quarta-feira, 10 de maio de 2023
DOCE PROVÍNCIA
Doce Província.
(por Antonio Samarone)
Não tem jeito, sou um provinciano estrutural.
Apresento o sintoma patognomônico do provincianismo: o interesse pela vida alheia. No bom e no mau sentido.
Ao ser apresentado a alguém, uma pergunta está na ponta da minha língua: você é filho de quem? Quem é a sua família, são de onde? E por aí vai...
Na antiga Itabaiana provinciana, ser detetive particular era um profissão invejada. Se fazia um curso por correspondência, no Instituto Universal Brasileiro (1941), com direito a diploma e carteirinha.
Ser detetive particular era um sonho. Os filmes de James Bond enchiam o cinema de Zeca por semanas.
Getúlio de Gumercindo era formado nessa escola. Depois de diplomado, Getúlio passou a ter hábitos dissimulados. Qualquer que fosse o segredo, a fofoca, o disse-me-disse, Getúlio dava um sorriso irônico, como soubesse os detalhes de tudo o que a gente suspeitava.
Foi Getúlio quem descobriu o roubo das galinhas de Messias do Gringo. Foi um afilhado do próprio Messias. Um roubo familiar. O delegado Joãozinho da Padaria mandou soltar os acusados, os três filhos de Zabilinha. Esse caso ficou famoso, na crônica policial da cidade.
Getúlio ganhou fama e prestígio, menos dinheiro.
Getúlio passou a andar pelas sombras. Rondar o beco do cemitério, as ruas do Canto Escuro, o Cassete Armado, o Beco Novo e a rua do Fato. Sempre em soslaio.
Getúlio sabia de tudo, dos podres e das traquinagens dos outros, mas não podia contar. A ética dos detetives não permitia. Não fala nem em juízo.
Os detetives são iguais aos padres e aos médicos. As confissões dos padres, as consultas dos médicas e as investigações dos detetives são secretas.
Andei procurando pelos atuais detetives particulares. Quantos e quem são? Ninguém sabia mais do que se tratava. Eles não existem mais em Itabaiana, acabaram. O Instituto Universal continua oferecendo o curso, sem interessados.
Itabaiana cresceu, passou de cem mil habitantes, virou uma jovem metrópole. A vida dos outros só interessa aos outros. O mercado para os detetives particulares acabou.
O fim dos detetives particulares é um indicativo que Itabaiana deixou de ser Província. Uma prova irrefutável.
Entretanto, Eu permaneço docemente provinciano. No bom sentido.
Antonio Samarone (médico sanitarista)
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