Outra, Residência terapêutica.
(por Antonio Samarone)
Com a redução dos manicômios, o Ministério da Saúde criou uma rede de atenção psicossocial. A orientação é cuidar dos pacientes, inseridos na sociedade. Interná-los, só em casos específicos.
Para os pacientes crônicos, após longos períodos de internação, com famílias desestruturadas, foram pensadas as “residências terapêuticas”. O Poder Público oferece uma casa, e os pacientes formam, entre si, novas formas de convivência, uma família assistencial livre, com autonomia, mas, ainda monitorados pelo poder público. A assistência médica e psicológica são feitas pelos CAPs.
Em Itabaiana, oficialmente, existe uma dessas residências terapêuticas, ligada ao SUS municipal.
Fazendo o meu périplo regular por Itabaiana, ao passar pela entrada do Canto Escuro, na esquina de Seu Jubal, deparei-me com uma cena comovente, para um velho militante da luta antimanicomial.
Na varanda da casa, onde Seu Firmino do Fosco residiu, no sofá, dois irmãos, José Carlos (o Mudo de Firmino), e Airton (Grilo), portador de esquizofrenia, jogavam alegremente um carteado. Um exercício de ludoterapia.
Para quem se interessou, vou esmiuçar um pouco essa história.
Seu Firmino do Fosco (José Tiburcio de Oliveira), era um negro, magro, calmo, simpático, de fala mansa, chegou a Itabaiana para ser agregado na casa de Dona Graça de Rosendo. Não se sabe a origem. Seu Firmino faleceu de meningite, aos 61 anos.
Firmino constituiu uma grande família, ao lado de Dona Maria, vivendo de fabricar botes de fósforo, de sete pancadas. A moderna indústria de fósforos em palitos, levou Seu Firmino a falência. Para sustentar a família, ele mudou de ofício. Passou a consertar bicicletas, uma novidade em Itabaiana. Para completar a renda, ele ainda era apicultor. Criava abelhas-sem-ferrão, no quintal.
A família entrou para a história da psiquiatria. Uma evidência das raízes familiares da loucura. Para os mais apressados, uma influência genética.
O primeiro filho, Zé Luiz, logo cedo a esquizofrenia se manifestou. A cidade atribuía o transtorno, aos estudos. “Tá vendo, foi estudar demais.” Zé Luiz morreu novo. Assistido pela caridade, sobretudo de Dona Maria, esposa de Durval do Açúcar.
O segundo,Tonho, é um mecânico conceituado. Desde menino, se virou para ganhar a vida. Vendia rolete de cana na Praça da Igreja.
O terceiro, Airton (Grilo), um menino valente, foi o goleiro do Bahia de Melcíades, e do meu time, campeão do torneio do Campo de Baltazar. Meu primeiro título: Grilo, Beijo de Seu Bebé, Vadinho de Nilo, Zé Augusto de Zé Oinho, Eu e Nego Gato (Valter de Seu Bonito).
Grilo foi um grande goleiro, até ser vítima da violência policial, que deixou sequelas. Foi o mesmo delegado, que aleijou Zé das Cuias, um negro forte, que levantava uma mesa grande de sinuca, com a coxa. Não tardou a aparecer em Grilo, o mesmo transtorno mental do irmão mais velho.
O quarto, José Carlos (surdo/mudo de nascença), contrariou a medicina, que prognostica baixa capacidade cognitiva, para esses casos. O Mudo de Firmino sempre foi muito inteligente, perspicaz, mesmo sem acesso a uma educação específica. Apesar de tudo, José Carlos sempre entendeu como o mundo funciona. Hoje, é o comandante da casa terapêutica, onde vive com os irmãos.
O quinto filho, Beto, um craque, meia esquerda, também não tardou a chegar ao mesmo transtorno dos irmãos. E por último, dos homens, Vado, foi goleiro do Itabaiana. Os quatro, já viveram na mesma casa. Atualmente, Vado mora em Nossa Senhora do Socorro.
Os outros, continuam lá, na mesma casa, vivendo sem a tutela institucional dos Serviços de Saúde.
Seu Firmino ainda teve duas filhas. Uma falecida, e Maria José, casada, mãe de família, e é quem coordena e assiste aos irmãos. Todos continuam na casa do pai, formando uma residência terapêutica.
Os irmãos moram juntos, tudo muito limpo e arrumado. O Mudo cozinha e Maria José, a irmã, sempre zelosa, lava as roupas e supervisiona. São medicados pelo CAPs.
Tive a certeza que assistência aos portadores de transtornos mentais, pode ser feita no domicílio, sem o enclausuramento dos manicômios.
Quem os encontra pelas ruas, não imagina que eles vivem bem, harmônica e, regularmente, medicados. Todos recebem o BPC/LOAS. Sem romantismo, creio que são mais felizes, que muitos que os consideram loucos. Na verdade, pesa sobre os psíquicos divergentes um estigma.
De perto, ninguém é normal!
Antonio Samarone – Psiquiatra não praticante. Diplomado pela Estácio de Sá!

Maria José é uma santa! Desde jovem, cuida da família, e continuou depois de casada, cada vez mais, agora se desdobrando.
ResponderExcluir