sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

A DANÇA DE SÃO GUIDO


Dança de São Guido.
(por Antonio Samarone)

Carlos Wilson era um gentleman. Pele avermelhada, cabelo de fogo, porte atlético, músico da filarmônica. Subia e descia a Serra sem perder o folego.

Filho de Dona Celina, mãe solteira. Carlos Wilson não conheceu o pai. Dizia-se ser filho de um padre Belga, que andou pregando pelo Interior de Sergipe, na década de 1960.

Recentemente, Carlos Wilson se encasquetou com as origens. Quem era o seu pai? Só pensava nisso. Começou a pesquisar, de forma confusa, a sua genealogia.

Mandou uma mecha de cabelos para um laboratório israelense, na esperança de encontrar indícios da paternidade, através do mapeamento genético.
Depois de um bom tempo, recebeu um relatório confidencial do laboratório, alertando para a existência de indícios de uma doença genética rara. Sugeriu-se que ele procurasse os serviços especializados no Brasil.

Carlos Wilson, contou-me isto há uns cinco anos. Meio sem convicção, sugeri: não custa nada repetir o exame. Carlos Wilson deu uma risada: estou com vontade de rasgar o relatório e mandar o laboratório à merda. Doença Genética? Esse pessoal pensa que sou trouxa. Nunca senti nada.

Era só o que faltava: uma doença que não precisa de doente. Seria uma fatalidade nascer com o destino programado geneticamente? Talvez uma herança do meu desconhecido pai, pensava ele.

Há muito, não ouvia falar de Carlos Wilson.

Ontem, recebi a notícia que ele cometeu o Suicídio. Não esperou o 2022.

Vivia muito doente, com uma enfermidade neurológica degenerativa. Não andava, perdeu a fala, tremores dessincronizados. Profundo abalo nas funções cognitivas, demência profunda e depressão.

Começou andando desengonçado, com movimentos rápidos e desconexos das mãos, parecendo uma dança.
A doença se desenvolveu rapidamente, os médicos não descobriram do que se tratava. Não deu tempo.

Contei essa história a um colega, doutor em neurologia, ele foi peremptório: “suspeito de doença de Huntington, o que os antigos chamavam de Dança de São Guido.”

Fui ler sobre a suspeita do Neuro, e acho que ele pode ter acertado. Uma doença genética rara, fatal, degenerativa, incurável, estava inscrita no genoma de Carlos Wilson. O laboratório Israelense estava certo.

Carlos Wilson usou do livre arbítrio e contrariou a condenação genética. Se matou antes.

Antonio Samarone (médico sanitarista) 


Nenhum comentário:

Postar um comentário