O Último Ferreiro. (por Antonio Samarone)
“A ferro e a fogo”
Na primeira metade do século XIX, João José de Oliveira, ferreiro português, desembarcou em São Cristóvão. Em poucos dias migrou para o agreste de Itabaiana, onde a agricultura já era forte e os seus serviços necessários.
João José se estabeleceu entre Matapoã, Sambaíba e Flechas. E aí criou uma vasta família, todos ferreiros. Entre Bernadinho, o filho mais velho; e Zentonho, o mais novo, foram 11 irmão.
O velho fole de couro cru de Bernadinho ainda é vivo. Repousa abrigado na mesma tenda, que pelejaram Totonho de Bernadinho, Zé de Totonho e Homero.
A centenária bigorna, vinda de Portugal, com o seu tinir inconfundível, encontra-se adormecida. As bigornas são como os sinos, possuem sonoridades próprias.
O ferreiro era um trabalhador do ferro e do fogo. A sacralidade do ferro era conhecida. Seja pelo ferro ter caído da abóbada celeste, ou extraído das vísceras da terra, está carregado de potência sagrada.
As ferramentas do ferreiro participavam desse caráter sagrado. O martelo, o fole, a bigorna, revelam-se como seres animados e maravilhosos: supõe-se que podem obrar por sua própria força mágico-religiosa, sem ajuda do ferreiro.
Bernadinho não saltou do cavalo, morreu junto, quando em 1926, foi atropelado pelo trem no povoado Caititu, em Maruim. Ele acreditava possuir a imortalidade dos ferreiros.
Os beduínos do Sinai eram convencidos de que aquele que consegue fabricar uma espada de ferro meteórico se faz invulnerável nas batalhas e pode estar seguro de abater todos os seus inimigos. Torna-se imortal.
Bernadinho possuía uma peixeira de ferro meteórico. Não sei se ainda existe.
O ferreiro, em sua condição de nômade, derivada de seu deslocamento contínuo em busca do metal bruto e de encargos de trabalho, lhe obriga a entrar em contato com diferentes populações.
O ferreiro é o principal agente de difusão de mitologias, ritos e mistérios metalúrgicos. Este conjunto de feitos os introduz em um prodigioso universo espiritual.
Antes de iniciar o trabalho o mestre ferreiro invocava a proteção das divindades. “Vós, avós que nós ensinastes estes trabalhos, precedei-nos, estejam ante nós para nos mostrar como devemos obrar. Vós, o misericordioso que habitas não sabemos onde, nos perdoai. Vós, meu sol, minha luz, cuidas de mim. Eu lhes dou a todos graças.”
Cópia dessa oração encontra-se nas anotações da família, dadas como desaparecidas.
Um grupo de mitos de algumas tribos aborígenes da Índia central nos contam a história dos ferreiros asur, que, segundo os bishor, foram os primeiros em fundir o ferro em toda a Terra.
Os asur constituem uma tribo de ferreiros que viviam
provavelmente ao norte de Penjab. Dali foram expulsos pelos invasores arianos para sua residência atual nas montanhas de Chota Nagpur.
Os descendentes de Antonio José de Oliveira tornaram-se uma família germinal em Itabaiana. Somos muitos. Agora, com a possibilidade do uso do DNA mitocondrial para localizar a ascendência, pretendo encontrar as raízes portuguesas.
Os oleiros, os ferreiros e os alquimistas eram os senhores do fogo, pois mediante o fogo, operavam a transformação de uma substância em outra.
O fogo era um meio de fazer as coisas mais rápido e distinto do que existia na Natureza. Era a manifestação de uma força mágico-religiosa que podia modificar o mundo.
Esta é a razão pela qual as culturas mais arcaicas imaginavam o especialista em fogo como sagrado - o xamã, o homem-médico, o mago como a um «senhor do fogo». A magia primitiva e o xamanismo implicam o domínio do fogo.
Os ferreiros, como os xamãs, eram considerados como senhores do fogo. Segundo os mitos dos yakutas, o ferreiro recebeu o seu ofício da divindade K'daai Maqsin, o ferreiro principal do inferno.
Em todas as populações siberianas o ferreiro ocupava uma classe social bastante elevada; seu ofício não era considerado comercial. Se tratava de uma vocação ou transmissão hereditária, que implicava, portanto, em segredos de iniciação.
São os ferreiros que fabricaram as primeiras ferramentas, com o uso do fogo. Prometeu pagou caro, por ter roubado o fogo dos deuses.
O domínio do fogo, comum ao mago, ao xamã e ao ferreiro, foi considerado no folclore cristão como obra diabólica. Uma das imagens populares mais frequentes apresenta ao Diabo arrojando chamas pela boca. O inferno é o fogo eterno.
Desde a antiguidade, em várias civilizações, existia um laço íntimo entre a arte do ferreiro, as ciências ocultas (xamanismo, magia, cura etc. e a arte da canção, da dança e da poesia.
Na mitologia grega, Hefesto é considerado o primeiro a trabalhar com ferro.
Em Itabaiana, circulava a lenda da excepcionalidade dos seus valentes e destemidos ferreiros, homens de muita força e coragem. Parte, deve-se a herança xamânica arcaica dos ferreiros.
Antonio Samarone.
“A ferro e a fogo”
Na primeira metade do século XIX, João José de Oliveira, ferreiro português, desembarcou em São Cristóvão. Em poucos dias migrou para o agreste de Itabaiana, onde a agricultura já era forte e os seus serviços necessários.
João José se estabeleceu entre Matapoã, Sambaíba e Flechas. E aí criou uma vasta família, todos ferreiros. Entre Bernadinho, o filho mais velho; e Zentonho, o mais novo, foram 11 irmão.
O velho fole de couro cru de Bernadinho ainda é vivo. Repousa abrigado na mesma tenda, que pelejaram Totonho de Bernadinho, Zé de Totonho e Homero.
A centenária bigorna, vinda de Portugal, com o seu tinir inconfundível, encontra-se adormecida. As bigornas são como os sinos, possuem sonoridades próprias.
O ferreiro era um trabalhador do ferro e do fogo. A sacralidade do ferro era conhecida. Seja pelo ferro ter caído da abóbada celeste, ou extraído das vísceras da terra, está carregado de potência sagrada.
As ferramentas do ferreiro participavam desse caráter sagrado. O martelo, o fole, a bigorna, revelam-se como seres animados e maravilhosos: supõe-se que podem obrar por sua própria força mágico-religiosa, sem ajuda do ferreiro.
Bernadinho não saltou do cavalo, morreu junto, quando em 1926, foi atropelado pelo trem no povoado Caititu, em Maruim. Ele acreditava possuir a imortalidade dos ferreiros.
Os beduínos do Sinai eram convencidos de que aquele que consegue fabricar uma espada de ferro meteórico se faz invulnerável nas batalhas e pode estar seguro de abater todos os seus inimigos. Torna-se imortal.
Bernadinho possuía uma peixeira de ferro meteórico. Não sei se ainda existe.
O ferreiro, em sua condição de nômade, derivada de seu deslocamento contínuo em busca do metal bruto e de encargos de trabalho, lhe obriga a entrar em contato com diferentes populações.
O ferreiro é o principal agente de difusão de mitologias, ritos e mistérios metalúrgicos. Este conjunto de feitos os introduz em um prodigioso universo espiritual.
Antes de iniciar o trabalho o mestre ferreiro invocava a proteção das divindades. “Vós, avós que nós ensinastes estes trabalhos, precedei-nos, estejam ante nós para nos mostrar como devemos obrar. Vós, o misericordioso que habitas não sabemos onde, nos perdoai. Vós, meu sol, minha luz, cuidas de mim. Eu lhes dou a todos graças.”
Cópia dessa oração encontra-se nas anotações da família, dadas como desaparecidas.
Um grupo de mitos de algumas tribos aborígenes da Índia central nos contam a história dos ferreiros asur, que, segundo os bishor, foram os primeiros em fundir o ferro em toda a Terra.
Os asur constituem uma tribo de ferreiros que viviam
provavelmente ao norte de Penjab. Dali foram expulsos pelos invasores arianos para sua residência atual nas montanhas de Chota Nagpur.
Os descendentes de Antonio José de Oliveira tornaram-se uma família germinal em Itabaiana. Somos muitos. Agora, com a possibilidade do uso do DNA mitocondrial para localizar a ascendência, pretendo encontrar as raízes portuguesas.
Os oleiros, os ferreiros e os alquimistas eram os senhores do fogo, pois mediante o fogo, operavam a transformação de uma substância em outra.
O fogo era um meio de fazer as coisas mais rápido e distinto do que existia na Natureza. Era a manifestação de uma força mágico-religiosa que podia modificar o mundo.
Esta é a razão pela qual as culturas mais arcaicas imaginavam o especialista em fogo como sagrado - o xamã, o homem-médico, o mago como a um «senhor do fogo». A magia primitiva e o xamanismo implicam o domínio do fogo.
Os ferreiros, como os xamãs, eram considerados como senhores do fogo. Segundo os mitos dos yakutas, o ferreiro recebeu o seu ofício da divindade K'daai Maqsin, o ferreiro principal do inferno.
Em todas as populações siberianas o ferreiro ocupava uma classe social bastante elevada; seu ofício não era considerado comercial. Se tratava de uma vocação ou transmissão hereditária, que implicava, portanto, em segredos de iniciação.
São os ferreiros que fabricaram as primeiras ferramentas, com o uso do fogo. Prometeu pagou caro, por ter roubado o fogo dos deuses.
O domínio do fogo, comum ao mago, ao xamã e ao ferreiro, foi considerado no folclore cristão como obra diabólica. Uma das imagens populares mais frequentes apresenta ao Diabo arrojando chamas pela boca. O inferno é o fogo eterno.
Desde a antiguidade, em várias civilizações, existia um laço íntimo entre a arte do ferreiro, as ciências ocultas (xamanismo, magia, cura etc. e a arte da canção, da dança e da poesia.
Na mitologia grega, Hefesto é considerado o primeiro a trabalhar com ferro.
Em Itabaiana, circulava a lenda da excepcionalidade dos seus valentes e destemidos ferreiros, homens de muita força e coragem. Parte, deve-se a herança xamânica arcaica dos ferreiros.
Antonio Samarone.
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