sexta-feira, 10 de outubro de 2025

FALANDO POR CIENCIA PRÓPRIA.


 Falando por ciência própria...
(por Antonio Samarone)

“Para que o mais banal dos acontecimentos se torne uma aventura, é preciso e basta que nos ponhamos a narrá-los!” – Jean-Paul Sartre.

Cabia aos velhos a retransmissão da cultura, dos modos de vida, dos valores e das crenças. A mídia era o “tête-à-tête”, as rodas de conversas. No Beco Novo, fui ouvinte dessas assembleias de anciões.

O caminho das narrativas foi fechado. A vida foi fragmentada. Cada um segue o seu caminho e a sua verdade. A vida contada tornou-se efêmera, imediata, voltada para o espetáculo.

Ocorre, que o Ser humano não existe de um instante para outro, não somos seres momentâneos. A nossa existência, no mínimo, abrange um período entre o nascimento e a morte.

A minha geração é anterior a Internet, ao smartphone e a Inteligência artificial.

Ontem, aos setenta anos, fiquei maravilhado com o dia das crianças, em Itabaiana. Passou um filme em minha cabeça. A Praça era a mesma que joguei bola na infância.

As crianças eram outras: todo menino é um Rei, eu também já fui Rei, mas quá, despertei!”

Um amigo, organizador da festa, sentindo o meu espanto, sugeriu a um jornalista que cobria o evento, que me ouvisse, que se gravasse um vídeo, talvez o secretário de cultura tivesse algo a dizer.

O espanto do jornalista foi visível. “Ele pensou: como assim, gravar um velho, sobre uma festa de criança?” O meu amigo, talvez pela amizade, insistiu: grave, ele tem o que dizer. O espanto do profissional em mídias modernas, cresceu, levando-o a impaciência.

Sem prestar muito a atenção, o jovem repórter minimizou: “pode ser, colocaremos ele no Story.”

Eita, vão me colocar no Story! Claro, sair pela tangente. Fui saber primeiro o significado de story. “Um breve relato, fictício ou não. Conteúdo temporário das redes sociais, com prazo de desaparecimento programado.

Senti o drama! As informações precisam circular em estágio pré-reflexivo, controladas pelo big data. Esses espaços não me interessam.

Não importa, vou narrar o que sinto, assim mesmo, em outra mídia. E não vou disputar audiência nas redes sociais, não farei um perfil no YouTube, nem podcast, nem vídeos, nada disso. Escrevi um livro de 600 páginas, contando uma “História Cultural do Povo Itabaianense”.

Lançarei o livro na Bienal Internacional de Itabaiana. Já fui advertido: é perda de tempo, ninguém lê seiscentas páginas, nem sob tortura. Tá certo, ninguém é obrigado.

Na condição de idoso (70 anos), resolvi exercer um direito tradicional dos velhos: contar histórias. Quem não quiser ouvir, não ouça. Farei a minha narrativa!

O resgate do passado é uma tarefa dos narradores. A Inteligência artificial que conte a sua história. Não me interessa.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.

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