sábado, 30 de março de 2024

UM NEGÓCIO DA CHINA


 Um Negócio da China.
(por Antonio Samarone)

Finalmente, Pachequinho colou grau em medicina. Um esforço familiar. O pai, Seu Pacheco, contabilizou o investimento na ponta do lápis: um milhão e cento e oitenta mil reais. A Faculdade SNTP - Saúde não tem Preço, do grupo Mercantil, cobra mensalidades extorsivas.

O curso, bem, o curso é uma arrumação. O manto imaginário das ciências médicas cobre quase tudo. A SNTP forma bons médicos? Essa pergunta depende do que se entenda por “bons médicos”. A medicina de mercado é hegemônica. A regra do mercado é o lucro.

Pachequinho nunca pensou em especializações. Tempo é dinheiro. O investimento precisa de retorno. O saber médico sem o espírito empreendedor do médico não vai longe.

Na semana seguinte, o consultório de Pachequinho estava de portas abertas, na Galeria Bom Preço, Rua do Mercado. O ponto é bom. Rejeitou todos os convênios, só atendia a particulares e a vista. Os dias se passaram e a clientela não aparecia. Um ou outro gato-pingado.

Pachequinho não penou até aqui, para entregar os pontos. Estava disposto a vitória a qualquer custo. Soube que o diabo continuava comprando almas, só que o preço estava defasado.

Ficou sabendo que o SEBRAE estava ofertando um curso para jovens empreendedores: “Pequenas Empresas, Grandes Negócios”.

Não perdeu tempo. Com a capacitação, vários negócios apareceram.

Pachequinho descobriu que uma empresa coreana oferecia bobinas de eletro estimulação magnética, em forma de leasing, cobrando uma pequena parcela por procedimentos realizados. A empresa coreana ainda garantia um curso gratuito de capacitação para o doutor.

Pachequinho se capacitou e espalhou nas redes sociais que estava realizando o Transcranial magnetic stimulation ou TMS, assim mesmo, em inglês. Passou a usar a estimulação magnética para quase tudo, uma panaceia.

Eu sei, a “Estimulação Magnética Transcraniana” pode ajudar no diagnóstico de alterações dos parâmetros neurofisiológicos.

Entretanto, o uso feito por Pachequinho foi o tratamento da depressão. Cada sessão custa mil e quinhentos reais. O tratamento completo são 6 sessões. Nesse caso, o custo final é reduzido para cinco mil reais. As despesas podem ser dividida em dez parcelas e aceita-se qualquer cartão.

Se o paciente indicar o tratamento para outra pessoa, recebe um bônus de quinhentos reais por cada paciente encaminhado. Essa rede tem funcionado. A clínica de Pachequinho já possui 12 bobinas em atividade, 24 horas, e a fila é grande. As sessões das 22 às 7 horas, custam apenas 750 reais. Uma pechincha!

Pronto, o investimento da Família Pacheco foi recuperado em menos de um ano. A clínica de Pachequinho cresceu, montou filiais, diversificou os procedimentos ofertados, suspendeu o leasing e comprou as bobinas.

No Brasil, a medicina de mercado nada de braçada. Cada um é o juiz de si próprio. A conduta do médico é livre, o limite é a sua própria consciência.

Pachequinho deixou a faculdade com uma lembrança. Na solenidade de formatura, o orador, um médico conceituado, revelou em seu discurso: “Hipócrates acreditava que as doenças são curadas por uma “vis mediatrix naturae”, ou seja, as doenças evoluem para a cura. Cabe ao médico não atrapalhar”.

Convenhamos, as sessões de magnetismo do Doutor Pachequinho não atrapalham. Em última instância, funcionam como placebo.

Pachequinho abusa em suas condutas, na esperança que esse princípio hipocrático continue em vigor. É o que vem salvando Pachequinho.

Do ponto de vista econômico, Pachequinho fez um bom casamento. Hoje é um homem rico. Investiu em fazendas e passou a plantar milho. Já pensa em entrar na política.

As bobinas eletro magnéticas do Doutor Pachequinho, continuam eficientes caça-níqueis.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

sexta-feira, 29 de março de 2024

GENTE SERGIPANA - SEU NORONHA


 Gente Sergipana - Seu Noronha.
(por Antonio Samarone)

Numa sociedade de bárbaros, Seu Noronha foi um gentleman.
Um homem fino, amante dos saraus e soirées dançantes em sua residência, geralmente aos domingos. Noronha nunca teve inimigos.

Um conciliador!

Conta-se que houve uma rixa violenta entre dois comerciantes em Itabaiana. O primeiro, contou a sua versão a Noronha, e ele deu razão: “você está certo!” Minutos depois, o segundo briguento contou a versão dele, Noronha deu razão ao segundo: “você está certo!”

Dona Teonila, a esposa de Noronha, assistiu aquela cena intrigada. “Pera aí, Noronha, você deu razão aos dois na mesma causa, é muita incoerência de sua parte.” Noronha respondeu: “você está certa!”

Esperidião Noronha nasceu em Itabaiana, a 24/10/1874. Filho de Seu Benvindo e Dona Antônia. Foi comerciante, sentou praça no 28º BC, e levou o primeiro caminhão para Itabaiana, por volta de 1928.

Com a criação da Estrada de Rodagem para Aracaju, o caminhão de Seu Noronha, fazia linha regular para Laranjeiras.

A chegada do caminhão em Itabaiana, pelas mãos de Seu Noronha, se aproxima dos cem anos. Foi ele que iniciou a saga da Capital Nacional dos Caminhões.

Noronha foi músico, compositor, maestro da Filarmônica Santo Antonio, a filarmônica dos Cabaús, criada por Batista Itajahy, em 1904. Essa Filarmônica durou até 1925.

Noronha retornou a centenária Filarmônica Nossa Senhora da Conceição, a filarmônica tida como dos Pebas. Essa desavença política em Itabaiana, Pebas X Cabaús, vem de longe.

Esperidião foi político, exercendo o mandato de vereador de Itabaiana por três vezes e de deputado constituinte pela UDN, em 1947, eleito com 924 votos.

Esperidião Noronha faleceu em 24 de dezembro de 1956, quase cego, aos 82 anos. Está sepultado no Cemitério de Santo Antonio e Almas de Itabaiana.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

PS: a foto foi restaurada pelo artista Marlon Delano.

sábado, 23 de março de 2024

GENTE SERGIPANA - EULINA NUNES.



 Gente Sergipana – Eulina Nunes.
(por Antonio Samarone)

Itabaiana tem meia dúzia de intelectuais vivendo pelo mundo. Um deles, Luciano de Oliveirinha, mora no Recife. Me mandou uma ordem pelo WhatsApp: escreva sobre Eulina Nunes, senão eu peço a Vladimir.

Fazer o quê?

Eulina Nunes nasceu em primeiro de dezembro de 1908, no povoado Mocambo, Frei Paulo. Filha de Tonho de Zé Nunes e Dona Maria Santiago Nunes.

Logo cedo vieram para Itabaiana. Dona Eulina foi uma líder determinada e se criou em Itabaiana. Professora de corte e costura e culinária. Enviuvou cedo, criando os três filhos: Lutero, Paulo e Marinalva.

Com o Pai, fundou primeira igreja evangélica presbiteriana de Itabaiana.

Aos domingos pela manhã, quando eu voltava da missa, passava na calçada da Igreja presbiteriana. Ficava na ponta dos pés para olhar pela janela. Naquele tempo, os Crentes era gente bem comportada, com roupas austeras, e conduta exemplar.

Gente, eu simpatizava com os Crentes da Igreja de Dona Eulina.

Mamãe dizia: esses são tementes a Deus, gente religiosa, que conhece a bíblia. No final da vida, mamãe virou Crente.

Dona Eulina tinha a fama de ter enfrentado Euclides Paes Mendonça, o poderoso Coronel. No início da década de 1960, Euclides começou a alargar as ruas, abrir avenidas, rasgar Itabaiana de ponta a ponta. Não respeitava a propriedade de ninguém.

Dona Eulina morava num sítio, perto do Colégio das Freiras. Uma das futuras avenidas cortaria o seu sítio no meio. Eulina fincou o pé: “a minha cerca você não derruba”! E não derrubou.

Numa cidade onde o catolicismo romano dominava, os Crentes não passavam de uma meia dúzia.

Só uma igreja (foto), que um dia desses, pela localização privilegiada, foi derrubada para virar galeria comercial. Um crime contra o patrimônio histórico, que Itabaiana assistiu num cúmplice silêncio.

Dona Eulina manteve a sua fé com altivez, até a sua morte, em 03 de janeiro de 1998, aos 90 anos. Os Crentes eram poucos, mais gente digna, exemplar, que vivia a luz do evangelho.

Antonio Samarone.

terça-feira, 19 de março de 2024

O SILÊNCIO DAS SEREIAS


 O Silêncio das Sereias.
(por Antonio Samarone)

Eu sei, o título é um conto de Franz Kafka.

Quando Ulisses tapou os ouvidos com cera e amarrou-se no mastro do navio, para resistir ao canto das sereias, ele estava fundando a racionalidade ocidental.

Antes, deuses, natureza e homens eram a mesma substância. Os mitos explicavam o mundo.

Primeiro houve a separação. Depois os homens procuraram dominar a natureza, e tornaram-se a imagem e semelhança de Deus. Com o iluminismo, venceu a razão. O passo seguinte, foi a eliminação de Deus.

Hoje, substituímos a cera de Ulisses pelos fones de ouvidos.

A vida foi dessacralizada. O homem virou a medida de todas as coisas. Esse desencantamento virou correria em busca de nada. Como diz Byung-Chul Han, criamos a sociedade do cansaço.

Ne velhice, percebo o descaminho que tomamos. Em meu exercício pelo desapego, noto a urgência do reencantamento. Deus é a natureza e vice-versa. Só salvamos a humanidade da extinção precoce, se enfrentarmos a crise climática.

Os dinossauros duraram 150 milhões de anos, até o choque da terra com o meteorito. O Homo sapiens apareceu a 100 mil anos. Geologicamente, somos recém chegados. E já estamos indo embora.

Quem ainda acha que a terra não está esquentando, não passou por Aracaju esses dias.

Outra coisa, achar que a consciência, a alma, a psique, seja lá o nome que se prefira, é fruto da evolução darwinista é pura tolice. Alma e psique em francês tem a mesma denominação: “l’amê”.

A razão me levou de volta a metafísica. A ciência não esclareceu o que somos, nem pode, a ciência trata dos fenômenos naturais.

Achar que a alma é fruto da evolução do cérebro é uma fé mais improvável que a atribuir a divindade.

No grego antigo, “psykhé” é alma.

Enquanto esperamos a Terceira Guerra, dessa vez nuclear, assinei o manifesto pelo reencantamento da vida. Acho que o Armagedom está a caminho. 

Eu quero ouvir o Canto das Sereias! 

Antonio Samarone. Médico sanitarista.

domingo, 17 de março de 2024

NINGUÉM MORRE DE VÉSPERA

Ninguém Morre de Véspera...
(por Antonio Samarone)

O sonambulismo era frequente. Os sonâmbulos andam durante o sono. Muitas vezes a alma itinerante leva o corpo, para um passeio. Eu só conheço um sonambulo em carne e osso: Zé de Zabelinha. Esse é conhecido, na Moita Formosa.

Seus passeios noturnos pelas bodegas do povoado, são constantes. Zé anda prá cima e prá baixo, em sono profundo. Todos zelam para não acordá-lo.

Não se acorda os sonâmbulos durante a transe. A alma distante, que saiu a passeio ou negócio, pode não acertar o caminho de volta.

Fizeram uma perversidade. Numa dessas sessões de sonambulismo, acordaram o cidadão. Zé de Zabelinha, foi encontrado desacordado, foi dado como morto.

A família não sabe quem fez essa molecagem, pensou em prestar queixa, mas não deu tempo.

Durante o velório, ocorreu outro fenômeno: 16 horas de morto, Zé ressuscitou. Ou melhor, acordou da letargia.

A catalepsia também já foi um fenômeno frequente. Hoje, nem tanto. Para quem esqueceu, a catalepsia é a falsa morte. O corpo para, dá-se o cristão como morto, depois ele acorda. A medicina nem nega, nem confirma.

Jaime ainda é meu parente. Conto essa história por ouvir dizer. A verdade é que ele continua vivo.

Tentei esmiuçar, desconfiado de simulação. Nada, ele não se lembra nem do sonambulismo, nem da catalepsia. Mas a história foi confirmada por muita gente. Dona Josefa, a tia, foi quem vestiu a mortalha no morto vivo.

Zabelinha, a mãe, ficou com medo dessa assombração e, na próxima, ele não acorde. Precavida, procurou um médico naturalista, o Dr. Rafael Schneider, que prescreveu sete sessões de hipnose quântica.

Espero que funcione.

Antonio Samarone (médico sanitarista)
 

sábado, 16 de março de 2024

AS PRAIAS DESERTAS DO ARACAJU


As Praias Desertas do Aracaju.
(por Antonio Samarone)

Aracaju foi fundada no Solar do Engenho Unha do Gato, propriedade do Barão de Maruim, a 25 de fevereiro de 1855. Depois aprovaram a Resolução Provincial 413, em 17 de março.
Inácio Barbosa não teve tempo de ver a sua obra. Foi vítima do impaludismo, falecendo em 06 de outubro de 1855, na cidade de Estância, aos 33 anos. A medicina sergipana nada podia contra o Sezão.

No ano da fundação, Aracaju padeceu da sua maior tragédia sanitária. Foi atacada pela pandemia de Cólera Morbo. Aracaju era uma cidade inóspita e doentia.

No momento da fundação do Aracaju (1855), Sergipe possuía cinco médicos: Guilherme Pereira Rabelo, em Aracaju, e José Antonio da Silva Junior, Antonio Ribeiro Lima, Joaquim José de Oliveira, Francisco Sabino Coelho Sampaio e Francisco Alberto de Bragança.

A bela Cajueiro dos Papagaios foi construída dentro de pântanos insalubres, onde a vida parecia inviável. Santo Antonio do Riacho Aracaju está bela. A mão do homem. Luiz Antonio Barreto dizia que Aracaju era um aterro embelezado, uma obra dos sergipanos.

O engenheiro Sebastião Pirro traçou-a primeiro no papel. Tudo bem esquartejado.

No Natal de 1856, celebrou-se a primeira missa na Matriz do São Salvador, ainda em construção no Centro do Aracaju. Essa Igreja, só foi inaugurada em 23 de outubro de 1857.

Em 1856, a população do Aracaju era de 2.831 habitantes, com 4 estrangeiros. Dois sacerdotes, um médico, um boticário e um purgador.

O Atheneu Sergipense, foi inaugurado em Aracaju, em 03 de fevereiro de 1871.

“Em 1872, Aracaju contava com oito anos de impaludismo, de febre intermitente, de cólera morbo, de febre-amarela, seguida de varíola, de quilombadas, da guerra do Paraguai, com o seu voluntariado recrutado, da queda do açúcar e das secas.” – Sebrão Sobrinho.

No final de 1875, foi concluída a Matriz de Nossa Senhora da Conceição, atua Catedral. O primeiro vigário da Freguesia foi o reverendo Eliziário Vieira Muniz Teles.

O Hospital de Caridade Nossa Senhora da Conceição (atual Santa Izabel), foi inaugurado em 16 de fevereiro de 1862, com recursos imperiais.

Em 1856, os médicos Guilherme Rabelo e Pedro Autran fizeram um diagnóstico das condições sanitárias do Aracaju, elaborando um competente relatório. (Tenho a cópia) O primeiro documento de Saúde Pública do Aracaju.

Aracaju já foi a Sultana dos Mares, entrecortada por rios e lagoas. Tudo limpo.

O primeiro palácio foi uma casa cedida por Dona Rufina a Dr. Inácio Barbosa. A Rua da frente chamava-se rua da Aurora, a Praça Fausto Cardoso era a Praça do Mercado. A outra Praça era da Alfândega.

Não adiantou a meritória resistência de João Policarpo Borges (João Bebe Água). Aracaju tomou prumo, foi crescendo aos poucos, e hoje é essa reluzente metrópole. A chegada da Petrobras, década de 1960, foi a locomotiva.

“Em cidades tornei fétidos brejos/ E fiz dos charcos ressurgir o Império.” – Júlio César.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

sexta-feira, 15 de março de 2024

A MÃE DO CORPO


 A Mãe do Corpo.
(por Antonio Samarone)

A histeria e a epilepsia são doenças milenares.

Hipócrates, em seu livro Doenças das Mulheres, considerava o útero um pequeno animal caprichoso e autônomo, que circula pelo corpo. Na ausência do coito, a matriz secava e o útero ficava mais leve, subindo para comprimir a caixa torácica.

Nesses casos, ocorria uma sufocação da mulher pela matriz: com rotação dos olhos, pele fria e lívida, vômitos, perturbações cerebrais e perda da fala. Depois, essa concepção foi sendo alterada.

A histeria desapareceu por mil anos. Voltando no período da “caça às bruxas, na idade média. Os padres atribuíam a possessão demoníaca das mulheres acusadas de bruxas; e os médicos diagnosticavam histeria, epilepsia e melancolia.

O fim dos julgamentos de feitiçaria foi uma vitória dos médicos sobre os teólogos.

Para Thomas Synderam, o Hipócrates inglês (1680), a histeria era a mais comum de todas as doenças, ao agir através dos nervos, tanto por emoções mentais como por desarranjos corporais ela pode imitar qualquer doença.

Charcot se interessou pela histeria em 1870. Substituiu o exorcismo pela hipnose. Transformou o Salpêtrìere num espaço científico.

O famoso médico francês, Jean-Martin Charcot, pai da neurologia, o Napoleão das neuroses, promoveu no “fin-de-siècle”, um espetáculo semanal com as mulheres pobres de Paris, internadas no Salpêtrière, expondo-as seminuas aos olhares masculinos. Os gestos, convulsões, gritos e sussurros emocionais eram marcados pela insinuação erótica.

O Salpêtrìere era uma cidade no estilo do século XVII. Um local onde São Vicente de Paula realizou as suas obras de caridade. Luís XIV converteu-o em abrigo para mendigos, prostitutas e insanos.

As cenas públicas de histeria eram cuidadosamente fotografadas.

Eram os chamados ataques histéricos, expostos de forma desprezível. A histeria e a neurastenia eram os transtornos mentais mais frequentes no início do século XX.

O que a medicina fez com a histeria, que fim levou? Charcot apontava a hipnose, como tratamento da histeria.

Charcot foi gênio e charlatão. Um prince de la sciencia. Ao lado de Pasteur, orgulho da França. Um homem muito rico, culto, produzia suntuosas recepções em sua casa, para cientistas, políticos, artistas e escritores. Conta-se que o nosso Pedro II, quando em Paris, era frequentemente convidado.

Freud foi aluno do serviço de Charcot, no Salpêtrière. Voltou a Áustria para tratar os casos de histeria, mas não aceitou a hipnose como recurso terapêutico.

Até onde entendi, Freud achava que a histeria era a transformação das memórias sexuais reprimidas em sintomas corporais. Me corrijam...

A histeria foi historicamente uma doença do útero. No grego, histero significa útero. Na histeria, o útero, a mãe do corpo, fica desgovernado. O povo chamava de furor uterino.

Claro, para Charcot, a histeria era uma doença neurológica.
No início do século XX, as histéricas que lotavam as enfermarias dos hospitais públicos desapareceram. A neurologia empurrou a histeria para o campo da psiquiatria, que, por sua vez, inclui-a na categoria dos fingimentos.

Freud reelaborou os sintomas da histeria, dando-lhes outros significados. Por desconhecer a sua obra em profundidade, não me arrisco em sintetizar o ocorrido.

O que fica claro, é que as “evidencias” na medicina são fluídas, aparecem e desaparecem sem dar explicações. Tolo é acreditar nessas verdades provisórias.

A medicina esqueceu a histeria, trocou o nome ou ela deixou de existir?

Não se fala mais em sufocação uterina, furor uterino, dor de amor ou histeria. Uma neurose enganadora. Histeria virou um rótulo inaceitável.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

quinta-feira, 14 de março de 2024

O ANFITEATRO DA FILARMONICA


O Anfiteatro da Filarmônica.
Por Antonio Samarone.

Os gregos criaram o teatro e os romanos o anfiteatro. Um local ao ar livre, destinado aos espetáculos. Lutas de gladiadores, espetáculos circenses, corrida de bigas, enfrentamentos entre animais ou simulações de batalhas navais.

O anfiteatro da Filarmônica será um local de concertos, musicais, teatro e danças.

O famoso Coliseu romano é um anfiteatro.

Não sei as razoes, mas Itabaiana é infestada de anfiteatros. São dezenas! Em quase todas as avenidas. Tem até nos povoados. Nenhum ocioso.

A arte nunca é demais!

A vetusta Filarmônica Nossa Senhora da Conceição anunciou a construção de um novo anfiteatro, com a promessa de ser um novo cartão postal, uma joia da arquitetura. Não é uma concha acústica, dessas de Universidade.

O anfiteatro da Filarmônica é o que tem de mais avançado em acústica, onde os concertos se sentirão à vontade. Viva! Itabaiana aplaude a iniciativa.

A Filarmônica de Itabaiana não tem dono, não deve ter, ela é patrimônio cultural do povo.

Será um anfiteatro como os de Berlim, Siracusa, Tunísia e Milão. O Campus Martius.

Mas, tem um porém.

Em um momento infeliz, o empresário da construção civil, Edson Passos, resolveu retomar o terreno da Filarmônica Nossa Senhora da Conceição, por ele doado há quase uma década: alegou razões burocráticas: a Filarmônica demorou a construir.

Agora, que a Filarmônica recebeu uma promessa de ajuda financeira, tem um projeto e anuncia a construção de um anfiteatro, as coisas podem emperrar na Justiça.

Um apelo ao arquiteto Edson Passos, retire essa causa, lesiva a cultura de Itabaiana.

Antonio Samarone. Secretário de Cultura.
 

terça-feira, 12 de março de 2024

A LOUCURA DE SAUL.

A loucura de Saul.
(por Antonio Samarone)

Saul foi o primeiro Rei de Israel, ungido por Javé. Sua missão era exterminar os povos vizinhos.

Javé ordenou: “vai, pois, agora, e investe contra Amalec, condena-o ao anátema com tudo o que lhe pertence, não tenha piedade dele, mata homens e mulheres, crianças e recém nascidos, bois e ovelhas, camelos e jumentos.”

Nada diferente da atual carnificina contra os palestinos.

Entretanto, Saul poupou a vida de Agag, Rei dos Amalequitas. Javé não aceitou a desobediência e acometeu Saul de fortes tormentos mentais. Ora amedrontado, ora furioso, ora homicida, ora deprimido, ora delirante.

A loucura se apossou de Saul até o fim de sua vida.

A turbulência mental de Saul foi atribuída aos espíritos malignos. O tratamento foi tentado. Davi tocou a harpa, para acalentá-lo. (veja a pintura)

A música da harpa de Davi nem sempre acalmava Saul. Por duas vezes, Saul quis matar o próprio Davi. Com a lança na mão, Saul bradou: “encravarei Davi na parede”. Deus livrou Davi.

Javé abandonou Saul, que perdeu três filhos na batalha contra os filisteus. Quando os inimigos se aproximaram para matá-lo, ele caiu sobre a própria espada, cometendo o suicídio.

Depois, Davi derrotou os filisteus.

O povo palestino pede misericórdia.

Antonio Samarone.
 

sexta-feira, 8 de março de 2024

UM ATEU DE ALDEIA


 Um Ateu de Aldeia.
(por Antonio Samarone)

Aristeu, um velho fidalgo do Beco Novo, está arrependido. Foi um crente na dialética. Um ateu, materialista puro-sangue, virou um agnóstico, um cético. “Graças a Deus, Deus não existe.”

Marx criou um ateísmo sócio econômico: a religião é o ópio do povo.

Aristeu acreditou em Friedrich Nietzsche, quando ele anunciou a morte de Deus: "Deus não existe! O que o mundo possuía de mais sagrado, de mais poderoso, sangrou sob os nossos punhais, quem lavará de nós a mancha de sangue? Com que água havemos de nos purificar?"

Hoje, aos 70 anos, Aristeu enxerga a fragilidades do materialismo científico. Ele está fazendo o caminho de volta.

Calma, não é pelo medo da morte, cada dia mais próximo.

Não!

Aristeu deseja um reencantamento do mundo, uma volta a sacralização do que é sagrado, uma necessidade do transcendente. É a revanche de Deus!

Dos três grandes enigmas: a criação do universo, o surgimento da vida e como o cérebro criou a mente consciente, talvez, esse último, seja o mais desconhecidos. Deixar a solução nas mãos exclusivas das ciências, não parece eficaz.

Aristeu suspeita que o surgimento alma, do espírito, da mente consciente não se encaixam na evolução darwinista.

Afastar a hipótese divina é uma flagrante arrogância. Não existem evidencias.

Lembrei-me de uma passagem clássica de Fernando Pessoa: “minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tangem e regem, cordas e harpas, timbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia.”

A razão, mesmo divinizada, não deu conta do aparecimento da mente consciente.

Nossa mente consciente rompeu as barreiras dos limites da cognição. A narrativa bíblica fundamenta a expulsão do Paraíso após a tentação do fruto proibido.

A mitologia grega nunca perdoou Prometeu, por entregar o fogo aos humanos.

Aristeu não está só, nessa retorno ao sagrado.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

quinta-feira, 7 de março de 2024

A MEMÓRIA PÚBLICA

A Memória Pública.
(por Antonio Samarone)

É a cultura que cria a identidade das comunidades humanas.

Itabaiana é uma sociedade do século XVII, que rediscute o seu passado. Como chegamos até aqui? Quais os nossos valores, crenças e comportamentos.

A Cultura iniciou a postagem de vídeos contando a história das ruas de Itabaiana, com uma pequena biografia dos homenageados que as nomeiam. Um trabalho do historiador Almeida Bispo.

Algumas ruas centrais de Itabaiana, homenagem personagem estranhos a vida da cidade. As principais Praças são a Fausto Cardoso e João Pessoa. Fausto Cardoso vá lá, mas “João Pessoa”, paciência, esse político não diz nada sobre a nossa história.

A Cultura colocou em pauta recuperar a nossa memória pública. A sugestão foi do Historiador Wanderlei Menezes. Essa homenagem às mulheres é o início desse caminho.

Nesse 08 de março, doze mulheres que ajudaram a construir a cidade, serão homenageadas, no recinto do Shopping Peixoto. O objetivo é não cair no esquecimento. A civilização se alimenta da memória.

Simbolicamente, elas representam todas as mulheres de Itabaiana.

Maria Carreiro, Dona Irami, Cecilia Parteira, Tereza do Hospital, Maria Helena, Josefa Rocha, Maria Pereira, Maria Tavares, Dona Ceiça, Maria Peixoto, Eulina Nunes e Thetis Nunes serão as homenageadas.

Todas deixaram um legado para Itabaiana. A escolha foi criteriosa. Sei que muita gente que merecia ficou de fora, mas, as escolhidas merecem muito.

A grandeza atual das mulheres Itabaianenses deve muito as mulheres do passado. Por aqui, a força das mulheres vem de longe.

No fundo, Itabaiana é um matriarcado. Todas as famílias possuem referências femininas. A mulher sempre teve um papel de vanguarda. São protagonistas da história.

O plano é fortalecer essa memória. Em breve serão os comerciantes, os caminhoneiros, os professores, os negros, entre outros grupos sociais.

Acho que o currículo das escolas municipais deve incluir a história de Itabaiana. A história não é uma curiosidade ociosa.

Sem passado não existe futuro.

Antonio Samarone.
Secretário Municipal de Cultura.
 

quarta-feira, 6 de março de 2024

DE QUE LADO NASCE O SOL.

De que lado nasce o sol?
(por Antonio Samarone)

A idade desfaz antigas ilusões e recria novas. A ilusão é parte da natureza humana.

Dr. Esculápio, velho professor de medicina, participou da resistência à ditadura de 1964. Nunca pertenceu aos Partidos Comunistas. Silenciosamente, era um simpatizante.

Sabendo da sua recente enfermidade, fui visitá-lo.

Para minha surpresa, encontrei-o com a bandeira de Israel sobre os ombros. No início, fiz de conta não ter percebido. A conversa enveredou por amenidades, como convém às visitas aos doentes. Rápidas e leves.

Na saída, Esculápio fez uma provocação: “o Brasil vai mal, precisamos de um Netanyahu! O Poder Público foi apropriado pela politicagem da esquerda. A democracia é o caminho da promiscuidade e dos demagogos.”

Respirei fundo, mas não respondi. Tenho muita gratidão ao Professor.

Como estudante, assistia as suas aulas com curiosidade. Esculápio era um liberal, com leve simpatia pelas teses socialistas, que circulavam no movimento estudantil. Esculápio era contra a ditadura, mesmo discretamente. Um homem culturalmente sofisticado, amante da música clássica.

O que houve com os médicos?

A base social da extrema-direita no Brasil são os pentecostais, o agronegócio e as forças de segurança. Faz sentido! O que destoa, é a força da extrema-direita entre os médicos.

Por natureza, o profissional médico cuida do sofrimento humano. A empatia e o acolhimento são princípios irrecusáveis. Como carregar as bandeiras da violência e do ódio?

Não sei explicar!

Desejei saúde ao professor Esculápio e levantei-me para as despedidas. Ele ainda profetizou: “com a vitória certa de Trump, teremos um Javier Milei no Brasil, na próxima eleição.”

Continuei em silêncio. Senti-me derrotado!

Ao fundo, em sua biblioteca, enxerguei uma suástica estilizada.

Que Deus nos proteja!

Antonio Samarone (médico sanitarista)
 

sábado, 2 de março de 2024

O DITO PELO NÃO DITO.


O dito pelo não dito.
(por Antonio Samarone)

Filipe da Macedônia contratou o filosofo Aristóteles como preceptor do filho, Alexandre Magno. O Rei, queria o filho bem formado. Filipe resolveu levar o filho a um conclave da realeza mediterrânea, acompanhado do novo mestre.

Dias de debates. Discursos e mais discursos, teses e mais teses, argumentos e mais argumentos. Uma torre de Babel. Ao final, Alexandre perguntou ao preceptor, Aristóteles: “quem estava com a verdade?” O filosofo respondeu sobriamente, ninguém. Não avalie a política pelo dito, as palavras servem para ocultar os interesses.

A política guia-se por interesses não revelados, em boa parte, interesses pessoais. Alexandre nunca esqueceu a lição e conquistou o mundo.

A política em Sergipe segue uma tradição centenária: os grupos no poder governam sem oposição. Sergipe é muito pequeno, uma Província conservadora. Foi sempre assim!

As eleições em Sergipe são decididas nos palácios!

Como dizia um antigo Vereador do Aracaju: “O poder é como um jegue carregado de rapadura, até o rabo é doce.”

As eleições municipais se aproximam, e o grupo no poder reúne-se em convescotes frequentes, para ratear o Poder. Escolher o eleito.

Vários pleiteiam. São reuniões onde todos sabem que todos estão mentindo. Os derrotados internamente, conformar-se-ão. Qualquer discordância será tratada como rebelião.

A escolha do candidato situacionista a Prefeito do Aracaju é um exemplo perfeito. Todos querem. Uma disputa com único critério: o escolhido não pode ameaçar a reeleição do Governador, em 2026.

Nessa lógica aristotélica, o candidato do atual Prefeito do Aracaju, Luiz Roberto, é visto com desconfiança. Edvaldo Nogueira, potencialmente, pode ser uma ameaça na sucessão, em 2026. Por isso, não pode continuar comandando a Prefeitura. Todos conspiram contra.

Por mais que Edvaldo negue, eles não acreditam. Geralmente, os políticos sabem o que os outros políticos estão pensando. Os ingênuos não sobrevivem.

Resta a Edvaldo, um gestor público qualificado, bem avaliado na opinião pública, procurar outras saídas políticas para o seu candidato.

Edvaldo Nogueira é o último político em Sergipe, com mandato, da geração que chegou ao poder com Jackson Barreto, na vitória para a Prefeitura do Aracaju, em 1985. São 39 anos! Os atuais áulicos, tem outros métodos e outros objetivos.

Edvaldo Nogueira (PC do B) chegou ao Poder em Aracaju, numa grande demonstração de habilidade. São raros. Guardando as proporções, um exemplo na linha de Flávio Dino (PC do B do Maranhão). O próprio PT em Sergipe, nunca aceitou.

Os novos políticos que governam Sergipe, olham Edvaldo com desconfiança. E não escondem. A principal crítica ao Prefeito é que ele não cumpre os acordos. Nunca dizem que acordos são esses.

É evidente que a traição em política é velada, muitas vezes, encoberta por declarações públicas de apoio. O chamado apoio de boca para fora.

Não precisa ser profeta para avaliar a política. As reuniões de cúpula, os conchavos, o disse-me-disse, é tudo blá-blá-blá. Na política, só existe gratidão se for conveniente aos interesses dos envolvidos.

A pergunta central é a quem interessa tal ou qual candidatura? Essa é chave de qualquer análise científica. E o eleitorado onde entra? Bem, essa é outra discussão.

No caso do Aracaju, são muitos os interessados do lado da situação. Todos querendo convencer ao Governador que, em sua sucessão (2026), eles não serão concorrentes. Talvez, por isso, o martelo somente será batido para valer no segundo turno.

Vamos aguardar. Em pouco tempo, saberemos se o método aristotélico continua valendo.

Antonio Samarone – médico sanitarista.