Médicos e Loucos
em Sergipe. (por Antonio Samarone)
No inicio do século XX, a medicina em Sergipe
engatinhava. Poucos médicos conseguiam sobreviver somente de sua clínica. O
Hospital Santa Isabel, único da Capital, foi transferido da rua Aurora (atual
rua da Frente), pela completa precariedade das instalações, para o alto do
Santo Antonio, onde funciona até hoje. O Hospital foi instalado num antigo
Lazareto, construído por ocasião da epidemia de varíola de 1898.
A deficiência dos serviços médicos em Sergipe pode ser
exemplificada com o episódio do falecimento (13/12/1907), durante o trabalho de
parto, de Dona Capitolina Alves de Melo, segunda esposa do Desembargador
Guilherme Campos, Governador do Estado.
O parto foi acompanhado pelos doutores Costa Pinto e
Moreira Magalhães, que chegaram à conclusão, de que somente o procedimento
cirúrgico (Cesariana) salvaria a paciente e, mesmo tendo sido sobre “operação
cesariana” a tese de doutoramento do doutor Costa Pinto, o mesmo nunca tinha
tido a oportunidade de realizá-la.
Em síntese, em Sergipe ainda não existiam condições para
a realização de tal procedimento. Nenhum médico estava preparado para realizar
uma cesariana, nem existiam instalações hospitalares adequadas. A esposa do
governador, faleceu durante o parto, em palácio, por falta de uma cesariana.
A “loucura” do Dr. João Vieira Leite.
Outro exemplo tenebroso da nossa medicina no inicio do
século XX, foi o tratamento da “loucura” do Dr. João Vieira Leite, médico e
Governador de Sergipe, por poucos dias. Um história quase desconhecida.
O Dr. João Viera Leite é filho do Coronel Sisenando de
Souza Vieira e D. Adelaide Leite Vieira, nascido no engenho São Félix, cidade
de Santa Luzia do Itanhy, a 04 de setembro de 1867. Irmão do médio Dr. Berílio
Leite, que fez história na estância.
Dr. João Vieira Leite colou grau em medicina pela
Faculdade da Bahia, em 27 de outubro de 1890, defendendo a tese “Apreciação dos
métodos operatórios gerais adotadas na operação cesariana”.
Em seu retorno à Sergipe, montou a sua clínica na praça
da Matriz em Estância, sendo bastante aceito. Foi diretor e grande benfeitor do
Hospital Amparo de Maria.
Entre seu retorno a Sergipe em 1890 e 1901, o Dr. João
Vieira teve carreira meteórica como médico e como político. Um personagem
destacado da vida sergipana.
Foi Intendente municipal em Estância (Prefeito), Deputado
Estadual nas legislaturas 1894-95, 1896-97, Presidente da Assembléia
Legislativa, e nessa condição, Governador de Sergipe por 44 dias, após a
deposição de José Calazans (1894).
Até quando ocorreu uma grande tragédia: o Dr. João
Vieira, ainda moço, com apenas 35 anos, começou a apresentar um comportamento
“estranho”, “esquisito”, o que não demorou muito tempo para que a comunidade
suspeitasse de que o facultativo estava ficando maluco. E nessa condição de
louco, foi levado à força, pela família, para o Rio de Janeiro, em busca de
tratamento.
O Dr. João Vieira resistiu a ida para o Rio de Janeiro.
Não houve acordo. O ex Governador de Sergipe foi apeado numa camisa de força e,
sob intensa violência, embarcado para a sua última viagem.
Durante a viagem, que durava de cinco a oito dias, o Dr.
João Vieira foi enclausurado num apertado compartimento do “Vapor Manaus, da
Cia. Esperança Marítima”, transformando em solitária. João Vieira reagiu a
repressão insana. Após muita violência, tortura física e mental, de bater-se
insistentemente com cabeça nas paredes, de muita luta para liberta-se, muita
automutilação. João Vieira, médico, governador de Sergipe, foi abatido pelas
práticas psiquiátricas da época.
Em 21 de janeiro de 1902, nas proximidades do porto de
Vitória, no Espírito Santo, antes de chegar ao seu destino no Rio de Janeiro, o
Dr. João Vieira não resistiu aos sofrimentos e faleceu de forma absurda,
resistindo à violência da internação e lutando por liberdade.
Dr. João Vieira Leite, um esquecido mártir da psiquiatria
em Sergipe.
Antonio Samarone (médico sanitarista)
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