capitania de Sergipe d’El Rey, ligada diretamente à Coroa Espanhola, como qualquer outra, segundo Ivo do Prado.

Quando da ocupação de Sergipe, Portugal e Espanha formavam a União Ibérica, no reinado de Felipe II. O primeiro Capitão Mor de Sergipe foi Tomé da Rocha, nomeado em 1591. A Capitania de Sergipe d’El Rei é antiga.

A Capitania de Sergipe foi governada por Capitães Mores, indicados pela Coroa até 1637, quando São Cristóvão foi invadida pelos holandeses e Sergipe ficou sem governo. Somente em 1648, já com a restauração e Portugal ficando independente da Espanha, foi nomeado outro Capitão Mor para Sergipe, Balthazar de Queiroz de Serqueira.

Em 1696, por decisão da Coroa portuguesa, a Capitania de Sergipe alçou a condição de Comarca. Continuou tendo Capitão Mor, Provedor de Fazenda, Guarnição de Infantaria e Ouvidor. O Soberano, para dividir as duas Comarcas (Bahia e Sergipe), estabeleceu as fronteiras de Sergipe até a Praia de Itapuã.

Contudo, na prática, a Bahia foi invadindo, tomando território, restringindo competências da Comarca de Sergipe, e em pouco tempo tornando Sergipe uma sub Capitania subordinada à Bahia. Foi disso que nos libertamos em 1820.

No Brasil, as Capitanias foram transformadas em Províncias em 1821, pelas Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, no âmbito do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Como gratidão, por Sergipe ter enviado combatentes para lutar ao lado das tropas reais e derrotar a Revolução Pernambucana de 1817, El Rei D. João VI, em 08 de julho de 1820, restabeleceu a autonomia da Capitania de Sergipe d’El Rei, eliminando os vínculos com a Bahia.

Para concretizar o ato, El Rei nomeou Carlos Burlamarque o primeiro Governador da Província de Sergipe, em outubro de 1820. A Bahia reagiu e não deixou Burlamarque assumir. Somente em janeiro de 1824, com a nomeação do sergipano Manoel Fernandes da Silveira é que a Província de Sergipe começou a pensar em autonomia política.

Mesmo assim não foi lá essa autonomia toda. O Senado Federal funciona desde 1826. Os dois primeiros representantes da Província de Sergipe no Senado, José Teixeira da Mata Bacelar (1826 a 1838) e José da Costa Carvalho, o Marquês de Monte Alegre (1838 a 1860), não eram sergipanos.

O primeiro sergipano a representar a Província de Sergipe no Senado foi Antônio Dinis de Siqueira e Melo, eleito somente em 1859. Depois tivemos o Barão de Maruim, eleito em 1861, e o Barão de Estância, eleito em 1885. E só! A elite sergipana cuidava dos seus interesses, Sergipe era um detalhe.

É esse fato histórico: o decreto de D. João VI de 1820, que completará 200 anos. Não houve luta de Sergipe para conquistar essa separação da Bahia, pelo contrário, parte de sua elite não queria. O Decreto real foi uma recompensa, um prêmio da Coroa, por Sergipe ter lutado ao lado das tropas reais para derrotar os irmãos pernambucanos, na Revolução de 1817.

Acho que o professor Manoel Joaquim de Oliveira Campos exagerou no hino de Sergipe, que quase ninguém sabe cantar:

“Alegrai-vos, sergipanos
Eis que surge a mais bela aurora
Do áureo jucundo dia
Que a Sergipe honra e decora”

Menos, bem menos, professor Manoel Joaquim... A autoestima dos sergipanos por Sergipe é recente, historicamente muito recente, como dizia Luiz Antônio Barreto. Essa ideia da Sergipanidade pode ajudar.

O único sergipano inscrito no livro dos heróis da Pátria é o Cacique Tupinambá Serigy. Creio que esqueceram até de Francisco Camerino...

Antônio Samarone.

FACULDADE DE ODONTOLOGIA EM SERGIPE


História da Fundação da Faculdade de Odontologia da UFS
Por Walter Noronha

No longínquo ano de 1926, quando presidia o Estado de Sergipe o Sr. Graccho Cardoso, o decreto número 921, de 20 de fevereiro do mesmo ano, determinou que fosse instalada a Faculdade de Odontologia de Sergipe com o nome de Aníbal Freire. O decreto foi embasado no artigo 31 da lei 938 do dia 21 de fevereiro de 1925.

Ainda em 1926, agora em novembro, já empossado presidente do Estado o Sr. Ciro Franklin de Azevedo, um novo decreto de número 975 do dia 10 do mês corrente, tomou rumo no sentido contrário, desiludindo de forma abrupta, vinte e duas pessoas matriculadas e dispostas a colocarem o curso em andamento.

Pouco mais que três décadas, foi o tempo de hibernação.

No ano de 1957, vinte e oito Dentistas, somados a oito pessoas da comunidade, precisamente no dia 9 de abril, fundaram a Sociedade Civil Faculdade de Odontologia de Sergipe.

Teve como presidente, o Dr. Arício Fortes, cuja primeira medida, foi a confecção do Estatuto, registrado e publicado no Diário Oficial no dia 18 de julho do ano em curso. O então governador do Estado, Dr. Leandro Maynard Maciel, com espírito colaborador, comprometeu-se em doar um prédio em condições suficiente para o funcionamento da escola.

Uma desavença política entre o Governo e estudantes da Faculdade de Química, mais uma vez fez com que o sonho fosse adiado e o Dr. Arício Fortes, tomado pela decepção, renunciou ao cargo, assumindo o vice-presidente, Dr. Francisco Moreira de Souza que também foi vencido pelo entrave político.

Mais um período de Hibernação!

Em 1964, já com o funcionamento da Faculdade de Medicina como escola federal, reacendeu a fogueira da esperança e de forma intempestiva, sem os cuidados estatutário e jurídicos, foi eleita uma nova diretoria para a Sociedade Civil Faculdade de Odontologia de Sergipe, tendo como presidente um comerciante,  Sr. Serafim Gonçalves de Oliveira o como vice, o Cirurgião Dentista Dr. João Simões.

Dois anos se passaram e muitas lutas foram travadas com objetivo singular, Nossa Escola! As exigências, por menor que fossem, eram inalcançáveis.

No segundo semestre de 1966, Um  grupo de Cirurgiões Dentistas, associados à Sociedade Odontológica de Sergipe, levando em conta as grandes dificuldades, juntou-se ao Conselho de Educação do Estado para dar início a um anteprojeto de lei com o objetivo da criação de uma Faculdade de Odontologia Estadual que pudesse em seguida, ser incorporada à Universidade Federal, já em estágio avançado de funcionamento.

O então Governador, Dr. Celso de Carvalho, no dia 11 de dezembro do mesmo ano, encaminhou à assembleia legislativa, projeto de lei que autorizava ao chefe do poder executivo, instalar uma fundação que receberia o nome de: Faculdade de Odontologia de Sergipe. Foi o dia 20 do mesmo mês e ano que a assembleia legislativa escolheu para aprovar o projeto sob o número 62/66 e no dia 28 ainda no mesmo mês, o governador assinou a lei de número 1448, dando início à Faculdade de Odontologia de Sergipe. A publicação no Diário Oficial, se deu no dia 4 de janeiro de 1967, dezoito dias antes da mudança de governadores.

Um estatuto deveria ser criado e novas reuniões foram marcadas sem sucesso. Um dos colegas, somado ao presidente da Sociedade Civil, em contragosto da grande maioria, elaboraram um documento que regeria o funcionamento da escola, imediatamente reprovado, considerando uma grade que conduzia a uma formação puramente sanitarista.

A classe odontológica completamente dissociada da Sociedade Civil, junta-se à Sociedade Odontológica de Sergipe formando uma frente de trabalho, que se une à equipe   elaboradora do estatuto da UFS, e consegue, graças à presença de um dos seus membros, incluir nele, uma cláusula dando prioridade à instalação da Faculdade de Odontologia.

A Sociedade Civil, em acordo com autoridades da cidade de Estância/SE, de forma isolada, procura criar uma Faculdade de Odontologia naquele município, tentando alienar os bens e patrimônio, em favor de uma outra Sociedade Civil também lá instalada, em vez do favorecimento a UFS.

Diante de tudo isso e da necessidade urgente de criação do curso, em dezembro de 1969, a UFS, através do Conselho Universitário como também do Conselho Superior, criou UNANIMIMENTE, o curso de Odontologia, junto ao Instituto de Biologia e a Faculdade de Ciências Médicas, abrindo 10 vagas para o vestibular de 1970. Inscreveram-se 17, dos quais 13 foram aprovados e apenas 10 ingressaram.

De início, a Universidade solicita da Sociedade Odontológica de Sergipe, a indicação de um membro para facilitação dos trabalhos sendo indicado o Cirurgião Dentista Dr. Fernando Vasconcelos.

Assim, concretiza-se o sonho da classe odontológica de Sergipe.
1973 foi o ano de formatura da primeira turma, dando assim partida à formação de uma pungente e robusta Odontologia Sergipana!

Com o crescimento, veio a necessidade da descentralização e junto a criação do Campus de Lagarto no ano de 2011.

Fonte: Dr. Lélio Fortes.

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

O ÚLTIMO NINHO DAS CORUJAS



Crime Ambiental – O último ninho das corujas.

O Parque da Sementeira é uma Área de Proteção Ambiental (APA) – Lei 1477/1989. O Prefeito Edvaldo acha que é o dono. Resolveu usar o Parque para fazer política e agradar aos amigos. Transformou uma Área de Proteção Ambiental num espaço de eventos comerciais.

Na área do próximo evento, já foram destruídos 3 ninhos de corujas. O último ninho, esse da foto, ele mandou cercar de grades de ferro, como se isso evitasse a destruição.

Não sei se propositalmente, ainda usou nas grades uma propaganda da gestão, dizendo que até 2020 (ano da eleição) irão plantar 40 mil mudas. Eita! 40 mil mudas em Aracaju? Já plantaram quantas e quantas estão pegadas? Onde?

Voltando às corujas. Fui reclamar a um assessor direto do Prefeito, ele deu uma bela risada: “Samarone, o prefeito tem mais o que fazer para se preocupar com corujas.” Pensei... É isso mesmo, como não percebi antes!

Não é desvio de finalidade, transformar uma Área de Proteção Ambiental em espaço de eventos comerciais? Só por conveniência eleitoral...

Cadê o Ministério Público?

Antônio Samarone.

terça-feira, 22 de outubro de 2019

UMA HUMILDADE VAIDOSA



Uma humildade vaidosa.... (por Antônio Samarone Santana)

Uma universidade espalhou outdoors por Aracaju, associando a imagem do professor Felipe Santana a sua imagem, como exemplo de competência.

Felipe Santana foi criado pela mãe, minha irmã Izabel. Órfão de pai muito cedo, morto em acidente na Rio Bahia. O pai era caminhoneiro. Felipe teve na escola o caminho para superação das dificuldades. Andou com as próprias pernas, sem padrinhos, e chegou.

Hoje Felipe Santana é uma referência de bom professor.

Há 50 anos eu chegava à UFS, para estudar medicina.

Numa primeira aula, na hora chamada, um professor famoso quando leu o meu nome, parou um instante, e perguntou: “o senhor é de que família, de onde vem esse Santana?  Eu orgulhoso respondi: por parte de mãe, descendo dos ferreiros das Flechas, e por parte de pai, sou neto de Ascendino de Genoveva, das Candeias...

O professor desapontado com a resposta, gente que ele desconhecia, insistiu com ironia, e com um riso no canto da boca: neto de quem? Um “quem” arrastado, para fazer graça. A turma desatou numa risada. Percebi que os “Santanas” não constavam na lista dos convidados do professor.

Ele fez ainda uma advertência: o senhor sabe que o curso de medicina é em tempo integral e dedicação exclusiva! Eu engoli seco, para não o mandar às favas... O ensino superior não era para gente do meu tipo, pensava ele...

Quando vi o outdoor de Felipe Santana, colorindo às "ruas do Ara", lembrei-me desse fato acima. Pensei de primeira, se o professor fulano fosse vivo, iria telefoná-lo para dizer-lhe quem era a família Santana, e como chegamos até aqui...

Antônio Samarone Santana.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

GENTE SERGIPANA: JOÃO CLARO DOS SANTOS


Gente Sergipana – João Claro. (por Antônio Samarone)

João Claro dos Santos nasceu em 12 de agosto de 1909. Filho de Juvino José dos Santos e Hermidia Francisca Santos. Ferroviário, nascido e criado no Aribé, Aracaju. Não encontrei a data do óbito.

João Claro foi um dos fundadores do importante Centro Espírita “Irmão Fêgo”. Para os mais novos, o Irmão Fêgo, era Elfego Nazário Gomes, famoso espírita de Aracaju, acreditado curandeiro, residente na Rua de Goiás nº 18, conhecido na primeira metade do século XX, como o Santo do Aracaju. A sua casa vivia lotada de doentes em busca de um alívio. Ele não cobrava.

João Claro foi vereador de Aracaju em 1934. Foi injustamente acusado e punido pelo acidente ferroviário ocorrido em 18 de março de 1946, entre Laranjeiras e Riachuelo, com mais de 60 mortos, onde ele era o maquinista.

João Claro recebeu a condenação do preconceito. Líder operário, comunista, negro, virou o bode expiatório do desastre. Foi considerado o único culpado, quando na verdade foi o que menos teve culpa. Trem superlotado, velho, linha férrea com manutenção precária, nada foi levado em conta.  

Depois a sociedade reconheceu o erro, e batizou com o nome dele uma importante via pública do Bairro Siqueira Campos (Aribé), a Rua Vereador João Claro.

João Claro, negro, operário, uma vida dedicada a libertação do seu povo.

Antônio Samarone.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

OS AVANÇOS DA MEDICINA.



Os Avanços da Medicina... (por Antônio Samarone)

O amigo Leonardo (76 anos) é chegado a novidades. Ele não abre mão de praticar “stand up” e pitar marijuana com regularidade, extravagancias raras em sua idade. Só que dessa vez ele exagerou.

Ignorando os meus conselhos, Leonardo resolveu fazer um check-up completo, de ponta a cabeça. Sem dificuldades, a ciência médica diagnosticou que ele levava uma vida desregrada. Uma constatação óbvia!

O doutor, recém-chegado de uma atualização nos USA, indicou a monitoração permanente dos sinais vitais e dos indicadores biológicos de Leonardo. A tecnologia tomou conta da medicina, para o bem da humanidade.

Leonardo me apareceu com um discreto equipamento no pulso, parecendo um relógio futurista, que acompanha o funcionamento do corpo do abençoado, e repassa os dados on-line para um aplicativo instalado no celular.

O equipamento mede a glicemia, o colesterol, o PH do sangue, conta os glóbulos brancos, hemácias e plaquetas, conta os passos, os peidos, mede a pressão arterial, a temperatura, os batimento cardíacos, o ritmo da respiração, as vezes que se come, se senta e se alevanta, as horas de sono, os cochilos, os arrotos, o cuspe, as lagrimas, indica a sovaqueira, o bafo, o chulé, a água que bebe, o mijo, o volume, cor e cheiro da bosta.

A cada 45 minutos o equipamento faz um eletrocardiograma, automaticamente, e envia o resultado, com o devido laudo médico, para o prontuário eletrônico do cristão, que está guardado nas nuvens. Durante a noite o sono é analisado e anotado no mesmo local. Nada escapa do controle. Ninguém morre mais por causa desconhecida.

Leonardo perdeu o sossego, mas está se sentindo mais seguro. O problema é que não é só medir, quantificar, não, esses vários indicadores possuem metas a serem cumpridas. Por exemplo, o meu amigo não pode andar menos de 12 mil passos por dia, soltar menos de 21 peidos, comer mais de 70 gr. de carne, cagar mais de 650 gramas por dia, manter a glicemia acima de 100, e assim por diante. 

A ciência médica perdeu os limites no zelo, cuida de tudo.

A alimentação de Leonardo hoje é toda regulada, com parâmetros científicos rígidos. Dependendo da análise bioquímica do meio interno, do volume de fezes processada, o aplicativo calcula automaticamente a quantidade e o que ele pode ou não comer em cada refeição. É a inteligência artificial, que ninguém é doido desobedecer.

Leonardo continuou com o senso de humor aguçado: pelo menos arrumei o que fazer, disse ele.

A cada 15 dias, Leonardo precisa voltar ao médico, para conferir se as metas foram alcançadas. Nessa ocasião é emitido um relatório minucioso, que será arquivado nas nuvens, “In saecula saeculorum”.

O equipamento é programado para funcionar além do último suspiro. Informa quando começa a decomposição, a putrefação orgânica. Regula a duração do velório, a hora do enterro e ainda registra nominalmente todos os que compareceram. O equipamento tem garantias, até o infeliz se tornar esqueleto.

Antônio Samarone.

A SOLIDÃO DOS SACERDOTES




A Solidão dos Sacerdotes (por Antônio Samarone)

Encontrei com um velho amigo, sacerdote da igreja católica. Após os cumprimentos, ele não perdeu tempo: que bom que o senhor é médico, estou precisando de uma receita de Rivotril, com urgência. 

Senti a dependência!

Respondi que não exercia a clínica psiquiátrica e que nem receituário eu possuía. Perguntei: por que o senhor não procura o seu médico? “Que médico, ele respondeu. É difícil uma consulta psiquiátrica pelo SUS.” Entranhei, achava que a igreja tinha um plano de saúde para os padres pobres.

Percebi que o sacerdote, já idoso, padecia de um transtorno neurológico, um leve tremor nas mãos e cabeça. Me disse que morava só, numa casinha nos fundos da Paróquia e que também sofria de diabetes.

O padre acrescentou que vivia franciscanamente, comendo de marmita popular, duas vezes ao dia. Uma vida de penitência. A paroquia dele é pobre e o que arrecada é muito pouco.

A padre padece de uma depressão profunda, visível, só dorme com tarja preta. Ainda não apelou para o suicídio, pelo temor de Deus. O sofrimento mental não poupa nem o baixo, nem o alto clero. 

A demência é democrática.

O meu amigo se mostrou temeroso pelo futuro. Não tem família por aqui, nem ninguém para cuidar dele. Daqui a pouco começará a perder a autonomia e, Deus me perdoe, as demências não livram nem as ovelhas, nem os pastores.

Não é da minha conta, mas vou dizer: a igreja deveria prestar mais atenção para o sofrimento mental dos seus sacerdotes. Casos de depressão e ansiedade são frequentes. Deveria pensar também em criar uma instituição para receber os padres idosos, no final da vida. Eles não possuem filhos, e a imensa maioria não acumulou cabedal, para pagar aos médicos e cuidadores.

Antônio Samarone.

domingo, 13 de outubro de 2019

A ERA DO VAZIO


A Era do Vazio (por Antônio Samarone)

Este poema venceu um recente concurso aqui em Sergipe.

“Tec lec; tec bec e tec peque;
Lec tec, bec tec e peque tec.
Nada é nada...
Tudo é tudo...
O mundo é redondo ou plano, sobretudo!
Plano e redondo é o mundo da alvorada...
Nada é nada
Tudo é tudo.”

Inconformado, procurei o coordenador do concurso para indagar: não entendi nada, o que é que o poeta quis dizer, com a sua arte?

O coordenador me respondeu ríspido: “não precisa entender, basta sentir. Poesia não precisa dizer nada, é arte. Sinta a beleza. A arte não precisa da realidade. A arte é pura, bela, vem da alma humana antes do pecado original. A alma é eterna e a arte é imortal.”

“Acabe com essa mania de querer politizar a arte, encontrar significados, isso é puro oportunismo. A arte existe para acariciar a alma, que vive angustiada com a morte de Deus. A arte nem é verdade nem mentira, é só arte.”

“A arte se basta, entendeu?”

Não, não entendi, até piorou. Além de continuar sem entender a arte da poesia, não entendi a explicação. A conversa ia render, mas deixei prá lá, o cabra é meu amigo, e não quero criar mais desavenças.

Antônio Samarone.

sábado, 12 de outubro de 2019

UM SANTO SERGIPANO




Um Santo sergipano... (Por Antônio Samarone)

A Irmã Dulce foi canonizada. Finalmente, uma Santa brasileira. O anjo bom da Bahia. Por que demorou tanto um Santo brasileiro?

O Vaticano, por preconceito, não reconheceu o milagre da hóstia no Juazeiro. Na véspera da Sexta-Feira Santa de 1889, a beata Maria de Araújo recebeu a hóstia das mãos do Padre Cícero, e a hóstia consubstanciou-se em sangue. Depois, o próprio Jesus apareceu para a Beata.

Além do não reconhecimento do milagre, o Padre Cícero Romão Batista foi excomungado. Morreu em 1934, proscrito da Igreja. O padre Cícero virou Santo pela crença do povo de Deus, sem o aval da igreja.

Em quase todas as casas desse vasto Sertão nordestino, encontra-se uma imagem do Padim Ciço, menos nas igrejas. Em 2015, o Vaticano reintegrou o padre Cícero. Aguarda-se a santificação oficial, pois santo ele já é, pela fé do povo.

O Concílio Vaticano II (1962/1965), reduziu a importância dos Santos. As igrejas foram esvaziadas. Sobraram Santo Antônio, São José, São João, São Pedro, e mais um ou outro perdido. O Vaticano II modernizou a igreja católica e perdeu fiéis.

O Vaticano II cassou os Santos não canonizados, criados pelas crenças populares. A revogação do Concílio de Trento (1545/1563) dessacralizou muita coisa. A Igreja católica começou a perder fiéis, esvaziar.

Até a minha mãe, filha de Maria, devota de Santo Antônio, virou Crente. Ela e todas as suas irmãs. Lembro-me do espanto da minha Vó Maria do Céu: “Eu é que não mudo, nunca vi um Crente virar Santo.”  Eu também não!

A igreja católica está retornando à Trento, pelo menos quanto aos Santos. Viva a Santa Dulce! Queremos mais Santos, mais, quanto mais melhor, pelo menos um por cada estado nordestino.  O Ceará já tem o seu, falta só o diploma.

Para começar por Sergipe, eu lanço a candidatura do Padre Pedro. Ou alguém acha que o Padre Pedro não merece?

Eu sei, o Frei Miguel, o apostolo de Aracaju, já está sendo beatificado. Mas era italiano.

Antônio Samarone.


quinta-feira, 10 de outubro de 2019

O FIM DO SONO


O Fim do Sono. (por Antônio Samarone)

A celebre frase de John Lennon, “o sonho não acabou”, perdeu a validade?

A vida cotidiana está se rompendo. Os incansáveis esforços da ideologia neoliberal em criar mercado a partir de qualquer coisa está avançando. Agora é a vez do sono...

Ivo Antônio (51 anos) é químico. Desempregado. Trabalhou muito tempo numa empresa terceirizada. Sempre foi sindicalizado, combativo, sempre brigou por seus direitos trabalhistas. Nunca abriu mão de nada.

Ficou três anos desempregado, fazendo bico. Vivendo com o salário da mulher, professora da rede municipal de Laranjeiras. Os dois filhos, casados, passaram a ajudar em casa.

Ivo Antônio desabou, viu a sua dignidade ir de águas abaixo. Bateu uma tristeza profunda. Só dormia com tarja preta. Pensou seriamente em suicídio.

Ontem chamei um Uber para ir à UFS. Uma surpresa, Pedro Ivo era o motorista. Depois dos salamaleques de práxis, começamos um papo. E aí, meu amigo, tá gostando de trabalhar na Uber?

"Muito! Deixei de ser trabalhador, virei empresário de mim mesmo. Estou na batalha 14 horas por dia, mas satisfeito. Não tenho patrão. Ninguém manda em mim. Transformei a insônia em trabalho. Estou superando a barreira do sono, para aproveitar integralmente o tempo para ganhar dinheiro."

Eu não aguentei: o que as granjas fazem com os pintos?

Ele reagiu: “você continua comunista? A disponibilidade para consumir, trabalhar, compartilhar, responder, curtir, 24 horas por dia, 7 dias por semana, pode ser a salvação da economia.”

"Já existem pesquisas científicas buscando a fórmula para criar o homem sem sono. Embora o sono não possa ser completamente eliminado, pode ser profundamente atingido. Será a última fronteira a ser ultrapassada pela ação do mercado, disse-me ele."

Pedro Ivo está mudado, perdeu a esperança no próximo, na utopia de uma sociedade mais justa, e me revelou convicto: “votei em Bolsonaro e não estou arrependido. Só o individuo existe, é cada um por si. Quando eu estava desempregado os companheiros desapareceram. Nem telefonema recebia."

Misericórdia!

Fiquei pensando, o capitalismo pôs moderno está empurrando a humanidade para uma aventura. Uma sociedade do cansaço da alma, da falta de esperança, onde o hiper consumo é o único caminho para a felicidade.

Eu conhecia estudos sobre o sono como formas mais eficazes de tortura e sobre a criação de um estado de vigilância mais duradouro, restritos ao campo das técnicas militares. Hoje querem atingir o sono dos trabalhadores e dos consumidores. Não sabia.

O fim da importância do universo onírico do sono, ameaçado pelas visões atuais que “tratam o sono e sonho como um mero ajuste da sobrecarga da vigília”.

Tudo vira um ativo rentável. O sono (ou a sua falta), já é rentável para a indústria farmacêutica. Agora vai ser monitorado para gerar lucro, mais valia. O sono está sendo estudado, classificado, medido, rastreado, medicalizado a fim de aproveitá-lo ao máximo no menor tempo possível.

Antônio Samarone.

sábado, 5 de outubro de 2019

A SOLIDÃO VOLUNTÁRIA (parte um)


A Solidão Voluntária (Parte I) (por Antônio Samarone).

Peregrinando pelas redondezas do Raso da Catarina, conheci o Frei Romeu, um velho franciscano do Sertão da Bahia. Conversa vai, conversa vem, eu quis saber se a vida de frade era muito solitária. Ele me respondeu com uma conferência.

O Frei Romeu começou a conversa pela bíblia: 

Logo após a criação, em pouco tempo, Deus identificou que não era bom que o homem vivesse só e lhe arrumou uma companhia. A solidão já nasceu malvista.

O homem da caverna vivia coletivamente, não era possível o isolamento, por uma questão de segurança. O homem não podia afastar-se da horda, do bando, do clã, da tribo, da aldeia. Nem os deuses estavam só, viviam no Olimpo.

A solidão era própria dos mitos e dos heróis. O indivíduo é efêmero, só o coletivo possui permanência e estabilidade. O filosofo grego era um homem da praça pública. Para Aristóteles o homem é um animal social e político.

A solidão não era bem vista nem pelo paganismo, nem pelo antigo testamento. Em Roma a solidão era a punição por um crime: o exilium...

A solidão só ganhou prestígio com o cristianismo. Eu sou um eremita, adoro a solidão, disse-me o velho frade cheio de fé.

E continuou:

Sou devoto de João Batista, um eremita adorado. João se vestia com peles de camelos, com um cinto de couro em volta dos rins e alimentava-se de gafanhotos e mel selvagem. Jesus era atraído pelo deserto, e se isolou por 40 dias, onde foi tentado pelo Satanás. Sempre rezava sozinho.

A partir do século III era comum a procura da vida no isolamento do deserto. Uma leva de eremitas e anacoretas vagavam penitentes. Monges do deserto passaram a atrair multidões. Hoje é diferente, eu vivo quase só.

A igreja sempre desconfiou desses solitários, e por isso estimulou a criação da vida monástica. Levar a vida ascética, afastada, mas não sozinhos. Criou-se os mosteiros e a ordens religiosas. Uma solidão sob vigilância.

A grande doença dos eremitas é a acídia, talvez o que chamamos hoje de depressão. O solitário obcecado pela acídia fixa os olhos na janela e a sua imaginação lhe pinta um visitante fictício; uma ranger da porta o faz saltar; ouvindo vozes; prostrado, com uma tristeza irracional.

A partir do século V, a Igreja começou a condenar as pessoas a exclusão da vida comum dos cristão. Surge e excomunhão. A solidão involuntária. A sansão era reservada aos Bispos. O excomungado era rejeitado pela comunidade dos vivos e dos mortos, ele perdia até o direito a uma sepultura sagrada.

Outros foram excluídos por sentenças judiciárias. Os prisioneiros confinados nas masmorras e calabouços, numa solidão até a morte. Apesar do esvaziamento das prisões na idade média. Havia a preferência por outras penas: mutilações, marcas com ferro em brasa, fogueira, forca, esquartejamento, decapitação.

Por volta do Século XV, com o renascimento, surgiu a solidão humanista. Petrarca publicou “De vita solitária”, uma apologia a solidão. “A multidão urbana é um rebanho depravado, a vida rural é sadia e virtuosa”, escreve ele. A solidão humanista era opção de intelectuais ricos. Era o nascimento do individualismo.

A Reforma Protestante reforçou as bases do individualismo. Cada crente passou a se considerar um eleito.

O Frei Romeu é um homem culto, antes de assumir a vida religiosa foi professor de filosofia em Bucareste. Ele é de família ucraniana.

E continuou:

A biblioteca de Montaigne, no andar superior de uma torre do seu castelo, era um santuário, um lugar elevado da solidão humana, onde ele penetrava com uma alegria não dissimulada. A solidão era um luxo.

Com o humanismo, a Renascença e a Reforma a solidão passou a ser vista positivamente. Os aspectos penitencial e ascético foram substituídos pela visão reconfortante e voluntária.

Era a ascensão do individualismo.

Depois eu conto o resto da conversa com o Frei Romeu.

Antônio Samarone.

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

UM DIREITISTA CONVICTO EM SERGIPE


Um direitista convicto em Sergipe... (por Antônio Samarone)

Em entrevista a Jozailto Lima, o deputado estadual Rodrigo Valadares, que acaba de assumir o Partido de Bolsonaro em Sergipe (PSL), se diz de direita desde os 16 anos, e anunciou os princípios ideológicos em que acredita.

Não deixa de ser uma novidade, um político se assumindo de extrema direita, e defendo suas teses. O normal em Sergipe são lideranças “furta cor”, que não assumem posições doutrinarias, ou por desconhecê-las ou por oportunismo.  

O deputado Rodrigo Valadares aposta herdar a maior parte dos 47% do eleitorado de Aracaju, que votou em Bolsonaro no segundo turno. Faz sentido!

Quais são as ideias defendidas por Rodrigo Valadares, na entrevista?

O deputado se diz liberal na economia e conservador nos costumes. Quer proibir o comunismo no Brasil, e ainda acredita que Cauê e Edvaldo são comunistas. Considera Che Guevara um canalha. Se diz estudioso de Adam Smith e Milton Friedman.

Não sei se ele seguirá a orientação ideológica do guru Olavo de Carvalho ou outra corrente doutrinária. Também não sei qual o “conservadorismo nos costumes” ele acredita. O da Ministra Damares Alves? Não sei! Nada disso foi perguntado na entrevista.

Rodrigo Valadares se diz cem por cento disposto para disputar a prefeitura de Aracaju, no próximo ano. Vamos aguardar os desdobramentos.

Antônio Samarone.