segunda-feira, 29 de julho de 2024

O DOENTE IMAGINÁRIO

O doente imaginário.
(Por Antonio Samarone)

Tomei o título de Molière.

Romeu, é um filósofo independente. Nunca tomou conhecimento do pensamento filosófico grego. Apreendeu a pensar com Zezito de Dona Bilô, no Beco Novo.

O seu horizonte filosófico é uma passagem do evangelho: “É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha, que um rico entrar no Reino do Céu.” Romeu divide a humanidade pela riqueza de cada um.

Em sua casuística, Romeu constatou que a canalhice é um privilégio dos ricos. Esse foi o seu maior engano. A canalhice é bem distribuída entre os humanos.

Em estudos recentes, exegetas bíblicos descobriram que alguns oportunistas, embarcaram na Arca de Noé, mesmo sem convites. A canalhice é universal e antiga.

Romeu era coerente com o seu credo e curtia uma bem sucedida velhice estoica. Até o atual transtorno.

Recentemente, Romeu começou a sofrer dos nervos. Após rondar pajés, xamãs, rezadores e curandeiros, terminou quase desenganado. Procurou o Dr. Rondinei, um velho charlatão em medicina natural, que diagnosticou um “destemperamento hipocondríaco”.

Diagnóstico que há muito tempo foi retirado do Código Internacional das Doenças (CID), mas a doença continua existindo.

Presente ou não no CID, o diagnóstico estava dado.

Como bom cristão, Romeu acredita em milagres, sabe que é o caminho mais rápido para a legitimação de santidades. Duvidá-los, é uma forma primária de arrogância. O milagre mais conhecido, a transformação de água em vinho, nas bodas de Canaã, é bem-visto, mesmos entre os hereges.

As leis da natureza são suspensas, pela ação de Jesus Cristo, acredita o filosofo Romeu. O coxo anda, o cego vê, o enfermo é curado, o morto ressuscita e os demônios são expulsos. Se alguém duvida, pergunta ele?

O que parecia fácil, recorrer aos milagres, ficou difícil.

A enfermidade de Romeu só existe como impressão, um transtorno imaginário: “destemperamento hipocondríaco”. Como curar quem de nada sofre? Ele só acha que sofre. Talvez, nesse caso específico, nem a psiquiatria científica de mercado, nem os milagres, resolvam.

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

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