Hospital Santa Izabel (Parte Três)
Antonio Samarone de Santana.
O funcionamento do Hospital Nossa Senhora da Conceição (Santa
Izabel) durante o período Imperial foi bastante irregular. Momentos de boa
administração alternavam-se com momentos de crise. Vez por outra, voltava à
tona a questão de ser o hospital uma “Repartição Pública”, e da necessidade de
repassá-lo para instituições filantrópicas. Em 1866, numa dessas crises
financeiras, o Barão de Maruim doa um terreno, localizado junto à igreja de São
Salvador, e o Governo empresta 20 contos de réis, para que a administração do
hospital construísse uma “casa de mercado”, que passará a servir como fonte de
renda. É um pouco estranho, mas o primeiro mercado de Aracaju pertenceu ao
atual hospital Santa Isabel.
O financiamento do hospital, nesse período, foi feito basicamente
pelo Tesouro. As chamadas contribuições filantrópicas por parte de almas
caridosas estavam reduzidas a quantias simbólicas, com as quais não se
conseguia cobrir nem as despesas com medicamentos. No balanço de 1866,
encontramos que o Hospital Nossa Senhora da Conceição arrecadou naquele ano a
quantia de 6:905$701 contos de réis, dos quais apenas 140$000 réis resultaram
de donativos de particulares.
O grande responsável pela receita do hospital era o poder público,
seja diretamente através de subvenções, seja através de outras formas de
contribuições, como a marítima, o soldo dos praças de polícia e o imposto sobre
a cana de aguardente. As outras fontes de receita como os juros das apólices, o
aluguel da enfermaria São Sebastião aos militares, os rendimentos do cemitério
representavam uma parcela inferior a 20% do total arrecadado.
No que se refere às despesas, nesse momento (1866) já superiores as
receita, os itens que mais pesavam eram o fornecimento de víveres (1:825$041),
pessoal do hospital (1:804$992), custeio (1:501$695) e fornecimento de
medicamentos (1:489$652). Nesse ano, as despesas totais somaram 7:014$400
contos de réis, isto é, um pouco acima da receita existente. O que mantinha o
hospital funcionando era um saldo que vinha do tempo da fundação, quando as
doações foram relativamente generosas, e o que sobrou foi gasto aos poucos, no
decorrer dos anos.
O que chama a atenção na participação do poder público no
financiamento da chamada assistência médico-hospitalar filantrópica e a sua
significativa importância como receita para o hospital, e seu desprezível valor
como despesa para a Província. No caso da Província de Sergipe, essa
participação se deu com maior força nas décadas de 1860/70, ou mais
especificamente, nos quinze a vinte anos que se seguiram à grande epidemia de
cólera.
Nota-se claramente uma redução dos gastos públicos com a
assistência médica em Sergipe, no final do Império e em boa parte da Primeira
República. No que se refere às despesas do poder público com as ações
conhecidas como de saúde pública, a análise é mais complicada, uma vez que não
aparecem nos orçamentos da década de 1860, de forma direta, mas embutidas nas
rubricas de socorros públicos, obras públicas e despesas diversas.
No final do período Imperial, o Poder Público concedia subvenções
diretas aos quatro hospitais em funcionamento na Província. O Hospital de
Caridade de Aracaju recebia 2:000$000, o Amparo de Maria, em Estância
1:600$000, o São João de Deus, em Laranjeiras 1:600$000 e o hospital de Rosário
do Catete 1:400$000. Ou seja, somente com a assistência médico-hospitalar, o
poder público gastava cerca de 6:600$000 contos de réis. Em 1889, a receita total da Província foi de 533:354$695 réis e as
despesas foram de 897:140$347 réis[1]. Além do grave
desequilíbrio das contas públicas, percebemos que as ações de assistência
hospitalar representavam cerca de 0,7% das despesas da Província.
No Governo do Presidente Cincinnato Pinto da Silva (1864), o hospital já
passava por dificuldades financeiras e o principal responsável continua sendo a
dependência do Estado. Novamente é levantada, sem sucesso, a possibilidade da
criação da “Confraria Nossa Senhora da Conceição”, com compromissos religiosos,
e a sua entrega à administração do hospital.
“Esse Estabelecimento não pode ainda receber todos os infelizes
que o procuram, e em quanto tal suceder claro é que não preenche o seu
grandioso fim. Há ali sessenta leitos; mas o estado das finanças dele não
permitem que sejam socorridos mais de vinte doentes. É, portanto, necessário
que a sua receita aumente para que ele possa abrigar maior número de miseráveis.
O Regulamento que o rege, colocou-o sob dependência imediata do
governo. Não há uma Confraria, há sim uma comissão que não tem ligações por
compromisso algum religioso. Logo que esse elemento entrar na constituição
daquela casa mais pronunciadamente, persuado-me que ela, alargando a sua
esfera, disporá de outros recursos. Pensando assim dirigi-me à Mesa
Administrativa encarregando-a de organizar um compromisso, a fim de ser criada,
nesta Cidade, a Confraria de Nossa Senhora da Conceição.”[2]
O hospital continua ligado ao Governo, e as direções vão se
sucedendo. Em 1868, o Hospital de Caridade de Aracaju possuía uma nova direção.
A Comissão Administrativa estava assim constituída: diretor, Dr. Manoel Pereira
Guimarães; tesoureiro, João Manoel de Souza Pinto; Secretário, Capitão Polydoro
Pereira da Fonseca Gomes; e mais, Dr. José João de Araújo Lima, Dr. Cvpriano de
Almeida Sebrão, Capitão José Diniz ViIIas-boas e o Alferes Joaquim José Alves
Guimarães.
Em setembro de 1872, o Presidente Joaquim Bento de Oliveira
Júnior, em relatório de final de Governo, assim se manifesta sobre as condições
do Hospital de Caridade de Aracaju:
“Pude observar o empenho com que a Comissão Administrativa tem
procurado melhorar as condições do estabelecimento, mas não posso ocultar a
impressão desagradável que experimentei vendo o estado de ruínas da casa, cujo
triste aspecto dá muito má idéia da caridade que dentro dela se distribui.”
Desde a década de 1870, a questão da necessidade de transferência
do Hospital de Caridade de Aracaju da casa acanhada localizada à Rua da Aurora
para um local adequado, aparece na ordem do dia. Mesmo porque a casa onde
funcionava o hospital tinha sido construída para instalação de um colégio, e depois
adaptada no que foi possível.
A partir de 19 de janeiro de 1877, o Presidente José Martins
Fontes exonera o Diretor do Hospital de Caridade, Dr. Manoel Pereira Guimarães,
e nomeia uma nova Comissão Administrativa assim constituída: Gervásio Campello
Pires Ferreira, Diretor; o Vigário José Luiz d’Azevedo, secretário; e mais,
Ângelo Lopes de Leão, Aristides da Silveira Fontes, Theodomiro de Melo Barreto,
Joaquim José Alves Guimarães e João Diniz Vilas-Boas. Nessa administração o
hospital passa por uma grave crise, e o Presidente da Província substitui o
Diretor (1878), nomeando em seu lugar o Comendador Cândido do Prado Pinto, e
José de Barros Pimentel Filho, como tesoureiro, que durante muitos anos será o
caixa forte daquela instituição.
“Basta dizer que uma de suas principais enfermarias não estava
concluída, e as duas únicas que funcionavam achavam-se em péssimo estado de
asseio, bem como todo o edifício, existindo nessa ocasião tão somente 7 doentes
de caridade, achando-se o estabelecimento sobrecarregado de uma dívida de
2:500$000 contos de réis, não havendo fornecedor, quer de medicamentos, quer de
víveres, contratados, porque na falta de pagamento ninguém queria sujeitar-se a
semelhante ônus.”[3]
[1]
Quadro de receitas e despesas do Estado de Sergipe, nos exercícios de 1835 a
1899, publicado em anexo à mensagem apresentada à Assembléia Legislativa, em 07
de setembro de 1900, pelo Presidente do Estado Monsenhor Olympio Campos.
[2]
Fala do Presidente da Província, Dr. Cincinnato Pinto da Silva, com que foi
aberta a segunda sessão da décima quarta legislatura da Assembléia Legislativa,
em 01 de março de 1865.
[3]
Relatório da Comissão Administrativa do Hospital Nossa Senhora da Conceição, em
6 de janeiro de 1878.
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