domingo, 30 de junho de 2024

A MELHOR IDADE


 A melhor idade?
(por Antonio Samarone)

“Para conhecermos os amigos é necessário passar pelo sucesso e pela desgraça.” Confúcio.

Não se sabe onde se chega. Qualquer avaliação previa é precipitada. Romeu está morrendo de favores. Eu explico!

Viver de favores é relativamente frequente. Entretanto, morrer de favores, não ter onde cair morto, é bem mais raro.

Romeu foi um grande causídico de pequenas causas, com trânsito fácil nas delegacias. O seu escritório, na Praça da Feira, era lotado. Um advogado generalista: causas cíveis e criminais. Foi, por 40 anos, o protetor da pobreza injustiçada.

Quase não cobrava, misturava a filantropia, com favores a amigos políticos. Os Vereadores Ventinha, Xeleleu e Deixa que Eu Chuto abusavam da boa vontade do doutor.

O Dr. Romeu, nunca casou. É um borboletão assumido.

Não vamos exagerar, Romeu não enricou com o Direito, mas vivia folgado. Tinha uma meia dúzia de casas, quartos de vilas, pontos comerciais. Tudo alugado. Ele gostava de carros velhos.

A idade vai chegando, as atividades profissionais diminuindo e os amigos desaparecendo. A vida social chega ao fim. O idoso carrega a vida nas costas, penosamente.

Romeu nunca pagou a previdência e não pôde se aposentar, nem receber o Benefício de Prestação Continuada – BPC, previsto na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, porque tinha a renda dos aluguéis.

Que aluguéis? Os inquilinos deixaram de pagar a muito tempo.

Como quase sempre acontece, aos 82 anos, Romeu apresenta um quadro de Alzheimer, de evolução rápida. Não se reconhece, ao olhar no espelho.

Hoje, vive em condições análogas aos mendigos.

Pela misericórdia de Deus, existe uma Casa de Acolhimento Santa Dulce por perto, onde ele pode morrer, aos cuidados dos favores da caridade.

Romeu não se lembra dos amigos, por conta da demência; nem os amigos lembram-se dele, por conta da natureza humana.

Casos semelhantes serão cada vez mais frequentes, por conta da virada demográfica, com o envelhecimento acelerado da população. O Brasil está envelhecendo pobre, desigual e sem uma assistência pública aos idosos.

A assistência familiar nem sempre é possível. As casas de caridade serão o caminho de muitos.

Antonio Samarone. Médico sanitarista.

quinta-feira, 27 de junho de 2024

O TINHOSO


 O Tinhoso...
(por Antonio Samarone)

“Agarra-te ao que ainda te sobrou.” O Fausto de Goethe.
Se alguém duvida da existência de Deus, sobre o Satanás, não existem dúvidas. A polêmica é sobre a sua natureza.

Nicanor vendeu a sua alma, com recibo passado em cartório. No início foi uma festa, tudo dava certo.

Muitos contratos antigos estão sendo descumpridos. Com a velhice, o Satanás deixa de cumprir o acordado. Funciona como os Planos de Saúde. O segurado que se vire. A quem recorrer, perguntou Nicanor.

Antes, a demanda era limitada. Muitos desejavam o pacto, mas o medo do fogo eterno, botava um freio. Hoje o demônio está selecionando. Quem não quer qualquer alma é o chifrudo.

Com o fim do inferno, perdeu-se o medo. Muitos, fazem o pacto, e só cumpre o que interessa. O Diabo não é tão feio quanto se pinta, já está usando até a inteligência artificial generativa.

O Satanás é o pai da mentira, portanto, entrou em moda, é o avô das fakes News.

Ninguém voltava do inferno! Hoje, já se transmite ao vivo, de lá;
A Inscrição na Porta do Inferno é coisa do passado: “Lasciate ogni speranza o voi ch'entrate” (Vós que entrais, deixai aqui, toda a esperança.) Agora, entra-se e sai, basta ter a senha.

O inferno existia para os ímpios, que seriam castigados com a danação, o fogo eterno! Cérbero, o cão com múltiplas cabeças, que tomava conta das portas do inferno, era dócil com os que entravam e feroz com os que tentavam sair.

Hoje, não existe pecado, do lado de baixo do equador.
A barca de Caronte está encalhada.

O catecismo do Concílio de Trento ensinava que o quinto dos infernos estava no centro da terra. São trevas e calor. A ciência contesta: o fogo eterno não é quente, o inferno é o cosmo infinito, são frios e trevosos.

Se não bastasse o inferno, existia o purgatório e o limbo. Parece que só o limbo era frio.

Virgílio, canta na Eneida: “Logo se ouve ao limiar vagido e choro/ Tenros ais dos que ao seio em que mamavam/ Arrebatou, privou do doce alento/ imergiu dia infausto em luto acerbo.”

Perdemos o temor de Deus. Ficou antigo! Se não existe o juízo final, tudo é permitido.

Deus é amor!

Antonio Samarone. Médico sanitarista.

terça-feira, 25 de junho de 2024

O ASSASSINATO DO SUS.

O Assassinato do SUS.
(por Antonio Samarone)

A reforma sanitária brasileira permitiu um sonho: “A assistência integral à Saúde, universal e gratuita” – prevista constitucionalmente. Criamos o SUS. Após uma longa caminhada, tropeços, resistências, boicotes, o SUS agoniza.

O que está matando o SUS?

O sub financiamento, agravado pela destinação inadequado dos recursos, pelo inversão de prioridades, pela ausência de regulação e por uma gestão caótica. Parte das emendas parlamentares obrigatórias, saem do orçamento do Ministério da Saúde.

Se não bastasse, o Ministro Haddad quer revogar os mínimos constitucionais da saúde e da educação, para acalmar o mercado.

As carências do SUS são agravadas pelo envelhecimento da população, custos crescentes das tecnologias, supremacia das doenças crônica e explosão das doenças mentais.

O uso dos medicamentos não tem relação com as necessidades de saúde. Se consome o que a indústria produz e quer vender. Muitas vezes, de forma iatrogênica. Várias pesquisas confirmam.

A hegemonia absoluta da lógica de mercado. O fim da Saúde Pública.

Na assistência privada, a liberdade dos Planos de Saúde é ilimitada. Cobrem 30% da população, com serviços regulados pelo lucro. Sem referências a realidade epidemiológica. A judicialização tornou-se rotina.

O fim da Saúde Pública, das ações coletivas, da atenção integral. O modelo assistencial do SUS, tornou-se uma cópia precária do modelo da medicina de mercado.

A baixa cobertura e a falta de resolutividade da atenção primária, sobrecarregam as urgências e os hospitais, limitam o acesso à atenção especializada, aos exames e aos procedimentos cirúrgicos. A carência é desumana.

Para complicar, a formação dos profissionais de saúde passou a obedecer exclusivamente à lógica do mercado, sem controle, cada um buscando o seu nicho de atuação. A famosa liberdade econômica. O Brasil possui três vezes mais faculdades de medicina que os Estados Unidos.

As bases da crise são a inadequação da assistência às necessidades de saúde e os custos elevados das tecnologias dominantes. A rede de saúde (pública e privada) oferece serviços em dissonância com as necessidades reais de saúde da população.

Um exemplo simples: a obesidade é um grande problema de saúde pública, nada é feito para a prevenção, esperam-se as consequências, e monta-se uma rede para atender as vítimas do problema. Pelo menos, para atender aos que possam pagar. A quem interessa esse modelo?

Fico à vontade para fazer esse diagnóstico, pois sou formado numa especialidade extinta: médico sanitarista. Com o fim da Saúde Pública, os seus especialistas tornaram-se ociosos.

Numa conversa de mesa de bar, na famosa feira do Augusto Franco, um jovem médico me insultou: “O que fazia um sanitarista em seu tempo, perguntou-me o recém-formado.”

A resposta era longa e não senti nele a vontade de escutar. A pergunta foi apenas uma provocação. Limitei-me a um exemplo: mais ou menos, o que Almir Santana continua fazendo.

“Hum, entendi!” Ironizou o jovem facultativo, com num riso no canto da boca, deixando a entender que achava aquilo uma perda de tempo. Pensei em silêncio: que Deus proteja os pacientes desse doutor.

Precisava contar essa história!

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

segunda-feira, 24 de junho de 2024

SÃO JOÃO DO CARNEIRINHO.


 São João do carneirinho.
(por Antonio Samarone)

“Quando o tempo acelera e pede pressa, eu me recuso, faço hora, vou na valsa, a vida é tão rara.” - Lenine. A festa é tempo de contemplação.

O poder público transformou a festa de São João em mercadoria, em circo alienante, espetáculo, evento sem celebrações. Tudo ali é vazio, consumo massificado.

O São João era uma festa pagã, da fertilidade rural: “Eu plantei meu milho todo no dia de São José, se me ajuda a providência, vamos ter milho a grané, vou colher pelos meus cálculos, vinte espiga em cada pé.” Canta Luiz Gonzaga.

Eu sei, a fertilidade ficou a cargo do agro negócio, da semente transgênica e dos pesticidas. O milho é uma commodity. O agro produz bem mais de vinte espiga em cada pé. Em contrapartida, o agro pop impôs a sua música e a sua dança, ainda por cima, levou o fogo sagrado das fogueiras, para incendiar as florestas e os pantanais.

Sepultaram a celebração. Acabaram as fogueiras contemplativas.

O fogo é o primeiro devaneio humano, a sua primeira forma de adoração. A condenação de Prometeu pela liberação do segredo do fogo aos humanos, é um mito que diz muito da condição humana.

O homem foi condenado ao sofrimento cíclico. Restou-lhe de consolo, a esperança, o sagrado, o riso e sono. A aceitação do divino é um ato de humildade, um reconhecimento da miséria humana.

Sentar-se em torno da fogueira é a busca de uma contemplação ancestral. Só recebemos o bem-estar do fogo, quando apoiamos os cotovelos nos joelhos e a cabeça na mão, a postura do pensador. Perto do fogo é preciso sentar-se, repousar sem dormir.

As crianças nascem sabendo que não se mija no fogo, ele é sagrado. Em torno do fogo se fazia e se cumpria promessas, renovavam-se as amizades. Existiam até os compadres de fogueira. Os mais ousados, saltavam as fogueiras e pisava nas brasas.

Como se não bastassem as fogueiras, o São João também era uma festa dionísica, bárbara, com barcos de fogo, espadas e busca-pés. Era uma adoração ao fogo móvel, que corre e encanta. Os fogos de artifícios eram o ornamental. Aqui também não há espaços para contemplação.

Os donos do poder sequestraram o nosso São João, a nossa festa. E não existe volta!

O meu São João é o do carneirinho. Esse São João espetáculo, nem me move, nem comove.

Antonio Samarone.

sexta-feira, 21 de junho de 2024

A VOLTA DO CARRANCISMO.

A Volta do Carrancismo! (por Antonio Samarone)

Itabaiana mudou muito na última década. O censo do IBGE não deixou dúvidas: passamos dos cem mil habitantes, ou seja, foi formada uma nova região metropolitana, em Sergipe. A base econômica passa a ser regional.

A história aponta uma contradição: Itabaiana sempre se destacou na economia, no esporte e na cultura. Entretanto, a política vivia atolada em violências, intrigas e picuinhas. Isso era uma barreira ao desenvolvimento. Foi difícil, até, trazer água encanada. Um grupo político foi contra a água, só porque a proposta era dos adversários.

A política vivia da paixão, da violência, do fanatismo e do atraso.

O Dr. Florival Oliveira, um udenista (UDN) esclarecido, criava Mimosa, uma gata persa, que usava botas e gravatinha. Por um descuido, mimosa pulou o muro e namorou o gato Tigrão, do pessedista (PSD) Zeca do Vinagre. Tigrão era daqueles gatos de rua, bonitão, mas não estava a altura da classe da gata do Doutor. Foi um escândalo na cidade! O Dr. Florival, da UDN, comentava indignado: “se não bastasse, Tigrão é um gato do PSD, de Zeca do Vinagre.”

Na última década, a política tomou os rumos da modernidade. A gestão pública foi profissionalizada. Os resultados são visíveis.

Nada, que as proximidades de um pleito eleitoral não atropele.

Há muito, Itabaiana pleiteia um aeroporto. É uma necessidade. A demanda é grande. Agora, foi anunciada a liberação dos recursos.

Os adversários caíram em campo para impedir a chegada do aeroporto. Pressionaram o Ministro, para não liberar os recursos. Essa forma de se fazer política, da época do carrancismo, é lesiva aos interesses públicos.

Os argumentos contra o Aeroporto, são na mesma linha da gata do doutor Florival. Primeira alegação: “Como se vai construir um aeroporto, se a estada das Flechas está esburacada.” Segundo, “a chegada de um aeroporto, será o fim dos caminhoneiros.”

Você pode estar pensando que é folclore.

Não!

A estupidez política não tem limites.

Antonio Samarone – Cidadão do Beco Novo.

quarta-feira, 19 de junho de 2024

CARITAS IN VERITATE

Caritas in Veritate.
(por Antonio Samarone)

Visitei uma nova entidade filantrópica, em Itabaiana: a futura sede do “Oratório de Santa Dulce dos Pobres”. Em construção, mas já presta assistência alimentar aos deserdados.

Tinha conhecido a Missão Dulce, a Casa Santa Dulce e os Missionários de Santa Dulce. Todos voltados para a caridade. São instituições privadas de assistência aos mais pobres. A caridade está em pauta.

O que houve, a filantropia tinha sido superada por políticas sociais públicas e universais. O chamado Welfere State.

Por que a caridade retomou o protagonismo na assistência aos pobres? Por que se recorre tanto aos milagres da Santa Dulce? Um fato: a desigualdade social é crescente. A assistência pública foi reduzida à bolsa família.

Quem cuida dos idosos carentes, dos doentes mentais, dos crônicos, dos inválidos, dos incuráveis, dos miseráveis e deserdados de toda a ordem? Só a misericórdia divina!

Chama a atenção a pequena participação da Igreja católica nas obras de caridade. Já os neopentecostais, estão embrenhados com a teologia do domínio. Procurem saber do que se trata.

Voltando aos pobres da terra.

O Brasil está retomando o modelo das Misericórdias, uma instituição de caridade, fundada em 1498, em Lisboa. Destinada a atender a população mais necessitada, com funções como alimentar os famintos, assistir aos enfermos, os incapacitados e consolar os tristes.

O Brasil, com a Constituição de 1988, no papel, as políticas sociais foram universalizadas, com o status de “Direitos”. Um sonho, abortado pelo neoliberalismo. O novo capitalismo, propunha um estado mínimo e políticas compensatórias.

Não há retorno! O neoliberalismo teve sucesso em desmantelar os mecanismos de solidariedade. Hoje, assistimos ao Ministro Haddad, um profeta da austeridade, propondo redistribuir os recursos da saúde e da educação, para garantir a renda do mercado financeiro.

Somos empresários de nós mesmo. A vida foi uberizada.
O mundo ronda os precipícios de uma guerra nuclear.

O que vem após o neoliberalismo? Fascismo e guerra. Um capitalismo sem futuro, devorador do meio ambiente.

Quando o mundo parece sem saídas, a encíclica de Bento XVI (2009) “Caritas in veritate!”, aponta um consolo moral.

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

terça-feira, 18 de junho de 2024

PAÍS DO FORRÓ


 País do Forró.
(por Antonio Samarone)

As músicas e as danças das festas juninas eram nordestinas. Tradição fortalecida por Luiz Gonzaga e pelo xaxado dos cangaceiros.

Outra coisa, se brincava o São João, cada um em sua porta, com a sua fogueira e o seu milho assado. Quando a festa crescia, se fechava o quarteirão.

Hoje, as festas juninas governamentais, se assistem. Foram tomadas pela música do Centro-Oeste, a música sertaneja do agronegócio. Nesse combo, entra de tudo, até Carlinhos Brown. A indústria cultural vende de tudo, menos o forró.

Nem o forró universitário, se toca mais.

Existe uma dúvida bizantina: a indústria cultural só produz o que o povo gosta, ou é o inverso, o povo gosta do que a indústria cultural impõe. Não sei matar essa charada. O certo, o sucesso dos artistas não corresponde aos seus talentos.

Para facilitar para os mais jovens, estou chamando de forró: baião; arrasta pé; xote; xaxado; coco; embolada; marcha (muito utilizado em quadrilhas juninas) e maracatu.

A música nordestina foi empurrada para palcos secundários, festas menores, com sub cachês, e pouca divulgação. Não tivemos a força do samba no Rio de Janeiro, que continua dando o ritmo no carnaval. Eu sei, quem manda são os bicheiros.

A tradição cultural resiste, sobretudo nas festas juninas das escolas. As escolas são polos de resistência.

Na quinta-feira, dia 20/06, vamos realizar em Itabaiana, um simpósio sobre a música nordestina, sua história, e a força das marchinhas juninas. Em pareceria com a Filarmônica 28 de agosto, que está construindo uma Escola de Sanfonas.

O simpósio será coordenado pelo jornalista Paulo Correia, um intelectual lagartense, dedicado a música nordestina.

Itabaiana é o berço de Mestrinho, o maior sanfoneiro do Brasil, na atualidade. Na grande Itabaiana, estão dois gênios da sanfona: Tatua e Cobra Verde.

O simpósio sobre o forró será destinado aos artistas, professores, agentes culturais e demais interessados. É uma retomada dos fóruns de forró, do primeiro Governo Marcelo Déda, organizados por Chico Buchinho.

Faremos a nossa parte.

Um ato de resistência pequeno, quase simbólico, mas um grito em defesa da música nordestina será dado.

Será na quinta, dia 20/06, a partir das 8 h, no auditório da Shopping Peixoto. A participação é franqueada aos interessados.

Antonio Samarone.
Secretário de Cultura de Itabaiana.

sábado, 15 de junho de 2024

ORA ET LABORA

Ora et labora.
(Por Antonio Samarone)

Coisas que na vida, nunca se trocam: santo de devoção, padroeiro e time de preferência.

Em Itabaiana, os caminhoneiros trocaram de Santo Protetor. Uma raridade! No ocidente cristão, o padroeiro dos motoristas é São Cristóvão, lá, mudaram para Santo Antonio. Parece que Santo Antonio arrumou uma nova obrigação, e vem dando conta.

O Vaticano calou! O dia de São Cristóvão se comemora em 25 de julho.

O que levou a essa deselegância com São Cristóvão?

Eu tenho uma hipótese: São Cristóvão é um santo lendário, não se sabe se ele existiu em carne e osso. Outra coisa, São Cristóvão nunca fez um milagre. E Itabaiana é a cidade dos milagres.

A hagiografia romana conta que São Cristóvão chamava-se Réprobo (banido). Um guerreiro pagão, nascido na Cananeia. Forte e arrogante.

Réprobo resolveu servir ao Rei de Canaã, até descobrir que o Rei se afastava quando ouvia o nome do demônio. Ele conheceu um ser mais poderoso que o Rei, e passou a acompanhar o demônio, pelo deserto.

O demônio, por sua vez, se afastava da Cruz. Ou seja, a cruz simbolizando o poder divino. Existia alguém mais forte que o demônio. Réprobo passou a seguir Cristo. O guerreiro Réprobo, para servir a Cristo, assumiu a missão de ajudar os peregrinos a atravessarem um rio perigoso.

Certa feita, Réprobo colocou um menino no ombro para atravessá-lo e o achou muito pesado. Na travessia, ficou sabendo que o menino era o próprio Jesus. Réprobo Passou a chamar-se Cristóvão, o carregador de Cristo.

Simples assim, virou o Santo Protetor dos viajantes. Quando surgiram os motoristas, São Cristóvão estendeu os dominios.

Como se percebe nesse resumo biográfico, São Cristóvão não realiza milagres, nem peçam, ele nunca foi um demiurgo. Os motoristas de Itabaiana precisavam de um Santo milagreiro.

Aos poucos, pragmaticamente, foram mudando de protetor.

Primeiro, os motoristas assumiram o patrocínio da última trezena de Santo Antonio, a do dia 12 de junho. Depois começaram a realizar pequenas carreatas com o novo Santo.

Por oportuna coincidência, a antiga imagem de São Cristóvão desapareceu da Capela. A Festa foi crescendo e hoje é uma semana de festas. Virou a festa dos caminhoneiros.

A maior festa de padroeiros, em Sergipe. A coisa anda sem conflitos aparentes, com as partes pagãs e religiosas juntas e separadas. Na hora da farra é farra, na hora da reza é reza.

A mais comentada é a festa dos caminhoneiros. Uma celebração dionisíaca.

Creio que entre Santo Antonio e São Cristóvão não existam disputas, vaidades ou encrencas. A coisa está resolvida. Os dois, são Santos com muitos devotos.

Esse ano, a carreata voltou a sair do Bairro São Cristóvão, como dantes.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

quinta-feira, 13 de junho de 2024

A FÉ EM ANTONIO


 A fé em Antonio.
(por Antonio Samarone)

“O homem é naturalmente religioso”. Carl Jung.

Em Itabaiana existem três unanimidades: Santo Antonio, os caminhoneiros e a Associação Olímpica. O arquétipo do milagre está no inconsciente coletivo.

O Santo padroeiro é um demiurgo! “Vocatus atque non vocatus, Deus aderit.” Invocado ou não, Deus estará presente. Inscrição na porta da casa de Jung, em Kusnacht.

Os caminhoneiros trouxeram o capitalismo mercantil. Tiraram Itabaiana dos cem anos de solidão. Eles tomaram Santo Antonio por padroeiro, e passaram a festejar juntos. Uma parte da festa, pagã: músicas, danças e negócios. Outra religiosa: trezenas, rezas e procissões. No fundo, tudo junto e misturado.

Hoje é a procissão (13 de junho), a maior de Sergipe. Vai os devotos e os não devotos. Os penitentes e os renitentes. Até os hereges. Oviedo Teixeira nunca perdeu. Nem eu!

As trezenas são outras. O pároco deixou de ordenar: “fogo Capitulino”! E os meninos danavam-se a se proteger, com medo das flechadas. Também acabaram as bandas de pífano, os oratórios, as promessas para casar. Em Itabaiana, Santo Antonio é maior que São João, sempre foi.

Mamãe, uma devota, fez uma promessa: se o primeiro filho for homem, será Antonio. Eu sou fruto dessa promessa. Aliás, eu e Fernando Pessoa. Isso mesmo, o Poeta.

Nas festas de Santo Antonio, existia o pão dos pobres. Hoje é a bolsa família. As promessas eram pagas na procissão: acompanhar descalço, vestir-se de franciscano, carregar uma pedra na cabeça. Essa crença continua, o que significa que os milagres continuam ocorrendo.

Quem quiser que não acredite. Como canta Caetano: “Quem é ateu e viu milagres como eu/ Sabe que os deuses sem Deus/ Não cessam de brotar.”

Hoje, em Itabaiana, os milagres ganharam uma nova demiurga, uma devota de Santo Antonio: Santa Dulce dos Pobres.

O andor de Santo Antonio está em preparação desde maio. São dezenas de artistas, coordenados por um gênio da decoração, Val de Euclides Barraca. Há mais de 40 anos. O povo fica à espera, desde o meio-dia. Todas às vezes, quando o Santo aparece, seguido pelos dobrados da Filarmônica, o povo se espanta pela beleza. O andor, é um carro alegórico sagrado.

As procissões em Itabaiana são puxadas pela Irmandade das Santas Almas do Purgatório, desde 1665. A Irmandade Vive! São os Irmãos das Almas, com os seus sobretudos verdes, presididos por Zé Bigodinho.

O segredo é conseguir uma flor do andor. Todos querem. E os coroinhas a vigiar: deixem para o final, deixem para o final.

Com ou sem chuva, daqui a pouco eu parto para louvar o Glorioso Antonio, e entoar o mesmo canto, desde menino. “Glorioso Antonio, nosso padroeiro, enchei de alegria o Brasil inteiro.”

O Brasil precisa!

Antonio Samarone. Secretário de Cultura, de Itabaiana.

terça-feira, 11 de junho de 2024

A ARTE DE CURAR

A arte de curar.
(por Antonio Samarone)

O velho médico tisiologista, Alfredo Barreto, músico e poeta, amante das artes e da filosofia, está querendo saber sobre a Inteligência artificial. “Que diabo é isso”?

O doutor Alfredo é filho do iluminismo e um crente apaixonado pela ciência. Sempre acreditou nas promessas do modernismo. Em sua longa e bem sucedida carreira de médico, viu a ciência substituir os cirurgiões por robôs, o genoma ser decifrado, os bebês de proveta, crianças clonadas, os laboratórios passarem a produzir mosquitos, vírus, vacinas de RNA, e outras presepadas.

Alfredo viu a ciência descobrir a cura da tuberculose, e extinguir a sua especialidade. Dois anos perdidos, estudando a peste branca, em Manguinhos.

O Dr. Alfredo Barreto (quase 90 anos), está em dúvidas sobre a tendência da inteligência artificial substituir a clínica. Não entra na cabeça dele.

O doutor Alfredo fundamentou:

“O pensamento é analógica e afetivo (a comoção é anterior aos conceitos). O pensamento escuta as contradições, compara, erra e conserta, tem dúvidas.”

“A inteligência artificial calcula. Ela é surda, apática e sem paixão. Impossível! Como a inteligência vai acolher os pacientes ou aliviar os sofrimentos.”

“O Big Data estabelece correlações. Tudo se torna calculável. Uma forma primitiva de saber. O pensamento humano vai além de resolver problemas, ele clareia e ilumina o mundo.”

“O risco não é da inteligência artificial suplantar o pensamento humano, são coisas distintas. O risco é inverso, a inteligência humana ser rebaixada ao nível da IA.”

Resolvi polemizar.

Professor, a inteligência artificial avança ruidosamente sobre o trabalho médico. A relação dos médicos deixou de ser com os doentes (médico/paciente). A relação atual é com as doenças.

A chamada desumanização é essa mudança: da relação médico/
paciente, para a relação médico/doenças.

Não tenha dúvidas, Dr. Alfredo, na medicina de mercado, a inteligência artificial saberá calcular a melhor conduta, e indicará com rapidez e precisão, o procedimento de menor custo.

Os doutores da medicina mercantil precisam de “evidências”, e a inteligência artificial não tem dúvidas. A IA é inteligente demais para perder tempo.

O mestre Alfredo Barreto, retrucou com a voz firme: “As doenças são cheias de malícias e caprichos. Não tome como pretensão, mas lembrei-me de Hipócrates. “A vida é breve, a arte é longa e a ocasião fugidia.”

Que se dane a inteligência artificial!

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

domingo, 9 de junho de 2024

GENTE SERGIPANA - DR. JOÃO, DE CAMPO DO BRITO.


 Gente Sergipana – Dr. João, do Campo do Brito.
(por Antônio Samarone).

A principal função da memória é esquecer.

Resolvi falar dos dentistas de Itabaiana e comecei por Zequinha Babão. Só lembrei dos dois Zequinhas: o branco e o preto. Logo, me ligaram: e o dentista Josias Bittencourt? Um feioso, magro, narigudo, mas cheio de iniciativas e encrencas. Foi quem montou a primeira rádio em Itabaiana. Baldochi me confirmou, porém, eu ainda não lembrei.

Um doutor de anel e canudo me questionou: você encheu a bola de um charlatão. Primeiro, Zequinha não era Charlatão, ele nunca disse que era formado. Charlatão é quem passa pelo que não é...

Ia esquecendo, o pai da cirurgia é um cirurgião barbeiro: o francês Ambroise Paré!

A falha maior foi não ter lembrado do Dr. João, dentista do Campo do Brito, que as quartas e sábados, mantinha um consultório odontológico em Itabaiana. João era um prático diferenciado, melhorou a qualidade do atendimento em Itabaiana. Esse, eu lembro-me bem!

O consultório do Dr. João era organizado, moderno, vistoso, ficava no segundo trecho da Praça de Santa Cruz. Logo, formou uma clientela de gente rica e remediada.

João Batista Neto, nasceu em Campo do Brito, em 23 de junho de 1931. Filho de Seu Arnóbio e Dona Josefa. Aprendeu a odontologia com a vida.

Dr. João escolheu uma Itabaianense com esposa: Dona Maria Bernadete é filha de Chico Volta, que chegou a Prefeito de Itabaiana em 1935, por 4 meses. A família dos “Voltas”, é parte da nobreza itabaianense. O casal levou ao mundo sete filhos: George, Geodete, Washington Luiz, Kleber, Jussara, Francisco Neto e Arnóbio.

O Dr. João do Brito, como era conhecido, ficou famoso em Itabaiana, pela qualidade profissional. Foi um excelente dentista.

Sem nunca ter morado em Itabaiana, João fui muito bem aceito. Eu sei, o fato de ter casado com uma “Volta” ajudou, mas foi sobretudo a sua competência profissional.

Dentistas formados em Itabaiana, os primeiros foram os doutores Eduardo Porto, Wellington, José Valde de Vadiice e Tarcísio de Maria Branquinha. Esqueci de quem?

João Batista exerceu a profissão até os 48 anos, quando ocorreu uma mudança definitiva. A proibição do exercício da odontologia, pelos práticos. Os odontólogos recém formados na faculdade de odontologia da UFS, iniciou uma pressão legitima, para impedir a atuação dos Práticos.

A lei 5.081, que proibiu o exercício dos dentistas práticos, é de 1966. É a mesma que criou o Conselho de Odontologia. A lei demorou a ser fiscalizada. Em Sergipe, o fato foi consumado durante a passagem de um dentista, Dr. João Garcez, pelo Governo do Estado.

O dentista João Batista, precisou mudar de vida. Comprou um terreno na Desembargador Maynard e construiu o conhecido Posto Aperipê, em Aracaju. Foi dono de caminhão e fazendeiro. João Batista levou uma vida lotada de realizações.

João Batista Neto, faleceu em 1996, aos 65 anos.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

sexta-feira, 7 de junho de 2024

GENTE SERGIPANA - ZEQUINHA BABÃO.

 

Gente Sergipana – Doutor José Lima (Zequinha Babão).
Por Antonio Samarone)

José Lima nasceu em 18/01/1914, filho do alfaiate Messias Francisco Fagundes, do Beco Novo, e dona Josefa Francisca Nunes. Órfão muito cedo, os pais morreram em 1918, com a suspeita da Gripe espanhola.

A alfaiataria de Seu Messias era vizinha a loja de Manezinho Priscina.

Zequinha foi criado desde os 8 anos, pelo fidalgo Esperidião Noronha.

Que eu saiba, em Itabaiana tinha tres dentistas práticos: Josias, Zequinha Preto (ou Babão) e Zequinha Branco. Tinha um dentista formado, Dr. Pedrinho, mas que não exercia a profissão, era professor no ginásio. Os outros chegaram depois.

Se arrancava o mal pela raiz, nem se falava em restaurações. A norma era arrancar os dentes, ficar logo livre, para se usar as dentaduras postiças, conhecidas como “chapas”.

Quem já sofreu, sabe o que é a dor de dente, só perde para dor de ouvido e pedra no rim. Quando o dente doía, se botava guaiacol. Queimava-se o boca, e esperava-se uma oportunidade para arrancá-lo. Não adiantava insistir. Era arrancar para botar chapa.

As chapas eram vendidas na feira, já prontas, numa urupema. De vários tamanhos e formatos. O freguês ia experimentando. Olhava-se num espelho, até se agradar de uma. Se fosse folgada, usava-se corega em pó, para fixar; se ficasse apertada, com o tempo ia folgando, como sapato.

Zequinha Preto era o dentista mais acessível, o mais barato.

As dentaduras eram lindíssimas, pareciam um teclado de piano. Quando as dentaduras não eram completas, só com alguns dentes, chamavam-se de pererecas. Quando escapavam da boca, saia aos saltos.

Itabaiana teve um gênio em dentaduras: o doutor Olavo. Ele chegou a sofisticação de produzir dentaduras tamanho único, adaptava-se em qualquer boca.

Não me perguntem que eu não conheço a tecnologia. Nem eu, nem ninguém. Olavo morreu sem ensinar o seu mistério. Eu cheguei a conhecer as dentaduras tamanho único, serviam para qualquer boca.

O doutor Zequinha Babão foi soldado de polícia, passando para reserva como sargento. Aprendeu a arte de arrancar dentes com o doutor Alfredo Ventinha, também prático.

Seu Zequinha Preto tinha o talento dos cirurgiões barbeiros da idade média. Resolvia quase tudo a ferro e a fogo. Partejava, encanava braços, sangrava e arrancava dentes.

Prestou um grande serviço ao povo pobre do agreste, durante muitos anos. Não existia SUS. Doutor Zequinha Preto morreu em 10/10/2001, aos 87 anos, deixando cinco filhos.

Conta-se que certa feita, um rico, daqueles, mão de figa, levou um filho para arrancar dois dentes. Cada dente custava 200 reis, ele deu uma nota de 500 e esperou o troco de 100 reis. Como Seu Zequinha não tinha o troco, se combinou, e ele arrancou outro dente pelo cem, aproveitando a força da anestesia. O terceiro dente foi arrancado, pelo troco.

Vamos reconhecer: a odontologia avançou muito, nos últimos 70 anos.

Esses profissionais, humildes, com pouca instrução, merecem o reconhecimento. Resolveram muita dor de dente.

Antonio Samarone. Médico sanitarista.

350 ANOS DE HISTÓRIAS E LENDAS.


 350 anos de histórias e lendas.
(por Antonio Samarone)

Quando há divergências entre histórias e lendas, eu tomo partido das lendas.

A colonização de Itabaiana ocorreu sob tensão entre franciscanos e Beneditinos. Os devotos franciscanos trouxeram Santo Antonio, um santo português; os beneditinos trouxeram São Miguel, o protetor das santas almas do fogo do purgatório, santo de devoção do venturoso.

A Aldeia foi denominada de Santo Antonio (atendendo aos franciscanos) e almas (atendendo aos beneditinos) e Itabaiana é a Serra. Simples assim. Essa descoberta foi do historiador Wanderley Menezes.

Almas do purgatório é uma referência a São Miguel, o protetor dessas santas almas, o arcanjo que afasta os demônios.

Quando os primeiros colonos resolveram fundar um distrito, fora esplendoroso Vale do Jacarecica, criaram uma confraria, sob inspiração dos Beneditinos: a “Irmandade das Santas Almas do Fogo do Purgatório”, em 1665.

Essa Irmandade comprou um sítio na Caatinga de Ayres da Rocha Peixoto, de propriedade do Padre Sebastião Pedroso de Góes, e construíram uma nova comunidade. Em 1675 já estavam estabelecidos. A arquidiocese da Bahia, criou Freguesia de Santo Antonio e Almas, nesse ano. Até aí é história, está nos documentos.

Esse Ayres da Rocha é o mesmo que fundou Santo Amaro.

A lenda do Santo Antonio Fujão ofereceu uma justificativa aceitável para se trocar um sítio saudável, com muita água e ao pé da Serra; por um seco, sem água, numa caatinga. Só os caprichos do Santo. Ele não gostava da Igreja Velha, e fugia para as sombras de um pé de quixaba.

No próximo dia 09, domingo, estamos revivendo os passos de Santo Antonio Fujão. A lenda já foi destrinchada por muita gente. Não vou repetir. Deixem de preguiça e procurem o livro de Vladimir Carvalho, que está lá bem explicadinho.

A trilha desse ano é uma preparação para a trilha dos trezentos e cinquenta anos, em 2025.

Entenderam? No próximo ano (2025), Itabaiana e a sua Paróquia de Santo Antonio e Almas completam trezentos e cinquenta anos (350). São de 1675! Por que esqueceram? Não sei!

Em 1698, Itabaiana foi elevada à condição de Villa. Em 1745, Itabaiana já possuía uma orquestra, fundada pelo padre Francisco da Silva Lobo. Aliás, a Filarmônica Nossa Senhora da Conceição completa 280 anos, em 2025.

Quando o Padre Lobo construiu a atual matriz, botou Santo Antonio de uma lado do altar, e São Miguel do outro. Eu não entendia a importância de São Miguel. Não sei se continua.

Em 28 de agosto de 1888, Itabaiana foi elevada à condição de cidade. Alguém desavisado estabeleceu essa data como aniversário de Itabaiana, e assim vem sendo comemorado.

Em 28 de agosto, passamos de vila a cidade, uma mudança administrativa. Itabaiana já era bem grandinha. O aniversário mesmo, é 30 de outubro de 1675, quando foi criada oficialmente a Freguesia de Santo Antonio e Almas. Itabaiana nasceu, oficialmente, com a instalação da Freguesia.

Primeiros colonos chegaram no Vale do Jacarecica por volta de 1600, e já encontraram Simão Dias, um mameluco de pai francês e mãe Tupinambá. Aí é outra história.

A próxima trilha de Santo Antonio Fujão, será domingo, dia 09, saindo da Igreja Velha, as sete horas da manhã, após a missa na capela local. Dessa feita será a preparação para a festa dos 350 anos de Itabaiana, em 2025.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura.

terça-feira, 4 de junho de 2024

O PANDELÓ DE DONA GRAÇA


 O Pandeló de Dona Graça.
(Por Antonio Samarone)

Não havia dúvidas: o pão-de-ló de Dona Graça era o melhor de Itabaiana.

O pandeló é um bolo feito com farinha-do-reino, açúcar e ovos batidos, assado no forno, numa lata. Usado em sobremesas e em dietas de convalescente e valetudinários. Um bolo tradicional de doentes e famílias enlutadas.

Um bolo inocente, fofo e corado, que não faz mal a ninguém. O pandeló era o bolo dos enforcados. O bolo, coberto com um lenço de seda preta, já foi presente de pêsames. Muito consumido em velórios.

Pão de ló é um bolo que não rende, não é comida de pobre. Ló significa um tecido muito fino, fofo e brando.

Conta a lenda, que Seu Rosendo, marido de Dona Graça, já idoso, padecia de uma doença incurável. Mais dia, menos dia, passaria dessa para uma melhor. Bateria as botas.

Numa véspera de São João, logo cedo, Seu Rosendo acordou piorado e dona Graça começou a assar uma porção de pandeló. O cheiro invadiu a casa e a vizinhança. Era um cheiro conhecido de Rosendo. A água na boca jorrava.

Rosendo, num esforço de moribundo, apelou: ”Graça, quando tiver pronto, me traga uma fatia desse pandeló.”

Graça que não tinha papa na língua, respondeu: era bom, Rosendo, e o que eu dou ao povo, a noite, na hora velório. Seu Rosendo se conformou, não queria que em seu velório, não se tivesse nada a oferecer.

Em Itabaiana, hoje, o pão-de-ló é o bolachão de João Patola.

Antonio Samarone – médico sanitarista.