Mestre Tião, um grande sergipano.
(por Antonio Samarone)
(por Antonio Samarone)
Foi sepultado ontem, no Cemitério do antigo leprosário, Sebastião José dos Santos (Mestre Tião), 81 anos. Líder comunitário e torcedor do Botafogo. Deixou a viúva, Dona Detinha, e filhos bem criados.
Tião tinha um sonho, queria uma grande festa em seu velório. Nada de choro. Muita música, bebida e comida para todo mundo.
Queria a turma do Botafogo das Tabocas presente. Primeiro e segundo quadros, e até a pequena e fiel torcida. Clube que ele fundou, foi jogador, treinador e patrono.
Tião não quis mortalha, foi enterrado com o uniforme do time: camisa desbotada do Botafogo, calção, suporte, atadura, meião e chuteira.
O caixão de sucupira foi lacrado com cera defumada de abelha selvagem e sebo de bode capado, para a que doença não passasse. O ataúde, no centro da sala, estava coberto com o pavilhão alvinegro.
A presença dos atletas do Foguinho das Tabocas no velório, era justificada. O único divertimento de Tião era o futebol na baixada, mas manhãs de domingo. Depois do jogo, a batucada, com cerveja gelada, e quando podia, um churrasco na brasa.
Era a festa de Tião.
Era a festa de Tião.
Ele gastava o dinheiro da feira na farra.
Ali ele se gabava, comentava os lances. Ele se achava um craque, que não teve chances no futebol. Se comparava com Didi, o Folha Seca, meio campista do Botafogo do Rio de janeiro e da Seleção, na década de 1960.
O velório pareceu uma extravagancia, uma coisa de doido, mas não foi. Seu Tião, foi um sergipano exemplar, que lutava pelos seus sonhos.
Tião lutava mais pelos sonhos do que pelos direitos.
Tião nasceu no Garangau, em Campo do Brito. Veio para Aracaju aos treze anos, para não morrer de fome. Fez uma brilhante carreira profissional. Começou como servente, aos dezessete anos já era pedreiro, dos bons. Virou mestre de obra antes dos trinta.
O respeitado Mestre Tião.
Recebi um telefonema de Tião a semana passada. Doutor, não estou me sentindo bem. Corpo mole, febre, fastio, deixei de sentir até cheiro das coisas. Será se a Peste me pegou? Eu dei os conselhos de praxe e sugeri que ele procurasse a Unidade de Saúde. E não tive mais notícias.
Depois da morte, Dona Detinha me contou: não houve jeito, Tião não quis ir procurar a medicina. Ele tinha medo de morrer numa UTI, dessas arranjadas de última hora, longe da família, e depois lhe enterrarem às pressas, sem o velório que ele sonhava. Tião recusou a vala comum!
A Peste começou a agravar, ele foi ficando sem fôlego, mas não houve quem o convencesse. Tião decidiu morrer em casa. Se isolou num quarto, para a doença não pegar nos outros. E falava de longe. Não parava de conversar, de contar estórias.
Detinha insistia: homem, você vai morrer! Ele não renunciou às convicções. Não reclamou de nada. Dizia que se morresse, era porque a hora havia chegado. Acho que morreu feliz!
Tião reuniu a família e fez um breve balanço da vida. Falava sem parar.
Nunca pensei que chegasse até aqui, disse ele. Nasci atravessado, a parteira Dona Cecilia já tinha desistido. Podia ter morrido ali, antes de nascer. Tive sarampo, tosse brava, crupe, papeira, catapora antes dos cinco anos. Tive todos os tipos de vermes, e escapei.
Passei fome no Garangau, comendo pirão de ovo.
Tive uma manchas, acharam que era morfeia, depois descobriram que era impinge. Tratei com cinza de charuto. Tive um começo de tísica, me curei com leite de cabra e mel de uruçu.
Depois de velho, o doutor me disse que eu tinha um tumor na próstata, ficava mijando nas calças. Mas estou vivo, pelas graças de Deus.
Na parede da sala, em sua casa, tinha uma foto de Luiz Carlos Prestes. Tião nunca foi comunista, mas era um admirador de Prestes. Eu nunca entendi.
Tião sempre se meteu em política. Foi um cabo eleitoral por vocação. Não aceitava dinheiro de ninguém, se depois de eleito quisessem lhe arrumar uma boquinha na prefeitura, ele aceitava. Dizia rindo: eu também sou filho de Deus.
Líder comunitário, dono do time de futebol, fazedor de favor. Sempre quebrava o galho da comunidade, consertando um telhado aqui, puxando um bico de luz acolá. Nunca cobrou. Dizia sempre, quando tiver uma galinha gorda, me leve.
Depois da Anistia, na primeira vinda de Prestes a Sergipe, ele ficou sabendo da existência desse operário. E quis conhecê-lo. Acredite quem quiser, Luiz Carlos Prestes foi visitar Tião, em sua casa.
Quando a falta de ar apertou, Detinha se valeu da sabedoria de Dona Filó, benzedeira das antigas.
Filó não gostou muito quando soube que a doença de Tião poderia ser a Peste. Mas, por amizade socorreu. Passou uma garrafada de casca de quina, boa para falta de ar.
Dona Filó impôs uma condição: esse homem não pode ser enterrado no cemitério da igreja. A Peste pega mesmo depois de morto. Eu sei onde ficava o cemitério do antigo leprosário. A capoeira cobriu, mas eu descubro. Lá é o lugar dele, Peste com Peste.
A cova precisa ter 21 palmos de fundura e ser coberta com piçarra de rodagem. Ficou tudo acertado.
Quando forem contabilizar as vítimas da Pandemia no Brasil, não esqueçam do Mestre Tião, grande sergipano. No atestado de óbito pode estar escrito outra coisa. Mas foi a Peste!
Antonio Samarone.
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