A Solidão dos Idosos!
(por Antonio Samarone)
(por Antonio Samarone)
“O homem tem vida curta e cheia de tormentos. É como uma flor que se abre e logo murcha” – O livro de Jó.
O século XX escondeu essa verdade. A vida média triplicou. A população envelheceu. A Era dos idosos se aproximou. O que faremos com essa sobrevida de 20 anos?
Qual é a agenda dos octogenários?
O mundo abrigava apenas 900 milhões de pessoas com mais de 60 anos em 2015, segundo dados da ONU. No entanto, o número deverá subir para 2,1 bilhões em 2050, ou seja, uma em cada cinco pessoas será idosa.
O primeiro mundo envelheceu rico, mesmo assim, o destino dos idosos é a segregação. No Brasil, estamos envelhecendo pobres e sem saídas. A questão é ignorada. Somos tratados como um peso para a sociedade. Quem acolherá essa gente, qual a qualidade de vida possível para os idosos no Brasil?
A Pandemia tem aumentado a discriminação aos idosos. Criou-se uma forte Gerofobia!
Tenho pensado nessa questão. Segundo o IBGE, a minha expectativa de vida é de 18 anos. Não tenho mais tempo a perder. Nada mais a contemporizar!
Deixe-me sair para comprar a fogueira, só tenho mais 18 festas de Santo Antonio a comemorar. Terei os cuidados, mas a fogueira eu acendo. Hoje e na véspera de São João.
No pós-Pandemia só temos um caminho: lutar por esse breve futuro. Qual é o nosso papel? O que faremos com as vantagens da experiencia?
Qual o impacto que esse confinamento prolongado terá na saúde física e mental dos idosos?
Essas divagações resultaram de um telefonema que dei para um velho professor, de 87 anos. O professor tem duas filhas, uma médica e outra enfermeira, vários netos, mas não recebe visitas a 90 dias, por causa da Peste.
Não tenho o direito de identificá-lo. Um grande sanitarista, com quem aprendi o pouco que eu sei da saúde pública. Um homem lúcido, irônico, cheio de ideias e bom humor. Ele ajudou a erradicar a malária de Aracaju.
Fiz aquela pergunta de praxe: e aí, quais são as novidades?
Ele respondeu: “acho que o comunismo chegou ao Brasil, e eu estou preso. Confinado numa solitária”. O professor sempre foi de direita, admirador de Garrastazu. Tinha pavor a União Soviética.
O professor se fez de esquecido, perguntou se eu continuava fumando maconha. Professor, o senhor está me confundindo. Ele desconversou. Me pareceu num quadro de confusão mental. Mas continua engraçado.
Eu perguntei o que ele estava achando do Governo Bolsonaro. Ele respondeu: “Bolsonaro está preso, na Ilha das Cobras. Ele e os filhos. Você não soube? O comunismo não perdoa”. Fiquei calado!
O meu amigo e mestre está com uma preocupação inusitada: ele não sabe o que fazer quando a morte chegar. Ele tem medo de não saber morrer. Por onde começar? Eu tentei tranquilizá-lo: não se preocupe, a morte faz tudo sozinha, ela não precisa do senhor.
Ele começou a rir alto, em gargalhadas. E sentenciou: “morte filha da puta”!
Ele ainda fez graça: "quero morrer dormindo e me acordar morto. Tenho tentado me esconder da morte, durmo cada dia em um local diferente. De vez em quando durmo embaixo da cama, para a morte não me achar".
Por último, ele me pediu um cigarro do demônio. Disse-me que tem um amigo que se deu bem e leva uma vida mansa. Ele quer experimentar. Fiquei em dúvida.
Antes do final do nosso papo, ele não lembrava nem do cigarro, nem do demônio. Fiquei aliviado.
Ele ainda me contou alguns segredos, que eu não posso revelar.
Acho que ele ficou mais feliz com a nossa conversa. Suspeito, que ele se faz de esquecido, para afastar os chatos. Voltarei a ligá-lo.
Telefonei depois para uma das filhas, a que eu conheço mais. Fulana, o que você acha de seu pai? Ela caiu em prantos. Não sei o que fazer! Não sei o que é mais nefasto, a Covid ou a solidão.
Eu não tive coragem de dar-lhe conselhos.
Antonio Samarone.
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