A medicina dos curiosos.
(por Antonio Samarone)
A gente celebra a origem grega da medicina, filha da escola Hipocrática. A medicina brasileira nasceu nos mosteiros de Coimbra, uma medicina religiosa, filha da “Contra-reforma”. Um dos professores da medicina portuguesa chegou a Papa.
O Brasil foi o império dos curandeiros, sangradores, cirurgiões barbeiros, comadres aparadeiras, xamãs e charlatões. Os últimos sobreviveram, infestando os consultórios. A medicina de mercado acolhe os charlatões.
Vivemos uma dualidade: a arte médica humanista, com bases científicas, convive com a medicina mercantil. É necessário a separação do trigo. Muito charlatães são bem-sucedidos, acumulam fama e riqueza.
Alcancei o doutor Zequinha já idoso, um dentista com grande prática. Contava-se, que antes ele partejava e reduzia fraturas.
Zequinha guardava em sua estante, dois clássicos da medicina colonial: “Tratado Único da Constituição Pestilencial de Pernambuco”, de João Ferreira Rosa e “Tratado Único das Bexigas”, de Simão Pereira Mourão.
O doutor Zequinha prestou grandes serviços aos banguelas de Itabaiana. A dor de dente era epidêmica. Hoje, parece que acabou. Nunca mais ouvi alguém se queixando.
Antes do boticão, a dor de dente era clinicamente aliviada com guaiacol. Queimava até as tonsilas.
O doutor Zequinha é membro fundador da Academia Itabaianense dos Esquecidos.
Certa feita, o boticão voou das mãos de doutor Zequinha, na pressa, o paciente ainda com a boca aberta, ele apanhou o instrumento e voltou a lide. O paciente questionou: “seu Zequinha, o senhor não vai esterilizar o boticão?” Ele, seguro, em sua larga experiência, respondeu: “Não! Nenhuma bactéria resiste a uma pancada com o fórceps odontológico (boticão) na cabeça.”
Doutor Zequinha arrancava dentes por empreitada. O filho de uma rico fazendeiro, com fama de somítico, foi arrancar dois dentes. Pelo preço de tabela, duzentos mil reis cada. Seu Zezé, o pai do paciente, deu uma nota de quinhentos reis e esperou o troco. Doutor Zequinha não teve os cem, para o troco. A solução foi simples: Seu Zezé, pensando na economia, mandou arrancar outro dente pelo troco.
Quem não enxerga racionalidade nessa medida, não sabe que a meta de quase todo mundo, era arrancar os dentes para colocar uma dentadura, uma chapa, como se dizia.
Em Itabaiana, se vendia dentaduras prontas na feira, dentro de uma urupema. O freguês ia experimentando, até encontrar a sua. Se a prótese ficasse um pouco folgada, usava-se corega pó.
Doutor Zequinha é um injustiçado, eu não me lembro nem o seu nome completo. Não sei se existe uma praça, avenida, rua com o seu nome em Itabaiana. Se não existe, ainda é tempo.
Antonio Samarone (médico sanitarista)
sexta-feira, 10 de março de 2023
A MEDICINA DOS CURIOSOS
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário