sábado, 5 de março de 2016

HOSPITAL SANTA IZABEL (PARTE CINCO)

Hospital Santa Izabel (Parte Cinco)

Antonio Samarone de Santana

A política de Olympio Campos, Presidente do Estado, na questão do hospital, como já vimos, era repassá-lo para uma instituição filantrópica. Para legalizar a passagem foi aprovada a lei n.º 391, de 23 de outubro de 1900, em que o seu artigo 1.o autoriza o Governo a entregar o Hospital de Caridade de Aracaju a uma instituição de caridade que se dispuser a administrá-lo. De acordo com essa lei, em seu artigo 3.o, os bens do hospital não seriam transferidos (“são inalienáveis os bens que constituem o patrimônio do Hospital”).

Para atender ao previsto na lei n. º 391, foi criada a “Associação Aracajuana de Beneficência”, para assumir a administração do hospital, que passará a ser chamado de Santa Isabel, assim permanecendo até os dias de hoje.

Os estatutos da “Associação Aracajuana de Beneficência” foram aprovados pelos decretos 497 e 498 de 30 de março e 19 de abril de 1901, respectivamente. O primeiro presidente da Associação foi o senhor Joseph Dória Netto. No momento da fundação, a associação possuía cerca de 105 sócios regulares. Como encarregado clínico do hospital permaneceu o Dr. José Moreira de Magalhães.

No momento da transferência, o Hospital possuía 60 leitos e o seguinte patrimônio: apólices do Governo da União, no valor de 6:500$000 réis; letras do Banco da Bahia, no valor de 6:000$000 réis; casa do mercado; edifício do talho de carne verde; edifício do hospital; dois cemitérios (Santa Isabel e Cruz Vermelha), um prédio na rua Aurora e terrenos na rua São Benedito.

Entretanto, no primeiro momento, o patrimônio do Hospital de Caridade não pertencia à Associação Aracajuana de Beneficência. Somente com a lei n. º 486, de 14 de outubro de 1904, no Governo de Josino Menezes, é que os bens do antigo Hospital de Caridade foram transferidos para a Associação.

A evolução do Hospital Santa Isabel se deu muito lentamente. Em 1908, o seu corpo clínico havia aumentado para três médicos, os Drs. Aristides Fontes, Cândido Costa Pinto e, uma novidade, um médico dos olhos, o Dr. Edilberto de Souza Campos, que, em 07 de janeiro de 1908, interna o primeiro paciente com esse tipo de moléstia no referido hospital. O hospital possuía ainda um capelão, o vigário Antídio Telles de Menezes, e os serviços de administração e enfermagem haviam sido entregues às “Irmãs do Santíssimo Sacramento”, e, em particular, à Irmã Gregorina, que irá assumir uma posição de destaque nessa instituição de caridade.

O funcionamento do hospital continuava dentro da ótica de muita caridade e pouca ciência. Em 1908, na enfermaria das mulheres, cujo encarregado era o Dr. Aristides Fontes, foram internadas 217 pacientes, das quais 34 faleceram. Uma mortalidade de mais de quinze por cento. O Dr. Cândido Costa Pinto encarregado das enfermarias São Sebastião e São Roque, descreve de forma sucinta as condições em que trabalhava:

“Estas enfermarias foram freqüentadas por 631 doentes, dos quais 50 faleceram, sendo que muitos deles entraram agonizantes, saindo a maioria absoluta curada e os demais muito melhorados. É pena dizer-se que muitos doentes tem ainda horror a uma casa de caridade, a ponto de que logo que sentem alguma melhora nos seus padecimentos insistirem por sua alta, a despeito de repetidos conselhos, e outros há que não querem sujeitar-se a certas operações que trazem com certeza completa cura.”

Com a chegada à Presidência da Associação Aracajuana de Beneficência do senhor Simeão Telles de Menezes Sobral, o hospital Santa Isabel receberá um grande alento. Uma das medidas foi o convite para que o Dr. Augusto Leite fizesse parte do corpo clínico daquela casa. Em 10 de janeiro de 1913, o Dr. Augusto assume suas tarefas no Santa Isabel, ao lado do Dr. Francisco de Barros Pimentel Franco, e em julho, apresenta as primeiras críticas ao funcionamento do hospital:

“Bem situado, conquanto de acesso difícil, o hospital Santa Isabel ainda não apresenta as condições higiênicas necessárias à realização perfeita do seu elevado fim”.
“Conta à enfermaria São Roque com 38 leitos, onde se alinham, numa convivência lamentável, casos os mais diversos de medicina e de cirurgia”.

Eram péssimas as instalações do Hospital Santa Isabel:

“Não possuía autoclave. Possuía apenas alguns instrumentos cirúrgicos, alguns vidros de ventosas e um termocautério de Pasquelin. Os doentes eram distribuídos, segundo o sexo, pelas duas enfermarias, indiferente, doente de moléstia aguda ou crônica, infecciosa ou não. Ocupavam camas ou esteiras. Não havia lugar especial para crianças. A sala de operações era a mesma sala de curativos.”

A luta de Augusto Leite para transformar o Santa Isabel num hospital adequado à nova medicina, incorporando os princípios da bacteriologia, da patologia e das análises laboratoriais, teve algum resultado.

O Dr. Augusto Leite precisou criar as condições para o desenvolvimento da clínica cirúrgica naquela casa. Desalojou as freiras dos seus aposentos e o diretor do seu gabinete, criando uma sala cirúrgica e uma pequena enfermaria para seus doentes, organizando o primeiro serviço de clínica cirúrgica de Sergipe.

“Operava no Hospital Santa Isabel, escandalosamente protegido pela providência. Não tínhamos laboratório, não tínhamos tensiômetro, nem eletrocardiograma, nem enfermaria idônea. Em começo, o nosso anestésico era o clorofórmio, proibido hoje de entrar nas salas de operações”.

O Dr. Augusto Leite, em junho de 1913, viaja para a Europa, passando seis meses em Paris, onde irá fazer um curso de “técnica operatória” e aperfeiçoar-se em clínica cirúrgica. Nessa sua primeira viagem a Paris o Dr. Augusto Leite ainda faz cursos de Partos (com Wallich e Cauvelaire), citoscopia (com Papin), olhos (com Lapersonne), otorrinolaringologia (com Sebileau) e moléstias da nutrição (com Marcel e Henri Labbé). Com o seu retomo é que começa o funcionamento da clínica cirúrgica do hospital Santa Isabel.

“A 9 de novembro de 1914, com material cirúrgico e de esterilização trazido por ele mesmo da Europa, o Dr. Augusto Leite expôs à luz do dia a cavidade abdominal de uma doente, para dela retirar um fibromioma uterino. Até então, nunca, ninguém em Sergipe abrira um ventre em operação cirúrgica. Estava, finalmente, inaugurado o ciclo da grande cirurgia no estado.”

Com todas as dificuldades, entre novembro de 1914 e outubro de 1926, o Dr. Augusto Leite realizou nesse hospital 408 laparotomias, 19 tireoidectomias, 61 talhas hipogástricas e 11 esplenectomias.
Augusto Leite desenvolveu seu trabalho cirúrgico auxiliado, inicialmente, pelos Drs. Aristides Fontes, Josaphat Brandão e por seu irmão, Sylvio César Leite. Curiosamente, foi com esse irmão que iniciou suas atividades como operador, ainda como estudante, quando passava as férias em Sergipe. O seu irmão, Dr. Sílvio César Leite, já era clínico conceituado do município de Riachuelo:

“Sílvio Leite era médico de sólida cultura humanista, bom clínico, e de esplêndida formação moral. Exerceu sobre mim, grande influência. Aprendi muito, com ele. Ajudava-o em operações comuns, naquele tempo. Permitia por outro lado, que eu também operasse, sob suas vistas”.

Antes da chegada do Dr. Augusto Leite a Sergipe, em 03 de maio de 1909, a prática médica andava distante do caminho que iria percorrer no século XX. Por esse tempo praticava-se em Sergipe apenas pequenas cirurgias e, de vez em quando, um ou outro médico aventurava-se numa amputação. Entretanto, mesmo antes de fazer parte do corpo clínico do Hospital Santa Isabel, o Dr. Augusto Leite já exercitava cirurgia em domicílio.


“Comecei a operar em Aracaju, antes de entrar para o Santa Isabel. Operava nas residências dos doentes. Operei muito. Até mastectomias largas cheguei a praticar em domicílios. Fiz partos em casebres de palha, à luz de querosene.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário