A razão sonha com a imortalidade.
(por Antonio Samarone)
Ouvi de um velho homeopata: “quem chegar aos 80 anos sem doença grave, decide a hora de morrer.” No início, duvidei. Como assim? Não entendi.
A partir dos 80 anos, o corpo entra no automático, vai apagando aos poucos, fisiologicamente. Os processos patológicos se naturalizam. O normal e o patológico se fundem.
A medicina comete um sacrilégio, ao entupir os idosos com drogas. Atende apenas aos interesses da indústria farmacêutica.
O Ser, o espírito, a alma, a consciência, a psiquê, o self, seja lá o nome que se escolha, a partir dos 80 anos, o Eu torna-se independente do corpo. Quando não é possível, o Ser voa antes, recorre a demência, perde a audição, a memória, abandona a razão, e em último caso, opta pela morte.
O corpo fica só! O padecimento do corpo é a redenção do espírito. Quem não consegue a separação, sofre junto com o corpo.
“O tempo não envelhece, o tempo remoça. Se tu não confortasses, eu já teria morrido de tanta dor”. Carlos Garcia.
A perda da memória é seletiva, cada um compõe uma narrativa, a seu modo. O tempo apaga as derrotas. Tudo se nivela. “A narrativa é a capacidade do espírito de superar a contingência do corpo”. Chul Han
“Se você dormisse, se você cansasse, se você morresse..., Mas você não morre, você é duro, José” – Drummond
Ontem fui a uma festa dessa gente, a geração dos anos 40. Alegria, boa música, todos cantando e celebrando a vida. Sair convencido do asserto da tese homeopata.
A separação do Ser e do Ente (Heidegger) do espírito e da matéria, da alma e do corpo, da física e da metafísico, tornam-se evidentes a partir dos 80 anos. O sopro da vida ignora o corpo.
A biomedicina, a medicina do corpo, chamada de científica, atua para prolongar o funcionamento do corpo. Foi obrigada a deixar de lado a pessoa, o ser histórico, para viabilizar a transformação do seu cuidado em mercadoria.
A mercadoria é impessoal!
A medicina reduziu a vida a um processo biológico, sem sentido, esvaziada de significados. Viver é sobreviver a qualquer custo.
Cuidar é subjetivo, requer empatia, misericórdia, amor, acolhimento, incompatíveis com o mercado, o lucro e a acumulação do capital.
Vai ser penosa a reumanizarão da medicina.
Se Deus está morto, como dizia Nietzsche, o frio do Cosmo se assentará sobre os nossos ossos.
Antonio Samarone (médico sanitarista)
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