A Nuvem de Cupins.
(por Antonio Samarone)
(por Antonio Samarone)
A sacralidade do ferro é reforçada por sua origem, seja por ter caído da abóbada celeste (os meteoritos), ou por ser extraído das vísceras da terra. O ferro está carregado da potência sagrada.
Os beduínos do Sinai eram convencidos de que, aquele que consegue fabricar uma espada de ferro meteórico se faz invulnerável nas batalhas e pode estar seguro de abater todos os seus inimigos.
As ferramentas do ferreiro participam deste modo, desse caráter sagrado. O martelo, o fole e a bigorna, revelam-se como seres animados e maravilhosos: supõe-se que podem obrar por sua própria força mágico-religiosa, sem ajuda do ferreiro.
Madrugada adentro, ouvia-se os tinidos da centenária bigorna de Totonho de Bernardino, meu avô, nas profundezas das Flechas e do Nicó. O som propagava-se pelas Caraíbas, Pé do Veado, Terra Vermelha, Sambaíba e Várzea do Gama.
Os que possuíam ouvidos de tuberculoso, chagavam a ouvir a bigorna na Matapoã.
O Bernardino, o pai de Totonho, foi atropelado em 1936, pelo trem da Leste Brasileira, no povoado Caititu, indo comprar ferro em Maruim. Foi esmagado pelo trem, em cima da montaria, dando dificuldade ao instituto de criminalista em Aracaju, para separar os despojos.
A Tenda Sagrada dos ferreiros das Flechas, está conservada sob os cuidados de um descendente do clã, lá no miolo das Flechas.
Essa bigorna foi trazida de Portugal por João José de Oliveira, o patriarca dos ferreiros das flechas. A bigorna ainda é viva, um pouco cansada, mas viva.
Os mitos dos ferreiros eram os da passagem da idade da pedra para a idade dos metais. O fogo de Prometeu continuava aceso. Fui criado seguindo o rito de mijar nas fogueiras, como uma forma de adoração ao fogo. E com um profundo pavor do fogo eterno.
Os ferreiros sempre foram contadores de estórias. Todos sebastianistas, aguardando o milênio. Conheciam as estórias de Gonçalo Annes Bandarra, de Trancoso.
As “Estórias de Trancoso”, do sapateiro e profeta português, autor de trovas messiânicas, eram famosas nas Flechas. Cansei de dormir ouvindo a minha mãe debulhar essas maravilhas.
Os ferreiros das Flechas liam em voz alta os Sermões do Padre Vieira, os cordéis encantados de Leandro Gomes de Barros e um velho livro de Antero de Figueiredo, que meu avô guardava sob sete capas, sobre Dom Sebastião, Rei de Portugal, onde a batalha de Alcacer-Quibir era contada em forma de versos.
Contei esses pormenores, para facilitar o discernimento de quem está lendo, sobre se é realidade ou fantasia o último acontecimento das Flechas. Joãozinho de Honorato anda contando que por lá apareceu uma nuvem de cupins, que já devorou a cumeeira de mais de vinte casas.
Na visão de Seu Joãozinho, essa nuvem cupins é da mesma natureza das nuvens de gafanhotos que rondam o mundo, e fazem parte da mesma mensagem que a grande Peste da covid-19 quer transmitir.
Nessas viagens, eles já estão esperando a Rainha do Meio Dia, e quem sabe, até o Anticristo.
Eu lavo as mãos!
Antonio Samarone (médico sanitarista)
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