Os Negros de Itabaiana...
(por Antonio Samarone)
Em minha infância eu ouvia: Itabaiana não tem negros! Éramos uma cidade só de branco, os poucos negros vinham de fora. Os negros eram invisíveis, escondidos, negados. Uma forma negacionista de racismo.
Ao contrário, Itabaiana possuía muitos negros.
Eu não entendia. Os meus amigos eram quase todos pretos, ou quase pretos... Depois de meio século, percebo que a cultura negra é pujante em Itabaiana.
O Tabuleiro dos Caboclos (Abaoarapetaba), hoje Bairro São Cristóvão, foi um mocambo de paneleiros. Foi lá que nasceu o futebol em Itabaiana. São de lá os nossos craques. Passei a minha infância no Tabuleiro dos Caboclos, jogando futebol no campo de Mané Barraca.
Para os mais novos, o campo de Mané Barraca era onde a Prefeitura está construindo o Briozão. O futebol era lá! Ficavam na sequência: o antigo Etelvino Mendonça, o campo do Cantagalo e o campo de Seu Mané. O único que não era murado.
A quadrilha “Balança mais não Cai”, a capoeira, o maculelê, o samba de roda, as religiões de origem afro, continuam lá, fortes e atuante. No São João do Bairro São Cristóvão ainda tem pau de sebo, quebra pote, se salta fogueiras e se dança forró pé de serra.
No povoado Flechas, havia uma comunidade negra de malês, todos alfabetizados. A professora primária de minha mãe era negra, na década de 1940. Quintino de Lacerda, líder abolicionista em Santos, SP, é das Flechas.
Entretanto o quilombo mais documentado de Itabaiana foi o Carrilho, atual capital brasileira da castanha de caju, mesmo com poucos cajueiros. O nome é a memória de Fernão Carrilho. Os povoados vizinhos Tabocas, Dendezeiro e Carrilho são comunidades de maioria negra.
Edison Carneiro, em seu livro “O Quilombo dos Palmares (1946)”, cita com documentos, um quilombo dominado em Itabaiana, por Fernão Carrilho. Em 1670, o Governador Geral do Brasil, Alexandre de Souza Freire, mandou Fernão Carrilho destruir todos os mocambos da Província de Sergipe.
O maior mocambo em Sergipe, estava nas cercanias da Serra de Itabaiana, com mais de duzentos negros. Nina Rodrigues, também cita esse mocambo.
Em 1673, Fernão Carrilho acompanhou com os seus homens, a expedição de Rodrigo de Castelo Branco, no descobrimento das minas de prata em Itabaiana.
Em 1683, Fernão Carrilho comandou uma Entrada, com trezentos homens, para destruição do Quilombo dos Palmares. Em 1686, Fernão Carrilho fez outra Entrada, sem sucesso, contra Palmares.
Fernão Carrilho Foi Capitão Mor do Ceará em 1693. Em 1703, foi o lugar tenente do Presidente da Província do Maranhão,
substituindo-o em seus impedimentos.
Não se sabe ao certo nem quando Fernão Carrilho nasceu (1640), nem quando morreu (1703). A única marca deixada por esse guerreiro português em Sergipe, foi o seu nome em um povoado em Itabaiana.
A consciência negra nos povoados Carrilho, Tabocas e Dendezeiro é frágil, chegando-se a negar essa origem. Como me disse uma professora local: os próprios negros não assumem a sua negritude. Foram negados por séculos.
A resistência é cultural.
Antonio Samarone (médico sanitarista)
A foto é de José Airton, (Grilo de Firmino do Fósforo), o goleiro do meu primeiro time de futebol. Ganhamos um Campeonato de pelada (1968). (Grilo, Vadinho de Nilo, Baldochi, Beijo de Bebé, Nego Gato e Samarone).
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