A Pandemia de
Gripe Espanhola em Sergipe – 1918
(por Antonio Samarone).
Entretanto, o
ciclo das grandes epidemias ainda não havia terminado em Sergipe. Em outubro de
1918, durante as festas de posse do novo Presidente do Estado, Coronel José
Joaquim Pereira Lobo, Sergipe é violentamente atacado pela epidemia de gripe
espanhola.
Essa foi a
última epidemia a manifestar-se em Sergipe no estilo “pestilencial”, dizimando
e aterrorizando as pessoas, e com o poder público e a medicina agindo quase tão
somente na minimização das consequências sobre os indigentes.
A saúde
pública, nesse período, já estava mudando as suas preocupações, começando a
priorizar as endemias rurais, principalmente aquelas que atingiam a força de
trabalho.
Em 20 de
outubro de 1918, desembarcam do “Vapor Itapacy” seis pessoas contaminadas pelo
referido mal. Logo que a informação chegou ao conhecimento do Diretor de
Higiene, essas pessoas foram removidas para o Lazareto Público, mas já era
tarde.
Em 04 de
novembro, o mal já havia se espalhado pelo Estado, sendo a primeira vítima
fatal Georgina de Jesus, negra de 25 anos e residente na rua de Campos, em
Aracaju.
O Governo
tomou todas as providências que a sua estrutura permitia: criou o “Serviço de
Combate à Gripe Espanhola” e entregou a coordenação ao Dr. Eronides de
Carvalho.
Convocou,
para fazer parte do serviço, todo o pessoal médico ligado aos serviços
públicos, ou seja, os Drs. Octaviano Melo, Diretor de Higiene; Pimentel Franco,
Diretor da Assistência Pública; Carlos Menezes, Diretor do Gabinete de
Identificação e Estatística e Médico legista da Policia; Álvaro Telles de
Menezes, médico da Prefeitura e Alexandre Freire, Diretor do grupo Escolar
“General Valladão”.
Além do seu
pessoal, comissionou ainda os Drs. José Francisco da Silva Melo, médico, e
Durval Madureira Freire, João Alfredo de Marsillac Motta, José Alves Tavares e
Pedro Garcia Moreno, farmacêuticos, e Francisco Accioly Sobral,
cirurgião-dentista.
O Presidente
recorreu à Assembleia Legislativa pedindo liberação de recursos para enfrentar
o problema. Em 08 de novembro, a lei n.º 765 abre créditos especiais de 10
contos de réis para o combate à epidemia e, poucos dias após, em 16 de
novembro, a gravidade e velocidade de expansão da doença obriga a aprovação de
uma nova lei, a de n.º 766, abrindo créditos de cem contos de réis para o mesmo
fim.
A previsão
orçamentária do Estado para o ano de 1918, destinava à rubrica Higiene e Saúde
Pública pouco mais de 33 contos de réis.
Diante das
deficiências do Poder Público para enfrentar a epidemia, a sociedade reagiu de
forma inusitada: pela primeira vez, em Sergipe, a população se mobiliza para
enfrentar um problema de saúde. Entidades, empresas, clero, instituições
beneficentes movimentaram recursos e pessoas para enfrentar a epidemia.
A loja
Maçônica “Cotinguiba” assumiu a responsabilidade pela assistência da área que
ia da rua Barão de Maruim até a localidade denominada “carro quebrado”. A
Maçonaria entregou a coordenação dos trabalhos ao professor José de Alencar
Cardoso, e contratou o Dr. Berílio Leite para realizar os trabalhos clínicos. 885
doentes foram atendidos pela loja maçônica, com 19 óbitos.
Importante
também foi a participação da Associação Comercial, responsável pelas ruas
Divina Pastora, Bonfim, Socorro, Vitória, Desaperta, Topo e Ignácio de Loyola.
A entidade
comercial contratou os serviços clínicos do Dr. Álvaro Teles de Menezes e
atendeu a um total de 795 doentes. O Posto de Santo Antônio atendeu 1.200
doentes e ficou sob a responsabilidade do padre Abílio Mendes, de Garcia Rosa e
Silvério Fontes e os serviços clínicos entregues à farmacêutica Cesartina
Regis.
Participaram
também no combate à epidemia a Cruz Vermelha (320 doentes), Hospital Santa
Isabel (50 doentes), quartel do 41.º Batalhão de Caçadores (352 doentes),
fábrica Confiança (382 doentes), fábrica Sergipe Industrial (763 doentes),
Escola de Aprendizes de Marinheiros (72 doentes), quartel de polícia (77
doentes), cadeia pública (83 doentes), Compagnie des Chemins de Fer (123
doentes) e Lazareto Público (32 doentes).
O atendimento
consistia, basicamente, na distribuição de medicamentos entre a população
indigente, distribuição de alimentos ou dinheiro, desinfecção das casas onde
ocorriam óbitos e na remoção dos cadáveres.
O tratamento
usado para enfrentar a gripe era um purgativo, óleo de rícino ou água laxativa
vienense, um antitérmico, cápsula de aspirina, pyramidon ou antipyrina, e um
xarope de alcatrão. Para desinfetar as casas usava-se creolina, alcatrão e gás
sulfuroso, como também se queimava alcatrão nas ruas e praças.
“Em noite de
03 de dezembro de 1918, ordenei que se queimasse alcatrão nas praças Tobias
Barreto e na do mercado, bem como nas ruas de Estância, Laranjeiras, São
Cristóvão, Tôpo, São José, Estrada Nova, Alecrim, Geru, Divina Pastora, Bonfim,
Victória e São João.”
Apesar da
elevada mortalidade, a maior parte dos casos de gripe eram benignos, agravados
pela extrema miséria de grande parte da população.
A parte mais
importante do atendimento era assistência social, exacerbado durante as crises
epidêmicas, uma vez que o medo do contágio para os ricos e remediados
estimulava esse tipo de prática, por parte do Estado, e despertava o adormecido
sentimento filantrópico de uma parte da sociedade.
As condições
sanitárias só eram consideradas como graves durante as crises epidêmicas; as
doenças endêmicas e crônicas que matavam lentamente a população pobre
(gastroenterites, tuberculose, sífilis, lepra, desnutrição), desde que não
ameaçasse as elites, eram vistas com naturalidade e resignação. Esse ofício do
Delegado de Higiene de Japaratuba, farmacêutico Helvécio Campos, ao Diretor da
Saúde Pública demonstra muito bem o caráter de “assistência social” do
atendimento:
“Solicito a
Vossa Excelência em prol dos indigentes aqui atacados pela gripe espanhola
algum auxílio. São numerosos os casos verificados e o pequeno auxílio em
dinheiro que a Intendência tem prestado, dentro do seu limitado orçamento, é
insignificante. Os povoados São José da Catinga, Marimbondo, Aguada e mesmo
Pirambu estão em completo abandono, sendo neles extrema a pobreza. Rogo a Vossa
Excelência providências como melhor julga.”
Como
demonstração da importância do atendimento prestado pela sociedade civil em
Aracaju durante a epidemia, a Diretoria de Higiene, ou seja, o Poder Público,
atendeu 2.790 doentes, enquanto as organizações não governamentais atenderam
4.488, ou seja, quase o dobro do Estado.
O número de
casos registrados e o número de óbitos da epidemia de gripe espanhola, segundo
o relatório de 1919, do Presidente Pereira Lobo à Assembleia Legislativa, foi o
seguinte:
Casos e
óbitos por gripe espanhola em Sergipe, no ano de 1918:
Aracaju 7.974 casos e 229 óbitos; São Cristóvão 408 – 22; Itaporanga 218 – 06; Salgado 646 – 24; Boquim 615 – 28; Estância 2.150 -77; Arauá 250 – 10; Riachão 303 – 10; Vila Cristina 363 –
12; Santa Luzia 442 – 06; Espírito Santo - 50; Itabaianinha 728 – 21; Lagarto 3.000 – 90; Anápolis 136 – 06; Itabaiana 1.700 – 120; Riachuelo
195 – 24; Divina Pastora 42 – 01; Santa Rosa 53 – 02; Campo do Brito 800 – 45; Laranjeiras
1.365 - 62; Maruim 916 - 22; Socorro 482
- 24; Dores 600 - 17; Capela 400 - 16; Propriá 1.125 – 52; Porto da Folha 825 -
65; Gararu 123 - 06. Total de 25.910 casos notificados e 997 óbitos.
Fonte:
Relatório do Presidente do Estado, Pereira Lobo, à Assembleia Legislativa, em
07 de setembro de 1919.
Como se
percebe na tabela acima, foram notificados 25.910 casos e 997 óbitos durante
pouco mais de 3 meses que durou a epidemia em Sergipe.
Aqui, os
dados também foram contestados, inclusive pelo próprio chefe do combate, Dr.
Eronides de Carvalho, que em seu relatório, já citado nesse trabalho, afirma
que o número de casos deve ter sido bem superior devido a duas razões
principais: os serviços de registros não eram merecedores de fé e só eram
registrados os casos que se verificavam em indigentes que precisaram do socorro
público.
O que ficou
demonstrado é que Sergipe, pelo menos até o ano de 1919, ainda não tinha como
enfrentar as epidemias. As ações eram improvisadas.
Nesse caso da
gripe espanhola toda rede escolar foi fechada, como várias outras instituições
coletivas. O que ficava cada vez mais claro era a necessidade de uma ampla
reforma dos serviços de higiene e saúde pública.
O tema passou
a ser amplamente discutido pela sociedade, mesmo porque, surge também em
Sergipe a preocupação com a proteção da força de trabalho. Uma publicação do
Delegado de Saúde de Estância, Dr. Jessé Fontes, defendendo a criação da “Liga
Pró-Saneamento”, deixa esse ponto de vista muito claro:
“Do que
adianta o Governo Federal pedir que se intensifique a produção agrícola, e que
aproveita o Governo do Estado em distribuir sementes a granel, quando os nossos
agricultores lutam com a falta de braços para a lavoura, e os poucos que
possuem se acham invalidados pela doença, e suas inseparáveis companheiras, a
miséria e a fome.”
O que
percebemos é que no final desse período, os problemas de saúde começam a
receber um novo enfoque. A visão pestilencial, representada pelas grandes
epidemias dizimadoras de uma população indefesa e aterrorizada, ignorava as
precárias condições de saúde do dia-a-dia, a desnutrição, as doenças crônicas
(lepra, tuberculose, sífilis, amarelão, diarreias, etc.) e a morte precoce.
A preocupação
central da saúde pública era o contágio das classes dominantes, durante as
epidemias e, até certo ponto, com a carência de mão-de-obra no pós Pandemia.
A mudança que
começa a se manifestar é a valorização das endemias rurais, do saneamento, do
trabalho permanente da saúde pública, como fator indispensável ao
desenvolvimento.
A higiene
passa a ser vista como fator fundamental para o aumento da produtividade do
trabalho. A figura do “Jeca Tatu”, pobre, indolente, improdutivo é atribuída à
opilação, ou seja, a uma doença; isto significa que as ações sanitárias que
eliminam as doenças passam a ser vistas como necessárias ao desenvolvimento
econômico.
Essa
ideologia chegou rapidamente a Sergipe.
Antonio
Samarone.
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