segunda-feira, 20 de março de 2023

MANÉ COBREIRO

 Mané Cobreiro.
(por Antonio Samarone)

A tradição sergipana incorporou em sua fala os nomes das enfermidades epidêmicas ou de elevada letalidade, como forma de xingamento ou agouros.

Bexiguentos (varíola), lazarentos (lepra), fio da molesta do rato (leptodpirose), cabrunquento (carbúnculo), gota serena (amaurose), fio do cancro mariano (cranco é um nome antigo de câncer e mariano derivado de maligno).

A Peste virou adjetivo muito cedo, em referência a peste bubônica. “Você está com a peste? Peste no sentido de coisa ruim, incontrolável, maldição.

Com o crescimento dos cânceres o medo da doença tornou-se generalizado. A norma é não o chamar pelo nome: “aquela doença.” No dizer de Siddhartha, o câncer é o Imperador de todos os Males.

Em Itabaiana, criou-se um xingamento novo e original – Fio do Canço! Canço como corruptela de câncer, isso mesmo que a medicina chama de Neoplasia.

O fio do canso serve para a raiva, o xingamento e o elogio. Esse fio do canso é podre de rico. Fia do canso bonita! Eita juiz ladrão do canço, para os árbitros que prejudicam o Itabaiana no futebol.

O canço é visto como uma coisa invencível, grande, ameaçadora, incurável, em alusão implícita ao câncer.

Os mais antigos, que ainda não perderam a memória, atribuem a autoria do xingamento (fio do canço) a Mané Cobreiro. Eu nem nego nem confirmo. Conheci Mané Cobreiro já idoso, paneleiro cheio de chistes e galhofas, engraçado e presepeiro. Faz sentido.

O câncer é um doença antiga, citada num papiro egípcio do século VII a.C., entretanto, são raras as referencias a doença antes do século XIX.

Somente na segunda metade do século XX, com o envelhecimento da população, o câncer disparou como um grande mal para a saúde pública. As neoplasias disputam com as doenças do coração a liderança como causa de óbitos.

Foi nesse crescimento, que Mané Cobreiro atinou para o problema.

Câncer é um nome de pronuncia sofisticada, para virar canço foi um passo. O fio do canso, caiu no gosto cultural dos Itabaianenses, mesmo os mais ilustrados.

Na verdade, o fio do canço é um atualização linguística do antigo fio do cranco. Mesmo porque, canso e cranco remetem ao mesmo mal.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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