A Missa do Galo.
(por Antonio Samarone)
Natal sem graça! Não tem missa do galo à meia noite, nem festa na pracinha, com ondas, barcas e trivoli. Não tem Roleta, jogo do preá, nem galinha de capoeira com arroz amigo.
O Natal iluminado da Prefeitura e dos comerciantes não me interessa.
A Missa do Galo da Matriz de Santo Antonio e Almas era sagrada. Esperava-se o ano inteiro para chegar o dia. Ricos, pobres e remediados vestiam roupas novas. A roupa das festas.
Eu ouvia o “Tantum ergo sacramentum/ Veneremur cernui”, com o coração cheio de piedade, sem entender uma palavra. Não precisava.
A Missa do Galo do Natal de 1965 foi especial, foi a última no rito tridentino, rezada em latim. O Concilio Vaticano Segundo tinha terminado há 15 dias. A missa passaria a ser rezada no vernáculo.
Lá em casa não tinha Ceia, ia-se à festa profana na praça, depois à missa à meia noite e cama. Depois da missa, a pracinha não era apropriada aos meninos.
Os adultos adoravam ganhar goiabadas na roleta, por isso voltavam para festa. Jânio Quadro tinha proibido os jogos de azar. Para não fechar de vez, os prêmios da roleta passaram a ser goiabadas. A lei não previa esse detalhe.
As mulheres voltavam para a casa, com os filhos.
Nessa missa do Galo de 1965, Tia Gorete passou por um bendito vexame.
Tia Gorete era mascadeira, um hábito herdado dos Tupinambás. Não tirava uma capa de fumo da boca. O vicio tinha inconvenientes: de vez em quando, se precisa cuspir o excesso de saliva amarronzada. Eram cusparadas de meio litro.
Antigamente se cuspia muito. Para evitar maledicências, Tia Gorete mascava a erva-santa, o petim, o tabaco. Imagine o inconveniente das cusparadas durante a missa.
Tia Gorete também fumava aquele cachimbo de fornilho de barro, com a haste de canudo vegetal. Acho que ainda se vende na feira de Itabaiana.
Tia Gorete dormia com a capa de fumo na boca. Eu não suportava o cheiro, talvez por isso, nunca fumei. Ela começou a mascar aos 12 anos, para evitar comer terra. A geofagia era frequente, por conta do amarelão.
Após a Missa do Galo de 1965, a igreja abandonou o latim e Tia Gorete o fumo.
Feliz Natal.
Antonio Samarone (médico sanitarista)
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