terça-feira, 16 de julho de 2024

O GRANDE INQUISIDOR


 O Grande Inquisidor.
(por Antonio Samarone)

“Se Deus não existe, tudo é permitido.” – Dostoievski.

Compreendendo a falta de tempo para as narrativas encantadas, resolvi postar essa reflexão, de um clássico da literatura. O grande Inquisidor é um capítulo dos Irmãos Karamazov. Fala sobre o vazio da pós-modernidade.

“A ação passa-se em Espanha, em Sevilha, na época mais terrível da Inquisição, quando todos os dias, para glória de Deus, se acendiam as fogueiras e "os medonhos hereges ardiam em soberbos autos-de-fé".

“Na Sua infinita misericórdia, Cristo desceu pelas ruas ardentes da cidade, onde justamente na véspera, em presença do rei, dos cortesãos, dos cavaleiros, dos cardeais e das mais gentis damas da corte, o grande inquisidor mandou queimar uma centena de hereges, ad majorem gloriam Dei.”

“Cristo apareceu suavemente, sem se fazer notar, e, coisa estranha, todos O reconhecem; o povo comprime-se à Sua passagem e segue-Lhe os passos.”

“Silencioso, passa pelo meio da multidão com um sorriso de compaixão infinita. Tem o coração abrasado de amor, dos olhos se Lhe desprendem a Luz, a Ciência, a Força que irradiam e nas almas despertam o amor.”

“Um velho, cego de criança, grita dentre o povo: "Senhor, cura-me e ver-Te-ei"; cai-lhe uma escama dos olhos e o cego vê. O povo derrama lágrimas de alegria e beija o chão que Ele pisa. As crianças deitam-Lhe flores no caminho; todos cantam, todos gritam: hossana! É Ele, deve ser Ele, não pode ser senão Ele!”

“Cristo ainda para no Adro da Catedral de Servilha e ressuscita uma criança de sete anos.”

“Neste instante, passa pela praça o cardeal grande inquisidor. Os taciturnos ajudantes e a guarda do Santo Ofício seguem-no a respeitosa distância. Para diante da multidão e observa-a de longe.”

O inquisidor franze as espessas sobrancelhas e ordena: prenda-o!

Ignoro quem és e nem quero sabê-lo: és Tu ou somente a Sua aparência? Mas amanhã hei-de condenar-Te e serás queimado como o pior dos heréticos e o mesmo povo que hoje Te beijava os pés se precipitará amanhã, a um sinal meu, para deitar lenha na fogueira.

O Inquisidor reconheceu que era Cristo, mesmo assim, ou talvez por isso, decidiu condená-lo a fogueira. Cristo retornava para espalhar a liberdade e amor entre os homens. O inquisidor alertou-O, sem o medo, eles irão tentar construir uma nova babel.

Esse era o risco. O homem odeia a liberdade. Porque não há para o homem que ficou livre cuidado mais constante e mais doloroso do que o de procurar um ser diante do qual se incline.

Os povos forjaram deuses e desafiaram-se uns aos outros:

"Abandona os vossos deuses, adorai os nossos; senão, ai de vós e dos vossos deuses!" E será assim até o fim do mundo, mesmo quando já os deuses tiverem desaparecido; prostrar-se-ão diante dos ídolos.”

“O homem prefere a paz, e até a morte, à liberdade de discernir o Bem e o Mal? Nada há de mais sedutor para o homem do que o livre arbítrio, mas nada há também de mais doloroso.” Na pós-modernidade, o homem deixou de ter importância.

“Há três forças, as únicas que podem subjugar para sempre a consciência destes fracos revoltados: são o milagre, o mistério, a autoridade!”

Para entender o vazio, a falta de sentido da vida na pós-modernidade, para entender o desespero quando se descobre que os homens mataram Deus. E agora? Com Deus, tínhamos um norte, uma narrativa, um sentido para a vida.

O Ser humano precisa de orientação. Quem irá nos oprimir e proteger? A ciência, uma utopia humanista, ou o retorno ao sagrado? O homem busca o milagre!

Trocamos as narrativas pelos dados. A informação não produz significados relevantes para a vida, são efêmeras. Vivemos com pressa, voltados para a ação, para o desempenho. Precisamos de narrativas contemplativas, encantadas, criada em volta da fogueira.

É preciso imaginar Sísifo feliz!

Ao final da fábula acima, o Inquisidor libera Cristo: "ide e não voltes mais."

Antonio Samarone – médico sanitarista.

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