sábado, 29 de novembro de 2025

O BECO DO OUVIDOR


 O Beco do Ouvidor.
(Por Antonio Samarone)

Em meados do século XX, Itabaiana era geográfica e economicamente dividida.

1) A Praça da Igreja, ruas do Sol e das Flores, e adjacências, onde moravam os ricos e remediados.

2) O grande Beco Novo, onde viviam os pobres de todos os gêneros e um ou outro rico. Claro, a cidade não era só isso, existiam outras tribos: os pobres das ruas do Fato, Cacete Armado e Nova; e os remediados, das praças de Santa Cruz e da Feira e rua da Vitória.

O Beco Novo, era a antiga entrada da cidade, para quem vinha do Aracaju, por Riachuelo ou Laranjeiras, e era a trilha de fuga de Santo Antonio, quando fugia da Igreja Velha.

As famílias no Beco Novo eram numerosas.

Os meninos pululavam aos magotes, jogando bola de meia, brincando de cipó queimado e de roda (Eu sou pobre, pobre, pobre de marré deci). Vivíamos, de calção e pés descalços, a procura de peraltices. Alguns se destacavam pela valentia: os filhos de Euclides Barraca e os de Rosalvo do Cabo Quirino. Eu, era do time dos "morfinas'.

O Beco Novo era uma rua comunitária, as distinções casa/rua eram nulas. A molecada entrava casa adentro, de qualquer um, sem pedir licença. As portas eram escancaradas.

O primeiro trecho do Beco estreito, nascia na rua do sol e cruzava a rua da Pedreira (onde Conselheiro, passou uns dias, em 1874).

O segundo trecho, findava no Beco do Ouvidor, onde nasci, que depois foi rebatizado como Monsenhor Constantino. Nesse trecho, moravam famílias tradicionais do Beco Novo: Dona Bilô, Antonio de Anjinho, Armelindo, Antonio Angico, Cabo João Mole, Seu Agenor, sapateiro, Dona Branquinha e Dona Gemelice, a melhor rezadeira do pedaço. Lembro-me das festas de roda junina na casa de Seu Sancho, onde se cantava “quebra, quebra gobiraba..”

O terceiro trecho, findava na rua Padre Felismino. Moravam Palmeirinha, Dona Sula, a mãe dos Geobas, Nilo Alfaiate, Antonino de Liberato, Tonho de Gustavo (recém falecido), Dona Graça, que fazia peido velho, e Zé de Artemiro, pai do Vereador João Candido.

O quarto e último trecho, ia até a rua Miguel Teixeira. No meio do trecho, funcionava o Clube do Trabalhador, organizado pelos comunistas, antes de 1964. Nos carnavais, os alto-falantes alegravam a rua com os frevos de Capiba. Quase em frente, moravam Miguel Fagundes e Seu Bebé dos Passarinhos.

No restante, até o Tabuleiro dos Caboclos, ficavam os três campos de futebol. A ocupação era menor. Dos famosos, lembro-me Seu Pierrô e Divo.

O preconceito, dizia que Santo Antonio dera as costas para o Beco Novo, pois a rua terminava no fundo da matriz. Mamãe achava o contrário, que a posição do Santo era de proteção ao Beco, mesmo por quê, era Santo Antonio dos Pobres.

A única procissão que passava no Beco Novo, era a de São Cristóvão, organizada pelo motorista João de Balbino. Depois Santo Antonio assumiu a proteção dos motoristas, tornando-se na atual Festa dos Caminhoneiros.

No perpendicular Beco do Ouvidor, só existem casas voltadas para o sol. O outro lado, era o muro de Zeca Mesquita, de ponta a ponta. Aliás, permanece assim. Na esquina, eram os quartos de aluguel de Manesinho Clemente. Cinco ou seis, todos ocupados pelas Damas da noite.

Na sequência, uma vila perpendicular, com sanitário comum; a casa do funileiro Zé de Alaíde (Fóbica) e a minha, essa da foto, com 4 metros de largura. Eu passava horas numa preguiçosa, na casa vizinha, assistindo à arte de furar ralos.

Na sequência, moravam uma filha de Seu Justino (Finha), casada com Orlando do Bom Jardim. Depois, mais uma vila, essa recuada do alinhamento, onde Dona Jovem fazia a vida. Uma famosa prostituta, acusada de transmitir lepra para a clientela. Morreu no leprosário do Conjunto Jardim.

Quase no meio do trecho, Seu Marinho, o eletricista da companhia de luz, com uma filharada incontável. Seu Marinho, trabalhava de bicicleta, com a escada no ombro. Ele, e Belmiro. O outro eletricista, era seu Álvaro, já idoso. Eram os únicos eletricistas da cidade.

Depois chegaram outros eletricistas: Jua, irmão de Pulga de Cós, Teixeirinha, Zé, irmão de Amorosa e o irmão de Tereza do Hospital.

No final do Beco do Ouvidor, pela ordem: Pedrinho, dentista, Seu João Mena, o pai de André, um marceneiro especialista em tamboretes de três pés; Cosme, funileiro, Seu Russo, o pai de Nilson, craque do Itabaiana. No mais, a memória apagou. O Alzheimer ameaça a todos.

Seu Justino, sapateiro, foi quem primeiro teve radiola e liquidificar no Beco Novo. Passaram a fazer “vitamina de banana” em casa. Um luxo. Quase uma ostentação.

O Bar Brasília, servia lanche de vitamina e pão com quitute fiambre, em especial, para os bancários do Banco do Brasil.

A famosa vitamina, com banana, leite e Toddy batidos, em forma cremosa, é filha do liquidificador. Uma iguaria esquecida. Os mais sofisticados pediam vitamina de abacate. No filme o “Exorcista”, a vítima vomitava uma gosma, parecida com vitamina de abacate.

Possuir um liquidificador, era um sinal de prosperidade familiar. Como era possuir um rádio de pilha Sharp, encouraçado, potente, sinal claro. No Beco Novo, o primeiro rádio Sharp, foi de Dedé de Olga, causando inveja e admiração.

Nesse tempo, Itabaiana era culturalmente guiada pelo Concílio de Trento. A música estava sob a batuta do Maestro Antonio Silva, da Filarmônica Nossa Senhora da Conceição, que está completando 280 anos.

Antonio Samarone – Secretário Municipal de Cultura.

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