segunda-feira, 11 de maio de 2020

A PANDEMIA E O DIA DAS MÃES



A Pandemia e o Dia das Mãe.
(por Antonio Samarone)
Mamãe, pode esperar que eu chego. Espero não ser agora, com essa Peste.
A senhora morreu sem ter visto uma Pandemia. Elas são medonhas. A desgraceira é imensa. Eu estou tentando me proteger, como a senhora ensinava: não tomo sereno, nem chuva fina. Ando calçado, escovo os dentes e lavo os pés antes de dormir. Não tomo vento pelas costas, não misturo abacaxi com leite, nem água fria com café quente.
Com a quarentena, passei a rezar o terço ao anoitecer, como no sítio das Flechas, ao redor do oratório de Mãe Céu, a minha avó. Eram ave-marias arrastadas, quase cantadas.
Muita saudade das suas estória em verso, das suas estórias de Trancoso. A senhora sabia tanto, que nunca repetia. Sempre estórias originais. “Entrou pelo cu do pato, saiu pelo cu pinto, o Rei mandou dizer que você contasse vinte e cinco”.
Obrigado por ter me ensinado a ler, antes da escola. Eu aprendi a ler cedo, muito cedo, para ler os livretos de cordel de Pai Totonho (meu avô). Eu aprendi a ler sem soletrar, de carreirinha, lia cantando. Lembro-me de Marcinha, a primeira professora fora da escola, na Rua do Tanquinho.
A Rua do Tanquinho era o último refúgio da miséria humana. Minha família viveu com dignidade, nesse sub mundo. O Beco Novo e a Rua do Fato já foram ascensão social, lá moravam os pobres.
A senhora me ensinou a caminhar com nove meses e a ler aos três ou quatro anos. Me ensinou a respeitar os mais velhos, e não pedir nada a ninguém. “Não peça!” E eu não pedia. A senhora me ensinou a ter vergonha.
Mamãe tinha horror a menino ximão, arado, respondão, lodento e enxerido. E isso eu nunca fui... Tinha outros defeitos.
Eu sempre tive muita vergonha! Talvez a sua maior herança.
Essa vergonha depois virou raiva, indignação, coragem, ira, autoestima. Me fez perder o medo.
Mamãe, pode esperar que eu chego. Espero não ser agora, com essa Peste.
A senhora me impôs disciplina, obediência, respeito, tomar benção, não querer o que é dos outros. Se eu chegasse em casa com uma bola furada, a senhora indagava: quem lhe deu? Eu dizia, Peba de Seu Justino. Ela me pegava pelo braço e ia procurar Peba, para confirmar.
Mamãe, a senhora me ensinou a não ser covarde. “Não se meta em briga, mas não apanhe.” Não se toma tapa na cara. Não me venha para a casa apanhado.
A senhora não era muito de bater nos filhos, só umas chineladas, de vez em quando. Quando nos pegava em erro, a lição era a mesma: “ouça a sua mãe que lhe ensina com carinho, se você não apreender, o mundo também ensina, só que na pancada.”
“A escolha é sua!” Tomei algumas pancadas!
Para não encompridar essa conversa, já estou com lagrimas nos olhos, vamos concluir.
A senhora me botou na escola e garantiu a minha frequência. Quando papai anunciava, “se prepare que amanhã a gente sai cedo para a roça. Quero você me ajudando.” Mamãe retrucava, “ele não pode ir.” Não pode porque, ele é quase homem. Mamãe decretava: “ele não pode perder aula.”
Mamãe tinha voz ativa, opinião, vontades. Mamãe sabia mandar e desmandar.
Por último, eu aprendi a igualdade com a senhora. Mamãe tratava todos com igualdade, do mendigo ao prefeito da cidade. Mamãe não gostava de adulação. Depois descobri que a senhora era “A Mãe”, de Máximo de Gorki, pelo menos, em minha fantasia.
A senhora foi filha de Maria e Evangélica com a mesma devoção.
Mamãe, feliz dia das mães.
A senhora não conheceu as Pandemias. Mas enfrentou a Salmonella typhi, e sobreviveu. A medicina de Itabaiana achou que a senhora tinha perdido o juízo, e lhe encaminhou para o Adauto Botelho. O hospital dos doidos. A doença causou delírios e desorientação mental. Antes do enclausuramento, que teria sido fatal, o Dr. Luiz Carlos Andrade, ainda estudante, contestou: a sua mãe não está louca. Acho que ela tem febre tifoide. Os exames confirmaram.
Essa estória é longa, eivada de preconceitos, mas não vou contá-la. Hoje é Dia das Mães, não cabem tristezas...
Mamãe, a senhora continua aqui, na metade do meu DNA (a outra metade é Seu Elpídio). Eu tenho o seu cheiro, o sono, a voz (só falo alto), o caminhado, também demonstro quando não gosto das pessoas, sou meio desaforado e falo o que penso.
As mães são eternas, não morrem.
A senhora não gostava mesmo de presentes, preferia que a gente desse o dinheiro para a senhora comprar o que quisesse. Eu tenho o número da sua conta, vou fazer uma transferência do meu amor, que não se acaba.
Antonio Samarone.

Nenhum comentário:

Postar um comentário