segunda-feira, 14 de novembro de 2022
UMA CONVERSA INDIGESTA
Uma conversa indigesta.
(por Antonio Samarone)
O Brasil envelhece rapidamente. Entre as consequências, a demência, isto é, a perda da memória, é a mais relevante. Em casos avançados, esquecemos quem somos, ou seja, a gente não se reconhece.
Entenderam? A gente experimenta a morte ainda em vida.
Não estamos preparados para o envelhecimento, a família não sabe cuidar dos seus dementes e o Sistema de Saúde não oferece cuidados para os velhos. O Brasil não reconhece o problema, não está em pauta.
Mesmo sem relação social, sem fala, sem vontades, sem reconhecimento, o carinho da família e dos cuidadores ainda é percebido. O afeto, o carinho, o respeito consola a alma, reduz o sofrimento, alivia a existência. A medicina apenas alivia os sofrimentos físicos, geralmente com efeitos colaterais.
O demente é o que se chamava antigamente de esclerosado. Um grave problema de Saúde Pública, mas não está na pauta. O problema é estigmatizante, ninguém assume, nem a vítima, nem a família.
Mesmo sem doenças, o próprio envelhecimento reduz a nossa memória, apequenando a capacidade cognitiva. O Alzheimer, uma doença incurável e que não existe prevenção, é a causa mais frequente das demências.
O Alzheimer pode durar até vinte anos. As pessoas mais cultas, mais inteligentes, apenas demoram a perceber a doença. Os outros é quem percebe, com a tradicional sentença: fulano não é mais o mesmo, está irreconhecível. Você também deixa de reconhecer os íntimos: quem é?
Não é fácil reconhecer que estamos precisando de ajuda, encontrar quem vai cuidar da gente, decidir se vale a pena continuar vivendo. Quem vai nos representar quando perdermos a autonomia, quando virarmos uma samambaia.
Alimentação saudável e exercícios físicos servem para prevenir todos os riscos, de todos os males, não evita a demência, mas retarda. Seremos dementes saudáveis. Mesmo sem outras doenças, o Alzheimer atrofia o cérebro e torna a vida inviável. É a morte a longo prazo.
Ia esquecendo, a teimosia, a meditação, novos aprendizados ajudam no enfrentamento das demências. Antes que vocês perguntem, o que diabo é meditação? Simples, é ficar um tempo sem pensar, experimentando as sensações, deixando a mente desocupada, para o descanso do cérebro.
Claro, se a gente mantém o cérebro em atividade, experimentando novos aprendizados (participar de um coral, aprender música, línguas estrangeiras, escovar os dentes com a mão esquerda, andar para trás), retarda as demências. Não impede, mas empurra com a barriga.
Participo de uma confraria que se reúne semanalmente, onde se pode contar a mesma historia varias vezes, nem você se lembra que já contou, nem outros se lembram que já ouviram. A reunião é um exercício para a memória.
A depressão, frequente na velhice, geralmente por crise existencial, apressa as demências. A gente descobre que os nossos sonhos não aconteceram e que o tempo está acabando. A passividade domina a vida. Reaja, vamos procurar fazer coisas novas. Mesmo tarefas prosaicas: um amigo está cuidando dos gatos de rua.
Sei que essa conversa incomoda muita gente, que prefere não abordar esses assuntos. Lamento, não podemos jogar os problemas embaixo do tapete.
“Se você não concordar, não posso me desculpar, não canto para enganar, vou pegar a minha viola e vou tocar em outro lugar.” – Vandré.
Antonio Samarone (médico sanitarista)
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