quarta-feira, 10 de maio de 2023

ABOIOS E TOADAS

 Aboios e Toadas.
(por Antonio Samarone)

Recebi um convite para assistir o II Encontro de poetas do Sertão, no Parque Cunha Menezes, em memória dos Bridões de Ouro, Vavá Machado e Marcolino, a maior dupla de cantadores de toadas do Brasil.

O evento em Itabaiana não tinha patrocínio. A entrada era gratuita. Zero de dinheiro público. Não existe fomento para a cultura raiz do Nordeste. Nem eles estão pedindo.

Liguei para Zé Carlos da Madeireira, o organizador do tributo aos bridões de ouro. Fui direto: quem paga essa conta? Um evento que mobiliza meio mundo dos artistas sertanejos. Ele deu um sorriso e respondeu: tudo do meu bolso. Eu gosto, posso e banco. Viva Itabaiana.

Eu acostumado com as festas do Aracaju, onde o patrocinador participa só com os lucros, fiquei boquiaberto.

O aboio era um canto de trabalho, utilizado pelos vaqueiros para tocar as boiadas durante as apartações. Ninguém mais tange boi aboiando, pelo menos em Sergipe. O boi virou commodities, peça de exportação do agronegócio.

O aboio é um canto sem palavras, marcado só por vogais. Disse o grande José de Alencar: “O aboiar dos nosso vaqueiros, ária tocante e maviosa com que eles, ao pôr do sol, tangem o gado para o curral. São os nossos ranz sertanejos.”

O aboio é um canto solo. Não se aboia para vaca parida. Os mais sabidos dizem que o aboio é de origem árabe, mourisca. Eu não sei.

As toadas são os versos improvisados, cantados dolentemente. Os antigos vaqueiros, que pegavam boi na caatinga espinhenta, foram para o mundo da cultura.

O aboio é a partitura, com ritmo e harmonia para as toadas, versos cantados de improvisos, num ritmos lento, quase de súplica.

O dicionário de Música Popular de Cravo Alvin não registra Arlindo Marcolino de Oliveira nem Ademar Teles de Carvalho (o Vavá Machado), dos Bridões de Ouro. Para a memória erudita eles não existiram, mesmo com 8 LPs lançados.

Vavá Machado e Marcolino vivem na memória do interior de Sergipe. Creio eu, e do Nordeste.

“Inácio da catingueira/ criado de João Luiz/ É doutor preto, formado/ É vigário da matriz/ Tanto fala como aboia/ como sustenta o que diz.” Por isso é cabra de fama/ por isso sabe dançar/ por isso eu digo cantando/ Só lá se sabe aboiar.”
Cancioneiro do Norte – 1928.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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