terça-feira, 18 de outubro de 2022

OS CASAMENTOS DO BARÃO

 

Os Casamentos do Barão.
(por Antonio Samarone).
 
O polêmico João Gomes de Melo, o Janjão do Santa Bárbara, nasceu em 18 de setembro de 1809, em Santo Amaro das Brotas, Sergipe. Foi um grande do Império. Exerceu todos os cargos na política. 
 
João Gomes de Melo (depois Barão de Maruim) era de família rica. Entretanto, cresceu economicamente se casando, em 1833, com a viúva do Coronel Manuel Rollemberg, Maria José do Faro (Maria do Topo), dona de muitos engenhos. João Gomes ficou muito rico, com o primeiro casamento. 
 
Pelas circunstâncias da vida, Dona Maria do Faro morreu em 1859, ficando o Barão viúvo. João Gomes de Melo se tornou o Barão de Maruim em 12 de outubro de 1848.
 
Com o segundo casamento, o Barão foi mais longe. 
 
Morando no Rio de Janeiro, o Barão de Maruim casou-se pela segunda vez, em 1862, com Valentina Soares de Souza, filha do médico José Antonio Soares de Souza, cirurgião-mor do exército de Napoleão, e da poetisa francesa, de família nobre, D. Antoinette Gabrielle Madeleine Gibert. 
 
Os pais de Valentina morreram cedo, deixando-a órfã. Ela foi criada pelo irmão famoso. Dona Valentina, a Baronesa de Maruim, era irmã de Paulino José Soares de Souza (Visconde do Uruguai).
Com esse segundo casamento, João Gomes de Melo se tornou um comensal da família imperial, amigo de Pedro II.
 
A indicação de Inácio Barbosa para presidir a Província de Sergipe, em 7 de outubro de 1853, teve o dedo do Barão de Maruim. A Assembleia Provincial que decidiu a mudança da capital de São Cristóvão para Aracaju, ocorreu no engenho Unha de Gato, de propriedade do Barão. 
 
O Barão de Maruim foi o presidente da Provincia de Sergipe, durante a grande Peste de Cholera Morbus, de 1855. 
 
Em 21 de março de 1861, o Barão de Maruim foi nomeado Senador Vitalício do Império, cargo que ocupou por 28 anos, até a sua morte, em 23 de abril de 1890, no Rio de Janeiro. 
 
Em 1937, o seu corpo foi transladado para a Igreja Matriz de Maruim, onde se encontra. Aliás, igreja que ele tinha construído com recursos próprios. 
 
Não avaliarei a sua importância política, nem o seu papel na transferência da Capital para Aracaju, apenas uma constatação: além do amor, ele teve bons motivos (riqueza e poder) para os casamentos. O Barão de Maruim deu sorte no amor.
 
O Barão dá nome a uma das principais avenidas do Aracaju.
 
Antonio Samarone (médico sanitarista)

O NOVO NIILISMO

 O Novo Niilismo (nihil).
(por Antonio Samarone).

O niilismo do século XIX pretendia recriar os valores. O antigo niilismo foi resumido numa sentença de Nietzsche: “Deus está morto.”

O atual niilismo, ao contrário, suprime todos os valores. A narrativa é substituída pelo Bigdata, a teoria pela informação.

A dualidade verdade/mentira acabou. Antes, o mentiroso reconhecia a verdade, apenas estava semeando confusão. Hoje, a diferença verdade/mentira foi anulada, os fatos e a realidade são desconsiderados.

Está confuso? Vamos clarear...

O fim das grandes narrativas dá início a pós-modernidade, nasce a sociedade da informação. Inicia-se a Era da pós verdade. A mercadoria substitui a verdade.

Os Fake News não são mentiras, apenas afirmam o que lhes convém. Os Fake News são indiferentes à verdade, pertencem a um mundo da pós verdade.

O mentiroso reconhecia a existência da verdade, hoje, a verdade é ignorada, deixa de existir.

Não se fala merda apenas por desconhecimento, fala-se também por indiferença à verdade. A liberdade de opinião se transformou na fragmentação do pensamento, no fim das referências, na legitimação do “achismo”, onde cada um tem a sua verdade, ou seja, o fim da verdade factual.

Quando a extrema-direita bolsonarista afirma que está lutando contra a “ameaça comunista”, mesmo inexistindo essa ameaço, eles não estão simplesmente mentindo, apenas desconsideram convenientemente a realidade.

É o fim dos sistema verdade/mentira.

Nem a verdade prevalecerá, nem a mentira tem pernas curtas. A dualidade verdade/mentira acabou e a verdade morreu. A ordem digital aboliu a solidez dos fatos. “Tudo o que era sólido se desmanchou no ar.”

A fotografia analógica era prova da realidade factual. Foi assim, veja a foto! A fotografia digital produz uma realidade editável, nova, indiferente a factualidade.

A informação é aditiva e cumulativa, a verdade é narrativa e exclusiva. A sociedade da informação é esvaziada de sentido, uma sociedade da desconfiança.

Estamos presos numa Caverna de Platão digital. Essa é a base do novo niilismo.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

BATISTA ITAJAY

 Gente Sergipana.
(por Antonio Samarone)

Manoel Batista Itajay (1859 – 1918), médico lagartense, formou-se na Bahia, em 1886. Chegou à Itabaiana em 1888, montou consultório e farmácia, na Praça da Feira.

Assumiu a delegacia de polícia em 1889, implantando uma rigorosa política de costumes. Proibiu que os tabaréus andassem de ceroulas na cidade. Foi um Deus nos acuda: os homens, mal-acostumados com os celourões folgados, tiveram que vestir calças.

Os meninos, até um dia desses, vestiam um “chambre”, um vestidinho de algodão, fechado, branco, unissex. Eu vesti calça comprida aos sete anos.

Batista Itajay casou-se com Carlota Alves Teixeira, uma fidalga da terra, facilitando a sua entrada na política, tornando-se o chefe local dos Cabaús, liderado por Olímpio Campos.

Batista Itajay foi delegado de Higiene em 1899 e depois eleito Intendente de Itabaiana (1900 – 1901), vice-governador (1908 – 1911). Foi deputado estadual por várias legislatura.

No cargo de vice-governador, Batista Itajay se meteu em uma grande confusão.

A chapa Rodrigues Dória/ Batista Itajay tomou posse no governo em 24 de outubro de 1908. Rodrigues Dória era propriaense, um borboletão de hábitos sofisticados, intelectual, professor da faculdade de medicina na Bahia, não se adaptou à vida provinciana.

Para completar, o senador eleito por Sergipe, Desembargador Guilherme de Campos, estava enfrentando dificuldades para o reconhecimento da sua eleição. Isso assanhou Rodrigues Doria, louco pelo Senado, para ir morar no Rio de Janeiro.

Em 10 de julho de 1909, para facilitar a sua ambição pela cadeira de Guilherme de Campos, o Dr. Dória arrumou uma doença e partiu para a Bahia. Rodrigues Dória deixou uma carta renuncia assinada com o Secretário Geral do Governo, Nobre de Lacerda. Caso resolvesse renunciar, mandaria a autorização para publicá-la.

Na prática, ele estava contando tempo de desincompatibilização. Caso a vaga no Senado continuasse vaga, ele estaria apto para disputá-la. Foi uma “renúncia” interesseira. Não foi por ingenuidade.

Rodrigues Dória estava enfastiado com a vida sergipana, queria o Senado. Rodrigues Dória era um solteirão erudito, viciado em teatro, música clássica e viagens a Paris. Aracaju no começo do século XX, tinha poucos atrativos culturais.

O diabo atentou, e Batista Itajay publicou a carta de renúncia, sem autorização do renunciante, e assumiu o governo em definitivo. Foi um corre-corre. Foram buscar Rodrigues Dória no laço, para ele reassumir à força. Ainda tacharam Itajay de traidor. O desgaste de Itajay foi enorme.

Rodrigues Dória era um homem mufino, medroso, não enfrentava o estado maior dos cabaús, gente bruta e decidida. Se diz em Itabaiana, em defesa do seu líder, que Dória autorizou a Nobre de Lacerda, seu amigo, que publicasse a renúncia. Quando a bomba explodiu, ele negou a autorização e reassumiu o governo, com a ajuda de forças federais.

Em 13 de novembro de 1909, as forças federais reempossaram Rodrigues Dória no Governo e começou o declínio de Itajay.

Rodrigues Dória, mesmo sem suportar a vida em Sergipe, concluiu o mandato com impaciência. Renomeou o mesmo Nobre de Lacerda, para cargo de Secretário Geral. Dória desconhecia Sergipe e a administração pública. Ele só conhecia três cidades: Propriá, Laranjeiras e Aracaju.

No final, o Professor Rodrigues Dória passou faixa de governador para o General Siqueira de Menezes, que nem era peba, nem cabaú.

"O Dr. Itajay era um homem pessoalmente bom, talvez um tanto ingênuo, que depois de conquistar o título na Faculdade de Medicina não procurou progredir, vivendo em Almas de Itabaiana. Não tinha cultura e desembaraço para mover-se sozinho, e quando lhe faltou o assessor, o espírito santo de orelha, encolheu-se sobre si mesmo, ficando politicamente inutilizado. Após grandes abalos porque passou, apresentou sinais de doença gástrica irreversível, e veio a falecer com grandes padecimentos, em 31 de janeiro de 1918." - Edilberto Campos,

Apagou-se o facho de Itajay. Desgastado, idoso para a época, sem a proteção dos Cabaús, avançou para o declínio e a morte. Faleceu em 1918, em Aracaju, aos 59 novos.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

QUEM INVENTOU O CUSCUZ

 Quem inventou o cuscuz?
(por Antonio Samarone)

Essa história de que o cuscuz é uma invenção árabe é um mal-entendido. O que eles chamam de “coscus”, o cuscuz marroquino, é feito de sêmola, que não tem por aqui. Parece o nosso arrumadinho. Talvez os árabes tenham posto o nome, batizaram.

Essa origem Árabe do cuscuz é uma versão acadêmica, eivada de subjetivismos, sem base empírica. Se eles não conheciam o milho, como inventaram o cuscuz? O milho é nativo das Américas.

Os Tupinambás aqui em Sergipe, cultivavam roças de milho. Os índios não inventaram o cuscuz por não terem conhecido a cerâmica, não tinham os cuscuzeiros.

Como se sabe, os cuscuzeiros são anteriores ao cuscuz, por razões óbvias. Quando eu fui fazer residência médica em Belo Horizonte, por segurança, levei um cuscuzeiro na mala.

O cuscuz mesmo, feitos de milho ralado ou com uma boa massa de milho, deixado ao molho por um tempo, uma pitada de sal, o amolengamento com as mãos até ficar granuloso, cozido no vapor, num cuscuzeiro de barro, esse, o verdadeiro, foi inventado em Sergipe.

Os mais engraçadinhos vão dizer, diga logo que foi em Itabaiana. E o melhor, foi lá mesmo. O colega Edilberto Campos (1883 – 1971), o sobrinho do Monsenhor Olímpio Campos, pensava que tinha sido na Estância. Acho que foi em Itabaiana, eu só não alcancei o inventor.

Que foi inventado em Sergipe, está em Câmara Cascudo.

Em Itabaiana, as espigas de milho seco dormiam na água, para umedecerem. Logo cedo, acordava-se com a som do milho ralando, num ralo pregado numa tábua grande. O cheiro do milho ralando é parte do sabor. O cheiro do milho varia por etapas: o milho ainda cru, tem um cheiro; depois de ralado, outro; o milho começando a cozinhar, ainda cru, cheira de outro jeito, e quando o cuscuz chega ao ponto, o milho assume o seu cheiro definitivo.

Não adianta, o cuscuz bem-feito não perde o cheiro, mesmo quando se coloca as sobras na geladeira, para a merenda na hora de dormir ou a mistura no feijão no outro dia. O bom cuscuz morre cheirando.

Existem cuscuzes de vários tipos: com recheios de carne moída, queijo, jabá, o diabo, tem até cuscuz doce. O cuscuz paulista é um empadão, leva até tomate.

Não falo deles, nem do desocupado quem os inventou. Falo do teimoso, do cuscuz de milho sergipano, que se espalhou pelo Nordeste, e que desbancou até o milenar pão.

Em Alagoas, a especialidade é cuscuz de arroz, que tem o seu valor.
Mamãe tinha um preconceito com pão: quando ela avistava um menino mirrado, amarelo, raquítico, ensangado, ela não tinha dúvidas: “olhe esse menino, foi criado com pão!”

Dona Zefinha do Zanguê, que trabalhou na República Cebolinha, onde morei, só preparava o cuscuz pela madrugada, para ninguém apreender os segredos. A base era o cuscuz moçambicano.

O Cuscuz de Dona Zefinha se comia até puro, ou molhado com leite de coco.

Eu não troco um cuscuz de milho ralado, ensopado de manteiga do Sertão, com dois ovos caipira (ainda moles) por cima, por nenhuma jantar afrancesado do afamado restaurante “Lá Távola”, do meu amigo Haroldo.

Antonio Samarone (médico sanitarista).

DIA DOS IDOSOS

 01 de outubro – dia dos Idosos.
(por Antonio Samarone)

Eu nem sabia da existência desse dia. Fazer o que, comemorar ou reclamar?

Somos 14,7% dos brasileiros, ou seja, 31,2 milhões de pessoas. Em 2050, seremos 22%, é muita gente. No início do século XX a vida média no Brasil era de 24 anos, já estamos chegando aos 78 anos.

O que fazer com essa sobrevida?

Segundo o Ministério da Saúde, 25,1% dos idosos tem diabetes, 18,7% são obesos, 57,1% têm hipertensão e 66,8% têm excesso de peso. Também somos responsáveis por mais de 70% das mortes do país.

Somos bons morredores, mas sobrevivemos a pandemia.

Vão à merda com essas estatísticas eugênicas. Queremos viver a nosso modo.

Quero dizer que gosto muito da velhice, por enquanto. Já entendo o conselho que Nelson Rodrigues deu aos jovens: envelheçam!

O número de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos vai mais que dobrar no mundo em 2050, passando de 900 milhões em 2015, para cerca de 2 bilhões.

Gente, vamos parar de bajular os jovens. Somos o futuro! Quem não morrer antes, termina envelhecendo. A saída para o Brasil é entregar o poder aos velhos, a um Conselho de Anciões.

A juventude é o passado. A velhice é o futuro de quem não morrer antes, para todos e para cada um individualmente.

A velhice é a única alternativa razoável à morte.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A PENSÃO DA VIÚVA

 A Pensão da Viúva.
(por Antonio Samarone)

Tobias Barreto, o maior dos sergipanos pelo talento e pela erudição, faleceu pobre, em 1889. Deixou a viúva, Grata Malfada Barreto, com 9 filhos, em dificuldade financeira.

Em 1892, um projeto de lei concedendo pensão anual de 3.600 reis a viúva de Tobias Barreto, tramitou no Senado. Para espanto e surpresa, o Senador por Sergipe, Coronel Manuel da Silva Rosa Júnior, mais conhecido como Rosa Júnior (1840 —1915), liderou a oposição ao projeto, alegando que o Brasil não poderia ser onerado.

A indignação tomou conta dos sergipanos. Tobias Barreto é uma das glórias raras de Sergipe. Mesmo quem nada sabe sobre o poeta e jurista, se orgulha da sua grandeza.

Sílvio Romero apresentou um requerimento ao Marechal Deodoro, em defesa da pensão da viúva, acompanhado de um abaixo assinado por todos os professores da Faculdade de Direito de Recife.

Trechos do requerimento de Sílvio Romero:

“Venho dirigir-me a Vossa Excelência no intuito de requerer-vos uma pensão que deva prover a subsistência de Dona Grata Malfada Barreto, viúva do finado Tobias Barreto, hoje reduzida ao completo desamparo, em companhia de nove filhos menores... A viúva do venerando professor e homem de letras ficou na mais angustiosa pobreza.”

A comunidade sergipana residente no Rio de Janeiro, liderada por Martinho Garcez, realizou uma grande mobilização em defesa da pensão da viúva.

Em manifesto público, a comunidade sergipana no Rio de Janeiro reagiu:

“O senador sergipano Rosa Junior teve a coragem de combater a mesquinha esmola de pensão anual de 3.600 reis, que o Senado queria conferir a viúva e filhos do eminente sábio sergipano. O que ficou sendo o Senador Rosa Junior depois desse combate? Menos que um defunto, uma irrisão. Os sinos dobram para ele.”

A Assembleia Legislativa de Sergipe, historicamente sem grandeza, aprovou por unanimidade um requerimento ao Senado, apoiando a pensão da viúva.

Transcrevo trechos de uma artigo de Martinho Garcez, nos Jornais do Rio de Janeiro.

“Rosa Junior ganha os seus bons cobrinhos de Senador e do posto de Coronel, passeia, fuma os seus charutos de havana de 600 reis cada um, goza teatros e das boas petisqueiras, sem se incomodar com o dia do amanhã. Rosa Junior entende que a viúva e os filhos de um grande brasileiro não precisam alimentar-se, nem de vestir-se, nem de habitar um teto decente.”

Rosa Junior passou para a história de Sergipe, como um indigno representante no Senado, que agiu como o carrasco da viúva de Tobias Barreto.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

A DEGOLA

 A Degola.
(por Antonio Samarone)

Na República Velha (1889 – 1930), a eleição de um candidato carecia da aprovação da Comissão de Verificação de Poderes do Congresso. A Comissão da degola.

Era uma Comissão formada por cinco parlamentares, que dava a palavra final sobre a vitória de algum candidato. Mesmo eleito, o candidato precisava do reconhecimento.

Em 1905, na disputa pelo Senado em Sergipe, o eleito foi Josino Menezes, a Comissão de Verificação, por influência de Pinheiro Machado, preferiu reconhecer Coelho e Campos. A justificativa consta em ata: “assim, Sergipe estará melhor representado”. Uma fraude para melhor.

Não foi o primeiro caso.

Em 1896, o eleito em Sergipe para a Câmara Federal foi o médico Antonio Pedro da Silva Marques. Na leitura do parecer na Comissão de Verificação, um dos integrantes fez uma emenda: “Onde se lê Antonio Pedro, leia-se Manuel Presciliano de Oliveira Valadão.”

Isso foi contado por Acrísio Cruz, em “Pó dos Arquivos”.

O Código Eleitoral de 1932 criou a Justiça Eleitoral e a mesma “Degola”, ganhou ares de legalidade jurídica.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

EM DEFESA DOS PASSARINHOS

 Em defesa dos passarinhos!
(por Antonio Samarone)

Após o longo confinamento, voltei a caminhar matinalmente no Parque da Sementeira.

Pouca gente, caminhantes tristes, cabisbaixos.

O que houve, para onde foram os passarinhos. Os canários da terra, as rolinhas fogo-pagou, os joão-de-barro, com a suas casas. Nada! Um ou outro Bem-te-vi. O que fizeram com os passarinhos?

Soube que secaram as fontes de água doce. Passarinho não bebe água salgada.

E os patos e os gansos da lagoa, o que fizeram? Soube que foi contenção de despesa, os patos comem muito. Me ofereço para levar a comida.

Não encontrei a velhinha que levava comida para os gatos, que os patos também comiam. Ainda é viva?

Continuam os longos descampados, não se plantou arvores. Uma ou outra, perdida. As arvores são as mesmas plantadas na primavera do sequescentenário do Aracaju.

Dei bom dia as velhas arvores, algumas responderam, me reconheceram. Outras não.

Perguntei a uma craibeira conhecida, pelas flores. Já estamos em plena primavera. Ela fechou a cara e não respondeu. Entendi como um protesto.

Sentei-me no eterno banco, puxei conversa com Marcelo Déda. Falei sobre política. Déda não desliga de Sergipe, sabe tudo. Eu não sabia, no Céu já tem 5G. Perguntei pelos passarinhos, ele riu, como se soubesse de alguma coisa, mais não queria dizer.

Prefeito Edvaldo, vamos caminhar na Sementeira, antes da reforma. Tenho algumas ideias. A sementeira é uma parque da vida.

A Sementeira estava limpinha, com cerca nova, mato aparado, iluminação de "led" nos postinhos, porteiros fardados, mas não é só isso, a Sementeira precisa de vida.

Quero os passarinhos de volta!

Antonio Samarone (médico sanitarista).

ANUAÊ

 Anauê!
(por Antonio Samarone)

Anauê significa em Tupi (você é meu), era a saudação dos integralistas no Brasil. Uma imitação da saudação romana dos fascistas.

Recebi de um colega médico pelo WhatsApp, um vídeo onde Roberto Jeferson cheio de ódio, prega o golpe. Eu sei, não se pode levar Roberto Jeferson a sério, logo agora, que o partido dele, o PTB, só elegeu um deputado federal. Isso mesmo, um! O Partido dele acabou pelo voto.

O grave é esse material asqueroso está sendo distribuído por gente normal, que se diz cristão e civilizado. Por um médico que se considera humanista.

O bolsonarismo não foi uma criação de Bolsonaro. A antiga maioria silenciosa, após as manifestações de 2013, assumiu a militância de extrema direita. Somos um país desigual, onde prevalece os privilégios. A herança escravocrata é forte.

O bolsonarismo elegeu uma bancada de 235 deputados do Centrão. Os esquemas do orçamento secreto funcionaram. Sem contar o perfil da maioria eleita para o Senado. Se facilitar, eles revogarão a Lei Áurea. A barbárie avançou!

A esquerda insiste no discurso de “união” das famílias brasileira. Não se faz história com ingenuidade.

Toda a esquerda (a federação do PT, PSOL, PDT e PSB) elegeu apenas 124 deputados federais. Lula ganhando, terá uma governabilidade precária e onerosa aos cofres públicos.

Para os otimistas: São Paulo elegeu Ricardo Sales, isso mesmo, o que pregou a passagem da boiada, com 640 mil votos; enquanto o doutor em filosofia, professor titular da USP, músico, escritor, Vladimir Safatle, recebeu apenas 17 mil votos.

Ontem, Bolsonaro recebeu o apoio dos governadores do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Lula recebeu o apoio de Ciro Gomes, se é que podemos chamar aquilo de apoio.

“A política exige a coragem tacanha e malvada das brigas de rua... A política é a arena dos vícios, não das virtudes. A única virtude que exige é a paciência.” - Mussolini.

Outra coisa, a força política de Lula é pessoal, ele não transfere. Veja o resultado das eleições para governador, senador e deputado federal nos estados.

Eu sei, é preciso ser pessimista no pensamento e otimista nas ações. Isso é frase feita! Antes Lula era acusado de comunista, já era demais, agora a acusação é de satanismo.

General Mourão, o vice que andava com o escudo do Flamengo na lapela, derrotou Olívio Dutra, um símbolo da esquerda. Não vou cansá-los com dezenas de outros exemplos.

No domingo, eu fui advertido por familiares para não ir votar de vermelho, que não era prudente, que era necessário se evitar a violência e não sei o que mais. Já chegamos a esse ponto. Eu preferi correr o risco.

Mesmo que Bolsonaro perca o segundo turno, o bolsonarismo continuará forte e arrogante. Já cansei de ouvir: “por que você não vai para a Venezuela.” Ou seja, o Brasil é deles. Eu cá comigo, eu volto para a República de Itabaiana.

O Bolsonarismo continuará forte, mesmo com a derrota do Mito. Mas existe um risco maior: Bolsonaro ganhar. Não subestimem! O já ganhou é uma porta aberta à derrota. O 2º turno é uma nova eleição, ou se vai para as ruas pedir votos, convencer os indecisos, ou se ressuscita a militância de esquerda, ou as milícias tomarão conta.

O fascismo não é um Partido, é um credo político onde o ódio é a medida de todas as coisas.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

OS GALHARDETES ESTÃO NAS RUAS

Os Galhardetes estão nas ruas.
(por Antonio Samarone)

O Fake News não é uma mentira. É o apagamento dos limites entre o verdadeiro e o falso, o real e o virtual, o bom e o mal, a razão e a paixão. É o fim da referência ao milenar binômio verdade/mentira, onde a mentira tinha pernas curtas.

É a chamada pós verdade, isto é, o fim da verdade! A verdade é uma ilusão, como afirmava Nietzsche. Essa conversa que a verdade nos libertará, acabou.

Não existem mais verdades factuais, que possam ser usadas para desmontar as mentiras. O relativismo é absoluto, cada um acredita em seu sistema de referências. Por mais absurda, as fake news terão um infinidade de crentes e repassadores, infensos a qualquer argumentação em contrário.

O fim das grandes narrativa deu início a pós-modernidade. O fascismo é a ação pela ação, não precisa de narrativas. O fascismo é guiado pelo irracionionalismo.

Não é difícil entender o ódio aos artistas, acusados de privilégios, de beneficiários da lei Rouanet. No dizer de Umberto Eco: “Pensar é uma forma de castração. Por isso, a cultura é suspeita na medida em que é identificada com atitudes críticas”.

As fake news são dirigidas às crenças atávicas, preconceitos, pulsões primitivas, fora do comando racional. Os fake news brotam de instintos obscuros e pulsões insondáveis, selecionadas por algoritmos, atingindo as profundezas da psique humana. Não são simplesmente mentiras.

O fascismo adapta-se a cada realidade, na Itália de Mussolini era nacionalista, no Brasil atual é um aliado do neoliberalismo extremo. A pauta de costumes é uma nuvem de fumaça, a motivação central é econômica.

“Com o fascismo se pode jogar de muitas maneiras, sem que se mude o nome do jogo.” – Umberto Eco.

No primeiro turno, eles fizeram maioria no Parlamento, pelo voto livre do povo brasileiro, como disse ontem o reeleito Arthur Lira, Presidente da Câmara Federal.

O segundo turno é uma nova eleição. Não precisa ser cientista político para compreender a marcha dos governadores.

O combate ao sistema de fake news com argumentos e demonstrações racionais é ineficaz. O “terraplanismo” viraliza facilmente, ao contrário da extinta verdade.

Com o fim da verdade, tudo é possível, tudo é respeitável, tudo é verossímil.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A EPIDEMIA DOS ESQUECIDOS

 A Epidemia de Esquecidos.
(por Antonio Samarone)

Perguntei a um filho, pelo professor Alípio, em foi sucinto: “o velho não regula mais, perdeu a memória, está com Alzheimer avançado.”

Alípio foi o cirurgião mais talentoso de sua época, um professor adorado por sua didática, educação e bom humor. Fora da sala de aula, o Dr. Alípio não dava um bom-dia, sempre de cara amarrada. Na sala, era um homem show, um espetáculo. A sala de aula era o seu palco.

Não fiquei satisfeito com a resposta do filho e insisti: sim, além do Alzheimer, como anda a vida do velho? Ele foi grosseiro: “o meu pai não existe mais. Nem morreu, nem está vivo. Acabou!

A memória sobre o brilhante professor, acabou com o fim da sua memória biográfica. Nem o Dr. Alípio se reconhece, nem a sociedade o reconhece. Literalmente, um vivo/morto.

O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa progressiva que provoca demência. Por razões óbvias, a perda da memória apressa a perda de autonomia. A sociedade é cruel com quem não produz.

A medicina reconhece outras patologias que levam a perda da função cognitiva e da memória. As demências Vascular; por Corpos de Lewy; pela Doença de Parkinson; a Fronto temporal; a de Huntington; a Alcoólica; de Creutzfeldt-Jakob e, mais recentemente, as sequelas da Covid-19.

Entretanto, o Alzheimer, por ser a mais frequente, virou a doença símbolo das demências.

Eu comecei com um esquecimento seletivo. Encontro com pessoas conhecidas, sei quem é, lembro-me dos detalhes do fulano, só não me lembro do nome. É um constrangimento. E quando se trata daqueles chatos que perguntam: “Tá lembrado de mim?” Aí o constrangimento aumenta.

A acho que a saída é as pessoas andarem com o seu “CR Code” à mostra, para que possamos identificá-los com o celular.

Voltando ao professor Alípio, hoje não se fala mais nele, foi esquecido ainda vivo.

Em minha infância, a caduquice não levava ao esquecimento, pelo contrário, era como se o velho voltasse a ser criança, para que o fardo da velhice se tornasse mais leve. E assim era visto.

O Seu Pepita de Dona Bobina, foi o caduco padrão de minha infância. A cidade o respeitava, com uma observação sagrada: “o seu Pepita está caducando, ninguém mexe com ele.”

Eu achava a caduquice a antessala do paraíso, uma preparação para a eternidade. Uma forma serena de desapego com vida.

O caduceu era uma insígnia de autoridade, o bastão dos deuses, o cajado dos pastores, a varinha das fadas e o condão de Asclépio.

A velhice chegava com o “arrastar os pés e o tremer das mãos”. Os velhos eram poucos, mas divinamente rabugentos, cheios de razões e de verdades. Os velhos metiam medo: “o velho pega!”, me advertia mamãe. Era um preconceito respeitoso. Só a caduquice as abrandava.

Hoje não se presta a atenção aos velhos. Eu passei a vida esperando a hora da rabugice, tenho contas a acertar! Mas estamos na Era do esquecimento. Os velhos não contam mais, foram transformados em idosos, uma forma domesticada de velhice.

Hoje todos tem razão e a verdade foi extinta.

Rabugice Já!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

O CÉREBRO FAZ O HOMEM

 O Cérebro faz o homem?
(por Antonio Samarone)

Acreditar que somos o nosso cérebro é uma conveniência existencial. Nos isenta de boa parte das responsabilidades. Qualquer desvio, é atribuído a um transtorno mental, uma doença.

É o fim da culpa, como sentimento ético/religioso.

Por outro lado, aumenta a discriminação. Se qualquer desvio é uma doença o perigo é maior, torna-se uma fatalidade biológica. Aumenta a discriminação.

Acredita-se que a unicidade cérebro/mente já foi comprovada pelas neurociências, mesmo os pontos obscuros, não explicados, é só esperar, é uma questão de tempo. Somos uma máquina físico/química.

Não tem nada comprovado. É uma crença que se legitima com a credibilidade do discurso científico. A ciência é a última referência.

Duvidar dessa evidência, comprovada pela ressonância funcional, é sair do âmbito da ciência. Ocorre, que as neurociências nunca comprovaram nada disso.

A mente é uma função do cérebro. A memória e a consciência são funções do cérebro. A nossa identidade é uma ilusão pretensiosa.

O dualismo corpo e alma é uma ranço obscurantista. O corpo é quem produz a alma.

Qualquer pensamento, ideia, filosofia tem uma base neural, biológica. A poesia brota em determinados cérebros, pré-formados com essa especificidade. Essa crença por enquanto é uma crença.

Se somos o cérebro, perdemos as referências, não existem mais caminhos. Ou cada um faz o seu. O pensamento é um função biológica. Abandonamos a transcendência por soberba e estamos perdidos.

O humanismo foi um equívoco (o homem como referência). O homem é conduzido pela vaidade, não merece confiança. Não é o que pensa que é.

O homem, sendo mais preciso, o seu cérebro, passou a ser a medida de todas as coisas.

Vivo uma confusão: comecei a perceber o funcionamento autônomo do cérebro, ele querendo impor os seus ditames, e eu reagindo. Um colega neurologista disse-me que não se trata de dualismo, a evolução criou estruturas novas e as antigas permaneceram.

O cérebro não é único, são vários.

A confusão aumentou. Eu escolho a qual cérebro obedecer, ou eles decidem entre eles, em reunião? Freud inventou o inconsciente que nos controla. As neurociências foi mais longe, descobriu que é a mente que nos controla e não apenas o inconsciente.

O livre arbítrio é uma ilusão.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A POLÍTICA É A GUERRA POR OUTROS MEIOS

 A Política é a Guerra por outros meios?
(Por Antonio Samarone)

“A política tem parte com o satanás”, disse certa feita um velho senador de Simão Dias, inconformado com os resultados das urnas.
O poder é uma geleia divina para os ambiciosos.

Quem se acostuma com os mimos dos palácios, não solta fácil a botija. Essa turma já está com a boca torta, viciada no poder há muito tempo.

Certo dia perguntei a um antigo vereador do Aracaju, por que Vossa Excelência só vota a favor do Prefeito? Ele me saiu com essa pérola: “O poder é como um jegue carregado de rapadura, até o rabo é doce.”

Essa gente não tem limites.

Inconformados com o apoio de Valmir de Francisquinho a Rogério Carvalho (PT), a chapa do governo baixou o nível, perdeu as estribeiras, disparou milhares de Fake News agressivos, infestando as redes sociais.

O desespero geralmente é ineficaz!

No primeiro turno, Lula ganhou em todos os municípios de Sergipe, com 63% dos votos no estado. Teve 500 mil votos a mais que o candidato do PT a governador, Rogério Carvalho.

Valmir de Francisquinho e o PSOL dividiram esses 500 mil votos de Lula, que não foram para Rogério (PT). O apoio de Valmir e do PSOL a Rogério (PT) no segundo turno, obedeceram a vontade da maior parte dos seus respectivos eleitorados.

Esse oceano de votos petistas que não votou em Rogério (PT) no primeiro turno, em sua maioria, votou em Valmir e Niully (PSOL). Esses 500 mil votos avermelhados vão para onde agora, no segundo turno?

Eu respondo:

Esses votos petistas vão se somar aos votos do também petista Rogério Carvalho (PT), no primeiro turno, mais os votos da liderança pessoal de Valmir, mais os votos de Niully, do PSOL. A conta aqui é de somar.

A expectativa nos próximos 15 dias é a adesão de 17 prefeitos. Eles estão certos.

O país está dividido, como mostram as pesquisas. Lula tem maioria entre os pobres e remediados e Bolsonaro a maioria entre os ricos e a alta classe média.

Em Sergipe, essa conta já foi apurada.

No primeiro turno, Lula teve em Sergipe 828.716 votos e Bolsonaro 378.710 votos. Esse desespero da chapa governista decorre desses números, do resultado no primeiro turno.

Esse quadro político em Sergipe não muda com Fake News, uso da máquina, compra de votos, fofoca, mala preta, dinheiro, feitiço, “bico de pena” ou ameaças. A sentença popular de que “dinheiro e pancada só não resolvem se for pouco”, não se aplica ao segundo turno em Sergipe.

Se a chapa do governo tivesse propostas, um milagroso programa de governo, fosse a continuidade de um governo operoso, não teria tido apenas 288 mil votos no primeiro turno, ou seja, apenas 17% do total dos 1.671.801 eleitores, aptos em Sergipe.

Se levarmos em contas os cargos comissionados das máquinas do governo, das estatais, do poder legislativo, das 50 prefeituras, os trabalhadores terceirizados, os prestadores de serviço e mais uma porção de penduricalhos públicos, os apaniguados, os mamadores etc. etc. Esse gente toda já supera os 17% de votos.

Houve traições!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

JUNK FOOD

 Junk Food
(por Antonio Samarone)

A obesidade é uma realidade vistosa. Os gordos são maioria. A poderosa indústria alimentícia impôs um padrão alimentar lesivo a saúde.

A Saúde Pública conhece o problema, mas não tem força para reverter a narrativa dominante. Os nutrólogos classificam os alimentos pela composição química e o teor calórico.

As pesquisas não tuteladas pela indústria provaram que o principal vilão são os alimentos ultraprocessados. “O problema não é a comida nem os nutrientes, mas o processamento. Não são comidas, são formulações.” – Monteiro.

Não se trata de achismos. O Instituto Nacional de Diabetes e Doenças Renais, ligados ao NIH – USA, realizou ensaios clínicos, publicados na “Cell Metabolism”, dentro das exigências da chamada medicina por evidências, e os resultados são incontestáveis: os alimentos ultraprocessados são os vilões.

Não é o ovo nem o toucinho, são as porcarias, foram as descobertas dos estudos randomizados e controlados (ECR), o padrão ouro das ciências.

Existem mais de duzentos estudos científicos indexados mostrando a relação dos ultraprocessados com a obesidade, a síndrome metabólica, diabetes, neoplasias etc. Mais essas descobertas são escondidas ou minimizadas.

A revista Piauí de outubro quebrou o silencio: publicou uma entrevista com o epidemiologista da USP, Carlos Augusto Monteiro, pesquisador acreditado no mundo.

O que diabo são alimentos ultraprocessados? São os alimentos com alto teor calórico e raros nutrientes, produzidos industrialmente. Os biscoitos recheados, o macarrão instantâneo, os cheetos, comidas congeladas, salsichas, salgadinhos em pacote, refrigerantes etc., que o povo chama de porcaria ou Junk Food.

Mamãe era radical: aqui não se come porcaria. Lá em casa, até o pão era proibido. Essa conversa que o pobre come errado por ignorância é mentira. Come errado pela imposição de um padrão alimentar orientado pelo lucro da indústria de alimentos.

Não estou dizendo que só é saudável os alimentos “in natura”, não, existem os processamentos que enriquecem os alimentos. O leito pasteurizado, os queijos artesanais, as conservas de frutas, as geleias artesanais, sem conservantes, o azeita extraídos da azeitona etc.

Monteiro é um novo Josué de Castro, tratando da má nutrição induzida pelo capital. A miséria é outra e mais grave.

Se pensava que a obesidade era um traço de pessoas gulosas, sem força de vontade, descuidadas; depois a epidemia foi atribuída a uma cálculo matemática, ingestão/consumo, caloria por caloria. Tal alimento possui tantas calorias, tal exercício gasta tantas. O saldo é a obesidade.

A visão dominante entre os profissionais do mercado, considera a obesidade um problema individual, pessoal, de responsabilidade de cada um. São os aconselhadores das dietas: nunca coma o que você gosta.

Os médicos passaram a acreditar que a obesidade se devia a um aumento da produção de insulina estimulada pelo consumo aumentado de carboidratos. Surgiram as dietas tipo “Atkins”, onde só se comia carnes. Eu já entrei nessa roubada.

Tudo isso para não contrariar a poderosa indústria de alimentos.

A ciência já provou a “associação entre altos níveis de consumo de ultraprocessados e as doenças do coração, a obesidade e síndrome metabólica”. No Brasil, 20% dos alimentos são ultraprocessados, nos Estados Unidos chegaram a 70%.

A obesidade americana é mais um sintoma da decadência do Império.

É a determinação comercial das doenças. O abandono do aleitamento pela uso dos leites em pó ultraprocessados.

Segundo as pesquisas, a obesidade coletiva deve-se a mudança do padrão alimentar, que substituiu os alimentos “in natura” ou minimamente processados pelos ultraprocessados.

Mesmo que os ultraprocessados retirem o açúcar, o sódio, as gorduras, virem diet ou light, continuam sendo ultraprocessados.

O caminho é voltarmos ao velho feijão com arroz, uma saudável preferência nacional.

Sem grandes novidades!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A LUTA PELO PODER EM SERGIPE

 A luta pelo Poder em Sergipe!
(Por Antonio Samarone)

A política é uma atividade de interessados que lutam com as armas da estratégia. É um jogo de xadrez, onde os combatentes precisam enxergar longe, antecipar mentalmente as jogadas. Fora disso é a violência, um jogo de dama, um mata/mata imediato.

Valmir de Francisquinho recebeu a aprovação popular na campanha. Os seus adversários jogaram bruto e inviabilizaram a sua caminhada no tapetão.

O apoio à Valmir foi pessoal, não expressou uma ideologia. O povo queria um gestor experiente, com serviços prestados. Era um eleitorado heterogêneo, onde cabia todo mundo.

A extrema direita, de forma minoritária, fazia parte desse eleitorado de Valmir, e se achou no direito de sequestrar a sua liderança.

Queriam que Valmir fosse guiado pela ideologia que eles professam. Entretanto, a maioria do eleitorado de Valmir votou em Lula, no primeiro turno.

Essa direita queria Valmir encabrestado, acompanhado as suas opções políticas. Como eles não tem candidato a governador em Sergipe, exigiam que Valmir se anulasse, lave-se as mãos, não participasse do segundo turno.

Tem cabimento?

A chapa do governo investiu abertamente na cassação de Valmir e é composta por seus adversários políticos em Itabaiana. A maior parte do eleitorado de Valmir votou em Lula no primeiro turno.

Valmir tem responsabilidade com o seu eleitorado no Agreste e em especial em Itabaiana, que precisam de obras e serviços públicos, negados pelo interminável governo Belivaldo.

Para onde iria Valmir? Lavar as mãos, com queria a extrema direita? Valmir agiu dentro da ética da responsabilidade, prevista em Max Weber.

Ele fez o politicamente necessário. Elaborou uma carta de compromissos, exigindo do candidato do PT, Rogério Carvalho, a incorporação de parte do seu programa de governo. Isso é a grande política.

Como reagiu a extrema direita querendo dirigir os passos de Valmir?

Abandonaram o combate político e partiram para a violência. O jogo bruto. Acusações pessoais, fake News, calunias, agressões, ou seja, partiram para o vale tudo.

Na luta pelo poder, dinheiro e glória, é na ambição pelo poder que o homem desperta os piores instintos.

A política é a única forma civilizada de se buscar o poder. O resto é guerra híbrida.

Acho que Valmir não deve baixar o nível. O eleitorado tem discernimento político.

Muitas lideranças desse campo, que cobram a neutralidade de Valmir, não são neutras, tomaram partido nesse segundo turno sem nenhuma transparência, sem as devidas justificativas públicas.

Eu não vejo a militância de extrema direita como um mal, desde que se faça no campo democrático. A sociedade é plural e heterogênea, portando, natural a pluralidade política.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

AGORA A INÊS É MORTA

 Agora a Inês é morta...
(Por Antonio Samarone)

Um ditado muito usado quando uma coisa não tem mais jeito, a oportunidade passou, agora é tarde. “Agora a Inês é morta.” Mas quem foi esta Inês?

O trágico romance entre o Infante Pedro I, de Portugal, e fidalga da Galícia Inês de Castro, foi cantado por Camões e Bocage, virou peça de teatro, filme, pinturas.

Inês de Castro foi uma Rainha póstuma de Portugal, amada pelo futuro Rei Pedro I. Como acontece nos romances, o Rei D. Afonso IV, o pai de Pedro, não queria o casamento.

Em meados de 1339, grassava na Europa a Peste Negra. Portugal andava em pé de guerra com Castela. Selaram a paz, e uma das condições foi o casamento de Pedro I com a nobre castelhana D. Constança Manuel. O romance com Inês foi adiado.

Pedro I ficou viúvo e mandou buscar Inês de Castro, o seu amor. O Rei D. Afonso IV continuou contrário ao casamento. A insistência do filho com esse casamento aprofundou as divergências com Pai, que numa ação extremada, em 07 de janeiro de 1335, mandou degolar a nora.

Diz a lenda que D. Pedro I, inconformado, mandou vestir a noiva com roupas nupciais, sentou o cadáver no trono e fez os nobres lhe beijarem a mão, daí falar-se que “a infeliz foi rainha depois de morta”.

Da relação Pedro I com Inês de Castro nasceram 4 filhos.
Pedro I abriu um conflito armado com o pai, por conta do assassinato da amada.

Ao assumir o trono em 1361, com a morte do pai, Pedro I se tornou Rei e mandou construir um túmulo para a amada, no Mosteiro de Alcobaça. No momento do translado do corpo, coroou Inês de Castro post-mortem, quase uma santificação.

A literatura e o imaginário popular se encarregaram dos detalhes. A glória de Inês só chegou depois da morte.

Inês de Castro é o episódio lírico-amoroso dos Lusíadas, que simboliza o amor em Portugal. Poetizou Camões:

“Ó caso triste, e digno de memória, / Que do sepulcro os homens desenterram, / Aconteceu da mísera, e mesquinha, / Que depois de ser morta foi Rainha.”

Manoel Maria Barbosa du Bucage, lavrou o seu verso:

“Toldam-se os ares, /Murcham-se as flores: /Morrei, Amores, /Que Inês morreu.”

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A PEREGRINAÇÃO DE DIVINA PASTORA


 A peregrinação de Divina Pastora.
(por Antonio Samarone)

A terra de Fausto Cardoso realiza no terceiro domingo de outubro a sua peregrinação. Uma multidão de curiosos, hereges e alguns devotos, partem a pé de Riachuelo, subindo uma colina de 11 km. A tradição foi criada em 1958, pelo Arcebispo Luciano Duarte, para catequizar os estudantes universitários.

Divina Pastora, antiga Freguesia de Ladeira, nasceu dos currais de gado dos tempos dos holandeses. Divina Pastora foi desmembrada das freguesias de Jesus, Maria, José do Pé do Banco (Siriri) e de Cambuatá (Santa Rosa de Lima).

Ontem, eu resolvi ir conhecer a peregrinação de Divina Pastora.

A pequena cidade se transforma numa feirinha do Paraguai, num mercado de bugigangas, ambulantes vendendo de panelas a travesseiros, tamboretes, lembranças religiosas, comidas típicas, um elevado para se pagar as promessas e acender as velas, um palco para as missas, e uma igreja barroca de 270 anos, mal conservada.

Essas peregrinações são populares em Sergipe, gente humilde, o povo adora. Não vi os católicos de classe média, muito menos os ricos. Constatei o “porquê” Cristo considera os pobres bem-aventurados. Tenho certeza de que o Paraíso será deles.

Os peregrinos cantavam alegremente: “quando Jesus chegar, quando Jesus chegar...”

Multidões imensas amoitadas debaixo das mangueiras centenárias, fazendo os seus “pic nic!” sertanejos. As famílias levam a farofa e a jabá, o macarrão e a carne frita, o feijão e o toucinho. As marmitas improvidas são vasilhames usados de margarina. A água e a cerveja vão de isopor.

Muita farra e pouca reza!

Os devotos da Divina Pastora ficam zanzando, rua acima, rua abaixo, numa tropelia desenfreada. Comprando as novidades a preço de banana. Uma blusa não passa de cinco contos de reis. Um tamborete é dez.

A devoção a Divina Pastora nasceu em Servilha, na Espanha. Chegou a Sergipe durante a União Ibérica. A veneração a Nossa Senhora Divina Pastora também ocorre em Cantillana, Málaga e Cádiz.

Na América Latina a santa é adorada e tem muitos devotos na Venezuela. Aqui perto, em Alagoas, a Divina Pastora é padroeira da cidade de Junqueiro.

O que posso dizer é que a igreja católica só volta a crescer e disputar o mercado da salvação com a “teologia da prosperidade” (dos pastores), fazendo uma opção preferencial pelos pobres. O Papa Francisco está certo.

Urge o retorno da teologia da libertação e a evangelização dos peregrinos.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

O DIA DOS MÉDICOS

 O Dia dos Médicos.
(por Antonio Samarone)

Por que 18 de outubro é o dia dos médicos?

Por ser o dia consagrado pela igreja a São Lucas, o médico que escreveu um dos evangelhos e o ato dos apóstolos.

Lucas era natural da Antióquia (atual Síria). Na epístola aos colossenses, São Paulo se refere a “Lucas, como o amado médico” (4,14). Lucas foi um grande amigo de São Paulo.

A vida de são Lucas é tema de um romance histórico, “Médico de Homens e de Almas”, de Taylor Caldwell. Uma agradável xaropada, encontrada em qualquer livraria de aeroporto.

O médico Eurico Branco Ribeiro, em sua uma alentada biografia de São Lucas: “Médico, Pintor e Santo”, informa que em 1463, a Universidade de Pádua iniciava o ano letivo em 18 de outubro, em homenagem a São Lucas.

A medicina brasileira sempre foi religiosa, nasceu nos Mosteiros de Coimbra. Os primeiros médicos no Brasil foram os Jesuítas, depois os Cristão Novos. A medicina só ganhou corpo com a chegada da Família Real e a criação das Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro.

A nossa origem na Grécia antiga, com Hipócrates, é lenda.

No início do século XX, a medicina brasileira virou francesa, com Osvaldo Cruz, discípulo de Pasteur. A ciência se aproximou da medicina através da Saúde Pública e do Instituto Manguinhos. A assepsia salvou vidas.

Em Sergipe, a medicina científica chegou em 1926, com o Instituto Parreiras Horta e o Hospital de Cirurgia. Aqui, a medicina se moderniza pelas mãos de Augusto Leite.

Após a Segunda Guerra, a influência passou a ser americana. Formou-se uma medicina liberal, centrada na relação médico/paciente. Boa parte da assistência era filantrópica, herança das Santas Casas. A medicina era um sacerdócio.

A atenção médica era humanista, isto é, centrada nos doentes, nas pessoas.

Com a chegada do neoliberalismo, a atenção médica virou uma atividade econômica, dominada pelo mercado. A medicina passou de sacerdócio a negócio. A atenção médica abandonou o doente e centrou-se na doença, operou-se a desumanização.

O paciente vira cliente, consumidor. O cuidado médico vira procedimento e a ciência foi domesticada para facilitar a lógica da mercadoria. O SUS submete-se ao modelo privado. O mercado transformou o médico em autônomo, super explorado.

Nesse momento, a medicina adapta-se as novas tecnologias. As tele consultas, os aplicativos, a inteligência artificial e a robotização. A medicina entra na Era 5G.

Para onde vamos, não se sabe. Os médicos não devem abandonar o “cuidar” das pessoas, do ser humano, transformando-se de vez em médicos do corpo.

É esse o desafio: vamos controlar o sermos controlados pela tecnologia? O cuidado é o nosso elo com os pacientes. Fora disso, é a lógica do mercado, do lucro.

Com todos os percalços, na hora que faltou ar durante a Peste da Covid, que estava nas UTIs, com os tubos nas mãos eram os médicos. As igrejas fecharam. Faltou até o apoio espiritual.

A medicina estava presente.

Viva o Dia do Médico!

Antonio Samarone (médico sanitarista)